Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 4
Curiosidade


Notas iniciais do capítulo

É quarta-feira então é dia de capítulo novo!
Espero que gostem!
Boa leitura!



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Eu não dormi nada, o que acontecia pela quarta noite seguinte. E dessa vez não tinha nada a ver com o fuso-horário ou com a colchão, não, tinha a ver com o famigerado sonho que tive ontem à tarde.

No pouco que consegui cochilar, meu cérebro não desligou, ficou repassando o sonho, frame por frame, detalhe por detalhe, o que quase me levou à loucura.

Rolei na cama, peguei o telefone, eram cinco e meia da manhã. Quem diria, eu acordada antes das nove em um domingo. Me levantei mais grogue que o normal e dei uma olhada pela janela.

O sol começava a despontar no horizonte.

Me joguei na cama, tampei a cabeça, mas eu sabia muito bem que eu jamais conseguiria voltar a dormir novamente, não mesmo.

Chutei as cobertas, me sentei na cama com minha cabeça em minhas mãos. Eu sabia que me mudar para cá seria uma péssima ideia.

Como que me instando a continuar o meu processo de me levantar, meus pensamentos formularam a seguinte hipótese: “E se ele estiver lá?

Tentei afastar a ideia, mas, de algum modo, ela já estava enraizada em minha mente.

Surfistas tendem a sempre ir a mesma praia, a menos que não tenham ondas boas...

Eu não sabia nada sobre ondas, contudo, eu tinha a melhor das desculpas, iria correr novamente, qualquer outra consequência era mera coincidência.

Me troquei, tomei um copo de suco, coloquei comida para os cachorros mais preguiçosos da face da terra e saí, fechando a porta em um estranho estado de euforia.

Chegar de carro até lá pareceu levar o dobro do tempo do dia anterior, porém devia ser só a sensação de ansiedade que tomava o meu estômago, fazendo-me arrepender de ter tomado o suco.

Parei meu carro na mesma vaga de ontem, fiz meu alongamento, coloquei meus fones de ouvido e antes de colocar o celular no bolso do short que usava, conferi as horas, era um pouco mais cedo do que no dia anterior, internamente torci para ter sorte. Dei play em uma playlist particularmente barulhenta, com muita bateria e guitarra e comecei a correr.

Meus pensamentos logo se dirigiram para a melodia que escutava, tentando desvendar o acorde da guitarra, prestando atenção na evolução da bateria, se era uma bateria com um, dois ou três pedais. E, seguindo o ritmo alucinado do solo de guitarra, meus passos ficaram mais rápidos e alcancei Venice Beach em um tempo menor. Vi os surfistas e suas pranchas comemorando o segundo dia seguido de boas ondas, depois de uma semana particularmente de mar calmo, e, ao ouvir isso, me animei, talvez ele estivesse aqui.

Passei pelo local onde me sentei na manhã anterior, as famílias com seus filhos, bicicletas e cachorros ainda não tinham chegado e, acabei por acelerar o ritmo, a sensação que tinha era a de que eu voava pelo calçadão, devido a força do vento. Por um breve segundo me peguei pensando em que estado meu cabelo deveria estar com toda essa maresia.

Fiz a volta no mesmo ponto do dia anterior, dessa vez sem me preocupar com nada, era apenas eu, minha música e meus pés ganhando a pista de corrida.

A volta foi do mesmo jeito da de sábado, logo que a famosa praia ficou visível, o movimento aumentou, e comecei a desviar com mais frequência de crianças e cachorros, e depois de me perguntar quem, em sã consciência, deixa um minúsculo Pinscher solto em um local movimentado como esse, eu cheguei no meu ponto de observação, ou melhor, no local onde fiquei sentada ontem.

Não tinha ninguém ali, mas os surfistas estavam na água, então, com curiosidade, me vi observando-os, tentando achar o causador dos meus estranhos sonhos.

De longe e com a maioria usando os macacões pretos, era impossível de saber se ele estava lá. Assim, aproveitei a privacidade que os óculos escuros dão e comecei a vasculhar ao meu redor. Não o vi.

— Droga, justamente quando eu queria ter a certeza de que não estava enlouquecendo. – Murmurei.

Foi então que, como se fosse a exata reprise de um gol, o pessoal que estava na faixa de areia começou a aplaudir e se encaminhar para a beira d’água.

Confesso que fiquei tentada em fazer o mesmo, mas permaneci onde estava e só esperei. E como ontem, a plateia se desfez depois de algum tempo e só sobrou o grupo de surfistas. Não sei dizer se eram os mesmos, eu não prestei atenção em nenhum outro a não ser.

Nele.

O Tatuado de Venice Beach deve ter pegado uma série boa, pelo tanto que estavam falando na cabeça dele, ou talvez ele só fosse muito bom mesmo.

Me concentrei em olhar a turma, procurando por um vislumbre do rosto dele, para compará-lo com o viking do meu sonho, eu tinha chegado à conclusão, por tudo o que eu já tinha lido sobre a mitologia nórdica e a era viking, que meu sonho se passou em uma aldeia viking, lugar completamente oposto a onde eu estava hoje.

Mantive a expressão de concentrada, como se prestasse atenção na música que ouvia e não no que acontecia ao meu redor, e, tão rápido que quase perdi o movimento, ele se virou na direção onde eu estava.

Minha máscara de desinteressada falhou por meros segundos e eu me vi obrigada a desviar o olhar, mas a curiosidade era maior, muito mais forte, e eu o olhei, protegida pelas lentes escuras, eu o encarei, mesmo que ele não soubesse.

Tentei gravar o formato do queixo, do nariz, o arco das sobrancelhas, a linha da mandíbula, mas para cada ponto que eu olhava, eu só tinha a mesma certeza: Era Ele. Ele era o viking do meu sonho.

Perkele![1]. – Murmurei.

 Pensei em me levantar, mas ele começou a caminhar para perto de onde eu estava, e se eu saísse agora, simplesmente entregaria que eu o estava observando.

A cada passo que ele dava, eu ficava ainda mais nervosa, e, para o meu azar, ele caminhou exatamente até a linha onde eu estava sentada, se virou um pouco para a direita e logo fincou a prancha na areia e se sentou por ali. Ele estava há poucos metros de distância de mim e eu não poderia observá-lo sem chamar a atenção.

Não podia olhá-lo e não podia sair nesse exato momento. Minha falta de sorte é algo absurdo!

Me ajeitei na areia, de maneira que removi os tênis e comecei a brincar com a areia sob os meus pés, era uma sensação confortável e bem natural de se fazer, fiquei assim um tempo, vendo o mar, vendo os surfistas ganharem as ondas, alguns caírem, outros fazendo manobras tão boas quanto as do meu vizinho, mas nenhum deles foi tão ovacionado pela plateia quanto ele.

Veio do nada, eu não estava prestando atenção em nada ou ninguém, só no mar e na altura das ondas, quando eu senti. Alguém claramente estava me observando, atentamente, ao ponto de que eu senti e minha pele esquentou. Procurei pela pessoa, virei minha cabeça em todas as direções e assim que olhei por sobre o meu ombro direito, vi de onde vinha o olhar.

Do meu vizinho surfista.

E ele nem fez questão de disfarçar. E quando notou que eu o olhava de volta, como que querendo uma explicação, vi que ele tinha uma sobrancelha levantada e uma expressão de dúvida.

Imitei seu gesto, uma coisa era ser discreta na observação, outra é ser totalmente descarado. Será que a família dele não o ensinou que encarar é falta de educação?

Diante da insistência de seu olhar, eu praticamente quis ir até ele e perguntar se havia algum problema comigo. Porém, eu me conheço bem demais para saber que sou igual ao Coragem, o Cão Covarde, quando não se trata de fechar negócios, eu sou igual a um filhotinho indefeso.

Só que, para o meu total espanto, ele não só manteve o olhar firme no meu, como se levantou e veio caminhando até a minha direção.

Meu coração se acelerou, será que eu não fui tão discreta quanto pensava?

— Com licença. – Ele falou a uma distância em que seria considerada educada para dois completos estranhos conversarem. – De onde eu te conheço? – Continuou antes que eu pudesse respondê-lo.

Agora eu podia observá-lo de perto. E, por Odin, eu realmente já tinha visto aquele rosto.

— Não, não nos conhecemos. – Respondi antes que a minha demora ficasse parecendo que eu estava em outro mundo.

— Você tem certeza? – Ele tentava se convencer da minha resposta.

— Tenho sim. Nunca nos vimos. – E essa conversa estranha era a minha deixa para sair daquela praia. Assim, me levantei da areia, ele bem que me estendeu a mão, mas eu fingi que não vi, peguei meus tênis e estava para dar as costas a ele quando ouvi.

— Desde quando você corre por essa região? Porque seu sotaque não é daqui...

Me virei de súbito para ele.

— Desde ontem. E não, não sou daqui.

Seus olhos ainda vasculhavam meu rosto, procurando entender de onde ele me conhecia. A diferença era que, eu estava de óculos escuros e as lentes tampavam quase metade do meu rosto, já ele não usava nem boné.

— Seja bem-vinda, então! – Disse, estendendo-me a mão.

Em um gesto automático eu peguei a mão dele a apertei, só para sentir uma carga elétrica passar por todo o meu corpo, e mais uma lembrança voou pela minha mente.

Ele, com o uniforme vermelho do Exército dos Patriotas que lutaram na Guerra de Independência dos EUA, cabelo comprido, preso em rabo de cavalo, rosto sem barba, olhava diretamente para mim – sim, era eu ali, ele olhava para mim! – e segurando a minha mão me fez uma promessa: “Eu vou voltar, Katerina, e quando eu voltar, eu vou me casar com você!” depois levou as minhas duas mãos aos lábios e as beijou.

Pisquei rápido, tentando esquecer a cena. E, talvez um pouco bruscamente, tirei a minha mão da dele, que parecia perplexo ao me fitar.

— Katerina!? – Ele murmurou.

— Como? – Perguntei, achando que agora eu tinha alucinado de vez.

Ele abriu um sorriso que mostrou a covinha no canto de sua boca.

— Sou Alexander. –  Disse com um menear de cabeça, mas vi que sua mão voou em direção à minha.

— Katerina. – Respondi. E diante do meu nome, seu sorriso se alargou e eu quase perdi o fio de meus pensamentos.

— Um nome bonito. – Comentou, para acrescentar. – Vamos nos encontrar novamente, Katerina. - Profetizou.

Sorri diante da sua certeza, mas estava absorvendo a maneira como meu nome soava em sua voz, como a sua boca se abriu em um pequeno sorriso de lado ao dizer a última sílaba.

— Tenha um bom dia, Alexander. – Disse e me virei para ir embora e, por mais que ele tenha tentado esconder, vi o sorriso novamente, quando eu disse o seu nome.

— Você também. – Ouvi claramente a resposta, mesmo com todo o barulho da praia.

Caminhei devagar até o meu carro, tentando absorver os acontecimentos dos últimos cinco minutos. A mão que ele tinha apertado formigava, eu ainda conseguia sentir um vago eco da descarga elétrica que percorreu meu corpo quando minha pele encostou na dele. Meu coração batia acelerado e ainda tinha a cena que tinha visto.

Primeiro em uma aldeia viking e agora na Guerra de Independência Americana.

Definitivamente eu precisava ser internada em um sanatório e, quem sabe, não levava a louca da Pietra junto, pelo menos eu teria uma companhia falante enquanto babava por conta dos remédios.

 Cheguei ao meu carro e tive um pequeno problema para destravar as portas de tão atordoada que estava e, quando finalmente encaixei a chave na ignição, olhei pelo para-brisa e Alexander estava parado na frente do carro e acenava, como que me pedindo para não ir embora.

— Por favor, não ache que estou te seguindo, eu só queria saber, você vai correr amanhã? – Ele disse quando eu abri a janela do lado do motorista.

Eu não sabia o que faria da minha tarde, como ele queria um planejamento para a segunda de manhã?

— Sim. – Falei sem pensar.

— Aceita companhia? – Eu pude sentir o entusiasmo emanando de cada poro de seu corpo, e, foi só então que eu notei o corpo dele. Misericórdia!

Uma vozinha no fundo do meu cérebro gritava, se esgoelava, dizendo que eu não conhecia aquele homem, que tudo isso poderia ser perigoso, mas eu não a escutei, ao invés disso, me vi perguntando:

— Não vai surfar amanhã?

A risada dele ecoou dentro do meu carro e eu quis gravar aquele som.

— Só surfo nos finais de semana. E então, posso correr com você? – O bom humor estava evidente em seus olhos azuis.

— Não vejo mal algum. – Dei de ombros, fingindo uma indiferença que eu não tinha.

— Você chega cedo... – Comentou. – Seis horas?

Pensei no horário que cheguei hoje. E nos meus horários de trabalho. Eu tinha que estar no escritório às nove.

— Ou é tarde demais? – Completou com um muxoxo.

— Creio que dá. Pode ser um teste. Ainda estou me adaptando a tudo. – Como sempre, eu falara demais.

— Na velocidade que você corre, acho que não vai te atrapalhar. – Alexander pareceu constrangido ao soltar essa informação. E, por mais que fosse errado, eu estava lisonjeada ao saber que ele tinha me observado da mesma maneira que eu o tinha observado.

— Nunca tenha nada como garantido. – Respondi.

O sorriso sumiu de seus lábios e ele recuou um passo, para então sacudir a cabeça e se abaixar na altura da janela do meu carro, e eu notei o quão alto ele realmente era.

— Posso te pedir um favor? Sei que mal nos conhecemos, mas eu estou curioso.

— Com?

— Que cor são seus olhos?

Foi a minha vez de sorrir.

— Te dou três chances para descobrir, Surfista. Se você acertar, eu tiro os óculos. – Desafiei.

— Três chances? – Ele disse surpreso. – Não tem tantas cores por aí.

E com uma resposta dessas eu só soube me sentir um tanto presunçosa e arrogante também, afinal... eu não tinha uma cor qualquer em meus olhos.

— Quer começar agora, ou quer pensar nas suas opções e dizê-las amanhã?

— Você parece convencida de que eu não vou acertar, Katerina. – Ele falou e vi que ele gostava de um bom desafio tanto quanto eu.

— Talvez eu só esteja blefando. Pensou nessa possibilidade?

Eu o peguei de guarda baixa e seu peso vacilou, quase que ele cai sentado no estacionamento.

— Você é uma boa adversária. Vou aceitar sua proposta, mas se eu acertar, você vai ter que tirar os óculos escuros.

— Mas e se você não acertar? – Retruquei. – O que eu ganho? – E eu só pensei no que havia dito quando as palavras saíram da minha boca.

— Eu pago o seu café. – Alexander me respondeu com um sorriso.

— Parece que é você quem está ganhando se errar as opções e, além do mais, eu não tomo café. – Constatei.

Ele levantou as duas mãos em sinal de rendição.

— Pego no flagra. Você pode escolher, então.

— Vou pensar e falo amanhã, não acha justo?

— Com certeza. – Ele disse e eu notei o quão próximo nossos rostos estavam, já que ele tinha apoiado as duas mãos na minha janela completamente aberta e o queixo nas mãos, e me olhava atentamente e de uma maneira que poderia parecer até obsessiva, mas não era. Era lisonjeira. Como se ele estivesse apenas me contemplando.

Me perdi na maneira como ele me olhava, no modo como seus olhos brilhavam enquanto dançavam para absorver os detalhes do meu rosto parcialmente oculto pelos óculos. E, de repente, me vi lutando contra a vontade que tive de tocar o rosto dele, de seguir a linha da mandíbula e sentir seus lábios com a ponta dos dedos.

Respirei fundo e isso quebrou a nossa bolha. Ele suspirou, como que derrotado por uma força muito maior do que ele e falou.

— Você tem que ir. Nos vemos amanhã, nesse estacionamento. – Disse fatalista, como se 22 horas passassem com a demora de um século.

— Até amanhã. – Falei.

Alexander relutou em se afastar do meu carro, em se levantar. E quando se decidiu, sua mão flutuou para dentro da janela e com a ponta dos dedos ele tocou minha bochecha e tão rápido quanto um piscar de olhos, ele estava de pé e se afastando de volta à praia.

Pelo resto do dia, o local onde ele tocou brevemente o meu rosto formigou, me lembrando permanentemente da presença dele.

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Dizer que me concentrei em algo é besteira. Eu não soube nem o que eu comi para falar a verdade. Passei todo o domingo oscilando entre um estado de total euforia e ansiedade, para um de total ódio e revolta comigo mesma. E não raro me vi guerreando internamente, me xingando por ser tão avoada quando se trata de homens bonitos com lindos olhos azuis e um mínimo de educação.

— Você sabe muito bem o que aconteceu da última vez. – Falei em voz alta comigo mesma.

Revirei os olhos ao pensar em Lucca e no que ele tinha feito comigo e, só por alguns segundos, a proposta de Pietra foi até tentadora.

— Larga se ser idiota. Se concentre, mulher. – Tentava, em vão, colocar juízo na minha cabeça.

Andei pelo apartamento, arrumando coisas que não precisavam ser arrumadas, depois decidi que tinha que começar a separar o que iria vestir para o meu primeiro dia oficial comandando o Escritório do Pacífico e, claro, preparar todos os documentos que negligentemente deixei de lado nas últimas vinte e quatro horas.

Decida que iria agir como a Executiva que tentava chegar ao sucesso e não como a adolescente apaixonada, me sentei no escritório, uma xícara de chá ao meu lado e, ao som de muita música clássica, me pus a trabalhar.

Como esperava, minha tática de tomar quase dois litros de chá funcionou e eu, se não consegui ler todos os contratos que estavam sob a jurisdição de Los Angeles, pelo menos, tomei conhecimento sobre quais eram os nossos clientes daqui.

Separei por países e área de onde saíam os carregamentos e para onde iam e como iam.

Eram mais de seiscentas empresas que dependiam de nossos navios, aviões e até caminhões. Para falar a verdade, eu estava intimidada, minha carta de clientes não era tão vasta em Londres, tinha no total cento e oitenta empresas que eu conhecia muito bem, com quem eu tinha negociado e, eu sabia tudo sobre elas, assim se tornava muito mais fácil quando chegava a vez de renovar os contratos.

Mas aqui? Eu estava começando do zero, literalmente.

Teria que aprender todos os macetes dos CEOS de nossos clientes, teria que me acostumar com o ritmo dos funcionários e, o principal, construir uma relação de confiança com a minha secretária.

Eu havia conhecido Milena Sampaio na quinta-feira, ela foi a responsável por me mostrar todo o prédio e me apresentar aos chefes de cada setor, porém, eu ainda não sabia o que pensar dela. ou eu só a estava comparando com Wendy. Na sexta-feira voltei ao prédio para ajeitar o meu escritório e colocar alguns pertences pessoais lá, afinal, eu passaria quase 2/3 do meu dia enfiada lá dentro, Milena me ofereceu ajuda e me surpreendi quando ela disse que estava agradecida por eu não ter trazido a minha secretária.

— Eu preciso de alguém que conheça como esse escritório funcione. - Afirmei.

— E todos achando que começaríamos a trabalhar no fuso-horário de Londres.

— Não se preocupe, a única que precisará se desdobrar com esses fusos serei eu, no mais, eu só quero que o escritório continue no excelente ritmo de trabalho que já tem.

Ela deu uma risada.

— A senhora quer que essa mensagem chegue no ouvido de todos?

— Nada de me chamar de senhora, por mais que entenda a cadeia de comando aqui, por favor, me chame de Katerina. E, sim, seria interessante que essa mensagem chegasse a todos, para isso planejo uma rápida reunião na segunda-feira de tarde para apresentação oficial e toda essa baboseira de sempre.

— Bem, se quiser que a mensagem chegue ainda mais rápido, é só falar com Fátima Fuentes, a chefe das faxineiras.

— Entendi o recado! – Disse sorrindo.

E o restante do dia passei dentro da minha sala tentando me acostumar com tudo.

De volta ao presente, vi que o sol já tinha se posto no horizonte, assim, resolvi levar Thor e Loki para um passeio pelo bairro, para que eles gastassem as energias acumuladas de ficarem presos em um apartamento.

— Meninos! Vamos dar uma volta! – Chamei e eles logo apareceram com as respectivas guias na boca. – Bom trabalho, se comportem na rua e ganharão petisco em dobro! – Fiz um carinho nas orelhas de cada um e saí para andar.

Com poucos metros caminhados, comecei a perceber que huskies não são uma raça de cachorro muito comum na Califórnia, se eu estava interpretando os olhares que eu recebia de forma correta.

Loki, mas, principalmente, Thor estavam mais interessados em conhecer o terreno do que em passear, assim, a cada metro eu era obrigada a parar no meio da calçada para esperar pela boa vontade de um ou de outro para voltar a andar depois de cheirar a mesma pedra por mais de um minuto.

— Podemos continuar com o passeio ou o senhor ainda tem que cheirar mais alguma coisa? – Perguntei para o ofegante cachorro.

Thor só se dignou a me rebocar até a próxima árvore.

Um passeio que era para durar meia hora, levou uma, graças aos fofos dos meus cachorros que faziam paradas a cada trinta segundos. E, assim que soltei as guias e os libertei no apartamento, os bonitos foram direto se deitar em suas camas e tirar um cochilo.

Voltei ao escritório para terminar o último portfólio, contudo, antes mesmo que eu o abrisse, a barra de notificação do meu computador me disse que alguém queria conversar comigo.

Atendi a chamada de vídeo só para dar de cara com minhas duas sobrinhas.

— Não é um tanto tarde aí em Londres?

Elena soltou uma gargalhada, como se ficar acordada até tarde fosse a maior das travessuras.

— Não! – Ela respondeu teimosa. – Mamãe deixou.

Ouvi a voz de Tanya, antes de vê-la atrás das filhas.

— Está mais para: eu te deixo ligar para a sua tia, se você prometer que vai dormir logo depois. – Ela disse e pegou Elena no colo. – Como vai Los Angeles?

— Quente, abafada, cheia de maresia. – Apontei para o meu cabelo. – Mas, além da promessa de conversar comigo, o que essa pequena andou aprontando que está com a testa roxa e com curativo?

Liv riu.

— Me deu um susto e tanto ontem. Saiu correndo da mesa da cozinha e, ao invés de subir a escada, deu com a testa no corrimão. Não deu outra. Três pontos.

Segurei a risada.

— Ainda bem que a mãe é médica e tem um kit de primeiros socorros em casa! – Comentei.

Elena, por sua vez, abraçou a mãe e deu um beijo estalado na bochecha dela.

— Mamãe é herói!

— Heroína, Lena! – Liv, que até então estava calada, comentou.

— Mulher Maravilha! – Disse a mais nova, ainda defendendo a mãe.

— Nisso estamos de acordo! – Liv falou, puxando o pé da irmã.

Comecei a sorrir, estava sentindo falta das minhas sobrinhas, da minha família.

— E, por aí, como estão as coisas?

— Papai está revoltadíssimo com o resultado do GP do Japão!

Uhn... eu tinha me esquecido de assistir ao Grande Prêmio.

— Quem ganhou?

— Chuta! – Liv disse com uma careta.

— Pelo visto não foi a McLaren.

— Não mesmo. E vovô está bravo até onde ficou parou e ficou.

— Não me diga que os pilotos se acharam no meio do Circuito de Suzuka?

— Igual ao Big One da Nascar! – Liv disse com pesar.

— Fez BUM!! – Elena completou. – Teve pneu saindo correndo. – Me explicou.

— Tenho que ver para ter a minha opinião!

— Só não ligue para a Pietra depois, pois acho que ela vai ter uma opinião muito diferente da sua, tia! – Liv disse e começou a rir.

— Tudo bem, vamos sair da corrida e passar para vocês, como foi o final de semana?

— Chuva! Muita chuva! – Lena sempre tinha um comentário a fazer.

— Só dentro de casa, está chovendo direto desde quarta, eu acho que já estou ficando verde de tanto musgo! – Olivia se fez de dramática.

— E eu estou no meio do deserto... a chuva de ontem só ficou na promessa...

Elena, que começou a ficar agitada no colo da mãe, queria me contar sobre os últimos quatro dias, então, as outras duas deixaram que ela começasse a falar, toda embaralhada, o que tinha feito e o que tinha visto e, antes de terminar o relato confuso, deu um enorme bocejo e se ajeitou no ombro da mãe.

— Tia, quando você volta? – Me perguntou quase dormindo.

— No Natal estarei aí. – Prometi.

— Vou pedir isso para o Papai Noel então... – Murmurou e logo agarrou o ombro da mãe e começou a cochilar.

Tanya se despediu de mim, dizendo que eu estava péssima, com cara de sono, que deveria dormir mais, ou ficaria parecendo um zumbi dentro do escritório, e depois foi colocar a filha mais nova na cama, não sem avisar:

— Amanhã, Liv, você tem aula, não demore muito, não vou voltar aqui para ver se você está dormindo, conhece as regras. – E deu um beijo no alto da cabeça da filha.

— Então... Liv. Esse silêncio todo. – Eu comecei assim que Tanya fechou a porta.

Liv me pediu para esperar e plugou os fones no computador.

— Bem, assim ninguém escuta. – Falou e me olhou séria pela tela.

—  O que houve?

— Adivinha quem está aqui? – Ela perguntou.

Por sua reação exagerada e sua cara de poucos amigos, deduzi rapidamente.

— Mia.

Ela bufou.

— Tia, eu juro, Mia deve ser adotada, não é possível ser tão diferente do restante da família assim!

Tive que rir da reação de Liv.

— O que ela fez dessa vez?

Olivia revirou os olhos, bufou e soltou:

— Você vai ser titia novamente!

E eu caí da cadeira.

— Oi?! – Gritei ainda do chão.

— É isso aí. Lá vem o seu quarto sobrinho por aí.

— É um menino? – Perguntei. 

— Sim. É menino. Ela fez um teste sei lá de que e já sabe que será um menino.

Me sentei novamente e encarei a minha sobrinha.

— Tia, você perdeu a frescura da pessoa e do marido dela. A propósito, o nome do dito cujo é Príncipe Ali Hasan Hansan.

Príncipe?

Liv balançou a cabeça.

— É um daqueles caras podres de ricos que ficam ostentando Rolex e Bugattis por aí. Na verdade, é um mala sem alça e eu dei graças a Deus quando foram dormir na suíte de qualquer hotel cinco estrelas da cidade, nem mamãe gostou dele.

Eu estava praticamente sem palavras. Minha irmã sendo mãe? Justo ela que nunca chegou perto dos sobrinhos enquanto eles não aprenderam a se virar sozinhos!! Quis começar a rir.

— Seu avô já sabe da novidade?

— Não sei, tia. Quando contei para o papai, tudo o que ele fez foi começar a rir, e depois, quando chamou a mamãe, eu pude escutar claramente que – Minha sobrinha parou e fez aspas com as mãos, como se imitasse o pai. – “muito provavelmente será criado pela babá, Mia odeia crianças!”

Meu irmão não estava errado, nunca vi uma pessoa tão fria, distante e indiferente em relação a crianças como Mia.

— E a senhora, o que acha disso tudo? – Liv quis saber, seus olhos doidos para ter alguém que compartilhasse da mesma opinião dela.

— Eu não conheço o tal Príncipe, e, para ser sincera, tem quase um ano que não vejo a sua tia... assim, quem sabe, ela possa ter mudado.

— Tia! – Liv começou quase ofendida. – É mais fácil você começar a gostar do verão e de praias do que a Mia tomar conta de outro ser humano.

— Bem, ela tem nove meses para mudar.

— Ela está grávida de cinco.

— Então são quatro. – Me corrigi.

— Você acredita que isso é possível?

Não, eu não acreditava.

— Bem...

— Eu sabia! – Liv me interrompeu. – Ninguém acredita! Até a vovó está descrente! Acho que você terá que tomar conta de seu sobrinho mais novo.

Comecei a rir de verdade.

— Não, impossível, Olivia.

— Você tomou conta de Tuomas e de mim, sem contar que, mesmo trabalhando como uma louca, ainda foi capaz de cuidar da Lena.

— Ele não. Agora eu realmente não tenho tempo e, estou do outro lado do mundo.

— Pelo que ouvi, o tal Hansan tem casa em LA.

Dei de ombros.

Liv ria.

— Tudo bem, creio que ele não terá essa sorte. Tadinho, o carrinho de bebê deve ser um Bugatti também, né? – Disse debochada.

— Você quem me informou sobre o pai, como eu disse, não o conheço.

— Pobre criança rica!

E era mesmo. Tadinho desse bebê.

— Tirando a hora da fofoca, como você está?

Liv parou, pensou.

— Bem. A escola mais do mesmo, aqui em casa também. Tudo está realmente tranquilo. Estranhamente quieto.

— Estranhamente quieto?

— Sim, parece que era você quem animava as coisas por aqui... até o bivó tá mais calado.

— O Homem de Gelo sempre foi calado, Olivia.

— Então deixe-me corrigir o meu lapso, ele está mais calado do que o normal.

— É só o jeito dele de se acostumar com mudanças, Liv. Não deve ter sido fácil os últimos três dias dentro da Empresa.

— Se ele não gosta de mudanças, então, por que mandou você para o outro lado do mundo?

— Negócios são negócios, Olivia, e seu bisavó sabe o que está fazendo.

Olívia bufou e cruzou os braços.

— E não adianta reclamar com ele, você sabe que é inútil.

Minha sobrinha não me respondeu.

— E, aproveitando que a senhorita está de mau-humor, vou dizendo que já está mais do que tarde em Londres, então já sabe...

Ela revirou os olhos.

— E seu eu não estiver com sono?

— Quem vai ficar com olheiras enormes será você, Pandinha. São o que? 00:30?

Outro suspiro.

— Estou certa. Hora de, pelo menos, desligar o computar, Liv. Ou sua mãe vai voltar aí.

— Ela disse que não.

— Se a luz do seu quarto estiver acessa, sim ela vai. Agora, cama.

— Mas tia!

— Não proteste, Olívia, você tem que se levantar cedo e ir para a escola amanhã, e se me lembro bem do que você andou falando, tem trabalhos para entregar.

Olivia fez um bico digno de criança birrenta, mas aceitou o que falei.

— Quando poderemos nos falar novamente?

— Quando você precisar, sabe que é só ligar.

— Tudo bem, tia. Boa noite, ou boa tarde, sei lá.

— Boa noite para você, Emburrada! Boa semana. E você já sabe.

— Seja a pessoa mais quieta do lugar, mas sempre a mais esperta e inteligente.

— Exatamente!

— Tchau tia!

Ela desligou a chamada e eu encarei o vazio do escritório. Eu ainda tinha coisas a fazer, e era melhor fazer agora.

Passei uma boa parte da noite trabalhando, depois fui para a cama. Esperava ter uma noite de sono tranquila pela primeira vez desde que chegara na Califórnia.

 

[1] Droga.


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Notas finais do capítulo

Bem é isso!
Obrigada a você quem leu!
Até o próximo!



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