Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 70
Um Dia Ao Lado da Sogra


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, para muitos o título do capítulo até parece filme de terror... porém, estamos falando da Dona Amelia... nada pode dar errado, certo? Ou não?
Para saber onde Kat se meteu, leia o capítulo!
Boa leitura!



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E entre dias começando cada vez mais cedo e terminando cada vez mais tarde, ter atualizações sobre meu sobrinho, que estava muito bem, já tinha voltado para a escola e tinha adorado cada um dos vídeos dos meus tombos, e quando eu digo que ele adorou, ele realmente adorou, afinal, eu já tinha virado as mais diversas figurinhas e memes e gifs que lotavam o grupo da família, cada vez que alguém mandava uma mensagem, tudo graças à Tuomas e sua habilidade de poder editar e manipular qualquer vídeo em qualquer dispositivo.

Claro que eu não me esqueci do ocorrido, e tentava não falar muito nele, ainda mais com minha mãe, afinal, a Doutora Diana Nieminen não andava com um humor muito bom e as informações que eu recebi de meu avô George foram as de que minha mãe realmente colocou Matti no lugar dele, e não foi só com Matti que ela falou até que quase perdesse a voz, com o segurança que bateu em Tuomas também, tanto que o homem estava sendo devidamente processado por agredir um menor e chegar às vias de fato com outra. Minha mãe definitivamente não iria deixar barato essa história.

A única mensagem que ela me enviou sobre a conversa que teve com o meu Chefe foi a seguinte:

Se prepare para dezembro, minha filha. Venha munida de sarcasmo, ironia e, por favor, ensine àquele homem como se age. E quanto ao ocorrido com Tuomas, faça o que você quiser, contudo, não se esqueça, ele ainda é seu chefe e pode te despedir.

E mais nada. Com Tuomas já bem melhor, minha mãe estava um tanto sumida das conversas. Tanya nunca foi muito de falar, mas até ela estava calada demais. E eu desconfiava que toda a situação foi ainda mais séria do que deixaram perceber até agora. Minha sorte era que eu embarcava já na próxima semana, e saberia o que realmente vinha acontecendo em Londres.

Porém, antes de Londres e do Encontro Cara-a-Cara com um dos homens mais detestáveis do planeta, havia outra data pairando no ar. Uma data na qual eu estava tentando não pensar muito sobre, e que havia chegado mais rápido do que eu queria.

O Dia de Ação de Graças.

Era o meu primeira Dia de Ação de Graças em solo americano. E como eu agora fazia parte de uma família americana, estava tentando entender todos os significados e tradições por trás desse dia que me parecia ser mais importante do que o Natal para os americanos.

Todas as vezes que eu tinha um tempinho, eu tentava ler algo na internet, pegar uma conversa aqui ou ali e ir juntando as informações necessárias para não atrapalhar o jantar da Família Pierce.

Como são as tradições do Escritório do Pacífico, por conta do feriado que sempre dá na última quinta-feira do mês de novembro, o expediente por aqui se encerrava na terça ao meio-dia, para que todos tivessem tempo hábil para viajarem até suas famílias, ou tivessem tempo suficiente para organizarem a casa para os parentes que chegariam.

E, na terça-feira às 13:00, eu me vi parada no meio da minha casa. Sozinha, de novo, já que Alex trabalharia até na quarta-feira, em horário normal, o que significava que ele não tinha hora para chegar em casa.

Dona Amelia tinha me convocado para ajudá-la com as compras para o jantar que seria realizado na Fazenda, afinal a família queria aproveitar o feriado para se reunir e ainda descansar. Só que essas compras só aconteceriam na quarta-feira. E eu tinha praticamente meio-dia sem nada agendado o que começou a me fazer pensar demais.

Pensar em como daríamos a notícia de que estávamos noivos. Todos já sabiam? Sim. Contudo, era hora de oficializar e eu estava ficando cada dia mais nervosa com esse momento.

Para tentar me distrair, comecei a faxinar a casa, mas a casa estava limpa, afinal Carmen tinha vindo no último sábado, então meu plano de fuga não adiantou por muito tempo. E, foi no meio do esfrega e esfrega que eu me lembrei de algo muito importante, minha carteira de motorista da Califórnia!

Corri para ver se o Departamento de Trânsito estava aberto e funcionando. Dei sorte que estavam, então tentei agendar um horário. E eu realmente estava com sorte, afinal tinha uma vaga ainda hoje.

Corri para me arrumar, peguei todos os documentos necessários e, mesmo sem saber exatamente como chegar ao local do exame, sim eu teria que fazer um exame de rua e um de legislação, coloquei o endereço no aplicativo e pedi aos deuses que me abençoassem pelo caminho.

Cheguei com folga, pude preencher todos os formulários, inclusive um do motivo da mudança para o país. No campo de contatos locais, me pediram três referências, na maior cara de pau e sem perguntar para ninguém, coloquei Alex, Will e Pepper, espero que nenhum deles fique com raiva.

Quando chamaram meu nome para o exame de rua, um pouquinho adiantado, visto que toda a minha papelada estava correta e eu já tinha a Carteira Internacional, achei que seria complicado. Mas eu basicamente tive que dar uma volta em uma pista que imitava uma rua, fazer uma baliza e dar uma ré alinhada. Só isso! E no momento em que o examinador disse que eu tinha passado, eu olhei para ele, achando que ele estava brincando e que me jogariam na avenida mais movimentada de Los Angeles para realmente testar a minha habilidade como motorista. Porém, tudo o que ele fez foi me entregar um papel, desafivelar o cinto e me mandar de volta para dentro do prédio onde eu tiraria a foto e o meu documento ficaria pronto.

Quarenta minutos depois do exame mais ridículo de habilitação que eu fiz na vida, estava voltando para casa, com a minha novíssima carteira de habilitação da Califórnia. Era menos um problema.

Como o fuso estava adequado, consegui trocar algumas mensagens com minhas amigas, já combinando nosso encontro em Londres e depois marquei com Nonna Agnelli o jantar para apresentar Alex a ela. Pude conversar com Liv, que andava um tanto nervosa demais desde a briga com o segurança e com Tuomas, que parecia estar mais tranquilo do que a irmã, se levarmos em conta que ele havia efetivamente, levado o pior.

Ainda tive tempo de iniciar os preparativos para o jantar, ir e voltar do Pilates, antes que meu noivo desse sinal de vida.

Alex havia me falado que Dona Amelia faz questão que todos estejam bem-vestidos à mesa do jantar, e como nós dois ainda tínhamos a novidade para contar, resolvi por separar a minha roupa e a de Alex também, fechei nossas malas para os dias que passaríamos afastados da cidade e nada de Alex chegar em casa.

Rodei por todo o lugar, verificando se nada estava desarrumado e ávida por fazer algo que distraísse a minha mente, decidi fazer uso de um presente que eu havia ganhado há quase dois meses e ainda não tinha estreado.

Meu piano.

Fui até meu escritório e peguei minhas partituras, assim como algumas folhas em branco e um lápis. Não estava inspirada em compor, fazia anos que eu não compunha algo, porém, quando se trata de inspiração, nunca se sabe. Voltei à sala, abri o piano, coloquei as partituras no lugar e comecei a dedilhar notas avulsas, testando a afinação do instrumento e aquecendo meus dedos que há um bom tempo não sabiam o que era tocar. Logo comecei a tocar uma das minhas músicas preferidas, a clássica “Inverno” de Vivaldi e dela passei para mais uma, e quando vi, estava tocando e cantando uma música da Tarja e assim que dedilhei o último acorde, escutei palmas.

— Finalmente resolveu tirar a poeira do piano e cantar! – Alex, que estava parado perto da porta, comentou com um sorriso. – Posso saber que música é essa? Nunca ouvi!

Underneath, da Tarja. Uma cantora finlandesa. - Expliquei diante da carinha de dúvida. – E obrigada, mas acho que não mereço aplausos.

— Os aplausos não foram só para essa música.

— Há quanto tempo você está aí?

— Meia hora. Escutei você tocando da garagem e tentei não fazer barulho, pois sabia que você pararia de tocar se me ouvisse chegando. Por favor, pode continuar com o show. – Me pediu.

— Depois do jantar. Você deve estar com fome, porque eu sei que estou.

— Uma barganha. Você continua cantando, enquanto eu faço o jantar. – Alex tentou me manter sentada no instrumento.

— Já está quase tudo pronto. – Falei. – Cheguei cedo hoje e já adiantei tudo.

— Então eu termino o jantar e você será responsável por... – Não deixei que ele terminasse a frase e já fui em direção à cozinha. – Mas, por quê? Eu estava gostando, apesar de não conhecer nem metade das músicas. – Reclamou.

Fingi que não ouvi a falação e depois de lavar as mãos, coloquei as panelas no fogão e comecei a arrumar a mesa.

Alex logo entrou na cozinha para continuar a falar na minha cabeça.

— Eu juro que não te entendo. Você canta e toca bem, por que parar só porque cheguei?

— Eu te falei, estou com fome também. Posso ter trabalhado no escritório só meio expediente, mas fiz bastante coisa aqui em casa e ainda fui ao pilates e... – Fiz um pequeno suspense para tirar a carteira de motorista de dentro do bolso do jeans que usava. – Agora sou oficialmente uma motorista do estado da Califórnia!

Alex pegou o documento da minha mão e deu uma risada.

— Meu Deus! Eles oficialmente te armaram com uma carteira daqui! O que eles tinham na cabeça?

— Provavelmente o jantar de Ação de Graças, porque eu nunca vi exame de rua tão fácil!

— Todos são assim.

— Isso explica a qualidade dos motoristas daqui. – Dei um sorrisinho debochado para ele.

— Aprendemos na marra, Kat. Eles nos soltam de uma vez na rua, dizendo que temos que nos virar. É por isso que a maioria dos recém-formados motoristas batem o carro com menos de um mês depois que são habilitados.

— Vejo que tem uma história por aí... – Comentei encarando-o.

— Tem. Meu primeiro carro. Dois meses depois que tirei carteira. Bati no carro do diretor do colégio onde estudava. Perda total nos dois carros e um ano de carteira suspensa por ordem de Jonathan Pierce.

— Você deu perda total no seu carro, batendo no carro do diretor da sua escola?! Mas como?! Isso...

— Ele saiu do nada e eu estava um tanto ocupado.

— Ocupado? Qual era o nome dela? Tiffany? Britney? Jennifer? – Brinquei com a cara dele.

— Ela não valia a dor de cabeça que tive, pois assim que perdi o carro, não conversou mais comigo.

Comecei a rir.

— A típica Maria-Gasolina... – Disse em tom de deboche e voltei minha atenção às panelas.

Alex ficou indo e voltando perto do fogão, tentando tirar um pedaço do que eu fazia, tive que praticamente enxotá-lo da cozinha, de onde ele não ficou dois minutos fora, e já entrou fazendo mil e uma perguntas.

— Você vai voltar para o piano depois, ou já fechou o instrumento?

— Está tudo lá ainda. E eu nem sei o motivo de você querer tanto que eu volte a tocar!

— Foi diferente chegar em casa e ser recebido por sua voz e pela música que você tocava. Isso nunca tinha acontecido.

Depois de conferir o molho da carne, me virei para Alex.

Foi diferente? – Indaguei curiosa.

— Sim. Fez essa casa realmente parecer um lar e não só um lugar onde passamos a noite. – Ele deu de ombros, como se a informação que ele acabara de dizer não importasse tanto assim.

Porém eu notei que importava e muito. Creio que depois de ter o imóvel quase destruído por Suzanna, Alex não se sentia muito em casa ao chegar aqui, não se sentia confortável em ficar dentro da própria casa. Não trazia a paz e tranquilidade de um lar, só tinha péssimas lembranças. E talvez esse seja um dos motivos de ele estar sempre viajando com a turma para surfar e por trabalhar até tarde.

— Bem, fico feliz que pense assim agora. – Disse para não o deixar sem graça, pois ele aguardava uma resposta minha.

— Isso significa que vai voltar para lá, depois do jantar? – Apontou na direção do piano.

— Tudo bem, Alex. Eu volto a tocar depois do jantar. – Cedi.

E a carinha dele se iluminou igual a de uma criança ao ver o Papai Noel.

Com pouco jantamos, dessa vez quem tinha o que falar sobre o dia era ele, não eu.

— Mais quantos dias de gravações? – Perguntei depois que ele me explicou em detalhes como estava sendo gravar esse comercial em específico.

— Três dias. Amanhã, depois paramos, voltamos na segunda-feira e, se tudo der certo, terça-feira é meu último dia no estúdio. Que dia embarcamos para Londres?

— Sexta-feira. Decolamos ao meio-dia. Voo sem escalas, para chegarmos em Londres às 08:00 da manhã de sábado.

— Mesmo se estenderem as gravações, até sexta eu estou livre. Você vai trabalhar, não vai?

— Não, trabalho até na quinta-feira no horário que precisar, e se algo acontecer na parte da manhã, Milena me liga e eu resolvo ou por telefone ou por videoconferência.

— Está preparada para voar de comercial até Londres?

— É no jato da empresa, seu bobo! Como é a reunião da Empresa, todos os diretores executivos ganham a carona até Londres e podem levar um acompanhante. Está no estatuto. Todas as vezes que alguém tem que viajar a mando da empresa, vai no jato.

— Eu vou viajar de jato particular?! – Ele começou a rir.

— Bancado por uma pessoa que te detesta. A vida é irônica, não?

— Tem serviço de bordo?

— Tem! E por que a pergunta? Quer dar o máximo de prejuízo possível?

— Mas é claro! Aí sim Matti vai ter motivos para me odiar. – Alex disse com um sorriso zombeteiro.

— Você não tem jeito. – Me levantei da mesa e ia começar a arrumar a cozinha quando ele me impediu.

— Tem duas semanas que você está fazendo o nosso almoço e o nosso jantar, sozinha. Deixe comigo a cozinha hoje. Pode voltar para o piano.

— Tem certeza?

— Tenho.

— Tudo bem? Alguma música em particular que queira que eu toque?

— Não tenho uma lista pronta. Vou pensar para as próximas vezes, então, me surpreenda.

— Depois não reclame! – Avisei já na sala.

Recomecei a tocar do básico, e só para irritar Alex, resolvi por tocar Tchaikovsky. Achando que ele iria reclamar da sessão clássica. Não ouvi nenhum pio, então peguei as minhas favoritas e fui tocando, sai do clássico e fui brincando algumas músicas mais novinhas, ou nem tanto e, depois de um tempo considerável, me lembrei de que estava na sala de casa e que deveria ter um acompanhante. Parei de tocar e levantei meus olhos na direção do sofá, depois de juntar as partituras e fechar o piano.

Alex estava lá, deitado, de olhos fechados.

— Acabou a apresentação? - Ele perguntou todo cara de pau, ainda deitado.

— Por hoje, a casa está fechando. Gorjetas são apreciadas! – Brinquei ao passar atrás dele e lhe dar um beijo.

— Pelo visto quem ganhou gorjeta fui eu. – Disse ao abrir os olhos.

— Larga de ser convencido. Mas pode considerar como meu muito obrigada por ter encarado a cozinha sozinho.

— Tive uma trilha sonora interessante e depois ainda pude relaxar. Coisa rara nesses dias.

— Seja um bom menino e, quem sabe, eu não posso repetir a dose um dia desses.

— Poderia ser todos os dias que eu não ligaria.

Parei no meio da escada e olhei para ele.

— Não gostei dessa cara. O que você está aprontando? – Ele me perguntou ao parar na minha frente, um degrau abaixo.

— Só me perguntando quando é que você vai fazer uso do violão e da guitarra que estão no seu escritório e tocar junto comigo.

Alex fez uma careta.

— Sabia! Era um blefe! Você não sabe tocar! – Ia dar um tapa em seu ombro, porém ele segurou meu pulso antes que eu pudesse acertá-lo. – Credo! É ninja?

— Primeiro, eu sei tocar, mas não tão bem quanto você, então não vou estragar seus concertos noturnos. E segundo, eu não sou ninja, sou treinado para me defender.

— Sem graça. E sobre você tocar bem ou não, não ligo, você prometeu que tocaria, agora estou esperando, se vire.

— Você não vai parar de me encher a paciência até que eu toque com você, vai? – Perguntou já um tanto derrotado.

— Não. Não sou uma pessoa que desiste fácil e eu não esqueço uma promessa. Além do que, você me deve algumas apostas por aí e posso usar isso como um meio de te cobrar!

Meu noivo só respirou fundo.

— Esse é um som adorável!

— Eu só respirei.

— Não, você aceitou a derrota. – Dei um peteleco na ponta do nariz dele e saí correndo para o quarto.

Alex logo me seguiu e, um tanto relutante, aceitou que tocaria comigo, quando ele quisesse.

— Só não demore muito ou eu serei obrigada a te fazer tocar comigo na frente dos meus pais.

Ele ficou calado, mas se remexeu de maneira desconfortável do meu lado. A ideia de ficar frente a frente com meu pai ainda o incomodava muito.

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Meu dia começou bem cedo, com Alex saindo para o estúdio com o dia mal tendo amanhecido e eu aproveitando o clima mais frio para levar Loki para correr – Stark se recusou a colocar o focinho para fora de casa e Thor se recusou a acordar mesmo.

Antes mesmo das oito da manhã, Dona Amelia me ligou e me pediu para esperar por ela na porta de casa, com o seguinte aviso:

— Calce sapatos confortáveis, pois vai precisar.

Achei o conselho estranho, mas o segui mesmo assim, e como tinha começado uma chuvinha fininha, calcei uma bota baixinha e coloquei uma jaqueta de couro para não ficar com a roupa úmida e fui esperar por minha sogra na calçada.

Dona Amelia logo parou o carro na minha frente e, eu mal me sentei no banco do carona, ela já foi logo falando:

— Bom dia, minha querida! Onde é a festa para todo esse chique?

Dei outra conferida nas minhas roupas, não tinha nada de chique ali, só uma roupa prática para um dia que prometia ser longo.

— Bom dia, Dona Amelia. E não tem festa nenhuma.

Ela me abriu um sorriso.

— Você ainda não pegou o jeito de ser da Califórnia, pegou?

— Isso existe? – Perguntei descrente.

— Claro! E você vai perceber hoje. E as pessoas vão perceber você também, afinal, não é todo dia que uma londrina aparece por essas bandas, não aonde vamos, pelo menos. – Me explicou e logo emendou uma conversa sobre tudo o que iríamos precisar, pedindo que eu pegasse a lista que ela tinha deixado separada dentro do porta-luvas.

— Tudo isso?

Outra gargalhada dela.

— Você já viu o tanto que Alexander, William e Jonathan comem. Além do mais, teremos alguns convidados.

E à menção aos convidados, eu fiquei desconfortável, afinal, Alex queria anunciar nosso noivado no jantar de amanhã.

— Não se preocupe, somente meus pais e a mãe de Jonathan.

Senhor,!Eu nem sabia que as avós e o avô de Alex ainda eram vivos!

— A senhora que me desculpe, mas não me lembro deles do seu aniversário.

— Não vieram. Preferem comemorar as festas de final de ano do que irem a festas como aquela. E pode ficar tranquila, eles já sabem de você e que você vai ao jantar e que não é americana.

— E não se importaram com o fato de eu não ser americana?

— Não depois que Jonathan garantiu que você come de tudo.

Que belo cartão de visitas esse que meu sogro deu sobre mim!

E antes que eu pudesse falar algo em minha defesa, minha sogra estacionava na frente de um hipermercado.

— Boa parte das coisas poderemos pegar aqui. Mas outras precisaremos andar. E, você quer comprar ou ficar na fila do caixa?

Olhei para o tamanho e achei que não era necessário ficar na fila guardando lugar, até que passei pelas portas.

— Isso aqui está lotado!

— E olha que a Black Friday é depois de amanhã. – Disse dona Amelia. – Fila ou compras?

— Se a senhora não se importar, compras.

— Ótimo. Vou bater papo com estranhos. Se não encontrar algo da lista anote que olhamos em outro lugar.

Nos separamos e eu comecei a minha caça aos produtos e ingredientes que precisávamos, três horas depois, sendo duas de espera na fila, conseguimos sair inteiras do hipermercado.

— Agora? – Perguntei até temerosa nosso próximo destino.

— Logo ali. – Respondeu minha sogra.

O “logo ali” dela foi simplesmente atravessar a cidade até um mercado onde se vende temperos. Pelo menos lá foi rápido.

Nossa volta para o centro, onde ela havia encomendado o peru, não foi tão rápida assim, com a chuva que caía, o trânsito ficou impossível e nós duas ficamos em um congestionamento dos infernos.

— Feriados... sempre a mesma coisa.

— Em qualquer lugar do mundo. Na Inglaterra e na Finlândia fica a mesma coisa.

— E aproveitando que estamos paradas aqui e que ninguém vai nos interromper... – Começou minha sogra. – Dois meses em Los Angeles. Como estão as coisas, minha filha?

Fui pega de surpresa pela pergunta. Ninguém tinha lembrado da data, nem eu.

— Juro para a senhora, minha adaptação está sendo muito mais fácil porque vocês estão me ajudando. Se fosse outro o caso, eu ainda estaria presa em ir de casa para o trabalho e vice-versa.

— Fico feliz em ouvir isso. Conseguiu ter uma rotina agora?

— Mais ou menos. Estou policiando meus horários, para que tudo se encaixe, nessas duas últimas semanas, com Alex trabalhando parece que tudo se encaixou. Fiz até coisas que precisava e não sabia como ou quando faria.

— Alex mencionou no último domingo que tinha dado um problema, por isso você estava tão distante.

— Desculpe meu comportamento no último jantar, sei que deve ter sido estranho, mas Tuomas quebrou o nariz, teve que passar por cirurgia... e vamos dizer que as coisas ficaram complicadas em Londres. Eu até queria ir para lá, mas ninguém me deixou.

— E como Tuomas está?

— Agora, bem melhor. Já voltou à escola, só não pode fazer nenhuma atividade física ou tocar a amada guitarra, pois não pode abaixar a cabeça. Vai ficar um pouquinho de molho por alguns dias.

— E no trabalho, seu avô?

— Tem me tratado estranhamente bem. Não sei o que isso significa, mas tenho a impressão de que é uma espécie de jogo. Ele me trata bem, eu baixo a guarda e ele me dá um bote em Londres. Pode parecer estranho, Dona Amelia, mas não posso mais confiar nele. Nunca mais.

— Você não está errada. Sua mãe me contou os problemas durante o final de semana em que nos encontramos. Você tem passado por mais problemas no trabalho do que tem nos contado.

— Não é do meu feitio ficar falando sobre problemas do escritório fora do horário de trabalho. – Saí pela tangente. – Não quero preocupar ninguém com tarefas que eu mesma posso completar.

— Entendo o seu ponto de vista, Kat, mas lembre-se, nem sempre vale a pena guardar tudo para si. Todos precisam de uma válvula de escape para se fazer ouvir quando a tempestade é muita.

— Eu sei, Dona Amelia, porém ainda não cheguei ao meu limite quando se trata de meu avô. Sei que a grande maioria das provocações foram testes para ver até onde minha resistência, minha resiliência vão. Ele sabe das minhas fraquezas e joga com elas, sem dó. Ainda sou capaz de me manter de pé e encará-lo de frente, porque sei que ele espera pelo momento em que alguém vá me defender, vá dizer para ele parar, ou que eu peça para voltar. Nenhuma das duas coisas acontecerão, porque eu preciso mostrar para Matti que o controle que ele tinha sobre mim acabou.

— Você está corretíssima em pensar assim. Todavia, mesmo que o problema seja mínimo, minha querida, tente conversar com alguém, ou só extravasar de vez em quando, não é bom ficar guardando tudo dentro de si.

— Sabe o que é engraçado? – Perguntei do nada.

— Não, o que você tem em mente. – Continuou minha sogra, já prestando mais atenção no trânsito do que em mim, afinal, começamos a andar em um ritmo quase normal.

— Nas primeiras corridas que eu e Alex tivemos, conversamos sobre o que gostávamos de fazer fora da rotina, e quando ele descobriu que eu era piloto de rally, ficou espantado. A minha resposta para ele foi exatamente o conselho que a senhora acabou de me dizer. Pilotar, assim como esquiar e surfar uma montanha coberta de neve são as minhas válvulas de escape.

— E são coisas que você não vem fazendo.

— Não. Mas não fazia todos os dias ou finais de semana na Europa. Vou me adaptando ao que tenho e agora entendo os motivos de Alex gostar tanto de cair na água para surfar... – Dei de ombros.

—  Surf é mais do que um meio de aliviar a cabeça de Alexander, Kat. É uma paixão mesmo. Desde que ele bem pequeno, Alexander sempre foi apaixonado por água e por qualquer coisa que envolvia muita adrenalina.

— E a paixão meio que virou trabalho.

— Trabalho para ele e desespero para mim. Perdi as contas de quantas vezes levei ou peguei Alex em emergências. – Ela riu das lembranças. – E como você tocou no assunto. E as aulas de surf, vi as fotos do seus...

— Pode falar tombos. Porque foram e muitos. Pelo menos não fiquei tão dolorida assim.

— Um dia você pega o jeito. – Garantiu minha sogra.

— Sinceramente, não ligo se não pegar e virar a eterna surfista de final de semana. Isso não é algo que eu busco a perfeição. É só, como posso explicar, algo que faço com Alex.

— Katerina, você não tem ideia do quão feliz ele fica só por você tentar. Você é a primeira que aceita ao menos tentar.

— Bem, não pense a senhora que não vai ter troco, porque vai. Só tenho que arranjar algo que sei que ele não fará bem.

— Um conselho de mãe? – Ela perguntou.

— Sou toda ouvidos.

— Meu filho fará qualquer coisa com você. Mesmo que ele não se saia tão bem assim.

Quanto a isso eu não tinha argumentos. Ela conhecia o filho, mas tinha uma certeza, a recíproca era completamente verdadeira.

Com pouco, entramos em uma rua completamente tomada de carros.

— Eu preciso ir ali e não tem vaga para parar. Los Angeles inteira resolveu sair de carro hoje. – Ela apontou para o estabelecimento.

— Quer que eu vou, e a senhora da outra volta enquanto eu pego a encomenda ou prefere que eu tente parar o carro?

—  Está no meu nome, é só falar que já está separado. Pegue o... – Não deixei que ela terminasse e desci do carro. Pelo menos isso eu tentaria pagar, já que iria comer com toda a família.

Atravessei a rua correndo, a chuva tinha apertado um pouquinho mais e, assim que entrei no estabelecimento, algumas pessoas me olharam, achei que era pela falta de uma sombrinha, e depois descobri que não.

Era minha roupa.

Discretamente conferi como as demais pessoas estavam vestidas, e realmente descobri que a combinação de botas com jaqueta de couro era um item meio chique, porém, eu não ficaria encharcada como os demais que estavam de tênis e moletom.

Não demoraram para me atender e assim que dei o nome de Dona Amelia, a senhora que ficou responsável pelo pedido me olhou e, depois de abrir um sorriso, disse:

— Ah! Você é a nora europeia da Amelia! Onde está aquela velha fofoqueira?

Fiquei um tanto assustada com o apelido que ela deu a minha sogra e creio que meu rosto entregou o que eu pensava.

— Não se assuste, sou amiga da Amelia há anos, nos conhecemos quando ela se mudou para a Califórnia.

— Sim! Claro! – Respondi toda sem graça. – Dona Amelia está procurando uma vaga para estacionar o carro. – Apontei para a rua.

— Coisa difícil de se encontrar hoje. Como você não é daqui, vou te ensinar uma coisinha, Loira. Três itens de luxo na véspera de Ação de Graças: vaga para estacionar carro, paciência e peru encomendado de última hora. O peru, vocês já têm, Amelia sempre encomenda com meses de antecedência, agora os outros dois, boa sorte com eles.

Tive que rir do conselho.

— Vou pedir para pegarem o peru lá dentro, não vai demorar. – Me avisou e logo saiu gritando por um dos funcionários para pegar a encomenda especial.

Menos de cinco minutos depois, o rapaz apareceu com um embrulho do tamanho do mundo e eu só soube arregalar os olhos.

— Não se assuste, Europa.— Sim, Connie, a amiga de Dona Amelia, já tinha me dado um apelido. – Isso aqui é fichinha para os Pierce. – Falou com uma risada ao me entregar o pesado embrulho.

— Para mim, tudo é muito novo. – Me expliquei e tentei não fazer uma careta quanto tive que equilibrar a ave nos braços.

— Então aproveite seu primeiro Ação de Graças e bem-vinda à Califórnia.

— Muito obrigada e Feliz Ação de Graças para a senhora e sua família.

Connie deu uma risada ainda mais alta.

— Meu Deus, a realeza chegou na América! E diga para Amelia parar de te usar de escrava, garota. Mande aquela velha vir fazer as próprias compras. – Brincou.

Saí rindo do açougue. Era cada doido que me aparecia.

Tive que esperar um pouquinho até que vi o carro de Dona Amelia.

— Não molhou muito, não é? – Ela perguntou assim que pulei para o banco do carona, depois de garantir que o enorme peru estivesse seguro no banco de trás.

— Não. Já peguei chuvas bem piores em Londres.

— Isso explica as botas e a jaqueta.

— Gato escaldado tem medo de água fria, Dona Amelia. E, a propósito.

— O que Connie falou de mim? – Ela já me perguntou rindo alto.

— Só desejou um Feliz Ação de Graças. – Atalhei.

— Você, Katerina, é muito bondosa, porque sei que Connie deve ter me xingado por ter te mandado.

Sem querer repetir as palavras que escutei, resolvi trocar de assunto:

— Temos que ir para onde agora?

— Mais dois lugares e te deixo em casa para que você possa se arrumar para ir para o Rancho.

Os dois lugares de Dona Amelia duraram mais três horas e uma parada para o almoço, que foi quase um lanche da tarde e quando ela me deixou na porta de casa, ainda me deu o seguinte aviso:

— Diga a Alex para pegar a avó dele em Santa Clarita. Espero vocês três ainda hoje no Rancho. E Kat, muito obrigada por me ajudar hoje, querida.

— Não há de que, Dona Amelia! E eu passo o recado para frente! Nos vemos daqui a pouco! – Respondi antes de fechar a porta do carro.

E, quase às 17:00 horas, eu, finalmente, pude pisar em casa. Mal tinha fechado a porta e Alex, que já tinha chegado do estúdio, veio rindo na minha direção, comentando que eu tinha deixado a mãe dele me fazer de escrava particular por todo o dia.


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Notas finais do capítulo

Então, foi o não filme de terror para a Kat?
Muito obrigada a você que leu até aqui!
Sábado tem mais um capítulo!
Até lá!
xoxo



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