Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 22
Revelação


Notas iniciais do capítulo

Para encerrar mais um sábado, capítulo fresquinho! Cheio de reviravoltas!
Boa leitura.



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“You have the world, it's all for you

I wish you'd find the lost in you

Grateful for the pain, it proves we're alive

Can you feel it

I can't make you want the truth

it's up to you

Yours is an empty hope”

Yours is an empty hope - Nightwish

Alex me deixou em casa e não estava lá muito contente quando entrou dentro do carro e foi embora. Confesso que também não gostei de vê-lo partir, mas minha casa precisava de uma ajeitada, uma ajeitada de verdade! Aproveitei que ainda não eram sete da noite e comecei a organizar minhas roupas. Levei mais tempo do que pensei, mas levando-se em conta de que não tinha combinado de ir correr cedo com Alex, poderia estender a minha arrumação noite adentro. Assim, depois das roupas, eu tinha mais alguns pedaços da faxina para fazer, fora a poeira, a temida cozinha, não que eu a tenha utilizado muito nesses dias... mas eu detesto imaginar acúmulo de gordura. Estava decidindo se arrumava a cozinha ainda nessa noite quando uma mensagem no meu celular despertou a minha atenção.

Não era ninguém em particular, mas uma atualização de uma entrega, uma entrega muito, mas muito aguardada por mim.

O restante da minha vida que tinha ficado na Europa chegaria nessa semana, mais especificamente na quarta-feira. E junto com mais algumas roupas, livros e outras coisinhas, meus carros e minha moto.

— Um motivo para sorrir nesse final de sábado! – Falei em voz alta.

E, ainda com o celular na mão, resolvi dar uma checada nas redes sociais, nas duas redes sociais que tenho, Twitter e Instagram.

Nada de novo no feed do Twitter, já no Instagram, como eu previra, a patrulha dos meus seguidores tinha atacado novamente.

Olivia, curiosa como só, tinha me mandado várias mensagens, querendo saber quem eram os meus novos seguidores. E tudo começava na quinta-feira.

Tia, quem são?? — Era o primeiro direct com o devido print dos perfis dos meus três novos seguidores.

TIA!!! Ele é famoso!! — E junto com essa mensagem, veio o print da tela no IMDB de Alex.

Ele é irmão dele!! — Veio outro print, ela comparando Alex e Will.

O que tá acontecendo? É ele o seu namorado misterioso? Porque se for, saiba que o bivô abriu a caça às bruxas para cima dele.— Esse de sexta à noite.

Eu tô falando sério, tia! O bivô tá uma fera aqui em Londres. Ligou pro vô – que veio aqui em casa para nos ver. – E ficou HORAS no telefone. Tudo o que eu entendi era o seu nome e a menção à um rapaz de cabelos castanhos...

Ele tem cabelos castanhos!! – Olivia dizia e tinha mandado a foto de Alex, destacando com um emoji o cabelo dele.

Sabe o que é estranho?? Eu vi uma propaganda com ele anteontem na TV... de um relógio... mamãe comentou que ele era muito bonito. E agora ele tá te seguindo no Instagram...

Não... Peraí! — Essa mensagem era de hoje cedo. – Além do tal do Alexander estar te seguindo, ele postou uma foto sua e te marcou?!!

TIA O QUE TÁ ACONTECENDO??? PORQUE AS COISAS AQUI ESTÃO PEGANDO FOGO!!

E a última direct foi a seguinte:

Entrando escondida no Instagram pelo computador do Tuomas que está na balada só para avisar que eu escutei uma conversa do papai com o vovô e o vô dizia que estava pensando em ir para LA só para ter uma conversa com a você, tia! Parece que todo mundo já sabe sobre o seu namoro com o Alexander.

Vocês estão namorando, né?

Ou não?

Droga! O Tuomas chegou... depois explico pra senhora o que aconteceu comigo!! Mas me dê sinal de vida!! Ninguém conversa comigo aqui!!

Tive que rir, Olivia às vezes era tão dramática quanto Pietra e Mel juntas... talvez consequência de ter passado muito tempo perto delas...

Porém, a mensagem que mais chamou a minha atenção, também no direct do Instagram foi de Tuomas:

Acho que a senhora tá precisando ligar pra Londres... você é o assunto de todos por aqui. Vamos jantar todos juntos na casa do Matti. Se for útil a informação.

E depois ele soltava:

Um surfista tia? Sério? A senhora tá bebendo?

Eu não sabia se eu ria do comentário ou se eu chorava de desespero, no final, só respondi assim:

Não, Tuomas, eu não bebo e não estou bebendo... e é verdade. Obrigada por informar sobre o jantar, espero que esteja pronto para a Torta de climão que isso vai virar.

Para a minha surpresa, Tuomas respondeu.

Eu não vou mesmo!— E me mandou uma figurinha rindo da minha cara.

Esse era o meu sobrinho.

Depois outra mensagem:

Liv está com meu computador... escondido, é claro, mas ela me pagou por isso e eu não sei de nada. Conversa com ela, aquela peste ficou roendo as unhas o dia inteiro de nervoso.

Vou falar com ela.— Respondi.

Isso mesmo, apoie seus sobrinhos fazendo coisa errada!

Até onde eu sei, eu escondi muito bem a sua primeira ressaca, Tuomas. Então, fique quieto.

Golpe baixo!

Boa noite pra você aí e vê não chega em casa com o dia raiando.

Isso é muito difícil de acontecer.

Claro, porque o Sol já raiou quando você chega, não é?

E lá estava outra figurinha me fazendo joinha. Adolescentes....

Procurei ainda no direct por Olívia.

Oi... — Mandei e nem pude continuar porque ela já veio gritando.

TIA!! MINHA NOSSA SENHORA DO CHUVEIRO ELÉTRICO! DAI-ME RESISTÊNCIA!! O QUE TÁ ACONTECENDO AÍ? PORQUE AQUI O PARQUINHO TÁ PEGANDO FOGO!

Desde quando você diz que o parquinho tá pegando fogo, Olivia?

Vi na internet... mas... e aí? O Veredicto? O tal do Alexander...

Meu namorado.— Respondi.

E veio uma enxurrada de figurinhas com olhinhos de coração, com o coração batendo e desmaiando de amor.

Acabou?

Tenho mais... mas vai demorar para importar para cá. Ele é gente boa, né? Tem cara...

Sim, ele é.

Eu vou poder conhecê-lo quando for aí?

Tanto Alex quanto Dona Amelia estão esperando por isso.

Quem é Dona Amelia?

Minha sogra.

Agora foi uma chuva de figurinhas em desespero.

Pare de ser tão dramática.

Não consigo... aprendi com a Pietra. E sabe... eu andei pesquisando...

Você está sem computador.

Por um preço justo subornei o meu irmão e aluguei o dele. É para isso que irmãos mais velhos servem, além de levar a culpa por algo que você fez, é claro. Mas voltando... eu vi quem é a ex e quem a ex dele conhece... Se isso não é coincidência...

Não comece!

Mas eu acredito em coincidências!!

Olivia...

Tudo bem. E agora?

Agora o que?

O que a senhora vai fazer? Querem a cabeça do Alexander. E eu não acho justo... a senhora acabou de desencalhar...

EU ACABEI DE QUE?

Mentira não é, né?

Olivia Alexandra Nieminen! — Às vezes, só as vezes eu odeio a sinceridade da minha sobrinha.

Também não precisa exagerar... mas pelo menos não ficou pra titia, né... apesar de a senhora já ser tia... e tals...

Tive que respirar fundo...

Tia... tá aí ainda?

Estou.

Bem... mas é sério. O bivô tá em tempo de pedir a sua demissão, o vô quer saber o que aconteceu com você, papai rindo e dizendo que finalmente você tomou coragem para assumir as rédeas da própria vida. Tio Kim e tia Vic estão te defendendo, falaram que já conversaram com o Alexander.

Agora mais essa!

E a vovó, bem... ela só disse que se o Surfista te faz feliz, ele poderia ser azul, ter duas cabeças, pés de pato e um olho só que ela ficaria feliz por você. Vovô não gostou disso, sabe como ele é... e olhou torto para ela. Vovó só soltou, também te defendendo (e essas são as exatas palavras dela!): KitKat é adulta e madura o suficiente para saber o que quer da vida. Se ela está do lado desse rapaz, é porque ela confia nele. E, depois do que aconteceu, eu duvido que ela cairia de cabeça em um relacionamento só para dar uma de rebelde. Kat é mais madura que vocês dois (aqui ela apontou tanto para o vô quanto para o bivô), e tem o direito de ser feliz, SEM NINGUÉM VIGIANDO A VIDA DELA, ou armando para que ela se interesse por uma pessoa pré-determinada como você fez, Matti.

Eu quase deixei meu celular cair no chão. Eu não sabia que tinham armado o meu relacionamento com Lucca.

Tia, é verdade isso? Tentaram te fazer casar com “Aquele Que Não Deve Ser Nomeado” e você deixou?

Eu não sabia disso, Olivia.

Ooops. Acho que nem era para ficar sabendo, né?

Provavelmente não.

E agora?

Agora a pré-adolescente vai pra cama e os adultos terão uma conversinha.

Ah não!! Não me deixe de fora.

Não é um assunto para você ouvir, Olivia.

Mas eu quero saber o que vai acontecer!!

Boa noite.— Digitei e deixei que ela me enchesse de perguntas.

Me joguei no sofá da sala, encarando a televisão desligada, ainda incrédula sobre o que eu tinha acabado de saber.

Meu avô... meu próprio avô tinha arranjado um casamento para mim. Tinha puxado todas as cordinhas, apertado todos os botões para que eu me casasse com uma pessoa que ele aprovara.

Parei para pensar no que isso teria significado , se eu efetivamente tivesse me casado com Lucca. E um enjoo subiu por minha garganta.

O plano de meu avô era simples, eu me casava com Lucca, que é sobrinho de Cavendish, e a paz reinaria na empresa... e Lucca seria o CEO em alguns anos, sendo casado com a herdeira da maioria das ações ninguém jamais iria contra as suas decisões, porque eu não iria. E eu... é, eu seria apenas parte do Conselho Administrativo, lógico, porque uma mulher jamais assumiria a Diretoria, jamais seria a CEO.

Coloquei minha cabeça no meio dos joelhos tentando fazer a náusea passar. Mas não adiantou nada. Tive que correr para o banheiro e esvaziei o meu estômago, ou o pouco que tinha nele. Quando consegui me levantar, minhas lágrimas de ódio se misturavam com o suor pegajoso da minha testa, minhas mãos tremiam e eu tinha vontade de matar alguém, bater em alguém, descarregar essa energia bruta e irada que crescia dentro de mim.

Sem ter nada para quebrar – porque eu é que teria que juntar os cacos depois. – e sem querer machucar a minha mão, comecei a gritar. Eu gritei por quase quinze minutos. Xinguei palavrões que eu nem mesmo sabia que sabia, em todos os idiomas que sabia falar – e me vi abismada ao constatar que sabia falar palavrões em idiomas que eu não era fluente ou proficiente.

Depois que descarreguei essa carga de adrenalina estranha que cresceu dentro de mim, me surpreendi que ninguém bateu na minha porta para reclamar de meus gritos, e percebi que as paredes do apartamento deveriam ter isolamento acústico.

— Isso pode ser uma boa! – Comentei.

Ainda precisando queimar um pouco dessa ira que tinha surgido dentro de mim, me levantei do chão do banheiro, lavei a boca, me olhei no espelho e disse a mim mesma:

— Você, garota, vai fazer da vida daquele conselho um inferno. Vai ser uma pedra no sapato deles. Vai ser a melhor Diretora de Escritório que eles têm. Vai provar o que pode fazer. Vai infernizá-los, ser o motivo pelo qual eles olham pelos ombros quando andam na rua. Você vai provar que pode e deve ser a CEO da empresa PORQUE VOCÊ É A MELHOR! – Gritei. – Porque você é a única que conhece essa empresa desde do mais baixo até o mais alto. E quando a sua vez de ser CEO chegar... você vai ter a sua vingança. Vai fazê-los dar aquela festa de gala, vai estar lá, maravilhosa e confiante em um vestido de grife caro e vai jogar na cara de todos que recusa o cargo. Porque você não é mais um fantoche de ninguém!!!

Saí do banheiro e corri em meu closet, era tarde, bem tarde, mas não liguei. Troquei de roupa, coloquei outro biquini e fui para a cobertura. Lá, liguei a caixa de som no volume mais alto que consegui, deixei que a minha banda favorita desse o ritmo da noite, e o metal sinfônico da Nightwish era a minha trilha sonora quando mergulhei na piscina e dei incontáveis voltas, minhas braçadas ritmadas me distraindo e fazendo os músculos do meu corpo queimarem.

Era isso o que eu queria. Eu precisava me esgotar fisicamente para que eu desmaiasse na cama e tivesse uma noite de sono digna.

Meus braços já estavam cansados, mas eu continuei, e quando eu dei o impulso com os pés, após completar mais uma volta, uma frase de Alex veio à minha mente:  

“Então você vive para agradar aos seus pais?”

Eu tinha dito que não. Mas pelo visto eu vivia sim. Para agradar ao meu pai, ao meu avô. Cheguei à conclusão de que minhas escolhas nunca agradaram à minha mãe, se ela saiu em minha defesa quando ficou sabendo do meu namoro.

Ao pensar nisso, perdi a força nos braços e nas pernas e parei de nadar, me contentei em boiar e olhar as estrelas, meu cérebro indo a mil por hora ao constatar o que eu tinha perdido. Repassei todas as coincidências que aconteceram nos primeiros encontros que tive com Lucca, como ele sempre me pareceu perfeito para mim. Desde a sua escolha de roupas até o modo como ele andava. Como até os nossos gostos era parecidos até demais...

E como quando ninguém de nossas famílias estava por perto ele mudava de comportamento... principalmente quando bebia... como ele nunca se importou em saber os motivos pelos quais eu gostava de determinada coisa, nunca tentou me entender. Ele só gostava porque eu gostava e ponto final.  

Lucca tinha sido mandado para me conquistar. Para ser o marido perfeito para a garota tida, até então, como perfeita, para que, em um futuro próximo, os Cavendish pudessem assumir a presidência da Nieminen Trade and Shippiment.

E teria funcionado, porque eu fora inocente demais para não notar os sinais. Teria acontecido exatamente assim se Lucca não tivesse se apaixonado por Eleanor, a namorada do irmão dele. Dei um ataque de riso histérico quando pensei no que ele me falara no Saint James Park, quinze dias depois da cena da Igreja.

“Você não passa de um peão nas mãos do seu avô, Katerina. Uma marionete. A vaquinha de Presépio que sempre dirá sim para o vovô, achando que um dia será aquela que ocupará o trono. Eles nunca te deixarão chegar até lá. Aquela cadeira é minha!”

Lucca Cavendish nunca estivera tão certo na vida dele.

Ao fundo, uma das minhas músicas favoritas tocava, e o título da canção, escrita por Tuomas Holopainen e Marco Hietala, nunca fora tão certeiro para o momento em que eu vivia:

Your Is An Empty Hope.

O heavy metal da música, combinado com os guturais que Floor Jansen fazia, me faziam pensar que, no fundo, eu fora manipulada o tempo inteiro. Alguém me prometeu o mundo, e eu tinha a esperança de conquistá-lo, porém, isso não passava de uma vã esperança.

Eu agora teria que me erguer da dor de saber que fui enganada todo esse tempo que, como Lucca dissera, eu fora uma marionete em um teatro muito bem orquestrado.

A pergunta que restava era: eu seria capaz de realmente planejar a minha reviravolta fingindo ainda acreditar nas palavras de todos? Saberia bancar a pessoa que aceitava tudo calada, sabendo o que eu sabia?

E a cena do que aconteceu nos portos na sexta fez ainda mais sentido. Lucca agora tinha medo de mim, tinha medo de que eu ligasse dois com dois – como eu tinha acabado de fazer. -  e sabendo que não estava em bons lençóis com o Conselho, ele queria me desestabilizar e assim garantir o seu lugar como CEO mesmo quando ele não teria os Nieminen ao seu lado.

Não... eu não saberia ficar calada.

Saí da piscina e me deitei na chase depois de me enrolar em um roupão, fiquei olhando o céu e pensando em tudo o que eu teria que fazer daqui pra frente.

Minha primeira meta era saber até onde meu pai sabia sobre tudo isso. Porque a minha mãe sabia... ou desconfiava, pelo menos.

Meu avô era o grande mentor da história, ele e Cavendish.

Eu teria que ser esperta para confrontar essas pessoas, e nada de ser por telefone ou videoconferência. Eu queria ver o medo e a surpresa nos olhos deles quando eles descobrirem que eu sei de tudo...

Sorri para mim mesma. Eu teria a minha vingança... na verdade, mesmo sem saber, eu já estava tendo. Era por isso que Matti tinha ficado tão irado quando soube de Alex... porque se eu tomei a decisão de namorar alguém que a família não aprova (e eu sabia que existia uma aversão ao que Alex fazia na família), o que mais eu poderia aprontar agora que eu estava longe, muito longe da influência de meu avô, de meu pai e de minha mãe?

Aqui, na Califórnia, eu não tinha que me preocupar em saber o que eles iriam achar sobre as minhas atitudes, eu não tinha que dar satisfação sobre o que eu fazia ou com quem eu saía, algo que, pensando bem, eu fazia até bem pouco tempo, mesmo tendo quase 30 anos... Em Londres sempre me controlaram. Em Los Angeles não poderiam fazer isso.

— Olha o que vocês mesmos fizeram... – Falei alto e aumentei ainda mais o som.

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Acordei morrendo de frio, estava encolhida e abraçada com a almofada da chase. Pisquei rápido para me adaptar à luz. Quando, enfim meus olhos se ajustaram à pouca claridade, notei que tinha dormido na cobertura e que já amanhecia. Vi que tanto Loki quanto Thor estavam deitados ao meu lado, servindo de aquecedores naturais com toda essa pelagem dupla.

Kiitos[1]! – Murmurei ao acariciar a cabeça dos dois.

Nightwish ainda tocava nos autofalantes, bem alto para o que me parecia ser quatro e meia ou cinco horas da manhã, ainda bem que era a versão instrumental do último álbum lançado, assim minha cabeça não doeria tanto. Desliguei a música, me enrolei ainda mais no roupão e desci as escadas, tentando desembaraçar os cabelos e repassando os acontecimentos do dia anterior.

Parei no meio da sala e constatei uma coisa.

Esse apartamento pertence à Empresa. Eu estou morando aqui porque a Empresa me mandou morar.

Era hora de procurar um outro lugar para morar. Eu não queria ser controlada nem no local onde chamaria de Lar. Eu não queria dever nada para Matti, nem queria que ele tivesse alguma arma para jogar na minha cara na primeira oportunidade.

Balancei a cabeça, mentalizando o que eu tinha que fazer no dia de hoje, fora terminar a faxina, era começar a procurar um outro local para residir, de preferência uma casa onde meus cachorros pudessem ter um espaço muito maior para gastarem energia.

Resolvi começar por um banho, meu cabelo estava duro por eu ter entrado na piscina e nem ter passado um creme para protegê-lo.

Depois do banho demorado, fiz um café da manhã reforçado. E me surpreendi ao ver que ainda eram cinco e meia da manhã...

Quer saber...

— Loki! Thor!! – Gritei meus cachorros. Logo eles apareceram. – Vamos correr! - Anunciei

Fui para o quarto, troquei de roupa, arrumei três garrafas de água em uma bolsa térmica, assim como as vasilhas portáteis da dupla e logo estava na garagem prendendo os dois no porta-malas.

— Vamos correr na praia hoje. Vocês vão adorar.

Cheguei no píer, que ainda estava vazio, com o sol nascendo, e, depois de soltar a dupla e me alongar, comecei a correr, com Thor de um lado e Loki do outro.

Eu nem tinha saído do píer direito quando, em uma das vagas de estacionamento vi um BMW muito familiar.

— Madrugou também, hein Alex... – Murmurei sozinha.

Imprimi um ritmo bem forte, sabendo que o clima fresco da manhã que começava seria ótimo, tanto para o meu pensamento agitado, quanto para a dupla peluda que me fazia companhia.

Fui até o Posto 10 como de costume e voltei na mesma velocidade, tanto Loki quanto Thor nem ligaram do meu ritmo alucinado, e olha que nem música eu estava ouvindo hoje. Tive que dar uma reduzida na velocidade quando fui chegando perto do local onde fiquei no dia anterior. Dei uma olhada para o mar, procurando por meu surfista favorito, mas, ainda não era capaz de achá-lo no meio de tantos... para falar bem a verdade, nem tinha reparado na cor da prancha dele... Voltei a correr em um ritmo mais rápido, mas não por muito tempo, pois logo ouvi alguém comentando:

— Stark vai ficar morto de ciúmes ao saber que foi trocado por uma dupla de cachorros da neve.

Reduzi a velocidade a um trote rápido e olhei por sobre o ombro, e lá estava ele, escorado no carro, com a roupa térmica aberta até metade de seu tronco, mostrando uma de suas muitas tatuagens e o cabelo todo despenteado.

— Achei que você iria querer dormir até tarde hoje... por isso não te liguei. – Alex começou sem jeito.

E foi a minha vez de me sentir culpada, pois em hora nenhuma eu pensei em convidá-lo para vir comigo, eu simplesmente agi por impulso.

— Bom dia! Dormiu comigo? – Perguntei brincando e ele chegou perto de mim, não muito pois estava encharcado. – Não tem problema não ter ligado... – Continuei.

Alex observava o meu rosto, já tendo me visto com e sem maquiagem, arrumada demais e com cara de quem acabou de se levantar da cama, ele sabia exatamente o que procurar. E enquanto eu via a constatação de que eu não tivera uma boa noite de sono passar por seus olhos, mordi o lábio inferior, sabendo que teria que me explicar.

— Você não dormiu bem... – Disse ao passar a mão fria debaixo dos meus olhos, no lugar em que eu sabia estavam as enormes olheiras. – Tem muito na cabeça e veio para praia correr para espairecer.... – Disse certeiro.

— Exatamente isso. – Confirmei.

— Tem a ver com algo que fiz ontem... porque Kat... eu sei que não deveria ter... – Tive que calá-lo com um dedo.

— Shiii. Alex. – Murmurei olhando no fundo dos seus olhos. – Não tem nada a ver com o aconteceu ontem. – Frisei. - Não tem a ver com você, não diretamente pelo menos.

Ele me olhava fixamente.

Diretamente?

Tive que respirar fundo. Tirei o dedo de cima de seus lábios e me virei.

— Tenho que hidratar esses dois aqui. Corremos muito hoje.

— Correram como um foguete! Eu vi quando vocês passaram. – Comentou ao acariciar as orelhas de Thor e, incrivelmente, de Loki.

— Também não é assim. – Desdenhei de seu comentário.

— O que aconteceu, Kat? Por que essa cara de quem não dormiu?

Cheguei ao meu carro, abri o porta-malas e tirei as vasilhas de Thor e Loki, colocando água fresquinha para eles. E enquanto meus cachorros se refrescavam, me sentei no porta-malas e fiquei olhando para o outro lado da rua. Alex se escorou do meu lado e ainda me encarava, brincando com uma mexa do meu cabelo que tinha se soltado do rabo de cavalo e em silêncio, esperava que eu juntasse as peças para começar a contar o que havia acontecido.

— É complicado. – Comecei. – Envolve uma conversa ouvida às escondidas, uma pré-adolescente subornando o irmão para ter acesso ao computador dele, e uma trama muito bem elaborada para controlar uma pessoa.

Alex levantou uma sobrancelha.

— Isso parece enredo de filme. – Comentou.

— Os plot twists são bem interessantes... – Continuei.

— E onde eu entro nesse enredo? – Quis saber.

— Bem... - Olhei em volta. A praia estava começando a ficar lotada. – Esse resumo que te disse é o enredo do filme da minha vida. – Suspirei.

Suas sobrancelhas se uniram, sua expressão se fechou, creio que ele tentava entender o pedaço “trama bem elaborada para controlar uma pessoa.”

— Descobri ontem que meu relacionamento com Lucca foi devidamente planejado. O nosso casamento, se ocorresse, era arranjado. Uma ideia de meu avô e seu braço direito, Edward Cavendish.

Alex se desencostou do carro e deu um passo para trás, depois começou a ir e voltar na minha frente. Igual havia feito na praia, na sexta-feira. E eu percebi que ele fazia isso quando estava nervoso e precisava organizar os pensamentos para não falar besteira.

— Como você descobriu?

— Olivia escutou uma conversa entre meus pais, meu avô, meus irmãos e minhas cunhadas. Enquanto meus irmãos e cunhadas me defenderam e, indiretamente, defenderam você, meu pai e meu avô estão planejando a caça às bruxas, querem ou a sua cabeça ou o fim do relacionamento. – Liv não tinha dito isso, mas era fácil de prever o que meu pai queria!

Vi as feições de Alex empalidecerem e, em um piscar de olhos, ficarem rubras. Seus olhos faiscaram um brilho não natural, mas perigoso e eu diria, até assassino.

— E sua mãe? – Sua voz estava fria, me lembrando a voz do Padre em meu sonho do dia anterior.

— Ela me defendeu. Na verdade, ficou inteiramente do meu lado, confiando em mim e que eu não cometeria nenhum erro, ainda mais depois do desastre de meu casamento... disse que eu tinha o direito de ser feliz, sem que ninguém armasse para que tivesse um casamento.

Alex fechou o punho, pronto para socar alguma coisa, teve que respirar fundo para poder conversar comigo, porém, quando abriu a boca, não conseguiu emitir nenhum som.

— Depois do que ela disse, foi fácil de por tudo em perspectiva. Pus toda a minha vida em revisão e cheguei à um denominador comum. – Continuei a falar, mesmo sem saber se Alex me ouvia ou não, pois ele estava muito quieto e muito tenso, era possível ver os seus músculos contraídos mesmo debaixo do macacão de Neoprene. – Meu casamento era puro jogo político, puro interesse. Lucca foi moldado para gostar das mesmas coisas que eu, para me atrair, seduzir, conseguir a minha atenção, depois o meu amor e meu sim na igreja. Ele nunca gostou de mim, nunca fez questão de me entender, mas cumpriu o seu papel muito bem, pois eu caí que nem um patinho em seu charme. E, tem mais, se ele não tivesse se apaixonado por Eleanor, ele seria o CEO da Empresa, não eu. O casamento também serviria para unir as cotas dos dois sócios majoritários e colocar um homem liderando. E eu teria ficado calada, porque, posso apostar, teriam falado até na minha cabeça para ter filhos, e, com crianças dependendo de mim, eu não hesitaria em dar um tempo na carreira, para cuidar de meus filhos. Matti e Cavendish pensaram em tudo, Alex. Eles programaram a minha vida e me deram esperanças de que um dia eu chegaria à Diretoria. Isso jamais aconteceria... eu seria a esposa do CEO, não a CEO. Eu fui uma marionete nesse teatro desde o dia em que entrei na empresa e a minha vinda para LA nada mais é do que a tentativa de me derrubar de vez, pois todos sabem o quanto eu não gosto de sol, de calor ou de praia, e foi para justamente um lugar com essas características que me mandaram....

Alex estava mudo, taciturno e eu podia sentir a raiva e o ódio que emanavam dele.

— A sua participação em toda essa confusão tem dois significados: eu escolhi alguém de quem a minha família não vai gostar e meu avô não teve como te vetar, como colocar na minha cabeça que você é a pessoa errada... Você, Alex, sem saber, no dia que me convidou para correr, começou a cortar as cordas que me prendiam à Matti e a cada uma das decisões que ele tomaria por mim. Olivia cortou mais algumas ao me contar a conversa que ela espiou e, eu me libertei no momento em que decidi que ninguém vai decidir mais nada por mim. Que eu mando em mim. Obrigada por ter insistido e ter vindo atrás de mim há oito dias. Você salvou a minha vida, Alex. – Olhei para ele.

E foi aqui que ele não se importou se ele estava molhado ou se eu estava suada, Alexander simplesmente me puxou para um abraço tão apertado que quase me tirou o ar, depois me deu um beijo que fez com que algumas pessoas nos mandassem procurar um quarto e quando o beijo terminou e nós dois implorávamos por ar, ele olhava no fundo dos meus olhos.

Olhei-o de volta, prestando atenção em como o azul de seus olhos oscilava do azul escuro ao azul piscina, conforme a claridade mudava, vi várias emoções passarem por ali também, raiva sendo a mais comum, mas bastava que eu acariciasse seu rosto que ele  deixava a raiva de lado.

— Não fique assim. – Murmurei quando vi que a raiva tinha virado ódio.

— Me diga como eu devo reagir ao que você acabou de me falar? – Perguntou depois de um tempo.

— Não sei.

— Por que não me ligou de madrugada, Kat? Por que não me chamou? Por que passar por todas essas revelações sozinha?

— Eu precisava pensar primeiro, Alex. Refletir sobre tudo o que eu já vivi.

— E olha como você está hoje! – Reclamou.

— Vai passar. Eu dormi mal, essa é a verdade, não porque eu fiquei sonhando com isso tudo, mas porque eu acabei pegando no sono na cobertura, deitada naquela chase, depois de me esgotar de tanto nadar...

— Você dormiu debaixo do céu aberto... molhada... sem cobertor... depois de ter nadado?! Sabe a sorte que você tem de não ter acordado resfriada? – Me perguntou todo preocupado.

— Eu sou forte... – Garanti. – Tem anos que eu não fico gripada...

— Mesmo assim, Kat. É muito para se processar sozinha.

— Eu já estou melhor. – Afirmei e ele me olhou torto. – Já gritei o que eu tinha que gritar, já chorei, já passei até mal... essa parte já passou. E eu já decidi como vou agir daqui para frente. O que eu vou fazer a respeito disso...

— Vai contar para o seu avô na certa.

— Não... isso eu vou fazer em dezembro quando eu for lá... quero ver a reação ao vivo.

— E vai fazer o que?

— Cortar todo o controle que tem sobre mim. Sobre a Katerina mulher.

— E como você vai fazer isso?

— Sexta-feira eu já dei o aviso, agora vou terminar com o último meio de controle que Matti tem sobre mim. O apartamento.

— E vai para onde?

— Procurar uma casa com quintal grande, garagem grande, cozinha grande, e uma suíte enorme... – Falei. – Viver em uma torre não é para mim e nem para eles! – Apontei para meus cachorros.

— Para alugar?

— Não, Alex. Eu vou comprar a casa. Com meu dinheiro, do jeito que eu quero...

Alex ficou pensando no que eu havia dito.

— É o que você tem para fazer hoje? – Perguntou de uma vez.

— Vou faxinar o lugar também... depois começar a arrumar para o jantar na casa de seus pais...

— Não quer ajuda?

— Você não vai gostar muito de mim depois que ver todas as minhas manias, ou pior, depois que me ouvir cantando... – Fiz uma careta.

Ele me deu um pequeno sorriso de lado.

— Duvido muito, Kat. Então, posso aparecer? Para te ajudar a escolher a casa...

— Estava contando com a sua ajuda... você conhece a cidade como ninguém, será meu GPS sobre as localizações dos imóveis...

Alex concordou comigo, mas o brilho em seus olhos dizia outra coisa. Contudo não consegui identificar o que ele tanto pensava, pois logo ele roubou os meus óculos escuros e os colocou, escondendo seus olhos de mim e tomando cuidado para que sua linguagem corporal não o denunciasse.

 

[1] Obrigada.


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Notas finais do capítulo

Olívia é ou não é a melhor sobrinha do mundo??
E que o parquinho pegue fogo em Londres, porque Katerina não vai ficar quieta!!
Muito obrigada a você que leu!
Terça-feira tem outro capítulo!
Até lá!
xoxo



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