Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 91
Encarando os Demônios Interiores


Notas iniciais do capítulo

Nem tudo será eternamente flores para a Katerina... avisados já estão!
Boa leitura.



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O trânsito me ajudou até a minha volta à Londres. Não peguei um tráfego pesado e, mesmo sendo inverno, o tempo estava relativamente bom. Não tinha chuva, o céu estava claro, o que significava que a temperatura lá fora estava terrível.

E uma hora depois de me despedir de Alex na frente do portão da sala de embarque, eu estava estacionando meu carro no primeiro subsolo do enorme prédio da NT&S.

Quando desliguei o motor e fiz o movimento de tirar a chave da ignição, notei que estava tremendo.

Eu sabia que não estava com medo, quase nada me fazia temer nestes últimos dias, essa tremura, vinda do nada, era uma resposta do meu corpo, do meu subconsciente. Minha memória era muito melhor do que eu pensava, pois eu não me lembrava de ter saído daqui, mas minha mente sabia e relembrava os pormenores daquela tarde.

Respirei fundo, para tentar me acalmar internamente e abri a porta. Caminhei até os elevadores e desci no lobby. Apresentei minha identificação de funcionária e avisei que tinha uma reunião com a diretoria.

Liberaram meu acesso e, enquanto esperava pelo elevador que me levaria até o último andar, pude ir ouvindo os cochichos e os murmúrios podendo, ainda, sentir alguns olhares sobre mim. A estes eu me dignei a responder e assim que identifiquei quem eram as pessoas que me encaravam, encarei de volta. E isso pegou todos de surpresa, pois esse nunca fora o meu movimento, normalmente ou eu ignorava ou eu procurava me desviar da atenção.

Não mais. Como eu já tinha cansado de falar, a última experiência de quase morte tinha me aberto os olhos e, talvez, eu estivesse mudando até meu comportamento. A Katerina submissa, quieta, calada e com a tendência de não querer aparecer tinha ficado dentro daquela sala. Agora eu estava decidida a não deixar ninguém me machucar, seja em que sentido fosse. Eu agora ditaria as regras e seria aquela que, se não está sob os holofotes, porque eu realmente não gosto disso, seria aquela que tem opinião própria, que sabe o que está falando e vai buscar pelo que acredita sem ficar se escondendo do mundo só porque o meu sobrenome era importante aqui dentro.

E foi pensando nisso que encarei o quarteto que me olhava. Eu reconheci os rostos, todos executivos seniores, como eu fui um dia, homens que não estavam aceitando muito bem terem sido preteridos por um pirralha como eu.

Azar o deles, aqui não tinha mais nenhuma pirralha.

Quando escutei o apito do elevador indicando que as portas foram abertas, me virei para ficar de frente ao aparelho e antes que as portas se fechassem, ainda pude ver os quatro executivos parados no canto e ainda me olhando, como se todos esperassem que eu iria desistir agora.

Desistir. Esta é uma palavra que não consta no meu dicionário.

O elevador parou em alguns andares e foi até cômico assistir as reações de algumas pessoas. Acho que o boato era o de que eu havia morrido, pois só assim explicaria o motivo de alguns me olharem com medo, com espanto. Porém, outros só me olhavam e diziam: “ela está de volta permanentemente e para ser a Diretora”.

Sim, a fofoca já começava cedo e completamente errada.

Finalmente me vi no último andar. Saí da caixinha de metal e me permiti olhar em volta. As mesmas caras de espanto, de medo, de susto. Foi por muito pouco que eu não falei: “Ressurgi dos mortos, e não recomendo o outro lado”.

Contudo, preferi ficar quieta e ignorando o corredor que levava até a sala onde tudo aconteceu, levantei a cabeça e caminhei na direção oposta, até a Diretoria.

Antes mesmo que eu chegasse perto da sala, notei que já havia uma mudança bem significativa, Mary não era mais a secretária, ela fora substituída, e para a minha enorme surpresa, por Wendy, que fora meu braço direito por muitos anos.

— Katerina!! Fico tão feliz que esteja bem! – Ela se levantou com um pulo, atraindo os olhares dos estagiários, e de outras secretárias também, e veio me abraçar.

— Eu também estou feliz em saber que te recontrataram! Liv me contou o que fizeram com você.

— São águas passadas e quem fez o que fez, não está mais aqui dentro da empresa. – Como sempre, Wendy tinha uma outra forma de ver o mundo. Com ela o copo estava sempre meio cheio. – Vamos falar de coisas boas.

— Que seria?

— Logo, logo sua avó vai te atender, ela e a Sra. Grissom já devem estar terminando a reunião.

— Mas logo cedo? – Questionei.

— Com ela é assim, quanto o mais cedo começamos, mais cedo podermos ir para casa, para as famílias.

— Esse é o lema e a interpretação correta da minha avó. – Involuntariamente abri um sorriso.

— E sobre você, Katerina? Já fiquei sabendo que você arranjou não só o homem mais bonito de Los Angeles, como ele salvou a sua vida.

Consegui ter a capacidade de encher os olhos de lágrimas ao lembrar de como Alex age comigo.

— Realmente, Alexander é especial! Muito! Tenho sorte de tê-lo encontrado naquela praia. – Murmurei.

— Você vai ter que me convidar para o casamento.

— Pode ter certeza, Wendy, você já está na lista de convidados.

E com uma simples frase, consegui deixar a mina ex secretaria sem graça. Ela logo balançou a cabeça e voltou à mesa, pegando uma pasta e depois me passou.

— Estes são os números finais de Los Angeles. Creio que você chegou a vê-los antes do recesso.

— Sim, Milena me passou.

— Ótimo, porque é sobre eles a reunião. Tanto a que está acontecendo agora, quanto a que você vai participar. – Wendy me informou.

— Você sabe de algo que eu só vou ficar sabendo lá dentro, não sabe?

Wendy deu de ombros e, depois de olhar na direção da porta da diretoria para mim, pediu que eu chegasse mais perto e me contou:

— A Sra. Grissom quer que você assuma a vice diretoria, a Sra. Nieminen acha que você deve continuar exclusivamente com o Los Angeles, e que outra pessoa deve assumir como Vice, que não seria cumulada com este escritório. E as duas têm tido reuniões diárias para chegarem a um acordo quanto a isto.

Olhei para a porta e até temi internamente o quanto que as duas mulheres falariam na minha cabeça. Ainda mais Grissom que pode ser bem persuasiva, de uma maneira arrepiante.

— Você vai aceitar a vice diretoria? – Wendy me perguntou cheia de expectativas.

— Ainda não é a hora. – Fui sincera. – Abandonar Los Angeles na mão agora é até sujeira com os funcionários do escritório. Além do mais, essa minha promoção vai ficar com uma impressão de que estão tentando me calar...

Creio que Wendy esperava uma resposta diferente de mim, ou talvez eu tenha passado a ela a impressão de que realmente jamais perderia a oportunidade de ascender na empresa.

— Tem certeza de que estou falando com a mesma Katerina?

Dei um sorrisinho para ela.

— Tenho. Ainda não é a hora. Tudo ao seu tempo, Wendy.

— Por mim você já está mais do que preparada, mas se não é o que pensa, ainda acho que a cadeira de vice-diretora combina com você. – Ela comentou e logo se sentou. Imitei seu gesto e estava para tirar o celular da bolsa, quando a porta da sala de reunião se abriu e as duas mulheres mais poderosas da NT&S saíram conversando, seus semblantes eram calmos. Elas vasculharam a sala com os olhos, cumprimentando os presentes e assim que me viram, trocaram olhares. Internamente não gostei disso, pois pareciam que elas estavam apostando sobre qual seria a minha resposta.

Grissom me cumprimentou com um aperto de mãos e logo deixou a antessala, Wendy entrou na sala da diretoria e eu fiquei ali, no meio dos estagiários, que me encaravam como se estivessem vendo um fantasma.

— É você a Katerina Nieminen, não é? – Um rapaz de óculos me questionou. E ao mesmo tempo, a garota que se sentava ao lado dele, deu um chiado como se fosse uma panela de pressão.

— Cala a boca!

— Sim, sou eu. – Respondi ao rapaz e ignorei a garota, porém agora, ela me encarava e, sem papas na língua, soltou:

— Falaram que você tinha morrido.

E aqui estava, as minhas suspeitas estavam mais do que confirmadas.

— Se eu estou aqui, o boato era mentira.

— Mas eu vi você ser carregada para fora desse prédio toda ensanguentada.

Encarei a menina, ela estava me dando nos nervos, só pelo fato de que estava trazendo à tona memórias que eu não queria desenterrar.

— Para você ver, ressurreição é o meu hobby. – Falei sarcasticamente, imitando a fala de James Bond em Skyfall, mas parece que os dois pirralhos não entenderam a deixa.

— Quantas vezes você já morreu? – Insistiu a menina e Deus me perdoe, porém ela era sortuda, porque se as janelas não fossem lacradas, eu já tinha mandado ela lá na rua. – Falaram que o Sr. Cavendish tentou te matar umas cinco vezes.

Eu estava a ponto de dar uma resposta atravessada, quando a porta da Diretoria se abriu e Wendy disse que eu era esperada.

— Obrigada, Wendy. – Agradeci ao passar por ela e lancei um olhar atravessado para a garota.

— Ela não gostou de mim... – Foi tudo o que eu escutei ao fechar a porta atrás de mim.

— O que você fez com a Charlie? – Minha avó me perguntou, pois ela também escutara o comentário da garota.

— Eu? Nada! Já ela tem que aprender a manter a língua dentro da boca. E bom dia, vovó! Ou devo chamá-la de Sra. Nieminen?

Minha avó se desfez do título e me levou para o outro canto da sala, onde tinha um sofá, nos sentamos ali e ela logo começou com a conversa séria.

— Vou pular as amenidades, porque nos vimos ontem à noite e sei, só de olhar para a sua carinha, que se te perguntar sobre o Alex, é bem capaz que você comece a chorar, assim, vamos ao trabalho!

— Já que é para ser direta, Sra. Diretora. Qual é a aposta que você e Grissom fizeram?

— Camila vai perder. Eu só preciso que você me confirme as suas intenções antes que eu as passe para o Conselho aprovar.

— Continuam as mesmas. Vou ficar em Los Angeles. Ainda mais depois de tudo o que aconteceu... os funcionários com quem cruzei acham que estão vendo um fantasma, e, pelo visto a Charlie, pensa exatamente assim também.

— Sim, fofocas sobre a sua morte estão rondando os corredores.

— Espero que as pessoas sejam mais criativas quanto a minha sobrevivência do que inventarem que eu tenho uma sósia, igual fazem com o Paul McCartney... – Interrompi minha avó que não me olhou muito contente. – Perdão, continue. – E aqui eu falava como a neta que tinha levado um sermão só com o olhar.

— Bem, como eu te disse, KitKat, esse tipo de boato vem rondando o prédio e até mesmo outros escritórios desde o Conselho. Não nos dispusemos a esclarecê-los, pois você voltaria em janeiro, seja para a sua saída definitiva ou permanência. Então, já que te viram e fizeram inúmeras perguntas inconvenientes, creio que este ponto está encerrado, não?

— Sim. – Respondi não muito certa.

— Ótimo! Passemos então para você. Vai ficar, ou quer sair?

— Vou ficar. – Garanti.

— Acha que o Escritório de Los Angeles está pronto para receber a vice diretoria da NT&S?

— Pronto, está. Mas não acho e nem acredito que seja um movimento necessário e inteligente.

— Explique-se.

— A vice diretoria não deveria acumular o cargo de gerência com a administração de um escritório. Sei que fizeram isso nos últimos 30 anos, e funcionou, até certo ponto. Porém, é trabalho demais, responsabilidade demais, é muito dinheiro e documentos envolvidos. Sou a favor de a Vice Diretoria só assumir a gestão dos Escritórios, ser a ligação de cada Diretor Executivo Regional com a sala da direção. Ser o intermediador de conflitos e problemas, que os diretores regionais não conseguem ou têm tempo para resolver. Contudo, se acumularem estas funções com a gerência de um escritório, seja ele qual for, o trabalho ficará mais complicado. Será terceirizado e nem sem sempre saíra com qualidade... Perdemos muito dinheiro em contratos não firmados a tempo, por conta da sobrecarga do vice-diretor. Ele simplesmente entregou a gerência dos escritórios para uma pessoa completamente incapaz e sem conhecimento e o que vimos foi que, pela primeira vez na história dessa empresa, o Escritório de Londres fechou o ano no vermelho. Com péssimos números. E não podemos nos esquecer o tanto que São Paulo foi prejudicado também.

— Então, você é a favor de separar a Vice Diretoria do Escritório onde ela está?

— Sim.

— E por que não Los Angeles? Por que Londres?

— Tradição, distância mínima com a corte superior da empresa, todo o arquivo do que a empresa faz está aqui. Além de que é muito mais fácil manter o Vice no fuso horário mediano, do que mandá-lo para um lugar onde está há oito horas de Londres e dezesseis de Tóquio... não iria dar certo nessa parte! Ou seja, é uma questão de localização física.

— Belo ponto de vista. Eu ainda não tinha pensado assim.

Dei uma risada.

— Com o Meridiano de Greenwich passando aqui pertinho, a senhora se esqueceu de que é daqui que saem todos os fusos da Terra?

— Katerina, é você quem é fascinada por essas coisas, contudo, está certa, logisticamente falando, tem que ser Londres. Assim, dois pontos estão resolvidos.

— Eu achei que seriam sobre estes pontos que discutiríamos hoje...

— Sobre a sua carreira, sim. Você ficará em Los Angeles, sendo somente Diretora de Escritório e continuará a fazer o excelente trabalho que estava fazendo. Agora eu preciso da opinião de uma pessoa que entende a dinâmica da empresa para me aconselhar sobre outros dois temas...

— Ai, isoäiti[1], não sei se sou a pessoa mais indicada para isso.

— Mas é sim, pode apostar.

 E eu me senti desconfortável com a certeza dela.

— Sobre qual assunto seria? – Perguntei até com medo da resposta.

— Quem deveria assumir a Vice-Presidência?

O pior que eu nem parei para pensar quando simplesmente soltei:

— Camila Grissom.

— Está tão certa assim da experiência dela?

— Não tem ninguém melhor. E será de grande ajuda para a senhora, porque ela não é acionista por conta de que, um dia, quis comprar ações da empresa, ela atua como Diretora do Conselho, porque fez o seu caminho até lá, degrau por degrau. Ela ascendeu dentro da empresa começando de baixo.

— Ela fez exatamente o que você está fazendo.

— A diferença, Sra. Nieminen, é o sobrenome. Grissom não é o nome que estampa os prédios ao redor do mundo, os rodapés dos e-mails, os timbres dos papeis. Ninguém duvida da capacidade de Camila, porque ela não faz parte de nenhuma família.

Minha avó se levantou e depois de se dirigir até o telefone, fez uma ligação diretamente para o escritório de Grissom, pois a única coisa que ela disse foi:

— Bom dia, Camila, pode retornar à Diretoria, por favor?

Aproveitando que minha avó estava de costas, fiz uma careta, era agora que a coisa iria ficar ruim.

Porém, a diretora interina da empresa tornou a se sentar na minha frente e depois de me entregar uma pasta, onde vi que eram vários nomes dos executivos de Londres, apenas falou:

— Conhece todos eles?

— De nome, sim. Pessoalmente, só uns poucos. A concorrência era grande e sempre acharam que eu era privilegiada em todos os sentidos aqui dentro.

— Então não tem informação sobre nenhum desses nomes.

Passei os olhos nos nomes, alguns eu realmente sabia quem eram as pessoas, e sabia exatamente o que faziam, assim separei as fichas de quem eu conhecia o trabalho e entreguei para minha avó.

— Estes eu vi trabalhar e trabalhei junto. Boas pessoas, e excelentes funcionários. Quanto ao resto, mesmo tendo os números na frente, não vou emitir opinião, pois não os conheço.

— Certo. E o que você pode me falar dos que conhece?

Comecei a dissertar sobre as pessoas que conhecia, tentando ser o mais imparcial possível.

— Mas, só para que eu fique com a consciência limpa, estes nomes são para assumir o Escritório de Londres?

— Exatamente. – Foi tudo o que a minha avó me respondeu e fomos interrompidas por Wendy que anunciava a chegada de Camila.

Levantei-me para receber aquela que passaria a ser a minha chefe, e ela foi logo falando.

— Eu perdi essa aposta, não perdi, Mina?

— Perdeu. Kat vai ficar em Los Angeles. E Eu tenho uma outra ideia para você.

A poderosa do Conselho só olhou para minha avó.

— O que acha de assumir a Vice Diretoria e começarmos a reestruturar a empresa daí?

Camila encarou minha avó, seus olhos verdes desconfiados sobre o que poderia acontecer dali para frente.

— E como isso irá funcionar?

Eu sabia que esse assunto não era para que eu ouvisse, então comecei a pegar a minha bolsa e estava para pedir licença, quando fui impedida.

— A ideia veio de Kat. E eu concordo com ela. Londres tem que ser o escritório central e o lugar de onde as ordens vêm. E você é perfeita para o papel de fiscalizar os escritórios regionais.

— E quanto a Londres?

— Promoveremos alguém daqui de dentro.

Grissom olhou na minha direção.

— Não, senhora. Com todo respeito, contudo, não posso trabalhar aqui dentro. Por dois motivos, primeiro, não aguento pensar no que passei aqui no último ano, preciso me afastar daqui. E segundo, não vou deixar Los Angeles na mão.

— Justo. Muito justo. E eu gostei da ideia. – Disse Grissom. – Não quer ser membro do Conselho? Como aquela que sabe como os escritórios trabalham?

— Bem... tem esse cargo no Conselho?

— Não, mas podemos criar. O que seria de grande ajuda para mim, também. Poderia usar o seu know-how para me orientar sobre alguns assuntos, o que acha?

Eu tinha alguns segundos para responder, então só me vi falando:

— Por que, não? Aceito.

— Isso é ótimo. Vamos fazer reuniões semanais via videoconferência, mas gostaria que você aparecesse por aqui, nem que fosse uma vez por mês. – Continuou Camila.

— Acho justo. Toda última sexta-feira de cada mês, seria bom? Assim aproveito e vejo a minha família.

— Anotado. Mais alguma coisa, ou já posso fazer a pauta da reunião do Conselho desta semana, Mina?

— Pode fazer, Camila. Terminamos aqui.

E nós três nos levantamos. Camila se despediu já falando ao celular e eu fiquei mais um pouco.

— Já vai para o aeroporto? – Quis saber minha avó.

— Sim, vou aproveitar o fuso horário e tentar chegar em Los Angeles para ver a quantas anda o escritório. Mesmo que esta seja somente a primeira semana de trabalho do ano, creio que muita coisa me espera.

— Isso deve ser verdade. E não se esqueça, estas viagens cruzando meio mundo são no avião da empresa. Você merece isso.

— Obrigada, vovó. Será de grande ajuda não ter que voar de comercial.

— Sei que você é bem fresca nesse ponto, te conheço minha neta.

Tive que dar um sorrisinho sem graça, esse devia ser um dos meus defeitos, fui acostumada com jato privado, e não gostava nem de pensar em viajar em longos voos comerciais transatlânticos.

— Que horas irá decolar?

— Meio-dia. Chego em Los Angeles por volta das 14:00 horas, horário de lá. Viva o fuso de oito horas! – Dei um abraço em minha avó. – Só peço que alguém vá resgatar o meu carro no hangar, por favor.

— Pode ter certeza de que seu pai vai fazer isso. Vá com Deus, minha neta, e não se esqueça, você não está sozinha!

— Sei disso, vovó. E muito obrigada!

Sai da sala e me despedi de Wendy,

— E agora te vejo só no final do ano.

— Uma vez por mês eu vou fazer uma aparição fantasmagórica neste prédio. Me aguarde. – Brinquei com ela e segui para os elevadores. Dessa vez a viagem foi tranquila e logo estava na garagem, pronta para voltar para uma Los Angeles sem Alexander.

— Vai passar rápido. - Esse era o meu mantra enquanto dirigia pelas ruas geladas de Londres até o aeroporto de London City.

O jato, como sempre, decolou pontualmente e eu tinha dez longas horas de descanso pela frente, então, tirei meus sapatos, ajeitei-me no sofá com uma coberta e estava prestes a dormir, quando meu telefone começou a emitir vários bips, indicando mensagens...

— E se eu ignorar? – Murmurei e virei de lado.

Só que a pessoa deveria realmente estar precisando falar comigo, pois me ligou.

— Eu estou há mais de trinta mil pés de altura e tem alguém querendo falar comigo! Inacreditável! – Murmurei e me levantei para pegar o aparelho. Nem me dignei a olhar quem me ligava, só atendi no modo automático.

— Olá!

— Katerina, minha querida, já está voltando para casa?

— Dona Amélia?! Oi! Bom dia para senhora! E sim, já estou voltando para Los Angeles.

— Está no jato?

— Sim, senhora.

— Não vou me demorar, então. Só quero saber que horas você desembarca para que Jonathan possa te pegar no aeroporto.

— Não precisa, Dona Amelia.

E minha sogra só me encarou como que me desafiando a continuar a desafiá-la.

— Eu devo chegar entre 14:00 e 14:30. – Cedi.

— Muito bem, nem doeu, não foi?

— Não, Dona Amelia. Não doeu.

 - Jonathan estará lá te esperando. E você janta conosco hoje. Nada de ter que fazer comida só para si.

— E eu aproveito e resgato o trio peludo.

— Se seus filhos quiserem voltar para casa, Kat. Porque sabe como é, casa de vó é muito melhor.

Tive que rir das piadas de minha sogra.

— Veremos o que vai acontecer daqui a pouco.

— Sim, daqui a pouco, então aproveite a calmaria que você sabe como são as coisas por aqui.

— Pode ter certeza de que sei. E muito obrigada pela carona.

— Tudo pela família, Kat! Até mais.

— Até. – Despedi de Dona Amelia e como o meu sono tinha voado para fora da aeronave, tudo o que me restou foi ver alguma série ou filme.

Passei mais tempo escolhendo algo do que vendo, porque quando finalmente peguei um filme que me interessou, acabei dormindo toda torta no sofá.

Acordei com o aviso da cabine mandando afivelar os cintos. Ajeitei tudo na correria e me sentei em uma das poltronas, logo na janela, e pude ver Los Angeles crescendo à medida em que o avião ficava mais perto do solo, até que a cidade se espalhou pelo horizonte e não pude distinguir muita coisa.

— Apesar de ter metade da população de Londres, ainda me assusta pensar que vou ter que me virar praticamente sozinha aqui pelos próximos três meses. – Comentei baixinho quando o avião já taxiava.

A alfândega não demorou e logo fui liberada para descer. Peguei minhas malas e caminhei pelo saguão, primeiro tentando me acostumar com o fato de que ainda estava de dia e segundo, apesar de ser inverno, estava muito mais quente do que em Londres, então, a primeira coisa que fiz foi tirar o pesado sobretudo que vestia e que atraia alguns olhares curiosos.

Logo avistei meu sogro que estava parado em um canto, tomando um copo de café e, assim que me viu, só levantou um braço, pedindo que eu o esperasse e, assim que chegou perto de mim, a primeira coisa que ele fez foi me dar um braço apertado e um beijo na testa.

— Fez boa viagem, filha?

— Sim, Sr. Pierce. Dormi praticamente o tempo inteiro, não sei se esta foi a melhor das opções, mas acabei sucumbindo ao silêncio.

Fomos conversando amenidades pelo caminho até minha casa, Sr. Pierce falando das melhorias que tinham feito no Rancho e sobre como Filho do Perigo era praticamente indomável.

— Eu avisei que ele era arisco.

— Arisco é uma coisa, Kat. Indomável é outra.

Perigo não é assim tão impossível, ele responde bem a mim, vou mostrar para o senhor.

— E vai mesmo, Amelia não vê a hora de vê-la montando em Hal e domando Perigo. Mas, você já pode?

— Ninguém me proibiu, então creio que já posso montar sim.

E sobre esta frase, meu sogro só falou o seguinte:

— Está mais do que explicado o porquê de você e Alex se dão bem.

Apesar do trânsito pesado, meu sogro conseguiu me deixar em casa até bem rápido, mas ele também conhecia os atalhos de Los Angeles, e diferentemente do filho, não se acanhou e me ensinou os nomes das ruas e os pontos principais que eu deveria guardar para que chegasse mais cedo em casa.

Ele ainda insistiu em levar as malas para dentro, mesmo contra a minha vontade e antes de ir embora, abriu a janela do carona e me lembrou:

— Amelia está te esperando às 19:00, e pode levar a sobremesa porque ela anda boicotando qualquer doce lá em casa, mas não vai falar nada se você levar.

— Tem certeza, Sr. Pierce?

— Para todos os efeitos, você não sabia que ela tinha imposto essa regra.

— Tudo bem. – Respondi meio incerta.

— Vai por mim, Kat. Esse nosso plano vai dar certo.

— O senhor quer que eu finja que eu não sabia de nada sobre isso?

— Sim. Só isso.

— Mas eu sou uma péssima atriz!

— Esse problema eu resolvo. Mas leva a sobremesa.

— Eu levo. Alguma em especial?

— Torta holandesa. E tire foto e mande para Alexander. – Foi o que ele me respondeu e depois ligou o carro e se foi.

Entrei em casa e estranhei o silêncio absoluto. Não tinha mais ninguém a não ser eu. Não tinha Alex, não tinha meus cachorros. Caminhei pela sala, abrindo as cortinas, deixando a luz do sol de inverno entrar pela enorme janela de vidro, depois fui até a cozinha e vi um bilhete de Carmen na porta da geladeira, ela falava que tinha vindo limpar a casa e passou aqui uma vez por semana para verificar tudo.

Nossa governanta era uma benção.

Voltei à sala e comecei a desfazer as malas ali mesmo. Tinha algumas coisas que eu havia trazido que seriam distribuídas no primeiro andar mesmo.

E devagar, desfiz as malas, guardei tudo em seus devidos lugares, só deixando para dependurar o quadro que fiz de Alex mais tarde, pois este eu precisaria medir para não ficar torto. Fiz a torta que o Sr. Pierce me pediu para levar e, sem mais nada para fazer e vendo que ainda era relativamente cedo, decidi por tomar um banho, e fazer uma rápida aparição no escritório. Isso não era estritamente necessário hoje, até porque eu pouco trabalharia, mas era só para sair de dentro dessa sensação de vácuo que tinha se transformado a casa.

Quando cheguei na garagem me dei conta de que provavelmente os carros deveriam estar com as baterias arriadas, afinal, foram mais de trinta dias sem ninguém usando nenhum deles, contudo, como sou curiosa, tentei virar a chave e o carro pegou de primeira.

— Por essa eu não esperava. – Murmurei já saindo de casa. – Aposto que foi o Sr. Pierce quem passou por aqui e fez a devida manutenção nos carros. Meus sogros me surpreendiam a cada dia.

Por conta do horário, o trânsito estava até bem tranquilo e me surpreendi que gastei metade do tempo que geralmente gasto quando vou cedo para o prédio.

Parei o carro na minha vaga e subi para meu escritório. Assim que as portas se abriram, pude ouvir Amanda:

— Lá vem mais trabalho.... a Chefa vai nos cortar a cabeça amanhã! A mesa dela e a de reuniões e o sofá estão que não cabem mais relatórios!

— A coisa está tão preta assim? – Perguntei parando entre as mesas de Milena e da garota.

— CHEFA! Katerina! – As duas falaram ao mesmo tempo e se levantaram.

— Boa tarde para vocês!

— Pelos Deuses! Você sobreviveu! As fofocas cruzaram o Atlântico e o país e chegaram aqui falando um monte de coisa que eu acho que estavam erradas.

— Se for sobre a minha morte, estão certas, eu sou somente um espírito desencarnado que não quer ir para o outro lado e resolveu assombrar o prédio e os funcionários!

— CREDO!! – Amanda gritou. – Eu tenho medo dessas coisas! Agora toda vez em que eu entrar no elevador eu vou ficar olhando para trás, esperando ter algo às minhas costas!

— Medrosa! – Brinquei com a cara dela.

— Eu tô falando sério! – Retrucou a adolescente.

— Mudando de assunto, e falando de algo mais importante. O que foi verdade e o que era boato sem fundamento. Sua morte é claramente boato, mas...

— Não sei o que chegou aqui, Milena, porém, é verdade que tentaram me matar e que fiquei entre a vida e a morte.

As duas arregalaram os olhos.

— E sobre você virar a presidente. Estão falando da Sra. Nieminen.

— Minha avó paterna é a Presidente Interina. Tem algumas coisas que ainda terão que ser discutidas, algo que eu não sei os detalhes porque não sou membro votante do Conselho. – Expliquei.

— Nossa... tanta coisa mudou em menos de um mês. Tanta coisa. – Milena disse.

— Não com relação ao trabalho, parece que tem muita coisa me esperando. – Comente e olhei para a porta aberta de meu escritório, de onde eu já podia ver a mesa de reunião tomada.

— É... podemos dizer que isso é a sua herança. O pessoal está trabalhando alucinadamente.

— Não tem problema algum. O que é absolutamente urgente ali?

— O que está em cima da sua mesa e cadeira.

Fui caminhando na direção do escritório e parei na porta e, ao ver, melhor, não ver a minha porta, só soltei:

— Minha Nossa Senhora do Chuveiro Elétrico, dai-me resistência.

— Eu falei que era coisa demais. – Milena me avisou.

— E a quantas anda a digitalização disso?

— Mais ou menos rápida. Na verdade, ninguém quer fazer serviço de estagiário.

— Acho que temos que arranjar mais um estagiário só para isso então. – Respondi entrando na sala.

Acho que Amanda comentou algo, porém, tinha tanta coisa aqui dentro que estava abafando o som.

Comecei olhando as datas dos relatórios e separando o que era essencial. Depois coloquei uma pilha considerável em uma cadeira e fui até o elevador empurrando a dita cuja.

— Novo método de carregar peso? – Milena perguntou brincando.

— Não posso carregar muito peso ainda. Isso vai ter que servir.

Fiz esse trajeto umas quatro vezes. Não eram coisas difíceis de resolver e tenho certeza de que poderia fazer durante à noite.

Pouco antes de ir embora, conversei com a Milena e Amanda, e nós três decidimos como iriamos separar os futuros problemas, para que nada ficasse muito tempo parado na minha mesa.

Às 16:30 voltei para casa, descarreguei o carro, coloquei uma roupa confortável e, sentada no chão do meu escritório, com o som bem alto, comecei a trabalhar, marcando o despertador para me avisar quando fosse 18:30 para que eu não chegasse atrasada na casa de meus sogros.

Peguei um ritmo confortável de trabalho e quase que dou um pulo de susto quando o celular despertou.

Dei uma alongada no meu corpo, corri para colocar uma roupinha melhorzinha, peguei a sobremesa que me fora encomendada e me dirigi para a casa dos Pierce, um tanto incerta quanto ao caminho e, principalmente, se era a coisa certa a se fazer, contudo, me lembrei da promessa que fiz à Alex e a toda a minha família e aceitei o destino.

Como não tinha o controle da garagem, que ficara no carro de Alex, parei meu carro na rua mesmo e bati campainha. E assim que fui atendida e me identifiquei, Dona Amelia já foi falando que família sempre guarda o carro na garagem e que era para o Sr. Pierce tratar de me arranjar um controle, ao mesmo tempo em que abria o portão da garagem e me mandava guardar o carro lá.

Entrei com o carro e antes que eu pudesse descer, já vi meus cachorros correndo na minha direção. Abri a porta e Loki foi logo pulando no meu colo, Stark tentou, mas acabou ficando apoiado nas patas traseiras e balançando a cauda enquanto eu acariciava suas orelhas e o lesado do Thor, sem conseguir chegar até mim, começou a ganir como se eu o tivesse atropelado.

— Pode ir parando, Exagerado! Você está bem! – Fiz um carinho na cabeça dele.

Peguei a torta que estava no banco do carona, desci do carro e tive que abraçar um por um dos cachorros, que foram me seguindo até a porta da frente, onde meus sogros me esperavam.

— Bem-vinda de volta à Los Angeles! – Dona Amelia me cumprimentou com um abraço. – E o que é isso? – Perguntou ainda abraçada a mim. Como ela não via o meu rosto, só olhei para meu sogro que com uma piscada de olho, respondeu por mim.

— Amelia, se esqueceu da primeira ver em que a Kat veio jantar conosco? Ela disse que era tradição da família dela sempre levar algo. Por isso ela trouxe o doce.

Dona Amelia se afastou de mim e olhou para o marido, depois para mim.

— Aviso agora porque você não sabia. Estamos cortando o doce. – Apontou para o marido. – Então, doces, aqui, só em ocasiões especiais.

Se eu soubesse que era por causa médica, jamais teria caído na lábia do meu sogro e feito a torta.

— Da próxima vez eu não trago. – Respondi séria.

— Isso, agora vamos entrar, que sei que deve estar com fome. – Ela foi me puxando para dentro de casa, onde vi que Pepper também estava.

— Oi, Kat! – Ela me cumprimentou da cozinha.

— Te liberaram do gancho?

— Will não está... então, bem, sim. Mas ainda bem que você chegou. Sua comida é melhor do que a minha! – Pepper disse me entregando uma colher de pau.

— Vamos todos para a cozinha e todos vão trabalhar. Até você, Jonathan!

— Meu trabalho é garantir que a sobremesa esteja gostosa, assim, vou experimentar.... – Meu sogro não terminou a frase, pois Dona Amelia tomou a torta da mão dele e guardou na geladeira com o seguinte aviso:

— Sobremesa só depois do jantar. E para você é só um pedaço. – Disse seriamente e Pepper e eu só trocamos olhares assustados.

Corri para o lavabo mais próximo para lavar as mãos e voltei para a cozinha, para ajudar. Como sempre, Dona Amelia falou bastante, e disse que queria que as duas noras aparecessem pelo menos três vezes por semana para que ela não ficasse com tanta saudade dos filhos assim, já que até os cachorros ela ia perder nessa noite! – Falou olhando desolada para o trio que se esparramava pelo chão da cozinha.

Nós jantamos com meu sogro fazendo planos para assistir ao Super Bowl, que neste ano seria no SoFi Stadium aqui em Los Angeles. Pepper, que é tão apaixonada pelo esporte quanto o sogro, dava suas opiniões, eu só concordava com a cabeça quando eu achava que deveria concordar, e na hora em que me fizeram uma pergunta bem específica, tive que falar a verdade.

— Então, Kat, será que Ian deixa Tuomas, Liv e Elena virem ao jogo?

— Juro para o senhor que não sei. Ele não deixa os filhos faltarem por conta da Fórmula 1, por isso eles só vão as corridas nas férias da escola. Porém, não custa nada perguntar.

— Você poderia fazer isso?

— Claro, mas não vou comentar nada com nenhum dos três, só para que eles não fiquem decepcionados caso venha um “não”.

— Justo, ainda mais com a Pequenina. E pensando nela, Kat, compramos dois pôneis para o Rancho. – Dona Amelia comentou.

— Eles são pra lá de fofos. – Pepper emendou.

— E ninguém nomeou nenhum deles, deixamos para que Elena o faça. – Sr. Pierce falou e já previa a cara que Ian e Tanya fariam ao saber disso.

— Não precisava. – Foi tudo o que falei.

— E não pense que ficaremos só nisso. Vamos esperar Olivia e Tuomas aparecerem para que eles escolham os cavalos que querem.

— E eu quero ver os nomes que eles vão colocar. Porque eu tenho quase certeza de que é você quem inventa os nomes pomposos que seus cavalos têm! – Pepper comentou sarcástica.

— Vejo que alguém conheceu minha dupla.

— Conheci de longe. Porque Perigo não deixa ninguém chegar perto dele. Só a Dona Amelia. Mas montar. Ninguém. Já o outro é mais calmo. Contudo, não me arrisquei a montar, os vídeos dos tombos do Alex ainda estão bem frescos na minha memória. – Ela me respondeu.

Perigo é assim mesmo.

— E todo mundo achando que você exagerava...

— Sr. Pierce, não, eu não exagero. Perigo é bem arisco... já quase mordeu um tratador uma vez. Para o senhor ver, nem Olivia, que o viu chegar lá no haras, consegue chegar perto dele.

— Será que o Alex vai bancar o corajoso e tentar montar de novo? – Pepper perguntou rindo. A essa altura, já estávamos arrumando a cozinha.

— Vai saber... ele é doido. Mais do que avisado ele já está!

E depois de a cozinha já estar arrumada, ainda fiz um pouquinho de hora, contudo, mesmo ainda vivendo no fuso europeu, fui embora, primeiro, porque meus sogros não tinham que ficar acordados até tarde comigo e segundo, com, ou sem, jet lag, eu tinha que trabalhar cedo na manhã seguinte.

Pepper, aproveitando a minha saída, se despediu também e Dona Amelia nos fez prometer que na quinta-feira estaríamos de volta e depois que iríamos para o Rancho no final de semana seguinte.

Achei uma boa ideia, estava querendo rever meus cavalos e ver se eles fizeram uma boa viagem de Londres à Los Angeles. E seria ainda melhor, não passaria mais de 48 horas sozinha dentro de casa.

Abri o porta-malas para acomodar o trio, que pulou de bom grado no carro e ficaram quietos enquanto eu os prendia com os cintos de segurança.

Dei um abraço em meus sogros e liguei o carro. Fiz o caminho de volta um tanto devagar, me dando o luxo de passar pela rota mais longa, só para ver Los Angeles à noite. E estava quase chegando em casa, quando uma notificação de mensagem apareceu no meu celular.

Mesmo sabendo dos riscos, tirei o celular do console central e olhei de quem era.

Surfista.

Guardei o carro na garagem e, antes de descer, peguei o celular para ler a mensagem.

Vamos ter que dar um jeito de combinar um horário para nos falarmos por vídeo. Esse fuso de quase 12 horas de diferença ainda vai me matar de saudades de você. Não liguei porque não sei se você já está dormindo. Se ainda não estiver, boa noite, Kat, te amo. Se só estiver vendo essa mensagem quando acordar, bom dia e uma ótima volta ao trabalho! Já estou com saudades de você, Rainha do Gelo.

Sem nem pensar duas vezes, respondi na hora.

Oi, Rei da Europa! Também já estou com saudades de você... na verdade, acabei descobrindo que essa casa é grande demais para se ficar aqui sozinha. Creio que o melhor horário para nos falarmos será pela manhã aqui, se você não estiver gravando à noite... Agora me conta, como está a gravação? Como estão te tratando? Sim, sou curiosa, e se estiverem te tratando mal, eu vou pessoalmente aí dar uns bons chutes em quem quer que seja. Te amo e estou sentindo muito a sua falta. Boa sorte aí no estúdio, ou como têm o costume de dizerem no mundo da sétima arte, quebre a perna!

Fiquei esperando a resposta, ainda dentro do carro, porém, Alex deve ter me mandado a mensagem em algum intervalo mínimo da gravação.

— É, sem boa noite ao vivo hoje. – Murmurei, desci do carro e fui liberar o trio que já estava ficando inquieto no porta-malas. Logo que abri a tampa, e os libertei, os três saíram correndo, cheirando a garagem, os carros, Stark parou ao lado do BMW de Alex e ficou sentado, olhando para a porta do motorista.

— Ele não está aí, Stark. Seu pai ficou na Europa, trabalhando. Somos só nós quatro por um tempo. – Falei ao acariciar o pescoço do pitbull, que deu um ganido tão triste que me cortou o coração. – Eu sei que você está com saudades dele, eu também estou, mas logo, logo ele volta. Vamos entrar. – Indiquei o caminho e Stark me seguiu cabisbaixo.

Dentro da casa não estava muito diferente, Thor vasculhava o chão, farejando Alex, e até Loki parou na porta do escritório de meu noivo e se deitou ali, me olhando.

— Ele não está em casa. – Falei para Lokinho. – E vai demorar demais para voltar.

Tranquei toda a casa, ativei o alarme e subi para o segundo andar contando passos, sendo seguida pelo trio.

Tomei um banho demorado e quando me deitei, abraçando o travesseiro de Alex, foi que me dei conta de uma coisa. Era a primeira noite em que eu ficava sozinha desde que Alex e eu nos acertamos de vez.

Revirei na cama, mesmo cansada eu não conseguia fechar os olhos e dormir. No chão, ao lado da cama, eu podia ver que a minha inquietude estava deixando Loki irrequieto também, tanto que não demorou e ele ficou de pé nas patas traseiras e me cutucou com o focinho.

— Eu estou bem. – Falei mais para mim, do que para responder ao meu cachorro. – Eu vou ficar bem. – Falei alto e abracei o travesseiro com mais força.

Algo como pânico começou a subir pelo meu peito e quando dei por mim, eu chorava. Chorava de tristeza por estar sozinha, de saudade da minha família e de Alex.

Eu não queria ficar sozinha, pois a cada vez que eu piscava os olhos, imagens que eu achei que minha memória tinha bloqueado para sempre, pipocavam atrás de minhas pálpebras. Em todas elas, o final era diferente do que aconteceu na realidade, pois Alex não chegava a tempo de me salvar, nem ele, nem ninguém. E eu só me dera conta de que isso era um pesadelo, quando acordei aos gritos, toda suada, com os cabelos grudados em meu rosto. Gritei tão alto que acabei por assustar os três cachorros que acabaram por dormir no quarto comigo.  

Em desespero, busquei pelo celular na mesinha de cabeceira para poder ver as horas. 4:30 da manhã, o dia nem tinha começado a raiar ainda e mesmo assim decidi por me levantar. Era melhor evitar uma reprise do que eu vira.

No espelho do banheiro olhei para meu rosto. Enormes olheiras roxas se destacavam embaixo dos meus olhos. Tentei ignorar o que via, abaixei a cabeça e fui lavar o rosto, decida em sair daquela casa e ir correr um pouco e, quem sabe, até tomar café na Dottie.

Quanto menos tempo eu ficasse sozinha, menor era a probabilidade de todos estes pesadelos me perseguir.

Seriam muito longos estes três meses. Muito.

 

[1] vovó


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Muito obrigada por terem lido até aqui.
Semana que vem tem mais um capítulo.
Até lá!
xoxo



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