Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 27
Declaração


Notas iniciais do capítulo

Às vezes Katerina fala um pouquinho demais.
Boa leitura!



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“Não há nada mais bonito que um sorriso.”

Frida Kahlo

O carro mal tinha saído da garagem, quando ele começou:

— E então... seu dia.

— Depois da foto?

— A conversa com Vic...

— Resumo do resumo... vamos dizer que minha querida e amada cunhada me ajudou a tomar uma decisão muito importante e me ajudou a entender o que eu realmente quero.

Alex me olhou atravessado, como se temesse o que essa decisão seria.

— E eu vou gostar dessa sua decisão?

— Bem... eu não sei. Está nas suas mãos se vai gostar ou não...

— Continue.

— Sim, depois desse telefonema, foi a reunião.

— Mas e a decisão?

— Eu vou chegar lá, tudo, mas tudo, está interligado. Por isso é tão confuso. E eu não absorvi tudo ainda!

Ele meneou a cabeça e tentava avançar no meio do trânsito parado.

— Vou te poupar dos detalhes técnicos e dizer que eu tive a minha primeira vingança contra Lucca e Cavendish. – Foi-me impossível não sorrir ao me lembrar da cena. – Coloquei os dois em seus devidos lugares.

— Como?

— Cavendish veio jogar a responsabilidade pelos atrasos nos portos nas minhas costas. Informei que a culpa não era minha, mas de quem lá trabalha. Ele pediu por fiscalização, mas diante do que aconteceu... bem, esse tipo de fiscalização cabe ao Setor de Informática, que fica em Londres... Aí você pode imaginar a cara dele.

— E o seu ex?

— Foi lindo vê-lo saindo correndo da ira de Matti. Murphy já era para estar despedido, mas Lucca arquivou as duas queixas contra ele.... Matti Nieminen pode ser muitas coisas, mas ele não tolera esse tipo de comportamento... e quis explicações que Lucca não tinha. Só faltou o Diretor arremessar a pasta pessoal de Murphy na cabeça de Lucca... foi uma cena linda... só vendo no replay para poder rir ainda mais.

— Então você provou que seu ex não tem condições de ser o CEO.

— Mais ou menos.

— E a reunião acabou aí?

— Não. Matti pediu para que eu continuasse online e, encurtando a história, me mandou terminar o que temos, para isso me ofereceu a cadeira de CEO e um monte de presentes, presentes bem caros...

Alex me olhou seriamente, esperando, quase que ansioso demais, pela continuação.

— Me prometeu até uma casa em Londres... e tudo o que eu tinha que fazer em troca era te deixar.

— E você?

— Neguei é claro!

— Você recusou a cadeira de CEO? Você disse não? – Alex me perguntou, abismado pela minha recusa.

— Claro. Nem por todo dinheiro do mundo, por todas as promessas do mundo eu vou seguir a cabeça dele. Ele me quer como CEO agora para me manipular como fazia. Acha que ainda pode me influenciar. Só que não mais. Não quero me lembrar da conversa como um todo, só sei, que no final, ele percebeu que tinha feito besteira, que não me tem mais do lado dele.

— Você contou que sabe sobre...

— Claro, joguei bem na cara dele. E ele retrucou, dizendo que nosso relacionamento não vai durar.

— E o que você disse?

— Que se acabar, eu não vou chorar tanto, porque já passei por humilhação maior.

— Eu não vou te deixar, Katerina. – Ele me garantiu, me olhando nos olhos.

— Eu sei que não. Por isso lutei tanto para que você não fosse incluído na conversa.

— Mas meu nome continuava sendo usado...

— Matti tentou me manipular, Alex. Ele jogou com a minha ambição, com a minha saudade de Londres, com tudo o que eu mais amo.

— E mesmo assim você disse não. – Ele disse e tinha um certo tom de orgulho em seu tom de voz.

— Tenho outras prioridades agora. – Falei. – Talvez mais importantes do que parques cheios de folhas no chão, um clima mais agradável e, a Diretoria-Executiva.

Alex pegou a minha mão. Isso era o mais próximo que eu poderia chegar de dizer que eu o amava, sem dizer as palavras.

— Obrigado. – Ele falou.

— Pelo que?

— Por me dar a chance de te mostrar que existe outras coisas além de trabalho.

— Você já me mostrou, Alex. Mesmo sem saber. Está fazendo isso desde domingo passado.

— E onde isso nos leva?

— À conversa com a minha mãe.

— Dona Diana... o que ela queria mesmo?

— Verificar como eu estou, meu avô ligou para o meu pai, gritando coisas sem sentido, brigando porque eu disse não a ele. Exigindo que meu pai fizesse algo, que ele me mandasse voltar para casa.

— E seu pai?

— Não sei. Minha mãe me ligou exatamente para saber a verdade. E eu contei. Contei tudo, perguntei muito também, principalmente se ela sabia sobre a armação.

— E ela? – Alex tentava absorver cada uma das palavras como se o futuro dele estivesse em xeque.

— Ela ficou sabendo logo depois da cena da igreja. Confrontou Cavendish e ele contou tudo.

— E por que ela não te contou?

— Porque eu não estava na minha melhor forma... meio que entrei em uma depressão...  e ela teve medo do que eu faria se soubesse. A reação dela a tudo que contei foi tudo o que eu não esperava.

— O motivo?

— Ela disse estar orgulhosa de mim. Disse estar feliz com tudo o que venho fazendo, porque agora eu não vivo para agradar a mais ninguém. Vivo para mim. E era tudo o que ela queria que eu fizesse.

— Então sobre nós...

Eu dei uma risada, na verdade foi uma gargalhada.

— Minha mãe já sabe de tudo. Vic contou os detalhes, e enviou fotos nossas a ela.

— Mas nós não temos fotos...

— A videochamada de sábado? Se lembra?

— Sim.

— Vic printou a tela, várias vezes, pelo que minha mãe disse, e enviou as “fotos” para ela. Minha mãe até me mandou uma... – Mostrei a foto que tinha virado o meu fundo de tela.

Alex pegou o meu telefone e olhou para a nossa foto. Como ainda estávamos parados, enviou para si a foto.

— E sabe da maior? – Perguntei.

— Não...

— Ela adorou você! Mesmo sem te conhecer. Minha mãe te adorou! Não me pergunte como ou porque, mas ela te adora. – Falei feliz.

A sobrancelha de Alex se levantou até a linha do cabelo.

— Isso é verdade?

— Sim. E te chamou de santo por me fazer entrar no mar e ainda tentar a me ensinar a surfar. – Eu ria abertamente.

Alex estava pasmo.

— A sua mãe? Ela...

— Ela sabe de tudo e está feliz por mim, por nós. E isso me pegou de surpresa do mesmo modo que te pegou. – Falei.

Alex agora se concentrava no trânsito, já que, finalmente, conseguimos andar um pouco.

— E ela quer te conhecer. Disse que pessoalmente é melhor, mas aceita te conhecer virtualmente primeiro... – Soltei a bomba final.

— Acho justo. Afinal, você já conhece meus pais. Mas, e o seu pai?

— Ele te odiou. Como foi que mamãe falou mesmo, ah.. sim “tatuagens demais!”.

— Creio que meu sogro e meu pai vão se entender muito bem.

— Pensei nisso. – Eu ri.

— Então... quando vou conhecer a minha sogra?

— Tenho que conversar com ela, por conta do fuso horário e dos horários doidos dela, mas.... ela me deu uma ideia... louca. Mas uma ideia.

— Ir com você para Londres em dezembro.

— Como?! – Perguntei abismada.

— Eu iria tentar te convencer disso.

 - Posso saber o motivo?

Alex balançou a cabeça como que ponderando o que iria dizer.

— Pode não parecer e eu nem tenho cara disso, eu sei. Mas acho errado. Você conhece meus pais, você conheceu minha família inteira.

— Desculpe a sinceridade, não guardei o nome de ninguém.

— Isso é o de menos. Mas, Kat... você já jantou com meus pais duas vezes, tomou café e pagou a conta da família inteira... creio que eu preciso passar por isso também. Seu pai pode me odiar, mas quero que ele me odeie sabendo quem eu sou para você. Não me importo se o Jari-Matti Nieminen me odeia, desde que a filha dele goste de mim, e que ele saiba disso.

Eu falei antes de pensar, não era para ter dito, mas eu disse.

— Eu não gosto de você, Alexander. Eu te amo.

Fez um silêncio absurdo dentro do carro e eu me arrependi na hora de ter dito isso. Eu não me arrependia do sentimento, não mesmo, mas sim do péssimo momento.

— Katerina... – Alex falou depois de algum tempo.

— Eu sei foi cedo demais, mas a culpa é sua! – Me peguei falando demais novamente. – Você e o seu jeitinho, a forma como você me trata, como se preocupa comigo... O fato de você estar tentando aprender finlandês por minha causa... Alex, você não tem ideia do que eu senti quando vi aquele bloquinho com aquelas expressões escritas em inglês e finlandês... foi ali que eu percebi que eu te amava. Que eu te amo. E, queria dizer isso mais para frente, por isso...

Estávamos parados em uma fila que não andava mais, então Alex se abaixou, abriu o porta-luvas e pegou o bloquinho onde eu tinha escrito as duas traduções para a frase que tinha acabado de falar em voz alta.

— Você está dizendo que me ama desde sábado?

— Sim. Não me ache louca é só...

— Isso aqui. – Ele apontou para a expressão em finlandês. – Isso. E Essa. – A última escrita com a sua caligrafia, mas era a tradução em norueguês que tinha mandado para ele por mensagem. – Significa “Eu te amo”?

— Sim. – Eu podia sentir meu rosto corar, meus olhos se encheram de lágrimas porque eu temia que ele fosse...

— Foi por isso que você me respondeu que gostaria se eu te mandasse a frase em norueguês....

— Bem...

Você me fez falar o que eu sentia, sem eu saber o que falava?

— Alex...

— Começo a pensar que talvez teria sido divertido levar essa brincadeira até que você chegasse no espanhol, mas... – E ele parou e me encarou. - Eu gostei de ouvir a sua declaração precipitada. A forma sincera como as palavras saíram, Kat. Porque agora você me deu a oportunidade de te responder.

Meu estômago se contraiu e eu tive que morder os lábios para não chorar, eu sabia o que ele falaria.

— Eu também te amo, Katerina. – Alex falou solenemente. – Queria ter dito isso no domingo, como desculpa para o meu convite apressado para você vir morar comigo, mas achei que seria demais. Afinal, eu te apresentei a família com dois dias de namoro, sair falando que te amava com oito... achei que você me jogaria da sacada.

— Você... – Perguntei com a voz tremendo.

— Eu te amo, Kat. Mais do que um dia eu pensei que poderia amar alguém.

Eu o puxei para um beijo, deixando-o sem reação por alguns segundos, e sem ar por quase um minuto quando nos separamos.

— Pode me explicar o porquê dessas lágrimas?

Respirei fundo.

— Tive medo da sua reação. Geralmente eu não sou aquela que sai falando como se sente, então eu temi que você saísse correndo... – Fui sincera.

— Katerina, se nós dois não estivéssemos presos nesse congestionamento, eu juro que iria te mostrar que eu nunca sairia correndo de você.

— Eu também não, Alex.

E foi a vez dele de me beijar. E foi muito difícil me separar dele dessa vez.

— Onde nós estávamos antes de transformarmos nossa noite na noite das declarações? – Me perguntou sorrindo.

— Você querendo conhecer a minha família... eu acho.

— Sim... e por favor, que isso aconteça antes que um de nós dois comece a falar em casamento.

— Se eu aparecer casada na frente do meu pai, ele te mata. – Falei rindo.

— Um incentivo para segurar a minha língua.

— Acho bom, te quero vivo do meu lado por muito tempo. Um casamento longo como o do seus pais.

— Ou dos seus avós.

— Também serve de modelo. – Respondi.

Alex puxou a minha mão esquerda e ficou a segurando em sua perna, em silêncio, mas eu podia ver que ele sorria e de tempos em tempos, me olhava sorrindo.

— Sabe que agora eu queria ter um carro dos anos 50? – Ele disse do nada.

— Para que? Te dar trabalho na manutenção?

— Não, o banco era único aqui na frente. Eu poderia ter a desculpa de que você estava muito longe e te puxar para mais perto... com esse carro isso é impossível.

Eu só soube rir, até que seria bem conveniente aquele carro...

Mais alguns minutos e Alex conseguiu entrar em uma rua sem trânsito e voou pelos cruzamentos desertos, assim conseguimos, finalmente chegar na sua casa. E quando ele parou o carro na garagem, nem me esperou tirar o cinto direito, foi abrindo a porta e me levantando no seu colo.

— Me põe no chão!!! – Pedi.

— Não!! Vou fazer como manda a tradição!

— Isso é para quem já se casou!

— Você disse que me ama, pra mim é a mesma coisa! – Ele disse com um sorriso tão lindo nos lábios que eu desisti de retrucar, e quando dei por mim, passávamos pela porta principal. – Agora sim, seja bem-vinda Katerina! – Me falou e me beijou novamente, só parando quando nós dois ofegamos clamando por oxigênio.

Ele, comigo ainda em seu colo, foi até o sofá e se sentou ali, sem falar nada, apenas me olhando.

— Como é mesmo “eu te amo” em finlandês? – Ele me perguntou baixinho depois de um tempo.

Rakastan sinua. – Murmurei.

E ele, todo fofo, repetiu a frase, com seu sotaque da Califórnia.

— Falei certo, né?

— Falou sim! – Respondi olhando em seus olhos, algo que eu poderia fazer a noite inteira.

— Você vai parar de traduzir essa frase para 1001 idiomas, agora que eu sei como se sente?

— Não. Não vou.

Ele abriu um sorriso enorme.

— Vai dar para encher o bloquinho?

— Acho que eu não sei tantos idiomas assim... – Falei sem graça, quando ele tirou o bloquinho do bolso da calça. – Vai carregar com você?

— Sim.

— Bem... então eu posso escrever mais coisas do que só eu te amo aí...

— Com a devida tradução, por favor. Não sou poliglota.

— Eu coloco a tradução, quando eu escrever a próxima frase.

— E lá vamos nós de novo. – Ele murmurou frustrado.

— Não comece! – Alertei. – Larga de ser mimado.

— Tem razão! Eu já tenho a declaração que eu queria ouvir de você. – Falou. – O que me lembra... que decisão que você tomou? Foi a de ficar em Los Angeles? – Perguntou ao se levantar do sofá e me guiar para o segundo andar.

— Ficar em Los Angeles não era uma decisão a ser tomada. Eu sabia que iria ficar, não tenho condições de voltar à Londres agora. Não se eu quiser ser realmente respeitada. Além do mais, eu não quero voltar.

— Então... que decisão a Vic te ajudou a tomar?

— Bem, a Vic me ajudou a tomar e a minha mãe me deu a benção dela, agora está tudo nas suas mãos. – Comecei.

— Nas minhas mãos? – Perguntou espantado.

— Sim. Bem... eu falei para Matti que estou saindo do apartamento.

— Sim, e eu vou para lá hoje para te ajudar a encaixotar suas coisas. Disso eu já sabia.

— Eu te agradeço por isso, prometo cozinhar o jantar. – Pisquei para ele, torcendo para que ele entendesse.

— Vai cozinhar nada, podemos comprar, assim ganhamos tempo e quanto mais cedo terminarmos tudo, mas cedo você sai de lá. E só para te lembrar, minha casa ainda é uma opção para você guardar as suas coisas e, até mesmo ficar. – Ele falou entrando no closet.

— Era sobre isso que eu queria falar. – Me sentei na cama e esperei que ele voltasse para o quarto.

Alex veio para perto de mim em um piscar de olhos.

— O que você está dizendo? – Sua voz estava controlada, mas seus olhos não esconderam sua animação.

— Eu aceito a sua proposta. Se ela ainda estiver de pé... – Falei de uma vez só, antes que eu me arrependesse.

— Temporariamente? – Ele perguntou sério.

— Sim. Eu preciso ter um lugar só meu. – Essa resposta era só para acalmar a minha consciência.

— E se eu te provar que essa casa é grande o bastante para que você tenha o seu canto?

— Alex... por favor.

— Tudo bem. Vamos olhar uma casa.

— Sim. – Respondi. E eu não sei o motivo, mas senti que esse “olhar uma casa” acabaria conosco escolhendo uma casa onde moraríamos em definitivo.

— Sem pressa, né? – Ele quis saber.

— Antes do Natal seria uma boa data.

Alex fez uma careta.

— Ainda tenho o direito de tentar te convencer do contrário?

— Tem.

— Então eu concordo com o seu prazo. – Ele jogou algumas roupas em uma outra mochila e fechou a porta do closet. – Preciso arrumar espaço para todas aquelas camisas de bandas de rock que você tem. – Comentou. – Ou posso adaptar um dos quartos... – Ele começou a fazer planos para o meu closet.

— Não acha melhor, primeiro, nós fecharmos tudo o que está no apartamento? Uma coisa de cada vez...

O sorriso que ele me deu me dizia que se eu quisesse, ele construiria uma casa do zero, só para me agradar.

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 Depois de toda essa conversa, Alex, em um humor exultante, me deixou não só escolher o que iríamos comer, como pagar pelo nosso jantar sem reclamar.

Já no apartamento, depois que jantamos, começou a me perguntar o que efetivamente era meu, e o que já estava lá.

— Bem, roupas, sapatos, enxoval... tudo isso é meu, assim como tudo o que está no escritório, e alguns dos quadros. O apartamento já estava mobiliado e decorado quando cheguei.

A primeira coisa que ele apareceu carregando foi o quadro da foto da via láctea que estava atrás da minha mesa no escritório.

— Esse aqui eu vou colocar no nosso quarto. – Disse feliz ao colocá-lo em uma caixa.

Eu deixei de comentar o pronome “nosso” que ele usou, ainda estava me acostumando com a ideia do que estava para fazer.

Para a minha sorte, eu não tinha mandado as caixas de papelão para a reciclagem, assim, pude ir guardando tudo nas mesmas caixas em que vieram.

Minha ideia era que Alex ficasse no escritório, embalando meus livros e eu no quarto, assim poderíamos terminar tudo na metade do tempo.

— Não é mais fácil nós dois em um cômodo ao mesmo tempo?

— Você não vai mexer no meu closet. – Falei.

— Uhn... me pergunto o que tem lá dentro.

— Roupas e sapatos que você nunca vai usar.

— E camisas de banda de rock... – Ele completou, mas eu não comprei a sua carinha de santo.

— E outras coisas que você não vai ver. – Falei. – Por favor, aqui dentro até os enfeites são meus, não quebre nada.

Ele estava com um porta-retrato nas mãos.

— A família inteira? – Perguntou ao apontar para a foto.

— Sim.

Ele levantou uma sobrancelha, querendo saber quem era quem.

— Da esquerda para a direita.  – Comecei. – Meu avô George,

— Seu copiloto? – Perguntou alegre.

— Sim. O próprio. Posso continuar?

— Vá em frente.

— Minha avô Claire. Ian e Tanya. Vic e Kim, que você já conhece. Eu. Meu pai, minha mãe. Matti e Minha avô Mina. Na frente, Tuomas, Liv e Elena.

— E nessa foto aqui? Você parece que tá tão novinha!

— Então... essa. – Me fiz de sonsa ao pegar o porta retrato. - Essa foi tirada momentos antes da Corrida de San Firmino. E estes são Charlotte e Brian. O Kim você já conhece.

— Foi ele quem deu a ideia da Corrida? – Apontou para Brian.

— Pode apostar que foi.

— E ele sobreviveu?

— Sim. E está bem longe de problemas, ou quase.

— Como assim, quase?

— Esse doido entrou para a Marinha-Real, ou seja, problema é o que não falta.

— E a sua prima?

— Lottie? Ela é professora.

— De que? Como matar seus pais do coração em trinta segundos?

— Não. Leciona Literatura e História Inglesa na Universidade de Liverpool.

Alex encarou meus primos na foto e depois me encarou.

— Meio difícil de acreditar que esses quatro malucos tenham dado algo na vida!

— Para você ver, uma experiência de quase morte pode mudar a sua perspectiva de vida. – Falei.

Ele riu.

— Imagino, um touro bravo correndo atrás de você deve mesmo te fazer pensar em entrar para a Marinha-Real ou ser professora universitária... – Alex fez piada. – Ainda prefiro ver o mundo de ponta cabeça.

— Bom para você... – Desconversei. E ele voltou a olhar para outras fotos, até que...

— Isso aqui é o que eu estou pensando? – Pegou a foto em questão e me mostrou.

— É.

— Você teve uma despedida de solteira?!

Eu ri do absurdo da frase.

— Tive. Não deu muita sorte, mas me diverti bastante. Ou melhor, nos divertimos muito, não que tenha durado muito, a festa.

Alex se sentou na cadeira e simplesmente disse:

— Continue. Quero saber.

— Você quer saber sobre a única noite em que eu fiquei bêbada?

— Você? Bêbada? E eu perdi isso?

— Não perdeu nada... as meninas programaram uma noite e tanto, começando com uma espécie de city tour nos pubs mais famosos de Londres e depois para a Casa Noturna mais badalada.

Alex começou a rir.

— Fomos em dois e eu já estava passando mal de verdade quando saímos de lá. Um vexame maior do que a tentativa de ficar de pé na prancha. E, mesmo toda arrumada assim, fomos parar no Subway, comendo sanduíche e bebendo refrigerante. O fim da minha despedida de solteira foi nós quatro, sentadas no chão da minha sala, de pijama, cada uma comendo um pote de sorvete, chorando ao assistir a Cartas Para Julieta e Como Eu Era Antes de Você.

Alex ria de chorar.

— Essa é a despedida de solteira mais ridícula que eu já escutei!

— Mas foi divertida.

— Divertida? Kat... tomar sorvete e assistir à um filme?

— É que a falação sem sentido foi divertida. Pietra bêbada é algo de outro mundo. Junta com Mel e as duas podem jurar que seriam melhores Duquesas para a Monarquia inglesa do que as que temos hoje... E falaram isso na frente do Palácio de Buckingham, já que nenhum taxi quis nos levar para casa, devido ao meu estado...

— Você estava bêbada assim?! O que você bebeu?

— Quatro canecas de cerveja.

— Só?

— Para você ver... sou uma fracote para bebida. Esse foi o único dia da minha vida que saí carregando os meus saltos...

— Imagino como isso deve ter ferido o seu ego, já que você ama os seus saltos.

— Comece a falar mal dos meus sapatos e eu coloco você para guardá-los! – Ameacei e voltei para o closet, ali tinha muito trabalho a ser feito.

O problema era que Alex, a cada segundo, vinha me perturbar e eu acabei por pegar o ser mais inútil do planeta, sentado na cama, vendo as minhas fotos.

— Já acabou lá no escritório?

— Não estou nem na metade. – Ele disse na maior cara de pau. – Isso aqui tá muito melhor. – Ele me mostrou o álbum de fotos. – Até que você era fofinha quando bebê.

— Essa é a Elena! – Corrigi.

E ele ficou todo sem graça.

— Sério?

— Sim. Se fosse o meu álbum de quando eu era um bebê, 50% das fotos teriam a presença de Kim. Irmã gêmea, se lembra?

— A Elena era uma gracinha! – Ele mudou o discurso.

— Você é um péssimo mentiroso! – Comentei e voltei a guardar as roupas, porque, pelo visto, eu vou ter que arrumar o escritório também.

— Eu estou falando a verdade. Sua sobrinha era um bebê bonito. E é uma criança bonita. Apesar da cara de levada. – Comentou e sumiu do quarto, voltando para o escritório, muito provavelmente para ficar vendo os restante das fotos.

Estava com metade das minhas roupas guardadas quando resolvi dar o dia por finalizado, até porque minhas costas estavam me matando, e fui atrás de Alex para ver o que ele estava fazendo, já que ele estava calado demais.

Parei na porta do escritório, cruzei os braços, só para vê-lo sentado na cadeira, com os pés em cima da mesa, vendo o álbum que foi o meu trabalho de conclusão de curso na faculdade de fotografia.

— Trabalhar que é bom, você não trabalhou. – Brinquei.

— Isso aqui ficou muito bom! Fotos bonitas. Foram tiradas onde?

— Em vários lugares. Aproveitei as minhas viagens à trabalho para fazer isso.

E ele voltou a folhear o álbum.

— Tema interessante.

— O dia a dia é interessante, Alex. – Comentei.

— Sim, eu sei, mas aqui você simplesmente pegou as pessoas mais comuns que se tem. Um completo desconhecido fazendo algo que nós fazemos todos os dias. – E me mostrou a foto que tinha prendido a atenção dele, uma foto que tirei na Índia, de dois garotos sorrindo depois de comprarem uma bala para dividi-la entre eles. Os sorrisos dos dois ao levantarem a metade do doce era para alegrar qualquer um.

— Já viu a da menina com o filhote de gato? – Perguntei.

— Não. Onde está?

Fui até ele e mostrei a minha favorita. O contexto da foto em si é triste. A garotinha e sua família são, na falta de uma definição melhor, miseráveis, e o gatinho que a menina segura, está tão magrinho e barrigudo de vermes que eu duvido que tenha sobrevivido para chegar à idade adulta, porém, o olhar da menina quando ela abraça do bichano, com um sorriso sem dentes e a forma como o gatinho parece gostar do carinho, até fechando os olhinhos, fez desse clique o meu favorito.

Alex observou tudo na foto, a miséria da família, a sujeira da menina, a magreza do gatinho, para então se atentar na expressão da garotinha.

— Esse foi tirada onde?

— África do Sul.

— E você só tirou a foto.

— Não, não consegui ser fria ao ponto de parar o carro, fazer a foto e ir embora. Isso foi tirado na beira de uma rodovia que chega ao porto da Cidade do Cabo, ali é um acampamento de imigrantes que chegam de todas as partes da África. Logo na frente, tinha uma barraca de uma ONG. Parei ali e perguntei o que era mais necessário naquele acampamento. Claro que a resposta “tudo” era clara, mas o homem à frente das doações não me pediu dinheiro, me pediu alimentos, roupas, material escolar e remédios. Eu atrasei minha volta à Inglaterra em dois dias, só para voltar ao assentamento, comprei muita coisa, nada que fosse mudar a vida em permanente das pessoas, mas ajudaria por algum tempo. E, em especial, comprei roupas, sapatos, material escolar e alimentos para a família dessa garotinha. E, depois de muito explicar, consegui que mãe e filha me acompanhassem até o veterinário, para que dessem um banho e vermifugassem o filhotinho. – Mudei a página e mostrei a foto. – Essa aqui é a expressão das duas quando saíram do veterinário. Lógico que eu não passei só lá com elas, fiz o mínimo, mas a gratidão nos olhos da mãe, eu nunca esqueci. E foi só depois de muito tempo que percebi que nós duas devemos ter quase a mesma idade... eu não voltei mais lá, mas ajudo a ONG até hoje.

— E você não deu outros doces para os meninos da bala? – Alex voltou à foto dos meninos.

— Comprei um pacote e entreguei a eles. Tenho essa mania. Eu tiro a foto, mas acabo sempre agradecendo de alguma forma, como eu disse, nada em definitivo, mas eu tento.

— Tem mais histórias?

— Todas as fotos têm. Mas vou te contar só essa. – Peguei o álbum e fui até a última foto.

— Onde?

— Brasil. E essa história é a mais inusitada. Eu estava em São Paulo e precisava ir ao porto de Santos, o plano era ir de helicóptero, mas o dia estava horroroso, não tinha teto para o voo, então, tive que ir de carro, de São Paulo à Santos você tem que descer a serra, e à medida que eu descia para o nível do mar, o tempo foi abrindo, cheguei no Porto com o sol brilhando e céu azul. Só para variar, a reunião não foi lá essas coisas, mas isso não é novidade, terminei tudo não eram três da tarde e tudo o que eu queria era voltar para São Paulo para arrumar as malas e ir para o aeroporto, dali eu ia para o Uruguai. Acontece que dois pneus do carro furaram e eu acabei parada no meio de uma ruazinha de bairro. Liguei para a seguradora para virem ou pegar ou arrumar o carro e, para não torrar sentada no sol, comecei a andar pelo quarteirão com a câmera na mão. Rodei um bom tempo até que encontrei essa floricultura aqui. A senhora que é dona estava lá, fazendo o trabalho dela, só que ela não vende só flores, de alguma forma, essa senhora deve doar sorrisos, porque todas as pessoas que passaram pela portinha dela, saíram sorrindo, e não tem nada mais bonito do que um sorriso espontâneo, assim, fiquei do lado de fora para pegar os melhores. Me sentei na calçada e esperei. Entraram essas três pessoas aqui – mostrei as fotos. – E cada uma saiu com um tipo de flor, mas com o mesmo sorriso no rosto. Só que depois delas, não apareceu mais ninguém e a Senhorinha começou a fechar a floricultura. Quando notei isso, me levantei da calçada e fui para o carro que não estava longe dali. Para o meu total espanto, a senhorinha, que se apresentou como Maria, apareceu do meu lado, com um jarrinho na mão, onde tinha uma violeta branca com as pontinhas roxas e me entregou a flor. Minha reação natural foi recusar, primeiro porque eu não a conhecia, segundo, porque ela vive de vender flores, não poderia aceitar de jeito nenhum. E sabe o que ela me respondeu? – Perguntei para Alex que estava absorto nas fotos.

— Não faço ideia!

— Disse que eu tinha fotografado vários rostos, vários sorrisos, sorrisos que ela também tinha visto, só que ela não tinha visto o meu sorriso, e era isso que ela queria ver para encerrar o dia dela. Eu fiquei pasma, e acabei aceitando a violeta, claro que sorrindo. Depois começamos a conversar e ela ficou me fazendo companhia até que o pessoal da seguradora veio trocar o pneu furado para o qual eu não tinha estepe. Em forma de gratidão, deixei a Dona Maria na casa dela e me surpreendi com a quantidade de flores que ela tinha no jardim, e foi onde eu tirei essa foto. – Apontei para a foto da Dona Maria sorrindo fazendo uma pose no meio do jardim florido dela.

— E o que você disse a ela, para que ela abrisse esse sorriso?

— Que eu nunca tinha visto jardim mais bonito e só agradeci pela companhia e essa foi a reação dela. A violeta ainda está viva em Londres, tenho que pedir para Liv trazê-la para mim. Já essas fotos aqui, mandei todas para Dona Maria. Ela me respondeu, quinze dias depois, dizendo que todas elas estavam em porta-retratos na lojinha dela e até hoje nós duas conversamos por e-mail!

— E para cada foto tem uma história?

— Sim. Algumas alegres, outras tristes, mas todas tem uma história por trás. Essa é a parte boa do trabalho.

— Um dia ainda vou ouvir todas elas.

— Sim, eu vou te contando aos poucos, tem mais álbuns como esse chegando na quarta-feira. – Me levantei da mesa onde tinha me sentado. – Você até pode ficar aqui vendo estes, mas eu vou dormir. – Falei e dei um beijo nele. – Obrigada pela ajuda.

Quando saí do banheiro, pronta para desmaiar, Alex estava sentado no pé da cama, agora com outro álbum na mão.

— Esse aqui não é das suas viagens à trabalho. – Me mostrou a capa vermelha.

— Não. – Respondi. – Minha viagem de carro da Finlândia até à Itália, para o Grande Prêmio em Monza, há dois anos. – Respondi.

— Não durma ainda, quero nem que seja a introdução da viagem. – Me pediu antes de entrar para o banho. Engatinhei na cama para pegar o álbum e ver algumas das fotos, o mais absurdo de tudo é que eu levei Liv nessa viagem de quatro dias de carro e quase três mil quilômetros.

Alex saiu do banho não muito tempo depois e antes mesmo que eu falasse algo, foi me entregando o pente para ajeitar o cabelo dele, depois, ele se sentou do meu lado, me puxou para bem perto de si e só falou.

— Você carregou a Liv nessa doideira?

— É eu carreguei sim... – Falei rindo. – E ela adorou cada segundo.

Ele abriu a primeira folha e, lógico, a primeira foto e foi ali que comecei a história dessa viagem louca, o problema é que não me lembro de ter terminado a história...


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Notas finais do capítulo

Bem... é isso.
Obrigada a você que leu!
Até o próximo capítulo!
xoxo



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