Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 7
Encontro Inesperado


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo no ar e confesso que eu, particularmente, tenho muito orgulho desse aqui! É um tantinho maior do que o outro, para a alegria de quem está gostando da história.
Espero que gostem!! E recomendo dar o play da música da citação na parte em que Katerina tem outro déjà vu!
Boa leitura!



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“You may call me a dreamer

Call me a fool

Just a blue eyed believer in you

But I'll die for that someone

In the blink of an eye

So tell me... please tell me

Just what kind of fool am I

When I drown in my fears

In the darkness of sorrow

There's a promise of grace

Under silver grey skies

And I'm drying my tears

In the blaze of the sunlight

A reviere sealed with a kiss

You may call me a dreamer

Call me a fool

Just a blue eyed believer in you

But I'll die for that someone

In the blink of an eye

So tell me... please tell me

Just what kind of fool am I?"

(Under Grey Skies – Kamelot)

O restante do meu dia passou voando, tudo por conta do trabalho. Confesso que fiquei nervosa com a minha apresentação oficial junto aos demais funcionários, mas quando garanti que eles poderiam fazer o horário de trabalho que lhes fosse mais conveniente, parecia que eu fazia parte do lugar desde sempre.

Depois da dita reunião, me enterrei nos contratos já assinados e nos que estávamos de olho. Comecei a planejar as negociações futuras e até onde poderíamos cobrir os preços das concorrentes, coisas comuns e que eu já fazia em Londres. A única diferença era que aqui eu também lidava com toda a estrutura interna do prédio, então, invariavelmente, todos os problemas caíam na minha mão.

E como tinha problema!

— E isso é? – Perguntei para Milena quando ela depositou na minha mesa uma pilha de pastas.

— Escolha de estagiários.

Ó céus, eu terei que escolher até os escragiários?!

— Estes aqui já são os nomes finais que cada setor mandou?

— Mais ou menos.

— Explique-se. – Pedi para minha secretária.

— Temos dois nomes para cada setor, inclusive o programa de trainee, mas deixamos a seleção final na sua mão.

— Querem que eu faça as entrevistas com... – Parei e contei quantas pastas. – quarenta e quatro estudantes?

— Sim, é o costume daqui.

Em Londres cada setor escolhia o seu próprio estagiário depois que o Chefe do Setor entrevistava a pessoa.

— Como está o prazo do edital de convocação de estágio?

— Você tem três semanas até começarem as entrevistas.

— Tudo bem... quero uma reunião rápida com cada chefe de setor, começando amanhã, para saber quais critérios eles usaram para escolher estes candidatos.

Milena começou a anotar o que estava pedindo.

— Faça o melhor para encaixar essas reuniões em horários que não atrapalhem o trabalho deles, nem o meu, por favor. Se for necessário, pode até mesmo encaixar em qualquer dia dessa semana, mas quero resolver isso até sexta-feira.

— Sim, senhora.

— Com as reuniões finalizadas, peça para o RH enviar as cartas marcando o dia e a hora da entrevista, vou deixar essa marcação sob sua responsabilidade, afinal, é você quem organiza a agenda.

— Algo mais?

— Sim. A partir do ano que vem, cada setor contrata o estagiário por si, nada de passar por essa entrevista com o Chefe Geral. Em Londres já é assim e nunca deu problema. Então, essa será a pauta da próxima reunião mensal.

— Sobre essa reunião, já temos algumas pautas.

— Certo, me passe que irei dar uma olhada em casa. – Falei. – Ainda tem mais surpresa para hoje? – Perguntei olhando para as pilhas de pastas e relatórios e orçamentos.

— Não. Essas são as últimas. – Milena fez uma careta para a minha mesa.

— Muito bem. – Conferi o relógio. – Creio que tem gente que já está indo para casa. Vá também, Milena.

Ela se assustou.

— Você chegou cedo hoje. E isso aqui é puramente burocrático e meu serviço. Pode ir para casa.

— Obrigada.

— Tenha uma boa-noite. – Falei.

Já eu, terei é uma boa dor de cabeça.

Separei as pilhas em urgente, urgentíssimo e para ontem e, depois de fazer um bule de chá e colocar minhas músicas para tocarem, voltei ao trabalho.

Estava entretida no que estava fazendo, montando um esquema de transporte exclusivo para uma determinada carga que seria transportada do Sul da Argentina até o Japão, quando meu celular vibrou em cima da mesa, me assustando.

Pensei ser uma chamada de vídeo de Liv, mas não, era uma mensagem. De primeira, não reconheci o número e estava para apagar quando prestei atenção no conteúdo.

Você deveria ter me avisado sobre tudo isso!

Comecei a rir. E, mesmo sabendo que isso derrubaria a minha concentração, fui obrigada a responder.

Sobre o que especificamente você está falando?

A resposta veio quase automática.

Piloto de rally? Poliglota? Como assim você já fechou negócios com Príncipes de Dubai?

Faz parte do trabalho... – Respondi.

Carros de Rally?! Na neve?!

Vejo que o tradutor está sendo uma ferramenta muito usada.— Mandei a resposta.

Tem coisa que você vai ter que me explicar, porque nem o tradutor conseguiu ser claro, mas é sério? Você pilota?

Algo errado com isso?

Não, só inusitado.

Tem história por trás, talvez um dia eu te conte.

Talvez?! Acho que você poderia elucidar essa parte. — A criatura era naturalmente curiosa.

Não...

Iria responder o motivo, mas logo Alexander estava me ligando em vídeo.

Relutante eu atendi.

— É a mesma pessoa que correu comigo pela manhã? – Ele brincou.

— Algum problema, tirando a cara de cansada?

— Problema nenhum, você só está... – Ele parou de falar e levantou a sobrancelha. – Ainda está no trabalho?

— Dá para continuar o que estava dizendo?

Ele deu de ombros.

— Bem... você está muito bonita. - Ele enfatizou o advérbio.

— Eu só estou com a roupa do trabalho e... ahn... está falando da maquiagem?! – Perguntei sem graça.

— Tem certeza de que não matou ninguém do coração aí?

Revirei os olhos.

— Tudo bem, mudando de assunto. Você ainda está trabalhando?

— Sim, como eu te disse mais cedo, o serviço não para.

— São dez da noite, Kat. Acho que já passou da hora de você sair daí.

— Vai controlar o meu horário? – Perguntei para desafiá-lo, mas se levasse em consideração a hora em que cheguei, estava aqui há doze horas.

— Não, só não acho que se matar no primeiro dia vale para alguma coisa. Você é a chefe, os demais funcionários ainda estão aí?

— Não, só eu e a turma da limpeza.

— Vai para casa. Sei lá, ler um livro, ver televisão.

E isso me lembrou que eu ainda tinha que dar uma olhada em quem realmente Alexander era. Ou não, vou deixar para me surpreender. Encarei as pilhas na minha mesa.

— Seja lá o que você está olhando, amanhã ainda estará aí. – Ele me disse, como que lendo os meus pensamentos.

— Provavelmente de forma triplicada.

— Ou não, anda, Kat. Desliga o computar e vai para casa, você tem que descansar.

— Eu tenho que sair com Thor e Loki... – Comentei.

— Quem são eles? – Eu escutei uma pequena nota de ciúmes na voz dele.

— Meus cachorros. Um dia você talvez os conheça. Mas já aviso, mordem.

— Você tem cachorro? E eu achando que você não tinha cara de ser amante de bichos.

— Agora serei obrigada a fazer com que Loki te morda. – Respondi sarcasticamente.

— Veremos se ele vai fazer isso. Já está pronta para ir?

— Por que a pressa? Está querendo me dar uma carona?

— Na verdade, esperava que você me desse uma.

— Onde você está?

— No café em frente ao seu prédio.

— Não é meu prédio.

— Está escrito Nieminen Trade & Shippiment na fachada, e até onde eu sei, o seu sobrenome é Nieminen.

— Empresa da família. – Destaquei.

— Você é a única que seguiu os passos do seu avô. – Ele continuou falando. – E, então, vai me dar a carona?

— Cadê o BMW? Era alugado? – Brinquei.

— Em casa. Precisei vir a um estúdio por aqui, não tinha vaga para mim e eu não estava com paciência para encarar o trânsito.

— Eu não sou motorista de UBER. – Avisei.

— Não, é uma piloto. Já está saindo? Posso ir para perto da porta da garagem?

Apaguei a luz da minha sala, tranquei a porta e comecei a esperar pelo elevador.

— Estou quase saindo, vou entrar no elevador, e ali não tem sinal. Pode me esperar na calçada.

Desliguei a chamada com a cabeça nas nuvens, o que era complemente errado.

O elevador parou no andar e fiz uma viagem sem interrupções até o segundo subsolo, onde só havia o meu carro parado. Dei uma conferida nos arredores, garagens assim sempre me davam arrepios, ainda mais vazias. Apressei meus passos, quase correndo, meus saltos ecoaram por todo o andar, denunciando para qualquer um, onde eu estava. Destranquei o carro e pulei para o banco do motorista antes mesmo de soltar minhas pastas e bolsas. Tranquei a porta, ajeitei as pastas no banco de trás, e dei a partida, uma estranha sensação de estar sendo observada me atingiu. Mas deveria ser só as câmeras de vigilância.

Saí da garagem e logo avistei Alex parado na calçada, uma figura difícil de não ser notada, seja por sua altura, ou por sua beleza, parei na sua frente e desci o vidro do lado do carona.

— É você o cara que eu contratei por aplicativo para ser o meu guia pela cidade?

Ele riu.

— Acho que sim, mas seria bom se destrancasse as portas, para que eu pudesse fazer o meu trabalho. – Apontou para a maçaneta que não abria.

— Oh! Me desculpe. – Destranquei as portas e ele logo entrou, me surpreendendo quando me deu um beijo.

— Boa noite! – Disse assim que se afastou. – Por que trancar as portas sendo que você só saiu da garagem?

Fiz uma careta.

— Boa noite, para você também! E... é só paranoia. Não gosto de garagens e muito menos desertas igual essa está.

— Alguma história por trás? – Ele inquiriu.

— Não. Só nunca gostei de lugares assim. – Expliquei. – E coloca o cinto, por favor!

Alex fez o que eu pedi e eu arranquei o carro, o trânsito, a essa hora da noite, estava calmo.

— Então, te levo para onde?

Ele fez uma careta.

— Entre na próxima direita.

— Se vai bancar o GPS, favor fazer o papel com maestria! – Reclamei. E ele, na mesma hora, mudou a postura, se sentou olhando para o para-brisa e começou, em um tom de voz monótono.

— Em quatro quarteirões, vire à esquerda.

— Geralmente dizem metros. – Falei tentando conter a risada.

Alex me olhou feio.

— Sou uma consumidora, quero a perfeição do aplicativo. – Me defendi diante de seu olhar.

— Eu não sei quantos metros tem um quarteirão!

— Tudo bem... vou aceitar a distância em quarteirões. Mas que aplicativo mais fajuto esse. Vou dar meia estrela na hora de avaliar.

Ele só deu um tapinha no meu cotovelo e me mandou seguir em frente.

Passamos dois quarteirões e eu virei à esquerda como ele tinha falado.

Pelo canto do olho, vi ele fazendo as contas.

— Mas que aplicativo lento... – Murmurei.

Ele não deixou barato.

— Sem conexão com a internet, senhora. Favor buscar pela conexão.

Eu quase arremessei meu celular na testa dele, e o bonito me fez o favor de sorrir na minha direção.

— Siga em frente e vire à direita, pode encostar onde couber essa jamanta que você chama de carro.

— Não ofenda o seu meio de transporte! A dona dele pode ficar irada e te jogar pela janela.

— Ainda bem que eu aprendi a cair sem me machucar. – Ele disse convencido.

— Você faz as suas próprias cenas de ação então?

— Claro, que graça teria se eu não fizesse?

— São Jorge! Você ainda vai matar a sua mãe do coração!

— Ela já está acostumada.

— Imagino que sim. Você não tem cara de que era santo quando criança...

— Não, eu não era... – E o sorriso dele me disse que ele ainda gostava, e muito, de aprontar.

Cheguei na rua para onde ele tinha me direcionado, e parei o carro com maestria em uma vaga.

— Aprendeu como se estaciona uma jamanta? – Cutuquei.

— Nada mal... e já que você tocou no assunto...

— Não. – Falei. – Primeiro você vai me dizer o que estamos fazendo aqui!

— Não é óbvio? Estou te levando para jantar. Você parece que já está sentindo falta da Europa... – Ele apontou para o restaurante que estava do outro lado da rua.

— Comida Italiana?!

— Não gosta?

— Minha preferida! Como sabia?

— Intuição.

— Sei... – Estreitei meus olhos na sua direção.

— Achei uma foto sua em uma página no Instagram. – Ele começou. - De um tal de Pietra... tinha outras fotos suas com, eu acho, suas amigas, vocês estavam em um típico restaurante italiano e cada uma vestia a camisa de uma equipe de Fórmula 1...

— Olha, sorte a minha, alguém que gosta de F1 na Terra do Tio Sam! – Brinquei.

Antes de sair do carro, Alex ficou um tanto sem graça.

— Na verdade, procurei no Google que camisas eram aquelas.

Eu comecei a rir.

— Era bom demais para ser verdade. – Suspirei.

E ele inverteu as coisas.

— E o que você entende de surf? – Ele retrucou, desceu do meu carro e se apoiou no capô me encarando.

— Que Kelly Slater foi um dos maiores... – Joguei verde.

— E? – Ele não estava nem um pouco impressionado.

— Bem... que existe dois tipos de campeonatos. Um de ondas gigantes e o normal.

Normal?

Meus conhecimentos de surf estavam acabando.

— Você sabe, aquele que não tem ondas gigantes... – Fingi indiferença, e peguei minha bolsa no banco de trás.

— Não fuja da conversa.

— Não estou fugindo. – Olhei para ele.

— Mais o que você sabe?

— O que você sabe sobre Fórmula 1? – Retruquei tentando me tirar da saia justa.

Ele se desencostou do capô e cruzou os braços na altura do peito, imitei seu gesto e nós dois ficamos nos encarando no meio da rua em um bairro de Los Angeles.

— Por que Fórmula 1? – Ele quebrou o silêncio que parecia estar incomodando os demais que passavam.

— Por que não?

Alex me virou para o outro lado da rua e me guiou, sua mão sempre me conduzindo pelo cotovelo, para dentro do restaurante.

O maitre nos guiou até uma mesa, não era um restaurante elegante ou com cara de ter preços absurdos, era como o restaurante da Nona Agnelli em Maranello.

— Vai me responder? – Ele tornou a me perguntar quando nos sentamos.

— Sobre o motivo de eu gostar de Fórmula 1 ou de esporte a motor no geral? – Testei.

Ele fez uma carinha engraçada, como que se lembrando do que ele havia visto.

— Rally na neve. F1. Vi umas fotos de vocês em motocicletas que pareciam...

— Velozes? – Eu não suprimi o sorriso.

— Sim. – Ele parecia abismado. – Vai me contar o motivo ou vai fazer suspense?

— Meu pai. – Disse simplesmente.

— Ele é piloto?

— Não. Ele é engenheiro estrategista da McLaren. A camisa que eu vestia na foto que você viu é a da equipe. – Informei.

— Bem que você disse coisa de família. Mais alguém faz essa loucura na sua família?

— Ser ator está no seu sangue?

— Sim. – Ele respondeu de pronto.

— A mesma coisa pelo meu lado! – Sorri para ele.

— Tudo o que envolve carros em alta velocidade...

— Sim. – Eu ria a cada segundo das caretas que ele fazia.

— Isso é diferente. – Ele disse sem ter o mais como se explicar.

— Só isso?

— É que... automobilismo?!

— Meu pai é engenheiro mecânico de carros esportivos. Meu irmão mais velho seguiu os passos dele e meu sobrinho está quase lá. – Expliquei. – E os que não seguiram esse caminho, bem... tem a mesma paixão pelas corridas e pelos carros.

Ele ficou quieto enquanto o garçom anotava nossos pedidos.

— Acho que você vai sair correndo em... – Conferi meu relógio. – Dez... nove...oito...

— Não, não vou sair correndo, até porque você ainda é a minha carona. – Ele se explicou. – Isso tudo só é muito... – E parou.

— Você estava mais falante pela manhã e até dentro do carro, creio que incorporar o GPS não te fez bem. – Brinquei e beberiquei meu suco de uva.

Ele parou, me olhou e, depois de tomar um gole da cerveja, soltou.

— Você saiu de qual planeta mesmo?

Eu tive que conter a altura da minha gargalhada.

— Planeta Terra. A menos que você considere a Finlândia um planeta dentro deste planeta... E, talvez você esteja tentando dizer que eu não sou o tipo de garota que você esperava... – Completei o raciocínio confuso dele.

— Exatamente. Não encaixa na pessoa que estou vendo agora.

— Nunca te falaram para não julgar um livro pela capa? Além do mais, não se esqueça. – Parei e apontei para mim mesma. – Nerd.

— Nerds jogam videogame, não saem voando em um carro de rally pela neve.

— Quem te falou que não comecei com videogames? – Desafiei-o.

— Não, você não tem cara de que sabe jogar.

— Não mesmo. – Admiti. – Sou péssima naquilo, apanho lindamente do meu sobrinho.

— Uma nerd com problemas no mundo nerd... – Ele resumiu.

— Mais ou menos isso. – Falei. – Mas agora... vamos trocar o foco...

— Só outra pergunta. – Ele me cortou.

— Só uma.

— Quem eram as outras na foto?

Levantei o dedo e procurei no perfil de Pietra no Instagram a tal foto que ele tinha comentado no início da nossa noite.

— Elas? – Mostrei a foto.

— Sim. Quem são? – Notei que ele não demonstrou interesse em nenhuma, não que alguma das três fosse tomá-lo de mim...

— Bem. – Coloquei o celular na mesa e fui apontado. – Essa é a Nona Agnelli, minha avó emprestada, essa Pietra Agnelli, poderosa dentro da Ferrari e se você reconheceu o nome, sim, é essa família Agnelli. Victória Williams, hoje minha cunhada e casada com o meu irmão gêmeo.

— O que está na F1 com seu pai?

— Não. Esse é o Ian. Ela é casada com o Kim. Ou, se você acompanha a National Hockey League, Joakim Nieminen. Posso continuar?

— Seu irmão é o Kim Nieminen?? – Ele me perguntou, ignorando a minha pergunta. – O maior pontuador da história da NHL?

— Sim. Meu irmão gêmeo. – Confirmei.

— Tem alguém na sua família que não seja importante?

— Não somos importantes! – Retruquei. – Só trabalhamos duro para chegarmos aonde estamos. Ninguém descobriu a cura para alguma doença rara, inventou algo, nem nada. Posso continuar agora, ou você já desistiu de saber quem são as minhas amigas?

Ele assentiu.

— E essa é Mellissa McGraw. – Apontei para a última das meninas na foto.

— Quarteto e tanto. – Ele comentou.

— Você nem as conhece! – Defendi o Bando de Loucas.

— E cada uma torce para uma equipe?

— Na verdade, cada uma trabalha em uma equipe da F1. Eu meio que me desviei do que estava estudando e cai aqui. – Levantei as mãos.

— Se conheceram na faculdade? – Ele estava curioso.

— Não. Ensino Fundamental. Depois acabamos na mesma faculdade, mas eu nunca fui parar na área de exatas.

— Interessante. E...

— Não! – Cortei-o. – Agora é minha vez. – Avisei.

— Vai ter que esperar eu acabar de comer.

— Não mesmo. Me responda enquanto come! – Demandei.

— Olha quem está apressada por respostas agora! – Ele deu um peteleco na ponta do meu nariz.

— Não teste os meus limites! – Alertei.

— O que quer saber? – Ele me perguntou.

— Você disse que tinha um teste hoje...

— Sim.

— E? – Instei.

Ele fez uma careta e olhou para cima.

— Seria bom se você explicasse. Ainda não sou fluente em você.

— A poliglota que não é fluente em algo.

Ainda. Mas sou rápida em desvendar as pessoas, sem usar o Google. – Destaquei. – E então?

— Vamos dizer que estou esperando.

— Pelo resultado ou para ser chamado para integrar o elenco?

— Aí depende.

— De?

— Do que o diretor está realmente procurando. Às vezes se dá sorte, outras nem tanto.

— Você não está soando tão otimista assim... – Constatei.

Alex deu de ombros.

— Tudo bem... vamos trocar de assunto. – Dei um tapinha na perna dele. – Me assuste com algo.

— Te assustar?! – Ele não entendeu.

— Eu te assustei com a minha paixão por velocidade. Você! Qual é o hobby louco? Surfe não é tão perigoso assim...

— Já surfou uma onda gigante, Rainha do Inverno?

— Não, mas já surfei uma avalanche, Garoto da Califórnia. E aí?

— Você é doida!

— Fico 2/3 do meu dia dentro de um escritório. Tem dias que eu preciso extravasar.

Parkour. – Ele disse.

— Você quer dizer ficar dependurado em beiradas de prédios... pular de um lado ao outro... virar mortais e tudo isso? – Sem querer minha voz subiu uma oitava.

— Tudo isso! – Ele deu um sorriso de lado e lá estava a covinha.

— E você ficou abismado por eu gostar de velocidade, você arrisca o seu pescoço sem proteção nenhuma!

— Alguém está assustada. – Ele tombou a cabeça ao mirar meu rosto.

— Já vi gente cair feio fazendo isso. E não foi nada bonito. – Falei me lembrando da vez que vi um garoto, no centro de Londres, despencar de uma sacada, bem na minha frente, ele se machucou muito, mas muito feio.

— Ah... eu sei me cuidar, Loira.

— Espero que sim. – Falei e abaixei meus olhos para o prato.

— Ou você está querendo me passar um sermão ou já viu alguém se dar mal... – Ele conseguiu decifrar a minha expressão.

— A segunda opção e não me faça lembrar da cena. O garoto caiu bem na minha frente.

— Então agora vai ficar preocupada comigo? – Ele buscou o meu rosto com a ponta do dedo indicador e o levantou para que eu fitasse.

— Você faz parkour para sobreviver?

— Não. – Ele parou, pensou. – Mais ou menos. – Deu de ombros.

— Só não despenque de uma sacada, por favor. – Falei por fim.

— Vou tentar. – Ele me deu um sorriso.

— Você não vai despencar. – Afirmei, porém, soou mais como uma ordem.

Alex soltou o meu rosto e virou a sua cadeira na minha direção, apoiando os cotovelos nos joelhos e se esquecendo completamente da comida na sua frente.

— Quem sabe um dia eu não te levo comigo? – Ele murmurou. Eu, que estava para comer, parei o garfo a meio caminho do prato e de minha boca.

— Desculpe-me?

— Mas você teria que abandonar os saltos, é claro. – Ele olhou para os meus pés.

Eu ainda o fitava, o garfo parado no ar.

— Não. – Sussurrei.

— É divertido.

— Não! E nem pense que eu vou ver você fazer algo assim, porque eu não tenho coragem!

— Melhor ir devagar, então. – Ele afirmou e puxou o prato para perto de si, mas não virou o corpo e nem a cadeira para a mesa. – Algo mais que queira saber? – Disse com um tom de voz feliz.

— Preciso literalmente digerir a história do parkour.

— Disse a mulher que corre no meio da neve... me pergunto, só carro?

— Você não viu a foto com as motos?

— Era sua?

— Lembra o que eu te disse mais cedo, quando você ficou com medo de que eu batesse o carro?

— Que eu não tinha ideia do que estava por chegar...

— Sim. Você não faz ideia! – Afirmei. Estava quase acabando o meu prato e o dele estava praticamente intocado. – Não vai comer?

— A conversa está mais interessante...

— Ou você não gosta de comida italiana... – Chutei.

— Muito pelo contrário. Gosto. Mas como eu disse... – Ele olhou sugestivamente para mim

 Eu ainda estava tentando absorver as informações sobre ele, quando Alex simplesmente disse:

— E então, teve sorte em pesquisar a minha vida?

— Não pesquisei. E não vou fazer isso. – Afirmei.

— Posso saber por quê?

— Gosto de ser surpreendida.

— Para o bem ou para o mal?

— Tanto faz. Assim posso me decidir se os defeitos são irrelevantes ou não.

— E se não forem irrelevantes? – Ele pareceu genuinamente preocupado.

— Você nunca mais irá me ver. – Disse simplesmente, e só de pensar nisso meu coração se apertou, como se eu soubesse, eu realmente soubesse, o que era viver sem ele. O que era perdê-lo.

— E como você quer descobrir tudo sobre mim, tão rápido? – Alex me olhou, achando que eu jamais apareceria na frente dele.

— Não quero. Nunca falei que queria. Só disse que você era o apressado, o ansioso, não eu.

— Mas você ainda é um grande mistério para mim! – Foi a sua resposta rápida.

— E você quer saber o final do livro antes de ler a história? – Questionei. Eu já tinha terminado de comer e de beber, Alex ainda fazia hora.

Ele me analisou. Pensou e colocou a sua cadeira mais perto da minha, nossas pernas quase se encostando por baixo da mesa.

— Sabe qual é o problema, Katerina?

— Eu não faço ideia... – Murmurei e, como em um passe de mágica, eu estava presa por seu olhar. Completamente rendida pelo azul de seus olhos.

— Eu posso jurar que já te conheço. Não sei todas as suas nuances, mas eu te conheço.

Parecia que borboletas voavam dentro do meu estômago.

— E agora eu preciso saber de onde. De qual vida. Foi por isso que eu tive que falar com você ontem.

Tinha sido só ontem? Parecia que eu o conhecia há milênios.

Senti a minha pele ficar quente, eu podia jurar que meu rosto estava completamente vermelho e meus olhos arregalados diante do que ele havia falado.

E, por um instante, eu quase falei. Eu quase deixei escapar que eu tinha a mesma sensação. Contudo, fiquei calada, até porque não encontrava a minha voz. Meu corpo não reagia aos meus comandos. Só reagia à presença dele. Ao timbre de sua voz. Eu estava literalmente, hipnotizada.

Não sei o que se passava atrás daqueles lindos olhos, mas ele me fitava como me olhou pela manhã, em total contemplação.

Por um milésimo de segundo eu pisquei e vi uma cena muito parecida com essa nossa.

O casal viking se despedindo. Ele se preparando para entrar no barco, ela observando os arredores e quando o Alex de eras atrás me chamou, a forma como ele olhava para a minha versão viking era a mesmíssima como a qual o Alex, que estava na minha frente, me fitava.

— Eu devo pedir permissão para te beijar? – Ele perguntou baixo, não sei se era para que ouvisse a pergunta ou não.

— Isso não te impediu antes... – Falei me referindo ao beijo da manhã.

E o sorriso de lado, as covinhas, o brilho no olhar, estavam lá novamente.

Ele não pediu permissão para me beijar. Por que pediria se eu também queria beijá-lo?

Eu não sei quantas pessoas estavam no restaurante. Eu não saberia dizer se algum dos clientes não gostou da cena. Pois, no momento em que os lábios dele encostaram no meu, eu voltei no tempo.

E o que era para ser uma memória feliz...

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Séc. VII - Noruega

— Você tem que realmente ir? – Perguntei.

— Você sabe que sim.

— Mas...

— Katerina, não faça isso.

— Só temos seis meses de casados, Alex. Por favor.

— Kat eu tenho que ir.

Me levantei da cama, abracei meu marido.

— Não vá. – Implorei quase de joelhos. Teria sido de joelhos se ele não tivesse me segurado.

— Você nunca agiu assim, o que houve?

— Não sei... é só... não quero que você vá. Só isso.

— Kat... – Alex tentou chamar a minha atenção.

— Tive um sonho em que você não voltava. – Falei de uma vez e o abracei, escondendo meu rosto em seu peito largo.

— Desde quando você é tão supersticiosa? – Ele tentou levantar o meu rosto para ver meus olhos.

— Esse é o problema, não sou. Mas deveria ser.

— Kat... nada vai acontecer. – Alex me beijou e, mesmo assim, a angústia em meu coração não se dissipou.

Fomos andando devagar até o porto, lá vi meu pai e meus irmãos e percebi que não era a única que tinha um mal pressentimento com essa viagem.

Cumprimentei minha família, abracei forte meu pai.

Pouco antes do barco zarpar, tornei a perguntar a Alex se ele não queria ficar.

Claro que sua resposta foi não. Ele tem aquele espírito aventureiro que nunca se aquieta.

— Por favor! – Pedi, tinha descoberto que estas míseras duas palavrinhas poderiam colocar meu marido de joelhos na minha frente se fosse o que eu queria.

— Sabe que não posso. – Alex me falou, nos afastou da multidão e me deu um beijo. Este beijo teve um sabor agridoce. Era a mesma paixão de todas as outras vezes, mas tinha o gosto da separação. Da dúvida, do medo.

Quando encerramos o beijo, colei a minha testa na dele e olhei no fundo de seus olhos azuis.

— Não me deixe aqui.

Alex me beijou mais uma vez, e, ao invés de se afastar, pegou a minha mão e jurou:

— Eu vou voltar, Katerina. Eu sempre vou voltar para você.

— E eu vou estar sempre te esperando na praia.

Caminhamos até o barco, ele me deu um beijo casto e se despediu, subindo a bordo.

Fiquei no cais até quando não era mais possível ver o barco. Fiquei até quando a chuva torrencial que caía dos céus encharcou meus ossos.

A viagem era para durar doze luas.

Na décima segunda lua eu voltei ao cais. Eles não voltaram. Voltei todos os dias após o que estava marcado como data de retorno, ficava horas parada na ponta do fiorde esperando por um vislumbre do barco que traria o meu marido de volta.

Mais doze luas se passaram. Quatorze. Vinte luas. Era verão novamente. Um longo ano de espera tinha passado e Alexander não voltou.

Ninguém voltou.

Ele não voltou para mim.

Ele quebrou a sua promessa e me deixou aqui, nesse fiorde, sozinha.

Estava na ponta do fiorde como fizera todas as luas anteriores, eu tinha uma estranha necessidade de ficar ali, na ponta. O vento uivou, parecia uma matilha de lobos, e, ao quase me jogar no mar, eu escutei claramente:

— Eu sempre vou voltar para você.

Segui o vento, me permiti voar. Era uma sensação muito melhor do que a dor que eu sentia. Eu não poderia viver em um mundo onde Alexander não existia.

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Diante do que acabei de ver, ofeguei e, sem pensar, me afastei de Alex com lágrimas nos olhos.

— Katerina? – Ele me chamou.

Fui obrigada a desviar o rosto, pois só de piscar eu via os dois momentos mais marcantes da “visão”. A promessa e a dor.

— Kat? – Alex tornou a me chamar, chegando com sua cadeira ainda mais perto de mim, praticamente me aninhando em seu abraço. – O que eu...

Como na minha visão, eu me afundei em seu abraço, me escondi em seu peito e tentei me convencer de que eu estava ficando louca. Completamente louca.

Mas como eu poderia ficar louca, se a dor era real?

Eu ainda podia sentir o desespero dela, a dor dela, o coração partido que ela tinha quando...

E me perguntei internamente: Pode-se morrer de coração partido?

— Kat... – Alex sussurrava meu nome.

— Não é nada. – Minha voz estava mais forte do que eu imaginei que estaria.

— Como nada? Pareceu que você foi eletrocutada quando...

Me virei para olhá-lo. Eram os mesmos olhos, os mesmos lábios. E eu tive a certeza, a mais absoluta das certezas, de que uma promessa feita a um grande amor, à sua alma gêmea, vai se perpetuar. Até que ela se cumpra.

A minha única dúvida era:

Seria nessa vida ou algo ainda nos impediria de ficarmos juntos?

— Em que você tanto pensa? – Ele me perguntou, tentando ler a verdade em meus olhos, tentando decifrar os meus pensamentos.

Desviei o rosto, mas ele delicadamente o segurou entre o polegar e o indicador, me mantendo na posição original.

Eu só sacudi a cabeça, não poderia falar dessa teoria idiota, do que eu andei vendo, ele sairia correndo. Então, me lembrei do que aconteceu na praia há trinta e seis horas. Me lembrei do nosso primeiro encontro de verdade.

Alex chegou perguntando de onde ele me conhecia. Depois acertou o meu nome.

— Kat? – Ele tentou de novo.

— Só tentando descobrir de onde eu conheço você... – Não era uma mentira, mas não era 100% verdade. Eu já sabia de onde eu conhecia, apesar de parecer realmente insanidade, algo me disse que nós nos encontramos pelos séculos afora muito mais do que uma única vez.

— Descobriu?

— Não, talvez de alguma vida passada, se você acredita nisso. – Dei de ombros para mostrar que eu não acreditava na minha própria teoria.

Alex me puxou novamente para seus braços e tudo o que eu pude fazer foi aproveitar o momento, porque aquela sensação que tive de pertencer a algum lugar quando ouvi a sua voz na praia, era muito mais forte assim.

Eu estava em casa.

Restava saber o que o destino tinha nos reservado...


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Notas finais do capítulo

E é isso para essa semana!!
Espero que tenham gostado!
Muito obrigada por lerem!
Até o próximo!
xoxo



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