Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 3
Déjà Vu


Notas iniciais do capítulo

Avisinho básico: em alguns capítulos terão poemas ou frases que, mais ou menos ilustram o que será tratado aqui, todos devidamente creditados aos seus autores e disponíveis na internet.
No mais, vamos seguir com a história de Katerina e se preparem para a chegada de dois personagens.
Boa leitura!



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O Primeiro de Todos os Meus Sonhos

o primeiro de todos os meus sonhos era sobre
um amante e o seu único amor,
caminhando devagar(pensamento no pensamento)
por alguma verde misteriosa terra

até o meu segundo sonho começar—
o céu é agreste de folhas; que dançam
e dançando arrebatam(e arrebatando rodopiam
sobre um rapaz e uma rapariga que se assustam)

mas essa mera fúria cedo se tornou
silêncio: em mais vasto sempre quem
dois pequeninos seres dormem(bonecas lado a lado)
imóveis sob a mágica

para sempre caindo neve.
E então este sonhador chorou: e então
ela rapidamente sonhou um sonho de primavera
—onde tu e eu estamos a florescer
E. E. Cummings, in "livrodepoemas"

Era sábado, meu primeiro sábado em Los Angeles, acordei cedo demais, sem ter dormido direito, ainda não tinha me acostumado nem com o fuso-horário, muito menos com a minha nova cama.

Suspirando, me levantei, Loki me seguiu como sempre, já Thor estava dormindo com as pernas para cima e a língua para fora, se eu já não estivesse acostumada com a cena, poderia jurar que ele estava morto.

— E você, Lokinho? Quer fazer o que?

Não, eu não sou maluca, mas meus cachorros são a minha única companhia, e na falta de alguém para conversar, conversava com eles.

O enorme husky siberiano ruivo apenas se sentou na minha frente e apontou para o relógio.

— Sei que é cedo, mas o que eu posso fazer.

Ele ganiu.

— Você está me entendendo?

Loki se levantou, deu uma volta em si mesmo e se sentou, olhando por sobre o meu ombro. Segui o local e vi a guia de passeio.

— Agora não amigão. Está muito quente.

Tornou a ganir e com isso Thor, o husky mais retardado que poderia existir, se levantou e veio trotando na minha direção.

— Bom dia para você também! – Falei e resolvi servir a tigela de ração deles.

— Vocês comam quietos e pelo amor de Odin, nada de derrubarem a água de novo.

Os dois voaram para as vasilhas, até parecia que estavam morrendo de fome e eu peguei o celular para ver a previsão do tempo, e assim que abri o aplicativo, este me informou que eu estava andando menos nos últimos dias do que na semana passada.

— Culpa dessa mudança. – Murmurei.

Voltei para o quarto com o intuito de arrumar a minha cama e quando abri as cortinas (e o blackout!) fui recebida pela visão do mar.

Acabei de arrumar tudo, e, talvez influenciada pelo aplicativo de saúde do meu celular, resolvi sair para correr.

Vesti uma roupa de ginástica, calcei meus tênis, dei uma conferida no percurso que poderia fazer, sem conhecer muito daqui, apenas segui as dicas, o local parecia ser uma praia, uma conhecida mundialmente.

Venice Beach.

Conforme a quilometragem que eu geralmente fazia no Saint James Park, a minha corrida aqui me levaria da Praia de Santa Mônica até quase o fim de Venice Beach para então retornar até o píer da primeira praia.

Praia.

Eu estava trocando o clima agradável (para mim, pelo menos) dos parques londrinos para correr nas duas mais famosas praias de Los Angeles.

Minha vida é patética.

Porém, mesmo com essa troca horrível, resolvi sair, ficar presa dentro desse apartamento, por maior que fosse, ainda iria acabar me matando.

Dirigi até o píer de Santa Mônica, ainda era muito cedo, não eram seis da manhã, assim, estacionar meu carro foi fácil, desci e comecei a me alongar. Devidamente aquecida, peguei os fones de ouvido sem fio, abri o Spotify, escolhi minha playlist favorita e comecei a correr.

Por um tempo, tudo o que eu fiz foi me concentrar nas minhas passadas rápidas e nos acordes complicados da música que ouvia e só. Eu tinha a mania de me isolar do mundo quando estava correndo ou fazendo as minhas aulas de Pilates.

Foi fácil saber quando troquei de praia, se Santa Mônica era realmente frequentada por banhistas, Venice Beach era a área dos surfistas e já tinham vários esperando pela onda perfeita. Vi outros chegando, descendo de seus carros, vestindo seus macacões de Neoprene e pegando as pranchas do deck no teto dos carros. Vários cruzavam meu caminho, parando para cumprimentar um conhecido e interrompendo a minha passada.

Xinguei um em especial, em finlandês, por baixo da respiração. O digníssimo resolveu praticamente me atropelar com aquela enorme prancha, foi por muito pouco que eu não caí em cima dele e daquela prancha estúpida.

— Ääliö[1]. – Xinguei baixo e ele não me ouviu.

Passada essa movimentação, tive que me concentrar em desviar das crianças e seus patinetes, patins, bicicletas e triciclos, isso fora os pais e os demais que começavam o dia se exercitando.

Escutei a assistente do meu celular me avisando que meu retorno já estava perto, mas eu ainda precisava correr, precisava achar aquela paz interior que eu sempre conseguia quando estava em Londres. Assim, aumentei meu ritmo e fui além do que tinha programado.

Corri quase uma hora a mais, em um ritmo acelerado que já estava me fazendo ofegar como um puro sangue depois do páreo. Decidi voltar, já que não sabia a exata distância de onde estava para onde havia deixado o meu carro, ao invés de ir correndo, resolvi voltar em um trote rápido, apenas para manter o batimento cardíaco elevado. Como não prestei atenção no caminho de ida, acabei por ficar receosa quanto a volta, aqui se tinha um movimento menor.

Um tanto preocupada, comecei a prestar atenção aos arredores, procurando por qualquer sinal de perigo, contudo nada me indicava que eu estava sendo ameaçada.

Alguns minutos a mais, e toda a confusão de crianças, skatistas e patinadores começou a aparecer e logo eu fui engolida por famílias inteiras com suas crianças, cachorros e até gatos. Nessa hora me arrependi de não ter trazido Loki e Thor para passearem comigo.

Sendo quase impossível de continuar até com o trote rápido em que estava, saí do calçadão e parti para a faixa de areia, para ser capturada pela beleza do mar.

Conferi meu relógio, ainda era cedo, pelo menos para alguém que não tinha o que fazer, não eram nem oito e meia, assim, me sentei na areia, há meio caminho da rebentação e fiquei observando os surfistas, sentindo certa inveja e tristeza, enquanto observava o que eles estavam fazendo. Inveja porque eu jamais conseguiria me equilibrar em uma prancha daquelas e quiçá conseguir controlá-la em cima da água, e tristeza, porque, em circunstâncias normais, eu poderia estar surfando também, na neve, com a minha prancha de snowboard, em alguma estação de esqui, na Europa.

Suspirei e fiz um trato com a minha mente, pedi para que ela me mandasse em uma realidade alternativa onde eu estava no lugar dos surfistas, mas a água estaria quase sólida e a temperatura muito mais baixa. Fechei os olhos e me materializei mentalmente em um resort de esqui na Suécia.

Minha tentativa de sair de onde estava não funcionou por muito tempo, pois a plateia que já ocupava a faixa de areia começou a gritar e a assobiar alto. Abri meus olhos para me deparar com um dos surfistas dando um verdadeiro show dentro d’água. Não entendo muito de surf, mas creio que Kelly Slater ficaria com inveja, ainda mais depois daquela manobra.

O tal surfista que atraia os olhares de todos saiu da água, mesmo de longe era possível ver a felicidade dele, enquanto os demais o cumprimentava.

E foi quando ele olhou na direção onde eu estava, não foi para mim, mas foi como se fosse, e não me pergunte como ou porque, mas eu vi exatamente a cor de seus olhos, de um azul da cor do mar que estava atrás dele, contrastando com os cabelos castanhos escuros e quando ele sorriu, não sei por qual motivo, eu me vi prendendo a respiração, pois algo clicou na minha mente.

Eu conhecia aquele sorriso, aquele par de olhos azuis.

Eu só não sabia de onde, mas eu conhecia o surfista.

Balancei a cabeça e tentei piscar para afastar a sensação que tive, mas só piorou a situação, pois ao piscar eu vi o mesmo rosto, só que dessa vez a barba era comprida, ele vestia a pele de algum animal e beijava uma mulher de cabelos loiros, antes de se afastar dela e murmurar algo em um idioma que eu não conhecia e entrar em um barco viking.

Abri os olhos de supetão voltando ao presente e notei que o surfista estava a metros de mim, recolhendo seus pertences e tentando se secar. Graças aos óculos escuros que usava, consegui manter a minha cabeça alinhada e pelo canto dos olhos, acompanhei os movimentos do homem à minha direita, prestei bastante atenção em seu rosto, vi que ele tinha covinhas no canto da boca e, com surpresa notei que era o idiota que quase havia me jogado no chão. Bufei e voltei a olhar para o mar. Alguém o chamou, creio que seu nome era Alex e ele se virou para conversar com o outro surfista que vinha falando sobre a manobra que ele havia acabado de executar dentro d’água. Quando meu cérebro registrou a sua voz, um arrepio, que não era de frio, desceu pela minha coluna, eriçando os pelos de meus braços, indo se instalar no fundo do meu estômago e uma sensação de pertencer àquele lugar me preencheu.

Mas como eu poderia pertencer a uma pessoa, se eu nem a conhecia?

Porém algo dentro do meu cérebro me disse que sim, eu o conhecia, só não me lembrava direito.

Me levantei de forma a não chamar atenção de ninguém, e tirando a areia das palmas de minhas mãos, caminhei o mais depressa para o meu carro, pensando.

De onde eu o conhecia afinal? E por que, só de pensar na imagem dele saindo  de dentro d'água, como se fosse Poseidon, o Deus do mar, me fez tremer? Por que eu reagia tão inconsequentemente a um completo estranho?

Para a minha sorte ou azar, ele passou na frente do meu carro, agora sem a prancha e com o macacão de Neoprene aberto, revelando uma tatuagem em seu peito. Não me pergunte o motivo, mas ele, novamente olhou na minha direção, e eu pude ter quase 100% de certeza de que ele olhava para mim, que nossos olhares se cruzaram, mesmo que o para-brisa do carro impedisse uma visão direta.

Quando ele deixou de observar o meu carro, minhas mãos tremiam, meu corpo inteiro parecia que iria entrar em combustão espontânea e minha cabeça começou a doer violentamente.

Quem era ele para me controlar dessa forma?

—--------------

Depois de muito tempo, consegui reaver o controle de minhas mãos e dei a partida no carro, estava tão desorientada que acabei me perdendo na volta e tive que ligar o GPS do carro para achar o meu novo lar.

Quando finalmente parei o carro na minha vaga, meu celular tocou, peguei o aparelho e olhei para a tela, lá, a foto da minha amiga tresloucada chamada Pietra Agnelli aparecia.

— Boa tarde para você! – Atendi.

— E aí, já conheceu algum famoso? E nem pense em fazer uma careta, consigo ouvir os seus olhos revirando daqui da Itália.

— Não foi para o Japão junto com a Fórmula 1?

— Não sou fã de comida japonesa.

— Traduzindo a sua fala: “A Ferrari vai perder de novo e eu não quero estar lá para ver!”

— Isso também. – Suspirou audivelmente. – Mudando de assunto, Los Angeles.

— Los Angeles é o que é.

— Katerina Nieminen, não me desaponte. TEM que ter algo que te atraia nessa cidade. Londres é cinza demais e você não combina com a cor cinza. – Começou a tagarelar.

— Você tomou o seu remédio hoje, Pietra?

— Pode ir parando. Mas o que me conta? Já saiu para algum lugar famoso, já foi ver o letreiro de Hollywood?

— Não. Não fui ver o letreiro.

— Que pena, queria saber se ainda estavam idolatrando a erva por aí.

— Você nunca vai esquecer essa foto, vai?

— Mas é claro que não, Loira! HollyWeed foi a melhor sacada da história. Nada de fazer apologia às drogas, mas foi divertido, o mundo inteiro viu.

— Assim como o fracasso da sua equipe!

— Ok, pode parar, já está me humilhando. Mas como está você? E os doguinhos?

— Eu estou querendo voltar para casa, sinto falta da Europa, mas não tem nada que eu possa fazer. Quanto a Loki e Thor, bem, eles estão se acostumando ao novo lar... isso leva tempo até para os animais.

— Correr sempre te ajudou a por os pensamentos em ordem...

— Fiz isso hoje de manhã. Na verdade, estou chegando.

— Foi aonde? – Quis saber a minha amiga que parecia ter saído de um sanatório, ou melhor, que parecia que tinham esquecido de interná-la em um.

— De Santa Mônica a Venice Beach e voltei.

— O coração da bagunça.

— Estava lotada. – Garanti.

E me lembrei do acontecido.

— Hei, Pietra.

— Fala. – Ela parecia interessada em outra coisa.

— Déjà vu.

— A música da Beyoncé?

— Não, a sensação de que você já viveu determinada situação.

— Você teve um déjà vu na praia?? – Agora ela estava interessada. – Mas você odeia praia!

— Mais ou menos.

— Detalhes, Katerina. Trabalho com detalhes. – E eu consegui ver a minha amiga balançando as mãos ao falar isso.

— Já teve a estranha sensação de conhecer uma pessoa que você jamais viu?

Pietra ficou calada por um tempo.

— Não. Nunca tive, mas já ouvi falar de pessoas que tiveram essa reação. Nona Agnelli sempre me diz que foi assim que ela teve certeza de que o Nono era o homem certo...

Nona Agnelli era simplesmente a melhor avó que alguém gostaria de ter, adorava aquela Vecchia Signora! E, amava ainda mais seu talento na cozinha.

— Sei... e como ela descreveu isso? – Perguntei completamente interessada.

— Para falar a verdade, Nona sempre disse que acreditava em amor à primeira vista, que as verdadeiras almas gêmeas estão por aí, esperando para se encontrarem.

— Você não parece compartilhar da opinião dela... – Falei. Tinha entrado no meu apartamento e estava preparando um café da manhã para mim.

— Se amor verdadeiro fosse realmente sobre olhar o outro nos olhos pela primeira vez, creio que eu já teria encontrado a minha cara metade... mas talvez eu acabei comendo a minha metade da laranja e me esqueci de olhar nos olhos dele.... – Ela começou a rir. – Mas qual é o motivo disso tudo?

— Só achei que conhecia um cara.

— E ele era bonito? – Eu não precisava estar ao lado de Pietra para saber que ela já estava sentada na posição de lótus, tinha abaixado o volume da televisão e tinha agarrado o telefone com mais força.

Ponderei em como iria descrever o Poseidon que vi. Para mim, sim ele é lindo, para os moldes de Pietra... ele seria considerado comum.

— Para mim, sim. – Falei.

— Senhor!!! Você e sua queda por homens de olhos azuis.

Droga... essa era mais do que conhecida.

— Ele tem olhos azuis, não tem?

Fiquei calada.

— Mas.... é um surfista? Ou era um velho passeando com um cachorro? Pelo amor de Deus, Katerina, não me diga que você quer ter um sugar daddy!!

Comecei a rir. Pietra sempre teve as ideias mais malucas.

— Não, não quero um sugar daddy.

— Graças aos Céus. Tudo o que eu não preciso é que a minha melhor amiga se case com um velho que faz uso dos comprimidinhos azuis.

— Pietra!!!

— Tudo bem. Não é um tio. Quem é?

— Um surfista.

— ALELUIA! KATERINA NIEMINEN SAIU DA ZONA DE CONFORTO E ACHOU ALGUÉM QUE O PAI DELA JAMAIS APROVARIA!! Tatuado? Cabelo comprido? Piercing?

—  Bem menos, Pietra!

— Preciso de detalhes. Já te disse!

— Até onde vi, tatuado. Mas não consegui observá-lo de perto.

— VOLTE PARA AQUELA PRAIA AGORA MESMO E ENCONTRE-O! – Ela ordenou. – E tire uma foto para ver se eu aprovo o seu novo beau ou não.

— Ele não é meu novo beau! – Rebati.

— Katerina, eu sei, você sabe, Vic também e Melissa tem certeza, você só comenta de homens quando você já está caída por eles. Então, sim, o Surfista Tatuado da Praia... onde foi que você o encontrou mesmo?

— Venice Beach.

— Então, o "Surfista Tatuado de Venice Beach" é o seu novo beau.

Fiquei calada.

— Céus, eu tenho que contar para a Mel! Ela vai surtar!

Continuei calada.

— Não... espera! Todo o papo de déjà vu... o seu déjà vu foi com o Tatuado?

Eu já estava arrependida de ter começado essa conversa.

— Qual é, Kate... o assunto é sério. Foi com ele?

— Sim.

— Bem, como foi?

— Como assim?

— O que você sentiu?

— Como se eu já o tivesse visto. Não nessa vida.

— Reencarnação?

— Não sei. Isso existe?

— Depende. Tem religiões que aceitam outras não. Mas acho que isso cabe a cada um de nós.

— É o que eu penso. – Murmurei.

— Tudo bem, se não foi nessa vida. Foi em qual? Alguma pista?

Fechei meus olhos e pensei na imagem do viking. Não fazia sentido falar isso em voz alta. Ainda mais com Pietra que sempre desdenhou sobre a minha paixão pela mitologia.

— Não tenho. – Falei.

— Roupas? Você é boa em precisar a era pelas roupas de época? Mais ou menos na Inglaterra Vitoriana, talvez?

— Não tenho pistas, nenhuma. Eu só tive a estranha sensação de que já o tinha visto, há muito tempo.

— Não deve ser nada, talvez ele só te lembrou alguém. Não me diga que ele se parece com “Aquele Que Não Deve Ser Nomeado?”

— Não. Não parece em nada com ele. – Garanti.

“Aquele Que Não Deve Ser Nomeado” não é ninguém menos que meu ex-noivo, Lucca Dempsey, que me deixou no altar, saindo da igreja de mãos dadas com a noiva do próprio irmão.

— Ainda bem. – Pietra disse. – Porque você sabe, né? Tenho uns contatinhos aqui na Itália... se você um dia mudar de ideia e resolver que o Fulano bata as botas, basta me falar. Nada será ligado a você!

— Eu juro que vou colocar o tema d’O Poderoso Chefão para tocar cada vez que você me ligar! – Brinquei.

Do outro lado da linha, Pietra brincou.

— “As mulheres mais ricas, são aquelas que possuem as amigas mais poderosas.” – Citou uma frase adaptada do filme.

— O máximo que você é, Pietra, é A Poderosa Chefinha, da cozinha! – Falei.

— Isso, me subestime mesmo, um dia eu puxo seu tapete!

— Entre na fila, pois acabaram de puxar.

— Me desculpe, você ainda está sensível com a sua mudança para a outra metade do globo... e nós já estamos sentindo a falta da única responsável do Bando de Loucas. Quando você vem?

— Nem tão cedo.

— Mas e a Liv e a Lena?

— Liv espera vir em cinco semanas. Lena, só a verei no Natal e olhe lá.

— Odeio o Homem de Gelo! – Ela falou e ao fundo escutei a campainha da casa dela.

— Alguém tem visitantes... – Cantarolei. – Vá lá atender!

— E você trate jeito de achar o "Surfista Tatuado de Venice Beach"! Conversamos depois.

E a louca nem esperou que eu respondesse.

— Hullu[2]. – Falei para a ligação encerrada.

Depois de observar a rebentação por mais um tempo pela sacada da sala, e deixar a minha mente vagar novamente para o “Surfista Tatuado de Venice Beach”, resolvi que tinha que por a minha vida em ordem e me concentrei em tudo o que me esperava na próxima semana.

A primeira tarefa era: fazer compras e encher a geladeira, ou eu não teria o que jantar.

Mas antes, dei uma boa faxina no apartamento, aproveitando que o estava bem disposta da corrida.

Com o apartamento limpinho, tomei um banho e procurei na internet pelo supermercado mais próximo.

Não era longe, mas eu precisava de muita coisa, sem alternativa fui de carro.

Como era o costume, eu tinha uma lista, mas enchi o carrinho com coisas que eu não deveria comprar. Eu e meu paladar de criança.

Sem nenhum problema, não me perdi dessa vez, voltei para “casa” limpei os mantimentos e os guardei nos armários. Já passava e muito, da hora do almoço, resolvi fazer qualquer coisa e deixei para comer de verdade pela noite.

Com isso, me vi à toa novamente. Rodei como uma barata tonta pelo apartamento e acabei deitada na cobertura, meus dois cachorros deitados embaixo da espreguiçadeira, na sombra. Eu deveria ler o livro que peguei, mas resolvi observar o céu e as nuvens que o vento levava, com pouco caí no sono e tive o mais estranho dos sonhos.

~~~~~~~~~~~~~~

Eu estava nitidamente em uma aldeia, parecia a Idade Média. O local estava lotado e todos olhavam em minha direção, claro, eu era uma “forasteira” no fim das contas, mas nem isso impediu o meu avanço, vi que as pessoas sorriam, sorri de volta, não sabia onde estava, mas queria ser educada com esses estranhos.

Estava frio, na verdade, nevava, meu caminhar fazia barulho ao esmagar as camadas de gelo no chão congelado. E eu puxava algo, na verdade, um cavalo, um lindo cavalo preto, com porte de garanhão. Uma brisa varreu a paisagem, levando os meus cabelos juntos, com a visão periférica, notei que eles estavam muito mais compridos do que atualmente e estavam presos em uma trança. Com o vento a chicotear o meu rosto, apressei o passo, passei por dois portões de ferro e segui para o estábulo, eu poderia não saber onde estava, mas eu sabia o que fazer.

Assim que abri a porta do estábulo para guardar o meu cavalo, alguém apareceu atrás de mim e chamou meu nome.

— Katerina.

Antes mesmo de me virar para ver quem me chamava, meu corpo reagiu ao chamado, eu me arrepiei toda e um calor subiu pelo meu colo, esquentando as minhas bochechas.

— Katerina. Por que demorou tanto? – A voz tornou a falar, em uma cadência de anos atrás, há muito esquecida.

— Conversou com o meu pai? - Minha própria voz saiu com o mesmo sotaque de eras atrás.

— Sim. – Ouvi os passos chegando perto de mim. E eu estava absorta em alimentar o garanhão negro que tinha levado até ali.

— E a resposta? – Eu quis saber.

— O que você acha? Acha que ele recusaria para a única filha um partido como eu? – Sua voz soava com um leve toque de prepotência que me fez rir.

Seus passos pararam bem atrás de mim, suas mãos me pegaram pela cintura. Devagar me virei para encarar o homem com quem conversava, algo me fez sorrir e eu senti o meu sorriso ficar ainda maior quando fiquei frente a frente com ele.

Só para acordar sobressaltada, apesar da barba e da roupa de peles, era o mesmíssimo homem. Os mesmíssimos olhos azuis. Era o Surfista Tatuado. Era Alexander.

~~~~~~~~~~~~~~~~

Pulei da espreguiçadeira e tentei por meus pensamentos em ordem. Como eu poderia estar sonhando com alguém que eu vira por meros minutos?

Como?

E o mais importante, por que eu tinha certeza de que eu havua vivido aquela cena?

— Meu Deus! Toda essa claridade está fazendo mal para o cérebro! – Falei, só para encarar o céu e ver que pesadas nuvens de chuva chegavam no oeste, vindas do mar.

Chamei Loki e Thor e fui para andar abaixo, me certificando de que as janelas estivessem fechadas, caso aquela chuva caísse. E quando parei para olhar as horas, já era tarde, passava das seis da tarde. Meu estômago roncou alto, só havia tomado café hoje. Resolvi fazer algo para jantar, cozinhar deveria dispersar o estranho sonho que tive.

Dizem que querer não é poder, e isso é certo, pois, mesmo concentrada no que cozinhava, cada vez que eu piscava, um flash do sonho passava pela mente, todos os mínimos detalhes eu via com atenção, inclusive o modo como eu me encaixei perfeitamente nos braços de Alexander.

— Pelo amor de Deus! Eu estou parecendo uma adolescente apaixonada pelo garoto popular da escola! – Me xinguei alto.

Mas a verdade era, eu não conseguia esquecer a cena da praia e muito menos a reação descontrolada do meu corpo e, também o sonho que tive com o tal surfista!

Algo me dizia que na verdade, nós realmente já tínhamos nos esbarrado.

Há muitas eras e por mais de uma vez.

 

[1] Idiota.

[2] Maluca.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?
Só um comentário, a fala que a Pietra diz, realmente está no filme e é assim: "Os homens mais ricos são aqueles que possuem os amigos mais poderosos." , foi devidamente adaptada para a ocasião da conversa entre as duas.
Sim, vocês leram certo, Fórmula 1, não vou entrar em detalhes do mundo das corridas, mas será comum ver alguma coisa por aqui, nada que faça correr os que não gostam do esporte.
Obrigada a você que leu.
Até a semana que vem com o próximo capítulo.
xoxo



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