Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 15
Surpresa


Notas iniciais do capítulo

Sua dose de romance semanal bem água com açúcar acabou de chegar.
Desliguem do mundo por um minuto e embarquem para a Califórnia!
Boa leitura!



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— Já tá pronta?

— Mas eu acabei de sair do seu lado!

Nem dois minutos depois...

— Já tá pronta?

— Quantos anos você tem? – Gritei de dentro do banheiro. – Três? Porque nem a minha sobrinha de cinco anos faz isso!

— E agora? Já tá pronta?

Revirei meus olhos, ninguém merece um comportamento tão infantil...

— Katerina... já tá...

— Eu estou aqui. – Falei parada da porta do banheiro. – E pode parar com essa mania de ficar me chamando...

— Você demorou!

— Foram dez minutos! – Falei. – E isso é um recorde de rapidez para mim!

— Eu tive que esperar dez minutos! – Ele reclamou.

— Por que você não aproveitou os dez minutos para colocar a guia na duplinha, assim teria passado mais rápido o tempo?

Alex só olhou para mim como se eu tivesse razão e saiu chamando meus dois cachorros.

Ele pegou Thor, já que Loki ainda estava um tanto desconfiado da presença dele.

— Será que vamos encontrar a Sra. Pinscher? – Me perguntou enquanto calçávamos os tênis.

— Creio que não, encontrei com ela quando subi... e ela estava voltando de outro passeio com aquelas miniaturas de cachorro.

— Que pena... queria ver o pavor dela o ver esses aqui.

— Do jeito que Thor é, ia apanhar dos pinschers, pode apostar. E só uma coisinha, vamos no meu carro. Já tenho os prendedores das coleiras no porta-malas e tem mais espaço para os dois.

— Sem problemas, desde que eu dirija.

— Nem pensar. Meu carro, eu dirijo.

— Eu chego mais rápido.

— É logo ali, não tem trânsito.

— Ah, tem sim. – Alex falou e tomou a chave da minha mão.

Com tudo pronto – e meu estômago ainda roncando – fomos em direção à garagem. Thor foi feliz da vida na guia, já Loki olhava desconfiado para Alex cada vez que meu namorado acariciava a cabeça dele.

— Um dia eu ganho a confiança dele. – Falou na minha direção.

— Eu não estou julgando ninguém! – Levantei as minhas mãos declarando a minha imparcialidade.

Chegamos na garagem e meus cachorros me olharam desconfiados.

— Não, nada de veterinário. Vou levar vocês dois para correr. Agora, subam aqui! – Abri o porta-malas. – Um de cada vez!

Acabei de prender os dois no porta-malas e tive que me contentar em ser carona.

— Vou chegar lá em um piscar de olhos... – Alex falou todo convencido.

— Se você não deixar o carro morrer de novo... – Dei de ombros como se o feito dele em saber os melhores atalhos de Los Angeles fosse ser diminuído por não saber dirigir o meu carro.

Meu namorado fez um som de desgosto e só acelerou para sair da garagem, cantando pneus.

— Completamente desnecessário e cuidado como faz as curvas, tem uma carga preciosa ali atrás.

Só para me deixar confusa, Alex passou por outro caminho, dando uma volta que parecia muito maior do que o trajeto convencional, porém, bem menos congestionada. E quando ele parou no píer, que mesmo sendo um princípio de noite estava lotado, olhou para mim e falou:

— O que você estava dizendo antes de eu arrancar o carro?

— Carga preciosa. – Apontei para a dupla de cachorros no porta-malas.

— Eles estão muito bem! – Me respondeu depois me deu uma piscadinha, descendo do carro já abrindo o porta-malas.

Assim que ouviu a bagunça de pessoas, Thor se agitou, louco para sair correndo, já Loki fez o oposto.

— Eu levo o Thor.

— Está fugindo de um bom desafio, Alexander? – Provoquei-o.

— Só garantindo que você não tenha uma dor no seu ombro durante à noite, quando esse ser agitado aqui, começar a querer te rebocar.

— Ambos são adestrados, não sairiam me rebocando. – Afirmei e desafivelei os dois, sendo que Alex logo pegou a guia de Thor e Loki, depois de pular do carro, se sentou ao lado da minha perna, segurando a guia na boca.

— E você fique aqui, enquanto eu me alongo. – Falei na direção do Ruivo que ficou quietinho, já Alex estava tendo problemas com Thor.

— Como que pode um cachorro que dorme o dia inteiro, que estava praticamente morto dentro de casa, ficar desse jeito do lado de fora? – Perguntou assim Thor saiu correndo e o derrubou no chão.

— Me dê ele aqui. Eu sei controlar esse cachorro. – Falei rindo.

Alex me passou a guia de Thor e só bastou que eu desse uma leve puxada na coleira para que ele se sentasse ao lado de Loki e ficasse quieto.

— Isso que eu chamo de mandar!  - Ele murmurou quando os dois cachorros ficaram quietos.

— Mandar não. Adestrar. – Corrigi. – Está pronto para ser rebocado? – Estendi a coleira de Thor na direção dele e bastou Alex pegar a coleira que Thor começou a correr.

— Thor, fica! Quieto! – Ele falava na direção do cachorro.

— Achei que você tinha cachorro... – Comentei quando o alcancei.

— Eu tenho um cachorro, não um lobo bipolar igual a esse! – Resmungou quando o meu lindinho peludo deu outro puxão na guia.

— Faz isso aqui. – Puxei a guia com força, indicando a Thor que era para parar. – Agora, recolhe a guia de modo que ele se veja obrigado a andar do seu lado e somente do seu lado. – Enrolei a guia em volta do pulso dele. Thor na mesma hora teve que se sentar ou acabaria sufocando.  – Agora, Senhor Emburrado, ele vai seguir a sua passada, só não se esqueça, ele é um senhor idoso, não aguenta a correr a 100km/h.

Alex recomeçou a correr, Thor acompanhando fácil o ritmo dele.

— Pode ir um pouco mais rápido, eles são velhos, mas não caquéticos! – Comentei ao ultrapassá-lo.

Não demorou e a dupla do meu lado encontrou o ritmo ideal.

— Será que esse aí vai me aceitar como guia também? – Perguntou olhando em direção à Loki que corria com a cabeça erguida, quase como um cavalo puro sangue.

— Acho que sim, mas não espere que isso aconteça em pouco tempo. – Respondi e notei que isso soou como um desafio aos ouvidos de Alex.

— Vamos ver quanto tempo...

— A perna, a mão, o braço são seus. – Fiz como Pôncio Pilatos e lavei as minhas mãos.

— Estou acostumado com emoções fortes.

— Espero que esteja acostumado com pontos também.

A risada que ele me deu indicou que sim, ele estava. E isso levou a outra conversa.

— Falando em emoções fortes e emergências de hospitais... – Ele começou.

— Sim? – Estava desconfiadíssima do que ele aprontaria agora.

— Me lembre de te mostrar algo, quando voltarmos.

— Torcendo para você esquecer. – Falei.

— Posso saber o motivo?

— Porque eu sei que você vai aprontar algo. Está estampado na sua testa.

Ele trocou Thor de mão só para que o seu braço direito ficasse livre e ele pudesse me dar uma cotovelada.

— Qual é, Loira, você já passou pelo pior teste... esse vai ser moleza.

— A vantagem da noite é que estamos no meu carro, eu te deixo pra trás...

Alex mexeu no bolso da bermuda e só balançou a chave.

— Sem carro e sem a chave de casa, está presa a mim enquanto eu ficar aqui.

— Mutta mikä huono onni[1]... - Murmurei

— O que foi que você disse?

— Murmurando a minha falta de sorte! – Traduzi a minha fala.

— Eu vou ter que acabar aprendendo a falar finlandês desse jeito.

— Achei que você tinha me contratado para ser a sua professora... – Questionei fingindo estar ofendida.

— Acho que a minha professora está ocupada demais para me ter como aluno.

— É mesmo?

— Sim... tá difícil arranjar horário na agenda dela.

— E vai ficar pior quando ela se acostumar direito com tudo à volta dela... falando nisso. – Troquei Loki de lugar e o coloquei do lado de Alex. – Você por acaso não poderia me indicar um estúdio de pilates? Preciso voltar, tô ficando fraquinha. – Dobrei o braço.

— Pilates? Por que não entrar em uma academia de luta? – Ele perguntou, vi que seus olhos azuis brilharam com a ideia.

— Hahahaha, não. Não nasci pra isso de combate corpo a corpo. Não estou nem um pouco à fim de ser jogada em um tatame e apanhar igual a uma boneca de pano.

— Mas veja bem... seria ótimo para você...

— Ah Senhor!! Você luta?

Ele só balançou a cabeça, um sorriso aparecendo em suas feições.

— Não vai perguntar o que? – Questionou puxando a ponta do meu rabo de cavalo.

— Não. Eu não vou. Estou chegando à conclusão de que você nasceu com vários parafusos à menos.

— Nasci nada.

— Ou você os perdeu quando caiu do telhado... – Continuei.

— Mais alguma constatação? – Ele se divertia das minhas caretas.

— Ou tirou tudo do prumo pulando de um prédio para outro ou apanhando demais. – Dei uma batida na cabeça dele como que para testar se ali ainda tinha algo.

— Você vai fazer uma ótima dupla com a minha mãe! Ela vive falando nisso.

— Acho que é mais saudável conversar com ela mesmo. A cada segundo você inventa uma coisa mais louca para fazer. – Retruquei.

— Engraçado você dizer isso. Quer começar a contar quem é o mais louco?

Dei uma gargalhada.

— Mas eu tenho desculpa!

— Tem? – Ele quase parou no momento em que fazíamos a volta só para me encarar, só não o fez porque Thor quase arrancou o seu braço ao continuar no ritmo de corrida.

— Claro! Eu fico presa em um prédio, cheia de relatórios intermináveis, resolvendo problemas que brotam do nada a cada hora, EU preciso de uma maneira de desestressar.

— Só isso?

— Simples assim! – Sorri na sua direção enquanto aumentávamos o ritmo da corrida.

— E surfar avalanches é um meio de desestressar? Achei que era um meio de se matar...

— Medroso.

— Oi? Eu?! Tem certeza disso?

— Se tem medo de uma avalanche, que é a demonstração bruta da força da natureza, sim, você é medroso.

— Disse a mulher que não sabe surfar e que está na Califórnia há oito dias e até agora não entrou dentro do mar.

— E como você sabe que eu ainda não entrei no mar? – Desafiei.

— Estou do seu lado desde segunda. No sábado e no domingo o máximo que você fez foi ficar sentada na areia da praia. Você não entrou na água! – Ele disse cheio de certeza.

— Tem dois dias faltando na sua conta. E como você sabe o que eu fiz no sábado e no domingo?

Ele reduziu a velocidade para me encarar. Como que tentando saber se eu tinha ou não entrado no mar.

— Você nem veio para praia nos seus dois primeiros dias, creio que ficou do seu apartamento para o escritório e voltou.

Ele estava certo, mas eu não o deixaria saber disso.

— Isso não explica a sua certeza sobre o que eu fiz no sábado e no domingo.

— Se você tivesse que ficar na praia nestes dois dias, você teria ficado na parte da manhã, como a grande maioria das pessoas, mas ao invés disso, depois de apenas alguns minutos, você foi embora e nem olhou para a água com cara de saudosa.

— Então alguém estava me observando no sábado E no domingo? – Virei o jogo.

Ele ficou tão desconcertado que tropeçou no próprio pé.

— Acho que estou certa.

— Você passou por mim correndo tão rápido no sábado de manhã que chamou a minha atenção.

— Passei? – Fingi que não tinha reconhecido o surfista que quase me jogou no chão.

— Sim. Eu quase te derrubei com a prancha e nem assim você reduziu a velocidade, só continuou com a sua passada elegante e confiante em linha reta, como se o mundo tivesse que se curvar aos seus pés.

— Repete esse final!!! – Segurei o seu braço e o fiz parar.

— Não, não vou repetir. Mas é assim que você corre. Com a cabeça erguida, como se fosse a rainha do lugar, e os demais só estão no mesmo ambiente que você, porque você permitiu.

— Meu Deus... você viajou muito nisso. Além de ser um stalker... creio que vou ter que te cortar da minha vida.

— Não vou negar que fiquei curioso sobre quem era você no momento em que eu te vi vindo correndo no calçadão, sábado de manhã. Você chamou a atenção de muitos.

— Ficou? – Perguntei descrente e curiosa.

— Fiquei. Como eu disse, sua expressão decidida e confiante chamou a minha atenção. – Ele desconversou e desviou o olhar.

— Mais alguma coisa que queira me contar? – Perguntei ficando na ponta dos pés para ver seus olhos.

— Não. – Ele respondeu rápido demais e olhou para o céu, ficando-me impossível de conseguir lê-lo.

— Aí tem coisa. – Falei.

— Não tem nada, Kat. – E lá estava aquele olhar de quem procura por outra versão de mim mesma.

— De onde você achou que me conhecia? – Perguntei direta, sabendo que ele entenderia o que eu estava dizendo e não dando tempo para ele pensar em uma resposta.

— Tinha certeza de que não era daqui de LA. Mas de muito tempo atrás...

— É mesmo, quando? Dez, doze, quinze anos atrás?

— Uma outra vida.

E aí estava. Eu não era a única maluca aqui.

— Por isso você ficou me encarando no domingo?

— Por isso eu olhei para você no sábado. Assim que eu te vi sentada na areia eu sabia que tinha que conversar com você, mas quando finalmente eu me virei para tentar alguma coisa, você tinha sumido.

E eu me lembrei da cena, eu precisei sair da praia porque eu tive uma estranha sensação de pertencer a ele quando ouvi a sua voz.

— E você foi até o estacionamento atrás de mim... – Completei.

— Você me viu? – Perguntou espantado.

— Vi.

— Deve ter me achado um doido.

— Mas você é insistente e fez a mesma coisa no domingo. – Continuei a pressioná-lo.

 - Tentei a sorte.

— E se não fosse essa sensação. Você teria insistido?

— Acho que você não se vê com muita clareza, Katerina... mas se não fosse eu, outros teriam ido atrás de você. Eu dei sorte de você me escutar.

— Estranho, não vi mais ninguém... – E isso não era mentira, eu só tive olhos para ele desde o momento em que ele saiu de dentro d’água.

— Mas você observava alguém naquela praia... ou estava distraída demais pensando em alguém. – Disse cheio de ciúme.

— Estava mentalizando um outro local.

— Com quem?

— Ninguém. – Eu tive que rir. - Só eu, uma prancha de snowboard e uma montanha nevada nos Alpes Escandinavos... – Praticamente suspirei de saudades.

— Bem longe daqui.

— E o oposto também. – Completei. Agora já tínhamos deixado de correr e caminhávamos pelo calçadão, e logo ele pegou a minha mão.

— Posso te fazer uma pergunta? – Ele falou depois de algum tempo.

— Outra?

— Por que você parou o carro quando eu pedi? Ou não me mandou sair ou jogou spray de pimenta em mim?

Comecei a rir.

— Primeiro, eu não tenho spray de pimenta, segundo, eu não ia amassar o meu carro e correr o risco de ser presa ao te atropelar no píer cheio de testemunhas, e, terceiro, eu não sou uma bruxa mal-educada que simplesmente manda as pessoas saírem do caminho.

— O que te fez abrir a janela?

— Curiosidade. – Fui sincera.

— Com o que?

— Com qual seria a sua desculpa para estar ali, me seguindo até o meu carro. Normalmente as pessoas não fazem isso. A menos que tenham algo muito importante para dizer.

— E se eu tentasse alguma coisa diferente?

— Cheguei a pensar nisso...

— O que você faria? Eles não estavam aqui para te defender. – Ele completou apontado para os meus cachorros e parou, me olhando. Ao olhar em volta, antes de respondê-lo, vi que estávamos praticamente no mesmo ponto da praia onde conversamos no domingo.

— Te daria uma cacetada na cabeça. – Respondi simplesmente.

— Mas você mesma disse que não sabe lutar! – Respondeu indignado.

— E não sei, mas sei jogar hockey no gelo e tenho um taco dentro do carro, um daquele na sua cabeça e näkemiin[2] Alexander Pierce.

— Um taco de hockey?! – Perguntou descrente.

— Achou que eu andava por aí desprotegida?

— Mas um taco de hockey?

— Não sei por que o drama... meu irmão joga hockey... e eu sei jogar e bater, diga-se de passagem, muito bem.

— Um taco de beisebol não seria melhor?

— Não sei jogar beisebol e não entendo nada daquilo, para que teria um taco?

— Defesa pessoal.

— Assim como um taco de hockey, com a diferença de que, como eu jogo hockey, posso dizer que ele fica dentro do carro para isso, não seria considerado uma arma branca... já o taco de beisebol, sim, o que acabaria implicando que eu já tinha a intenção de machucar a pessoa que mexeu comigo previamente, e acabaria me encrencando ainda mais com a polícia.

— Você pensou nisso tudo?

— Estou em um outro país, não sou cidadã daqui e qualquer coisa que possa agravar uma possível pena é motivo para extradição... e isso não pode acontecer.

— Acho que eu tenho medo do seu cérebro.

Eu ri.

— Planejamento faz muita diferença quando se quer cometer um crime. – Fingi conspirar um segredo importante.

— E quando alguém planeja coisas para você? – Ele perguntou, mudando de assunto, parecendo um tanto animado.

— Eu acabo atravessando meio mundo e me mudando para a Califórnia.

— Ainda não se acostumou com a ideia, não é? – Alex apertou a minha mão, me dando conforto.

Respirei fundo.

— Não. Não me acostumei. Sou muito apegada à minha família e às minhas amigas, não tenho muitas, mas as conheço há tanto tempo que me é estranho ser a única que não está no mesmo fuso.

— Contaria de nós para elas?

— Elas já sabem!

Ele parou e me encarou.

— Sua família já sabe?

— Se por minha família você quer dizer meus pais, não. Não consegui falar com eles, ainda... deixei mensagem no celular, na caixa postal, mas tenho certeza de que estão me ignorando, lidando com a saudade deles da maneira mais infantil do mundo, contudo eles são assim...

— E quando você vai contar? – Questionou, tínhamos andado o caminho da volta e agora já estávamos no píer, ele, lógico, se sentou na amurada, de costas para o mar, eu fiquei escorada, segurando as guias dos meus cachorros, que simplesmente se jogaram no chão e resolveram descansar.

— Então... tendo em vista que eu não sou uma pessoa que apressa as coisas, e muito menos relacionamentos, eu prefiro esperar.

— Quanto tempo? A Olivia chega em quatro semanas.

— Eu sei... mas ela não vai contar. Liv é discreta.

— E pretende falar...

— Dezembro? No ano que vem? Não sei...

Ele me olhou atravessado.

— Por que tanto tempo?

— Bem... entenda, não é por você, eu juro. É que... – E eu parei, pela segunda vez eu me via lutando com as palavras perto dele.

— Que? – Ele insistiu.

— Não tem tanto tempo desde “A Grande Cena de Casamento” – Fiz aspas com as mãos – E, podemos dizer que tem gente que não ficou muito feliz com isso. Ainda mais chateado que eu.

— Seu pai. – Ele afirmou.

— O próprio.

— Então você é a garotinha do papai? E ficava falando de mim no domingo... – Tentou animar a conversa.

— Mais ou menos, das duas filhas, eu sou a única que me interessei pelo que ele faz... e, falando sério, que pai quer que a filha passe por... – Parei sabendo que ele entenderia o final.

— Se fosse a minha filha, o idiota não sairia vivo do estacionamento...

— Pode acreditar, minha mãe teve que segurar o meu pai. Isso aconteceria se ela não o tivesse contido.

— Então é por isso que você não vai contar sobre nós?

— Alex, te conheço há seis dias. E, bem, olha onde já estamos! Eu não sei você, mas chegar ao ponto de conhecer a sua família e dividir uma cama como dividimos essa noite na casa deles, isso, para mim, levaria mais de três meses. E, em cinco dias eu fiz tudo isso e te coloquei dentro da minha casa, te dei a chave do portão e você já tem a chave da minha porta e comprou um jogo de cama para a minha cama!! Se eu contar isso para a minha família, eles vão achar duas coisas: ou eu estou dando uma de rebelde porque me mandaram para cá, ou eu resolvi ser igual a minha irmã. O que não agradaria em nada ao meu pai.

— Então você vive para agradar aos seus pais?

— Não. Sempre pensei que os deixaria orgulhosos das escolhas que tomo, mas não sei se cheguei a esse ponto.

— A filha perfeita! – Ele levantou as duas mãos para o alto e se jogou um pouco para trás, tombando o corpo para além da amurada.

— Pelo amor de Deus, se sente direito, quer me matar de nervoso?? E não, não sou a filha perfeita... se fosse, estaria trabalhando na F1 agora, não aqui... e já dei muita dor de cabeça para o meu pai e minha mãe.

— Como o que? Chegou depois do horário marcado? Porque namorados você me disse que foram só dois...

— Vamos dizer, hospital... já parei no hospital mais vezes do que seria recomendado.

— Caiu do salto?  - Ele brincou.

— Bati o carro enquanto dava algumas voltas no circuito de Spa-Francorchamps e fiquei dez dias de coma...

Foi a vez dele de ficar assustado.

— Você já ficou em coma?

— Já... duas vezes... a outra foi por outro motivo completamente diferente.

— Que foi?

— Fui atropelada, tinha sete anos e estava saindo do treino de patinação... não tenho todos os detalhes, era novinha e não me lembro de nada, mas as cicatrizes existem para provar. – Resumi a história.

— Você era patinadora?

— Sim. E era boa... depois do atropelamento, tive que me aposentar.

— Sinto muito...

— Ainda posso patinar, só que eu nunca vou disputar uma medalha olímpica. Faz muito tempo.

— Mais alguma vez que você envelheceu seus pais antes da hora?

Parei para pensar, mordi o lábio.

— Eu vou até descer daqui, essa parece que vai ser grande. – Ele disse animado, como se fosse ver a season finale de alguma série.

— Para falar bem da verdade, foi uma espécie de rebeldia adolescente...

Você sendo rebelde? Pagaria para ver. – Ele começou a rir e se sentou no chão, batendo com a mão ao lado dele para que me juntasse a ele. – Mas me diga, pintou o cabelo de preto? Resolveu que seria parte de algum grupo de rock...

— Por favor, não julgue.

— Acho que já vou julgar, só porque você disse isso. – Disse com um sorriso debochado.

— Você quer ouvir ou não?

— Comece, sou todo ouvidos.

— Já ouviu falar da Fiesta de San Fermín?

Alex parou para pensar.

— Não me é estranho o nome...

— A Festa é em homenagem à São Firmino, e é realizada em Pamplona, na Espanha.

— A corrida de touros?

— Sim. Esse é o encerramento da festa.

—  E o que tem lá? Você uma adolescente querendo ser rebelde, foi para a Espanha e encheu a cara em Pamplona indo parar no hospital e coma alcóolico?

— Nada disso. – Desfiz de suas ideias loucas. - Bem pior, na verdade. Eu corri com os touros. Não participei dos festejos, mas cheguei na cidade no último dia e bem... eu, meu irmão e meus dois primos resolvemos tentar a sorte.

Alex ficou boquiaberto.

Você saiu correndo na frente dos touros?— Questionou uns dois minutos depois.

— Saí... apesar de hoje ser contra as touradas, eu fiz isso. Foi a maior loucura que fiz na vida... nunca mais quero sentir o bafo quente de um touro perto de mim.

E ele ficou calado.

— Agora você sai correndo! – Brinquei.

— Olha... isso foi loucura.

— Foi, muita. – Concordei.

— O que tinha na sua cabeça? Você tava bêbada?

— Não, sóbria de tudo, eu só fui. Não pensei no que eu estava fazendo. Como eu disse, eu não tomo decisões precipitadas. Essa foi a única.

— Quanto anos você tinha?

— Dezessete.

— E os seus pais? Descobriram?

— Claro. Eu cheguei em casa um tanto arranhada e com algumas marcas roxas, pois, apesar de ter chegado ao fim da linha, eu levei uns escorregões, então eu tive que me explicar.

—  E o que eles falaram? – Agora ele estava interessado no assunto.

— Confiscaram meus passaportes, minha carteira de motorista internacional e o cartão de crédito que eu tinha. Não vou traduzir a falação, porque falaram na nossa cabeça o verão inteiro.

— Só isso? – Ele tinha cara de que esse tipo de castigo era bem pouco diante do que eu havia feito.

— Não fomos a etapa da Finlândia do Mundial de Rally. Nem nos GPs que acontecerem no período... ou seja, um verão perdido.

— Imagino. Tadinha de você. – Falou no tom mais sarcástico que tinha.

— Sério. Dentro de casa, o tempo todo. E acabou sendo o último verão da minha vida, porque logo no ano seguinte, eu fui oficialmente contratada pela empresa e minhas férias não eram longas o suficiente para fazer nada. Minhas amigas chamam isso de karma...

— Ou só o seu avô tentando de mostrar que você poderia ter morrido correndo na frente dos touros.

— Disse o cara que pula prédios, luta sei lá o que, surfa ondas gigantes e faz as próprias cenas de ação. – Cutuquei seu braço.

— É, não posso te julgar tanto assim, mas eu nunca corri na frente de touros. – Destacou.

— Todo mundo já fez uma maluquice na vida... e acredito que você ainda não parou para pensar que você ainda faz as suas...

— Ah, mas eu ainda quero ver a sua cara quando você ver o que eu faço, ao vivo... – Se levantou do chão e me estendeu a mão.

— Eu já disse que não vou.

— Onde está a adolescente rebelde que bancou a louca na Espanha?

— Ficou na Espanha, com provavelmente uma das minhas vidas... já disse, hoje me arrependo disso.

— É uma história e tanto. Quantos sabem?

— Quase ninguém, meu avô é um que nem sonha... meus pais resolveram a questão internamente. Sinta-se privilegiado de saber.

— Ah, mas seus filhos têm que saber disso...

Filhos?!

— Uma história dessas tem que ser passada para as gerações futuras. – Disse ao parar ao lado do carro enquanto eu dava água para Thor e Loki. – Eu já consigo até ver as caras... a mãe careta, que anda só no salto alto, fazendo uma loucura dessas.

Revirei os meus olhos                                                                                 

— Olivia não sabe, sabe?

— Não.

— Uhn... interessante... a tia que ela tanto ama escondendo uma dessas.

— Eu não estou escondendo nada. Só não vejo motivos para plantar uma ideia dessas na cabeça de nenhum deles. Como você deve ter pensado e eu pensei só depois que a corrida acabou... se eu tivesse caído, eu poderia estar morta agora, ou presa à uma cadeira de rodas. Para que querer que algum dos meus três sobrinhos siga essa ideia besta?

— Faz sentido.

Faz todo o sentido!— Afirmei. – Abra o porta-malas, por favor.

— Não. Vamos ali. – Ele apontou para uma direção. E pegou a guia de Thor com uma mão e com a outra pegou a minha mão, completamente confortável com gesto.

Andamos alguns quarteirões ainda na beira da praia e paramos em uma praça, alguns skatistas faziam manobras na pista, outros apenas conversavam e tinha um grupo que...

— Ah não! – Reclamei quando percebi o que o grupo estava fazendo.

— Finalmente resolveu aparecer nessa semana, hein, Alex? – Um dos rapazes do grupo falou assim que o viu. – E que lobo branco é esse aí? – Apontou para o meu cachorro.

— E aí? – Ele falou, cumprimentando o cara com um aperto de mão que mais parecia uma senha secreta de uma seita. – Só quero mostrar uma coisa para ela. – Apontou para mim como se eu já conhecesse todos ali.

— Pobre Katerina... desse jeito você está querendo que ela saia correndo em tempo recorde, mano. – Ouvi a voz de Will algum ponto atrás de mim. – Oi Kate! – Ele me cumprimentou com um abraço.

— Oi Will. – Retribuí o abraço.

— Seus cachorros.  – Apontou para a dupla.

— Sim. Mas cuidado com esse aqui. – Mostrei Loki.

— Me diz que ele já mordeu o Alex! - Will perguntou todo animado.

— Ainda não, mas um dia morde.

— Me conte quando isso acontecer, quero rir.

— Onde está Pepper? – Perguntei, querendo desesperadamente ver outro rosto conhecido.

— Ali. – Mostrou a namorada que conversava com outras pessoas.

— Pronta para morrer do coração? – Alex voltou para perto de mim e me entregou Thor.

— Não. Eu te expliquei o motivo de não gostar de... – Eu quase me encolhi quando um deles deu um pulo de cima de um muro para um outro que estava ali perto.

Alex riu.

— Se você gritar, paga o jantar.

— Eu pago jantar o resto da semana se você não fizer aquilo. – TEntei barganhar e apontei para um que estava decidido a pular de uma laje para outra.

Alex só deu um grito.

— Hei, Matt, pacote completo... posso ganhar o jantar de hoje.

E o tal do Matt pulou da laje para a outra, com direito a um mortal.

— Herran tähden[3]! – Murmurei e só não me encolhi porque eu parecia que era a atração do grupo e devia ser mesmo, era a desconhecida ali.

— Minha vez! - Alex falou e foi para perto de sei lá o que era aquilo.

Becca deu uma risada e veio para perto de mim, e em dois tempos fez amizade com os dois huskys que estavam deitados no meu pé.

— Ele só está fazendo isso para aparecer. – Ela falou quando Alex pulou em uma parede e virou um mortal de costas. – Sabe, tentando dizer para você que pilotar carros na neve não é assim tão radical.

Outras pessoas foram chegando perto de nós e pedindo para brincar com os dois cachorros, Loki não saiu do meu lado, mas Thor estava adorando a completa atenção.

— Huskys não são uma raça de cachorro que se vê muito por aqui. – Uma das amigas de Becca falou. – Apesar de serem bonitos demais.

— Eu sei. O calor não faz bem para eles. Mas me foi impossível deixá-los na Europa.

— E quem consegue deixar essas coisinhas longe? Eu jamais conseguiria. Quantos anos eles têm? – Ela me perguntou.

— Dezesseis.

— Já são velhinhos!! Mas estão lindos.

— A Emily é veterinária. – Becca me disse, enquanto Emily brincava até com Loki.

— Bom saber. Vou precisar de uma aqui.

— Foi ela quem falou para o Alex adotar o Stark.

— Ainda não conheci o Stark... mas sei a história.

E, conversando com as duas, consegui me distrair o suficiente para não prestar atenção no que o meu namorado estava fazendo, apesar de que eu ouvia sua gargalhada de quando em quando e também vi quando ele deu uma desequilibrada e quase foi ao chão.

Ficamos por ali mais uns quarenta minutos, o suficiente para que tentassem de todas as formas que eu pulasse de um muro. Não fiz isso.

— Um dia a gente consegue. – Matt falou e, junto com Emilly, - que descobri ser sua namorada. – Foi andando até o estacionamento. Will e Becca também foram com a gente.

Antes de prender a dupla de quatro patas no porta-malas, Emily me falou que era para levá-los até ela sempre que eu precisasse.

— Pode apostar que vou. A terceira idade da casa precisa de check up regularmente. – Falei. Ela se despediu com mais carinho dos dois do que do restante do pessoal.

— Não liguem, prefere os animais. – Matt riu.

— Deve ser por isso que sou a sua noiva. – Ela soltou de uma hora para outra.

Segurei a risada, mas essa foi uma tirada e tanto.

Nos despedimos de Will e Becca e finalmente voltamos para a minha casa. Eu estava morta de cansada e ainda teria uma sexta-feira daquelas.

Mal abri a porta e Thor correu para a cama, já Loki foi comer. E eu percebi algo que não tinha visto mais cedo.

Em cima do sofá tinha uma mochila e, na sapateira perto da porta dois pares de sapatos de Alex. Ele viu para onde eu olhava e só soltou:

— Se importa se eu ficar? Na verdade, eu planejei isso. – Disse ao ver a minha expressão. – Não quero que você vá sozinha para San Diego, se importa se eu te levar, ou se for a sua companhia?

— Eu já fiz isso. – Falei na defensiva. – Em outros países, nada aconteceu.

— Me preocupo mais em você se perder e ir parar do outro lado da fronteira. – Ele falava do México. – Tem uma parte da cidade, perto do porto que é realmente perigosa. – Se explicou. – E você ainda não conhece o trajeto, e esses aplicativos sempre passam dentro desse lugar. E você, com esse sotaque, suas roupas chiques e seu carro... vai ser um convite e tanto para eles.

Cruzei meus braços. Era até lisonjeira a preocupação dele, mas estava começando a me irritar que as pessoas tomassem decisões por mim. E Alex entendeu isso.

— Juro que não vou me intrometer no que você vai fazer, só não quero que vá sozinha até que aprenda o caminho.

Mordi a língua para não falar nenhuma besteira.

— Você não gostou, não é?

— Não. Não gostei. Não gosto que decidam por mim. Mesmo quando eu não conheço o local. – Falei de uma vez. – Agradeço a preocupação, e não vou recusar a ajuda, porque eu ainda me perco aqui e você é a melhor pessoa para me ajudar, porque eu confio em você, mas nunca mais,— Frisei. - Nunca mais tome uma decisão dessas por mim. Eu posso pensar, posso tomar conta de mim, tenho a minha própria opinião e gosto que ela seja ouvida!

Ele ficou calado, só escutando as minhas palavras.

— Vou fazer o jantar, você é bem-vindo para ficar. – Falei ao passar por ele.

Alex ficou sumido por quase quinze minutos, achei que ele tinha ido embora, mas não, ele só estava esperando que eu me acalmasse o suficiente para aparecer na minha frente enquanto eu tinha uma faca e uma caixa de fósforos na mão.

— Me desculpe. Eu tenho a tendência de ser superprotetor, e você não faz ideia do que passou na minha cabeça quando você disse que iria para San Diego sozinha, de carro. – Ele entrou falando na cozinha e eu nem olhei para ele.

— Eu já sou bem grandinha. – Respondi friamente.

— Sei que é. Mas você ia sozinha para os demais portos?

— Não, com motorista. Só os da Inglaterra que eu ia sozinha.

— Então pense em mim como seu motorista, pode até me xingar, mas só não vá sozinha.

Abaixei o fogo da trempe e olhei para ele. Alex parecia sincero.

— Quanto à mochila... eu...

— Pode ficar. – Falei por fim.

— Achei que você não queria apressar as coisas...

Respirei fundo.

— Continuo não querendo, mas, que merda, Alex! Eu dormi junto com você na casa dos seus pais... que diferença vai fazer agora?

— Não temos vigilância paterna! A casa é só nossa! – Ele quebrou o clima sério.

— Não somos dois adolescentes, pelo amor de Deus!

— Isso quer dizer que estou perdoado?

— Isso quer dizer que eu vou te dar uma segunda chance. Mas não faça isso de novo. Não controle a minha vida. Nunca mais!

— Prometo que não. – Ele foi sincero. – Sua reunião amanhã vai demorar muito?

— Se você quer outra corrida noturna amanhã, pode esquecer, eu vou chegar morta e muito provavelmente querendo matar alguém, não serei a melhor das companhias.

— Mas, mesmo assim, eu vou com você... na volta pensamos o que vamos fazer à noite.

— Você não tem jeito, tem?

— Eu não desisto tão fácil, Kat. Aprenda isso. – Veio para o meu lado e olhou as panelas. – Alguma coisa em que eu possa ajudar? – Perguntou ao pescar um pedaço de carne.

— Se não atrapalhar já ajuda! – Falei dando um tapa na mão dele.

Com um bico ele foi se sentar no banco da ilha, de frente para mim.

— E então, outra história para me assustar, que você queira me contar?

— Acho que está na hora de você me contar alguma, Alexander... – Olhei para ele. Era hora de começar a conhecer de verdade o homem por quem eu me apaixonei desse jeito.

 

[1] Mas que falta de sorte...

[2] Adeus

[3] Pelo amor de Deus!


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Notas finais do capítulo

Uma mini DR porque nem só de beijos vive um relacionamento!
Espero que tenham gostado.
E só um avisinho... tem treta chegando!
E uma boa notícia, sábado tem outro capítulo... afinal, já escrevi quase o dobro do que postei.
Obrigada a você que leu! Se quiser deixar um comentário, me faria muito feliz!
xoxo



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