Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 23
Trato é Trato


Notas iniciais do capítulo

É quarta-feira, então é dia de atualização.
Espero que gostem!
Obs.: Se Alex não é o melhor namorado do mundo, eu não sei quem é!



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Fui para o apartamento – me recusava a chamar aquele lugar de lar. – pensando em como eu arrumaria uma casa e me mudaria a tempo de Olivia chegar.

— É por isso que eu odeio quando as pessoas decidem por mim! – Falei.

Corri para tomar uma ducha rápida, mesmo sabendo que dentro de minutos eu estaria coberta de poeira, e, tendo a noção de que Alex apareceria mais cedo do que ele me havia prometido, comecei a limpar tudo.

Varri... tirei poeira, dei outra limpada pesada no banheiro, limpei a piscina, lavei a cobertura e estava fazendo o almoço quando escutei Alex me chamando da porta.

— Onde é seguro pisar? – Perguntou.

— Se você tomou banho depois da sua sessão de surf, qualquer lugar, desde que tire os sapatos. – Respondi.

— Ainda bem que tomei! – Escutei a resposta dele, sua voz sumindo ao longe. Ele tinha se embrenhado em algum lugar. Nem dois minutos depois. – Cadê você, Kat??

— Cozinha.

Logo ele estava parado na entrada, com um notebook na mão.

— Você limpou tudo isso para sujar logo em seguida? – Me olhou incrédulo. – Porque não pediu o nosso almoço?

— Ainda não limpei. E era para ser só o meu almoço, afinal, você me prometeu que só chegaria depois das 15:30 e são 13:30 agora. – Indiquei o relógio.

— Estou com fome e tinha a intenção de te levar para almoçar, mas você parece estar no humor para cozinhar hoje...

— Chega de comida de restaurante... – Falei e me virei para a bancada onde estava preparando uma sobremesa.

— E o que tem nessas panelas? – Perguntou curioso chegando atrás de mim.

— Só coisa que você não come... aposto.

— Se for comida de passarinho pode esquecer mesmo! – Ele fez uma careta.

— O almoço está no forno. Parmegiana.

— E isso aí é? – Apontou para o doce.

— Torta holandesa... - E lá foi ele colocar o dedo no chocolate. - Que eu vou levar de sobremesa no jantar na casa dos seus pais... então nada de experimentar. – Dei um tapa na mão dele.

— Sem sobremesa depois do almoço? – Ele voltou para a ilha e se sentou ali, abrindo o notebook.

— Larga de ser criança. Tem gellato. E o que você vai fazer com esse notebook agora? A parmegiana tá quase pronta.

— Começar a olhar a sua casa. Diz aí como vai ser? Quantos quartos? Banheiros?

Parei para pensar. Com a família grande que eu tinha e um trio de amigas doidas...

— Quatro ou cinco quartos, mais a suíte master...

— Quer morar na casa da Angelina Jolie, é? – Ele brincou.

— Você não faz ideia de como é quando junta todas as minhas amigas e meus irmãos e cunhadas e sobrinhos.

— Vou saber um dia.

— Com certeza vai. – Garanti.

— Você disse uma garagem grande. Grande para...

— Seis carros.

Ele quase se engasgou.

— Quê?! – Perguntei.

— SEIS, Katerina?

— Só meu três. Mais uma moto.

— Você só tem um carro.

— Meus dois outros carros chegam na quarta-feira, assim como minha moto.

— E vai trazê-los para cá?

— Eu ia... mas acho que vou alugar um depósito para deixar as minhas coisas... quero sair daqui o mais rápido possível.

Foi aqui que o olhar de Alex mudou.

— Pode deixar lá em casa.

— NÃO!

 - Posso saber o motivo?

Minhas coisas. Eu tomo conta. Simples assim.

— E vai deixá-las em um depósito? Onde qualquer um pode arrombar e roubá-las?

— O que foi que conversamos na quinta-feira? – Perguntei cruzando os braços.

— Eu ainda tenho o direito de tentar te convencer pelo menos?

— Ter tem, agora se vai conseguir... – Dei de ombros e abri o forno, a parmegiana estava quase no ponto. Ao fundo ouvia os dedos de Alex voando sobre o teclado.

— O importante é tentar, Katerina. E antes que você rebata que você é cabeça dura ou algo do tipo, saiba que, eu não estou te convidando para se mudar para a minha casa. Estou te emprestando um espaço para você deixar tudo, até que tenha resolvido a questão da casa. Só isso.

Me virei para ele e tentei ler a sua expressão. Ele parecia sincero, mas por trás da tranquilidade que ele emanava, eu podia sentir que ele tinha outras expectativas em relação a esse convite. E eu temia que o “empréstimo” acabasse virando “permanência”, algo que eu ainda não estava pronta e nem querendo.

— Você pode tirar essa ideia da cabeça, Alexander.

— Que ideia? – Ele me olhou concentradamente.

— Eu não vou me mudar para a sua casa. – Falei.

— Não foi isso que ofereci. – Ele tentou sair pela tangente.

— É isso que você espera que aconteça.

— Não.

Dei uma risada irônica.

— Eu sei ler as pessoas, Alex. E estou aprendendo a ler você ainda melhor do que leio qualquer um. Você me ofereceu um lugar temporário, mas depois de tudo o que aconteceu nessa semana. Depois das suas reações tanto na sexta-feira, quanto hoje de manhã. Depois de te ver dentro do seu habitat natural, dentro da sua casa, eu sei o que se passa por trás desses olhos azuis... Você queria que eu ficasse na sua casa já na segunda-feira à noite... tentou ontem novamente... e, essa bagunça que eu descobri só serviu para que aumentasse as suas esperanças de que eu, definitivamente, vá morar com você.

— E por que você é contra? – Ele fechou a tampa do notebook e me olhou.

— Te conheço há oito dias. Isso seria além de apressar as coisas, Alex. Eu não posso simplesmente pegar tudo o que tenho e levar para a sua casa com oito dias em que nos conhecemos... isso não existe!

Alex cruzou os braços, apoiou as costas no encosto do banco e levantou uma sobrancelha.

— O problema, Katerina, é que eu te conheço. E não vou negar, tudo o que eu mais queria nesse momento era entrar no primeiro avião para Londres e resolver esse problema em que te colocaram. Exigir respeito a você e a tudo o que você já fez por essa empresa. Porque eu sinto a necessidade de te proteger, eu preciso saber que você está bem, segura e que ninguém vai te fazer mal.

Comecei a tomar ar para protestar.

— É um instinto que eu nem sabia que tinha, que simplesmente surgiu no momento em que você cruzou o meu caminho no sábado de manhã. E, desde aquele momento eu sabia que precisava te achar. Algo quase impossível tendo em vista o tamanho de Los Angeles. Então você reapareceu sentada na praia, ao lado das minhas coisas, mas foi embora antes que eu tomasse a coragem para conversar com você. E eu falei para mim, que se você reaparecesse no domingo, eu não deixaria a chance passar. Eu sei que você já é bem grandinha para se defender, conhece a sua família melhor do eu, vai saber o que dizer e como dizer, só entenda, eu não posso nem pensar em te ver sofrer. É como... – Ele parou e tomou fôlego. – É como se fosse uma promessa que eu te fiz há anos e, por algum motivo, eu não cumpri e agora tenho a chance.

Tombei minha cabeça, será que ele estava falando...

— Seu sonho. – Soltei do nada, depois de desligar o forno. – Seu sonho de ontem.

— Não.

— Por quê?

— Eu não quero me lembrar daquilo.

— Mas você se lembra. – Afirmei.

— Não importa o que você faça, Kat, eu não vou te contar o que vi.

Me desencostei na bancada e dei um passo para frente, tentando tomar coragem para o que eu estava prestes a falar.

— Foi tão ruim assim?

Alex fechou a mão em um punho, bateu na bancada de mármore e depois me encarou.

— Vamos dizer que meu instinto protetor por você tenha piorado depois do que eu vi.

— Seja lá o que foi que você sonhou, eu perdoo você...

— Como?!

— Você me pediu perdão. Não sei se vai te acalmar, mas eu te perdoo. – Falei, e talvez eu o estivesse perdoando mais pelo que sonhei do que pelo que ele sonhou, mas valia com o mesmo objetivo, se fosse acalmar Alex.

— Obrigado. – Ele murmurou, mas resolveu olhar pela janela ao invés de para mim.

Voltei minha atenção para o nosso almoço. Já eram quase duas da tarde e eu não tinha mais tanto tempo para gastar, se eu quisesse ir apresentável no jantar na casa de meus sogros. Coloquei o pirex na mesa, juntamente com os acompanhamentos. Deixei esfriar um pouco e fui terminar a torta, já que agora só faltava enfeitar. Alex continuava a olhar pela janela, para o céu de outono.

Coloquei a torta na geladeira e tive que parar atrás dele para trazê-lo para o presente e acabei por falar.

— Remoer o que aconteceu na Alemanha de 1500 não vai mudar o que de fato aconteceu. Volte para o presente.

Isso pareceu dar um choque nele, que me olhou espantado e eu não soube como responder que eu sabia exatamente o que ele havia sonhado. Porque eu havia tido o mesmo sonho.

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Nosso almoço foi, no mínimo, estranho. Alex não falou muito, e de tempos em tempos ele me encarava com a sobrancelha erguida e um olhar confuso.

Eu sabia que tinha falado demais, porém esse foi o único modo que eu encontrei de trazê-lo de volta ao presente. De fazê-lo parar de pensar no passado. Só que agora eu não conseguia fazê-lo falar, sobre nada.

Acabei de comer e resolvi por a sobremesa na mesa, já que ele tinha reclamado mais cedo sobre a falta de algum doce.

— Eu falei brincando... – Murmurou quando coloquei duas tigelas na mesa.

— Você não é o único aqui que gosta de doces. – Respondi ao me servir. Ele logo imitou o meu gesto.

— O que você ouviu ontem? – Me perguntou do nada.

— Me desculpe?

— Ontem à tarde. O que você me ouviu dizendo? – Se explicou.

Respirei fundo.

— Não muita coisa. Depois de notar que você chorava, tentei te acordar. Foi quando você começou a murmurar algo parecido com “O que foi que eu fiz?”, repetiu a frase várias vezes, e, um pouco antes de acordar, me pediu para te perdoar.

— Só isso?

— Sim, você se remexia muito, mas não acordava de jeito nenhum.

Meu namorado coçou a cabeça.

— Foi por isso que você disse que me perdoa? – Olhou no fundo dos meus olhos.

— Sim, foi por isso. Mas eu já tinha lhe dito antes.

— E como você sabia o ano?? Ou o século? Eu falei algo sobre isso?

Viu como eu sempre falava demais?

Mordi o lábio e pensei em algo que poderia me fazer escapar pela tangente, porém não achei nenhuma saída e Alex me encarava sério. Fui obrigada a dizer uma quase mentira.

— Você murmurou algo sobre bruxas... – Falei, rezando para estar certa.

— E só por isso você soube o ano?

— Caso você não tenha percebido, Alexander, eu amo história mundial. Tenho vários livros e já li outros tantos, não é tão difícil assim descobrir o século.

Alex pareceu aceitar a minha explicação.

— Não vou discutir isso com você, eu vi o seu livro outro dia.

— Qual deles?

— Sobre as Cruzadas.

— Ah... sim. Fiquei curiosa com um artigo que vi de relance em uma página na internet e resolvi ler. – Falei e terminei o meu sorvete que tinha derretido parcialmente.

Alex terminou o dele e se levantou para lavar as vasilhas.

— Nosso esquema. Eu lavo e você seca e guarda. – Piscou para mim.

Arrumamos a cozinha e quando eu comecei a faxinar, ele se sentou no chão, na sala, com o notebook no colo.

— Achei que teria cantoria. Trouxe até o abafador de som para proteger os meus ouvidos! – Brincou diante do meu silêncio.

A verdade era que eu estava pensando se ele tinha ou não acreditado na minha história e nem passou pela minha cabeça que eu tinha que fingir que tudo estava normal, contudo, eu tinha que inventar outra desculpa...

— Não quero te assustar logo hoje... vai que algo te acontece e você não pode jantar com os seus pais... tenho certeza de que eles acabariam atrás de mim, depois de irem até a sua casa e a encontrarem vazia.

Ele balançou negativamente a cabeça.

— Falando em casa vazia, porque não trouxe o Stark?

— Preferi deixá-lo descansando na casa de meus pais, você quase estropiou o meu cachorro ontem.

— Larga de ser exagerado! – Ia respondendo enquanto esfregava o chão, estava quase acabando a faxina agora.

— Exagerado? Olhe os seus cachorros. Eles estão mortos para o mundo e roncando mais algo que moto de motocross!

Ficamos em silêncio e logo deu para ouvir dois roncos.

— Esses dois são um vexame para a raça deles... – Murmurei.

— Mudando de assunto, vai fazer o que quando acabar de limpar?

— Lavar o cabelo, arrumar a unha... ficar apresentável, não uma gata borralheira!

— Desistiu de olhar uma casa?

— Você já encontrou alguma?

— Tenho uma lista... – Ele disse desinteressado.

Coloquei os panos que usei na faxina para lavar na máquina e estudei Alex.

— Muito longe de onde eu trabalho?

— Perto não é. Mas nada é perto aqui em Los Angeles.

— Quantas horas de engarrafamento?

Ele riu.

— Exagerada. Mas pensa bem... arrumei algumas perto de um estúdio de pilates... você não disse que queria voltar a fazer?

— Disse. E o estúdio é bom?

— Pepper e Emilly vão lá.

— Já tenho referências o suficiente. – Respondi e me permiti me sentar um minuto no sofá.

— E do prédio?

— Se a sua pergunta é se dará tempo de você correr na praia de manhã e voltar para casa para se arrumar e depois ir trabalhar, sinto muito, não.

— Disso eu não gostei. – Me escorei em seu ombro para ver as fotos de uma das casas e ele riu.

— Sempre tem uma outra opção... – Jogou verde.

— Não. – Respondi e me levantei.

— Lá de casa você pode correr na praia, pode voltar para se arrumar e chegar no trabalho a tempo... e ainda é perto do seu trabalho. – Ele veio falando atrás de mim.

— Já falei que não! – Respondi saindo de dentro do closet com o conjunto de saia e blusa que usaria hoje e então eu notei... – Sua mochila...

— Minha roupa para mais tarde, não vou aparecer de chinelo e bermuda e camiseta surrada na frente da minha mãe...

— Hum... tem código de vestimenta.

— Não, mas você vai exagerada. – Ele apontou para o conjunto.

— Sério?!

— Meu pai vai perguntar de qual tapete vermelho você chegou. – Ele disse rindo, se deitando na cama.

— Nada disso aí aproveita? – Perguntei quase em desespero.

— Você não tem nada que não fale o que você faz da vida?

— Aposto que camisetas do mundo nerd e de bandas de rock seriam um tanto demais...

— Você tem camisa de banda de rock!? – Alex se espantou tanto que até se sentou na cama.

— Tenho... várias.

— Eu preciso ver isso. – Falou se levantando e entrando no closet. - Onde estão?

Entrei atrás dele e abri a gaveta. Eu tinha quase umas trinta camisas.

E ele começou a rir quando tirou a camiseta da Metallica.

— Meu. Deus. – Estendeu a camiseta pra mim. – Você veio de outro mundo mesmo. – Dobrou a camiseta e começou a olhar as outras, esperta como sou, os nomes das bandas ficaram para cima, quando enrolei cada uma para guardar. – Tem banda aqui que nunca ouvi falar...

— Não me admira, a maioria são finlandesas...

— Quantas bandas de rock tem no seu país?

— Aproximadamente três mil. E antes que você fale mais alguma coisa. – Comecei. – A Capital Mundial do Heavy Metal fica lá. É a cidade de Lemi[1].

Alex me olhou espantado.

— O que? Uma cidadezinha de três mil habitantes não pode ser considerada a Capital Mundial de nada?

— Não... só surpreso mesmo.

— A maioria fica. Para muitos a Finlândia só tem... – E eu resolvi testar meu namorado. – Para alguém que quer aprender finlandês, o que a Finlândia tem?

Alex fez aquela careta. E eu previ a resposta dele antes que ele abrisse a boca.

— A casa do Papai-Noel.

— E? – Instei.

— Sol da meia-noite...

— Todos os países nos quais os territórios ultrapassam o paralelo do Círculo Polar Ártico têm sol da meia noite...

Alex, muito deliberadamente guardou a minha camiseta e foi em direção ao quarto, soltando a famosa...

— Você sabe... tem...

— Eu sei que sei, sou de lá. Quero saber o que você sabe.

— A Finlândia não é lá um país muito famoso. – Ele falou todo sem graça.

— Não, não somos tão falados assim. Mas saiba que a nossa paixão por heavy metal foi mencionada até pelo Ex-Presidente do seu país. Barack Obama, no discurso de abertura de um encontro que houve na Casa Branca com os líderes dos seis países escandinavos, mencionou a nossa paixão por esse estilo musical... então, torcendo para você não me dizer que é Republicano, espero que faça o seu dever de casa, assim como os assessores de Obama fizeram o deles e descobriram isso. – Dei um peteleco no seu nariz e fui lavar a minha cabeça. – E, esse notebook e o Google serão de grande ajuda agora! – Pisquei e fechei a porta.

Quando saí, quase uma hora depois, Alex estava lá, computador aberto em cima da cama, um bloquinho de notas apoiado na perna e ele coçava a cabeça com a caneta.

— Bonita caneta. – Comentei ao ver que ele tinha pegado a minha caneta da Swarovski, que é cor de rosa e cheia de cristais, com o famoso cisne dependurado.

Ele olhou para a caneta e depois para mim.

— Foi a única que achei no seu escritório que parecia que não iria quebrar na minha mão... – Ele olhou com um certo desdém para a minha caneta preferida.

— Cuida bem dela, é de estimação. – Falei e fui buscar minhas coisas para fazer a unha.

— Nunca te ensinaram que é feio se apegar à bens materiais? – Ele me cutucou.

— Sim, eu sei que não deveria fazer isso, mas essa caneta, essa eu comprei com o meu primeiríssimo salário... é mais pela lembrança. E aí, descobriu algo a mais sobre a Finlândia que valesse anotar? – Perguntei curiosa.

Ele pegou o bloquinho – também meu a julgar pela cor das bordas, lilás. – e soltou.

— Você dormiu dentro de uma caixa de papelão assim que nasceu?

— Dormi. É tão seguro e quente quanto um berço. E não ache fiquei no chão. A coisinha é bem organizada. Elena também dormiu... – Falei. - O Governo dá um kit maternidade que vem dentro dessa caixa de papelão reforçada. Usa-se tudo e depois ainda pode reciclar. Não precisa ficar abismado.

— Só achei estranho...

Tive que rir.

— Como filha de médica, posso te jurar, os berços cheios de bichinhos de pelúcia, kit de proteção de grade, travesseiros e cobertores são um perigo para os recém-nascidos. Juntam, além da poeira, porque não se lava aquilo tudo, todo santo dia; ácaros, que para bebês tão novinhos pode ser fatal. – Acabei a explicação e dei uma olhada na lista dele. – Interessante...

— Tenho muito o que pesquisar, mas essa dos emojis me chamou a atenção.

— Bem... no site do Governo Finlandês tem a explicação para cada um deles, e acaba que conta um pouco da cultura também.

— Vi, provavelmente, o mais famoso.

O inquebrável?— Ri ao pensar no emoji que era a representação do bom, velho e indestrutível Nokia 3310.

— Não, o headbanger. – Ele me virou o notebook. – Acho que é a sua cara...

— Esse também serve. Mas uma das frases mais célebres veio dele... Kimi Räikkönen e o seu famigerado: “Me deixe em paz, eu sei o que estou fazendo!”. – Apontei para o emoji do “Iceman”.

— E ele sabia?

— Bem... a história é longa, mas sim, se no final de tudo ele acabou vencendo o GP de Abu Dhabi de 2012 da Fórmula 1 depois de ficar dois anos capotando no Mundial de Rally.

— E para quem ele falou isso?

— Para o Engenheiro de Corrida dele. O pobre só estava informando, insistentemente, a distância entre o Kimi e o Alonso durante a entrada do Safety-Car. Foi um momento hilário, mas todos os rádios do Kimi são...

Kimi?! Você o conhece? – Alex falou mal-humorado.

— Meu pai foi engenheiro dele, nos anos em ele pilotou pela McLaren, mas não o conheço pessoalmente... Porém, sou fã dele. Daquelas chatas, que defende o protegido de tudo. Como diria a internet, “passo pano mesmo”!

Alex não gostou da minha informação.

— Achei que você só torcia pela McLaren...

— Tenho uma equipe preferida e um piloto preferido. Qual é, ele é o piloto finlandês mais famoso! – Defendi o Homem de Gelo, diante da carranca que Alex me olhava.

Alex voltou para o seu estudo sobre a Finlândia, enquanto eu me sentei por ali para fazer a unha e, quando ele não entendia algo, lá ia eu ter de explicar, porém, hora nenhuma, ele voltou no assunto “automobilismo”, acho que ficou com medo de descobrir se eu tenho outros pilotos por quem torço. Nesse ínterim, comecei a ensiná-lo o básico do finlandês. E era até divertido, porque a cadência do idioma é muito diferente do inglês, e Alex acabava se embolando todo com o número excessivo de vogais reunidas.

Depois de apanhar tanto, - tanto que eu achei que ele acabaria de olho roxo – para dizer “hyvää syntymäpaivää”, que quer dizer “Feliz Aniversário”, ele desistiu e foi tomar um banho para irmos jantar.

— Isso não é possível! Como pode ser tão difícil... – Escutava-o murmurando dentro do banheiro.

Eu só pude rir de tanta reclamação.

E, assim que ele saiu de lá, parou perto de mim e soltou:

— E a frase que você falou? Ela não estava no meio dessas expressões que você tentou me ensinar hoje.

— Eu já te disse, Alex, trato é trato. Você vai descobrir o significado dela, quando entender as muitas traduções que eu vou te falar.

— E você por acaso falou uma dessas traduções hoje?

— Não... mas o dia ainda não acabou, não é mesmo?

Alex bufou e deu outra conferida no bloquinho.

— Eu nunca vou aprender isso.

— Vai sim. Você é inteligente. É como qualquer outro idioma, as primeiras aulas, os primeiros contatos, sempre assustam quem está aprendendo.

— Não venha você com um “sisu” pra cima de mim. – Ele me alertou.

— Tá vendo, isso você já aprendeu, o nosso sentimento de “nunca desistir, mesmo quando o certo seria desistir”, já é um começo, e quem sabe um pouquinho de sisu não cresça dentro de você agora? – Brinquei.

Ele me olhou atravessado enquanto procurava alguma coisa dentro da sua mochila.

— O que você tanto procura?

— Uma camiseta. Eu tenho certeza de que trouxe uma. – Falou e já meio sem paciência, virou todo o conteúdo da mochila em cima da cama.

— Organização é o seu nome do meio, hein?

— Não, é Thomas.

— Como é?

— Meu nome do meio é Thomas.

— Bonito nome. Mas estava comentando como você é uma pessoa organizada. – Apontei com a cabeça para a bagunça que a cama tinha virado.

Alex coçou a cabeça e depois se jogou na cama, já com a calça e sem camisa.

— Vai assim? Acho que seu pai não vai gostar de te ver desse jeito... – Tive que perturbá-lo.

— Nem fala.

— E por que ele te enche tanto a cabeça?

Alex mostrou o tronco em si.

— As tatuagens?

— Hum... hum...

Ele estava de olhos fechados, então aproveitei para dar aquela olhada, mas continuei falando para não chamar atenção.

— Ele não gosta.

— Nem um pouco.

— Sei como é.

— Tentou fazer uma e o papai brigou com você te proibindo? – Ele brincou, ainda deitado e ainda de olhos fechados.

— Não. Nunca nem quis fazer. Medo de agulha... – Fui sincera.

— Medrosa.

— Sou mesmo. – Admiti.

— Será que eu vou ter que te levar para a sua primeira tatuagem? – Ele abriu um sorriso. – Me pergunto o que você escolheria...

— Nada, já disse que não sou fã de agulhas.

— Mas não dói.

— Kim me disse isso, mas não acreditei nenhum pouco. – Falei.

— Essa coisa já tá seca?

— Que coisa?

— Seu esmalte.

— Já sim. Posso saber o motivo da pergunta?

— Não quer ir lá em casa e pegar uma camisa para mim, não?

— Larga de ser folgado! Não sou sua empregada. E, tome isso. – Arremessei a camisa que tinha lavado e passado.

— Ficou aqui! – Disse todo feliz.

— Era essa que você jurava que tinha colocado na mochila?

— Exatamente.

— Mas é avoado que dá gosto. A camisa tá aqui há quase uma semana e o bobo acha que colocou dentro da mochila... – Fiz um som de desgosto.

— E tá passadinha!

— É claro! Eu passei! – Desdenhei e voltei ao closet para procurar uma roupa. Acabei de jeans, uma blusinha com renda e sapatilhas.

— Assim estou apresentável? – Questionei ao passar por ele em direção à cozinha para pegar a sobremesa que havia feito.

— Muito melhor. Vamos deixar a Katerina Poderosa aparecer só na hora que você tiver que chutar uns traseiros por aí. E não se esqueça, minha mãe quer ver as suas fotos!!!

Eu tinha me esquecido completamente que tinha prometido à minha sogra que mostraria as demais fotos para ela. Assim, antes de ir para a cozinha, dei uma parada no escritório, peguei meu notebook pessoal e o coloquei na case, depois corri até a geladeira para pegar o doce, tudo isso enquanto ainda conversava com Alex.

— Se você acha que eu não posso chutar traseiros vestida assim, saiba que está enganado...

— Eu tenho certeza de que pode, e espero que não chute o meu. – Falou ao abrir a porta e me dar passagem.

— Então se comporte.

— E se eu não me comportar? – Ele perguntou vindo atrás de mim pelo corredor e tentando tirar minha bolsa do meu ombro, para me ajudar.

— Não terá a sua tradução tão cedo... – Falei e entrei no elevador.

— Você é má, hein? – Ele, depois de jogar a minha bolsa todo sem jeito no ombro, me abraçou.

— Você não faz ideia. – Confidenciei e Alex iria me puxar para um beijo quando o elevador parou e a Senhora Pinscher entrou com aqueles ratinhos metidos a cachorro.

— Eu odeio essas miniaturas de rato. – Alex falou na minha orelha.

A Senhora Pinscher olhou na minha direção e eu sorri para ela em sinal de educação. Ela desceu na portaria e nós dois fomos para a garagem.

— Eu tenho certeza de que ela ouviu o seu comentário. – Falei horrorizada enquanto Alex me rebocava até o carro.

— E ela ia fazer o que? Mandar aquele quarteto de ratos nos morder? – Perguntou ao abrir a porta do carona para mim.

— Muito pior, nos deixar surdos... já viu como é estridente o latido de um Pinscher?

— Tá aí outro motivo para você se mudar daqui. O Quarteto Feioso.

— Não fala assim. São cachorros.

— Um deles tem a mordida invertida, olhos esbugalhados e falta um dente.

— Deve ser velhinho....

— E a língua fica dependurada assim. – Ele colocou a língua para fora e imitou o que seria a cara do Pinscher.

Eu dei uma gargalhada e quase que me sufoco de tanto que ria, e a minha crise de riso piorou quando saímos da garagem e demos de cara com a Sra. Pinscher e O Quarteto Feioso. Meus olhos pousaram diretamente no Feioso-Mor. E eu dei um outro ataque de risos.

— Céus! – Falei depois que consegui parar de rir. – Aquele cachorro é feio demais!!

— Eu não disse? Como você não percebeu antes? – Quis saber.

— Acho que eu estava muito distraída.

— Eu sei que sou lindo!

Dei um tapa nele.

— Foi você quem falou. – Disse em sua defesa, mas nada arrependido.

— Eu só falei que estava distraída, não disse com o que!

— Se não foi com O Feioso-Mor, foi comigo. E como você não viu aquele espécime de rara feiura, foi comigo.

— Convencido. – Murmurei.

— Mas admita, Seu Convencido Favorito aqui te fez dar uma boa gargalhada hoje.

— Isso você fez mesmo! – Admiti.

— Que bom! – E lá estava ele, já abrindo o portão da casa de meus sogros. Ainda bem que hoje eu não estava tão nervosa assim.

Mas Alex tem que me fazer ser o centro das atenções e cismou de imitar o bendito do cachorro novamente e eu tentei me segurar, eu juro que tentei, mas enquanto eu não dei aquela sonora gargalhada, ele não parou de ficar com o olho arregalado e a língua para fora. Claro que o som da minha risada chamou a atenção dos donos da casa e de Stark que veio correndo, antecedendo Dona Amelia e o Sr. Jonathan.

— O que aconteceu? – Ela perguntou ao descer os degraus.

Alex tornou a fazer a careta e seus pais o olharam como se ele fosse maluco ou como se, dessa vez, o tombo praticando parkour tivesse afetado o cérebro de vez.

— Mas o que é isso, Alexander? – Sr. Pierce questionou.

— Perguntem à Kat? – Ele respondeu se agachando para acariciar Stark.

E os dois olharam para mim, e eu senti meu rosto corar na hora.

— Oi! Boa noite! – Cumprimentei-os. – Aquilo ali é só o Alex imitando o cachorro mais feio do mundo. Que mora lá no prédio. – Informei e tive que me segurar para não continuar a rir.

Dona Amelia pareceu ficar contente com a minha explicação e veio me abraçar, e foi então que ela notou a vasilha em minhas mãos.

— E isso seria?

— Ah! Eu fiz a sobremesa. Minha família tem o hábito de, quando vai jantar ou almoçar na casa de alguém, sempre levar algo... então, espero que gostem. – Falei sem graça.

Sr. Pierce soltou:

— Viu Amélia, eu te disse que ela iria querer um doce. Como você não fez, ela tratou de trazer. Pode me entregar aqui, filha. – Disse e estendeu a mão. Passei a vasilha a ele, só para escutar Dona Amelia avisando.

— E nada de tentar experimentar o doce antes da hora, Jonathan. – Depois se virou para mim. – Vamos, Kat. Deixe esse doido do Alex por aí que eu tenho algumas novidades para te contar. – Me indicou o caminho e eu fui do seu lado.

E foi só entrarmos na cozinha que pegamos o Sr. Pierce dando aquela experimentada fora de hora na sobremesa.

— Jonathan!! – Dona Amelia chiou assim que o viu. E o Sr. Pierce nem se importou com o olhar da esposa ou com o fato de que estava comendo a sobremesa antes do jantar.

— Se o pai comeu da Torta Holandesa, eu também quero! Kat não me deixou experimentar. – Alex entrou correndo, como se soubesse que o pai iria fazer exatamente aquilo.

— Ela fez muito bem. Agora vocês dois, podem parar e começar a arrumar a mesa.

— Cadê o Will? – Alex perguntou roubando a vasilha da mão do pai.

— Ainda não chegou.

 - Como sempre só chega na hora da comida. – Retrucou Alexander, mas começou a arrumar a mesa.

— E eu? Faço o que?

— Você sente-se aqui. – Dona Amélia puxou um banco da ilha para mim. – Que temos que conversar.

E meu estômago deu uma torcida desagradável ao ouvir isso.

 

[1] Eu não inventei isso, aqui a reportagem: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/cidade-da-finlandesa-ganha-copa-do-metal-e-e-declarada-capital-mundial-do-heavy-metal.ghtml


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Notas finais do capítulo

Adendo: me esqueci de colocar o link para os emojis da Finlândia. Então segue: https://finland.fi/pt/emoji/
e por hoje é só!!
Espero que tenham gostado!
Até o próximo capítulo!
xoxo



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