Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 133
Uma Desagradável Surpresa


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta e só pelo título do capítulo, podem esperar de tudo...
Sem mais delongas, boa leitura.



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Alex tinha resolvido todos os pormenores da viagem, desde o voo até a hospedagem, e não me deu nem uma dica sobre o lugar, mesmo depois que eu insisti muito.

— E nem adianta me seduzir com todos estes beijos. Eu não vou te dizer para onde estamos indo.

— Como diria Elena, ninguém pode dizer que eu não tentei, não é mesmo? – Desvencilhei-me de seu abraço e fui procurar algo para comer.

— Não almoçou hoje? – Alex fez a pergunta, pois me seguia com os olhos.

— Apesar de ter sido um dia tranquilo no trabalho, acabei por não almoçar. Não nego, estava ansiosa com essa viagem e um tanto quanto nervosa…

— Com que?

— Vai parecer bobo, mas com a data. Tem um ano que me mudei pra Los Angeles, e várias memórias me assaltaram de ontem para hoje.

Alex se ajeitou na poltrona, esperando que eu continuasse.

— E é isso! Nada demais.

— Tem certeza, Kat?

— Tenho, Alex. É que muita coisa nesses 365 dias. Você tem que admitir isso.

Meu noivo só meneou a cabeça em concordância e depois bateu a mão no sofá, me convidando a me sentar ao seu lado. Assim que o fiz, ele passou os braços ao redor de meus ombros e me abraçou apertado.

— Sei que muita coisa mudou na sua vida, mas só tenho que agradecer pelos últimos 365 dias. Você nunca vai ter a noção do tanto que você me salvou, Kat. – Ele falou contra o meu cabelo e depositou um beijo ali.

E, pela primeira vez eu me perguntei como era a vida de Alex antes que eu caísse de paraquedas com meus problemas na sua frente.

— Um dia você vai me contar como era a sua vida antes de mim? – Perguntei.

Alex se remexeu de forma desconfortável do meu lado.

— Nada muito interessante.

— Para um cara cheio de amigos como você, eu não acredito nisso.

E ele ficou calado, creio que pensando em tudo ou em nada, vai saber.

— Sem maiores perguntas, quando eu digo que você me salvou, Kat. Você fez isso de todas as formas possíveis e existentes.

Deixei que as palavras que ele disse a meia voz se sedimentassem em meu cérebro, e quando o fizeram, um arrepio percorreu a minha espinha.

Ficamos em silêncio, cada um absorto em seus próprios pensamentos, e uma vozinha lá no fundo da minha mente me dizia para falar algo.

Mas o que?

Escorei minha cabeça no ombro de Alex e tentei procurar por algum assunto que seria tranquilo de conversamos, não achei nenhum e isso me alarmou, porque sempre tivemos assuntos diferentes para conversarmos e justo nessa viagem, eu não encontrava nenhum.

Foi o próprio Alex quem me tirou da minha contemplação e me trouxe de volta para o presente.

— Com sono ou só cansada?

Era a minha deixa.

— Curiosa. Não sei para onde estou indo e nem quanto tempo eu vou ficar dentro deste avião…

— Mas você não desiste, hein?

— Você realmente achou que eu iria levar essa história de viagem surpresa numa boa e te deixar guardar um segredo desse tamanho por muito tempo?

— Até agora tem funcionado… - ele deu de ombros e depois cutucou a minha cintura.

— Então você acha que venceu?

Foi aqui que ele abriu um sorriso imenso:

— Eu tenho certeza. Dessa vez você não tira nenhuma informação da minha boca.

— Nem se eu pedir com jeitinho?

— Você já pediu com jeitinho, Kat. E não conseguiu nada. E, nem adianta começar a gastar todo o seu arsenal agora, estamos quase chegando.

Conferi o relógio e notei que já tínhamos quase nove horas de voo.

Era longe o lugar. E, mentalmente, coloquei-me a pensar quais lugares ficavam a dez horas de voo de Los Angeles.

Só pude pensar no Caribe.

— Estamos voltando pra Cartagena? – Perguntei com um sorriso.

Alex fez uma careta.

— Não. Mas é quase.

— Algum lugar no Caribe?

— Você não desiste nunca?

— Isso quer dizer que acertei?

Alex só tirou o braço de cima de meus ombros e suspirou alto.

— É, eu acertei.

— Existem várias ilhas no Caribe, Katerina, ter acertado a localização aproximada não te faz a dona da verdade.

— Eu sei que não. Mas é gostoso ver você ficar todo decepcionado, só porque nunca consegue fazer uma surpresa completa para mim!!

— Com coisa que você consegue… - Ele murmurou presunçoso.

E essa foi a minha vez de abrir um sorriso. Ele nem fazia ideia do presente que ele ganharia. E olha que já estava lá em casa e ele nem viu…

Uma hora e meia depois aterrissamos e vieram conferir a documentação de nossa viagem, pelo que pude notar, vistos não era necessários.

Alex trocou algumas palavras rápidas com o pessoal da alfândega e depois me ajudou a descer do jato, e eu ainda não fazia ideia de onde estava.

Pegamos o carro ainda na área onde o avião aterrissou e como era motorista, nem ele disse onde estávamos, só nos deu as boas-vindas e seguiu o caminho para nosso hotel.

Tentei de todas as formas descobrir onde estava, e nem perguntando diretamente ao motorista, ele me falou a minha localização.

— Isso não é justo! – Reclamei como uma criança.

— Um pouco mais de paciência, Kat. – Alex falou em meu ouvido.

Quase cruzando os braços e fazendo bico, concordei com ele e me virei para a estrada, não tínhamos andado muito e ao que pareceu, diminuíamos a velocidade para fazer um retorno.

É assim que cruzamos a estrada, vi a fachada do hotel.

Le Sereno.

E o nome do lugar

Saint Barthélemy.

Ou o território francês nas Índias Ocidentais, ou como conhecemos hoje, Caribe, de apenas 21 km², cuja capital é Gustavia, onde pousamos. Também chamado pelo apelido de Saint Barths, é bem conhecido como lugar de descanso de várias celebridades.

Para muitos, era o pedaço de paraíso, com suas praias de areias brancas e mar de águas azuis esverdeadas.

Como chegamos com o dia raiando, foi possível ver o nascer do sol direto da recepção do hotel. E já foi de tirar o fôlego.

Eu não sei o que Alex tinha planejado para o nosso final de semana, se ele queria fazer algo especial ou apenas descansar no belo quarto com vista para o mar que ele tinha reservado.

— Vai ficar por aí? – Ele me chamou, pois eu estava na sacada, vendo o mar.

— Poderia. – Foi a minha resposta. E logo escutei seus passos vindo na minha direção.

— Você se deu o trabalho de olhar o restante do quarto? – Ele apontou para o interior do belo apartamento decorado que tinha reservado.

Ia responder que não precisava, quando ele gentilmente foi me guiando por todo o lugar, parando no deck onde havia uma piscina privativa, assim como um jardim.

— Você não poupou em nada, hein? – Virei para encarar seus olhos e dei-lhe um beijo.

— Tinha que ser criativo depois de Cartagena…

— Sei… e então, o que mais você planejou?

— Eu!?

— Claro! A viagem foi ideia sua… você deve ter um roteiro…

E ele deu uma risada.

— Não tenho. Só queira te trazer para cá para que você descansasse e pudéssemos aproveitar um pouco um ao outro… já que isso anda difícil lá em LA. Sem falação, sem telefonemas, sem ninguém para nos ligar e chamar para fazer algo ou ir a algum lugar. Só eu e você, Kat, pelo final de semana.

— Já que é assim… - Fui chegando perto dele e ele deu um passo para trás… até que ficou na beira da piscina e eu o empurrei ali. – Vamos aproveitar!!

Ele, pego de surpresa, não teve tempo de reagir, mas, uma vez que caiu na água, não demorou a sair e depois me levar junto, já que me alcançou antes que eu pudesse fechar a porta do quarto!

— Isso não é justo!! – Clamei quando ele me jogou na piscina e logo em seguida pulou junto.

— Não?? Você me joga na água, sai correndo e quando eu faço a mesma coisa, você reclama? Não mesmo! – Ele nadou até onde eu estava já quase fora d’água ele me puxou de volta.

— Não!!!! – Gritei pedindo ajuda, mas eu ria da nossa brincadeira boba. Éramos duas crianças de seis anos brincando na piscina em um dia de verão. Algo que somente ele e eu poderíamos fazer.

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Claro que nossa estadia não foi somente ficar na piscina e aproveitar o belíssimo dia de sol. Alex, mesmo não tendo planejado um roteiro, conseguiu ainda me arrastar para um mergulho e, depois, acabamos a tarde, vendo o pôr do sol na praia, e eu me maravilhei com a mudança de cores do céu a cada segundo. Era ainda mais impressionante do que na Califórnia.

Voltamos para o quarto e ficamos à toa nas espreguiçadeiras até que fosse a hora do jantar. Mesmo tendo todo um menu feito por um renomado chef, eu ainda cismei de, depois do jantar, arrastar Alex até o centro de Gustavia.

— Eu juro que não estou te entendendo, normalmente quem gosta da programação noturna sou eu... o que deu em você? – Alex me perguntou enquanto se sentava no banco do táxi.

— Você já esteve alguma vez aqui? – Questionei.

— Não.

— Sabe quando vai voltar?

— Não.

— Só vamos ficar aqui por dois dias. Então temos mesmo que aproveitar o que podemos.

Ele concordou com a cabeça e, seguindo a dica que pegamos no hotel, paramos no clube mais movimentado.

Ao que parecia era uma festa muito animada com um famoso DJ comandando as pick ups. Eu não era fã de música eletrônica, Alex por sua vez, nunca me disse que gostava, mas acabamos na pista de dança por uma boa parte da noite.

E, para uma pessoa que pouquíssimas vezes saiu para baladas, eu até que aguentei bastante, pois fomos chegar no hotel com o dia raiando, de novo.

— Quer tomar café agora ou vamos trocar por um brunch?

— Preciso dormir. – Murmurei, meu corpo clamava por um pouco de sono em uma cama bem aconchegante.

— É, eu também.

Acordamos horas mais tarde, com o sol já alto. E, claro, nossa primeira intenção foi comer.

Não que isso fosse novidade...

— Nosso voo de volta é? – Cutuquei Alex com o pé, pois tinha as mãos sujas do recheio de chocolate do croissant.

— Só a noite. Ainda podemos aproveitar mais um pouco. Desde que você não queira sair por aí procurando outra casa noturna para dançar até não aguentar mais.

— Estou bem aqui. Tenho ótimas companhias.

— Você quis dizer companhia.

— Não. No plural mesmo. Sol, piscina, comida boa e um cara muito bonito do meu lado. – Roubei um beijo dele.

Alex só deu uma risada.

Passamos o dia perdidos no nosso mundinho particular, em uma praia do Caribe.

Quando a tarde foi chegando ao fim, com muito custo nos despedimos do hotel e da bela vista e fomos para a capital. Lá, Alex cismou que ainda estava com fome e parou em um restaurante.

— Como você consegue comer ainda mais? - Estava impressionada com a quantidade que Alex comia.

— Temos um longo voo pela frente, não se esqueça.

Revirei meus olhos e peguei o cardápio, procurando algo que me agradasse.

Alex ia murmurando o que ele queria e eu não achei nada que eu quisesse, estava para falar isso com ele, quando uma voz carregada de sotaque nos pergunta se já queremos fazer nossos pedidos.

Estranhamente a voz me era muito familiar, assim como o sotaque, e, ao abaixar o cardápio para cumprimentar o garçom, simplesmente fiquei petrificada.

Pois, parado bem do meu lado, usando o uniforme de um caro restaurante e com um tablet em mãos, estava ninguém mais do que Matti Nieminen, ou conforme a identificação em seu peito, Renè Chevalier.

Ele, por sua vez, encarou-me e depois deu dois passos para trás.

Alex ainda murmurava algo sobre os nomes dos pratos serem todos em francês e que eu teria que ensiná-lo mais esse idioma e quando abaixou a carta para me olhar, achando que eu estaria olhando para ele com a expressão fechada, foi que notou que algo acontecia.

Senti seus olhos em mim, e depois, com um movimento que só captei através da visão periférica, ele se levantou de uma única vez e veio na minha direção, me levantando pelo braço.

— Kat, vamos sair daqui.

Eu nem conseguia me mexer. Ainda observando o homem que um dia chamei de avô. Que por muito tempo foi a minha inspiração. E tudo o que eu vi foi um homem que nunca trabalhara duro na vida, que sempre fora servido, tendo que servir outras pessoas.

Os ternos sob medida e sapatos caros, foram trocados por um uniforme de tecido comum e sapatos antiderrapantes. Seu rosto estava fatigado e encovado, e percebi o quanto ele envelhecera nestes quase dez meses desde que ele sumira da vida de minha família e da minha.

— Kat, vamos! - Alex tornou a me chamar, passando os braços pela minha cintura.

— V...v... você? Aqui? – balbuciei.

— Mundo pequeno, não é mesmo, Katerina? – Matti me respondeu. Seu tom de voz não era sarcástico como fora um dia, muito pelo contrário, era cansado, como se ele esperasse nunca me ver novamente ou, pior, ser o garçom que me atenderia.

Eu ia soltar todos os impropérios que eu conhecia, queria voar no pescoço dele e esganá-lo com minhas mãos, tudo para defender a minha avó, para me vingar de todo o mal que ele me fez. No entanto, não o fiz, segui Alex para a porta e deixei aquele homem para trás. A vida estava ensinando a ele uma lição muito mais importante do que qualquer palavra ou ação que eu poderia ter.

Do alto de sua torre na Inglaterra, para um simples garçom em uma ilhota do Caribe. Foi isso que sobrou para ele.

E para que ele tenha acabado dessa forma, aposto que todo o dinheiro que ele levou consigo deva ter acabado ou, sua família bastarda tenha lhe tirado tudo. agora, ele não passava de um empregado comum, aquele mesmo tipo de empregado que ele sempre desdenhou e, por muitas vezes, maltratou.

Já na porta lancei outra olhada na direção de Matti e, ao invés de rir como uma parte de mim queria, eu fiquei com pena.

Pois, esse foi o pagamento por todas as maldades que ele fez com a minha avó, com Tuomas, com Olívia e comigo. Isso, fora cada uma das pessoas que ele maltratou dentro da NT&S.

Ele me olhava, ainda meio embasbacado, meio assustado por ter esbarrado comigo aqui. E, devagar, saiu de perto da mesa que eu ocupara e foi para o balcão. E, pude notar, que o seu chefe imediato não gostou que dois clientes saíssem do local sem pedir nada, e, ainda mais, depois de uma interação tão breve e ríspida como foi.

Quando dei por mim, estava sendo guiada para o carro que nos esperava, ainda perplexa com o desagradável encontro. Alex murmurava palavras de conforto que eu escutava, mas não assimilava e, foi só quando já estávamos voando em direção à Los Angeles que a realidade do acontecimento se abateu sobre mim.

Eu tinha encontrado Matti. Tinha esbarrado nele quando nem sequer eu pensava mais na sua existência. E tudo isso quando se completava um ano desde que a nossa relação de avô e neta começou a se desfazer. E, mesmo sendo parentes, eu não conseguia sentir nada mais do que pena pelo fim deprimente que ele tivera.

Se era um pagamento justo por tudo o que ele nos fez sofrer eu não sei, contudo, não havia nada pior do que isso para ele.

Matti Nieminen virou aquilo que ele mais abominava. Era um empregado comum, que recebia ordens e, terminou também sozinho. Ele que quase arruinou a vida de sua própria família, terminou sem apoio nenhum.

Era esse o seu fim.

— Kat, está tudo bem com você? – Alex me chamou calmamente, beijando o alto de minha cabeça, já que ele me abraçava.

Levantei o rosto para ver seus olhos azuis preocupados.

— Sim. Está tudo bem.

— De verdade? Eu sei que .... – Ele deixou o restante da frase no ar.

— Não esperava que a nossa viagem terminasse com um encontro tão desagradável. Mas eu estou bem. Ele é passado e, pelo visto, já está recebendo o pagamento por tudo de ruim que fez. E, tirando os últimos trinta minutos, gostaria de te agradecer pelo presente. Adorei cada segundo da nossa viagem.

Alex relaxou visivelmente atrás de mim e apertou seus braços ao meu redor.

— Eu nem imaginava que poderíamos tropeçar nele.

— Ele estava sumido desde janeiro, Alex... poderia estar em qualquer lugar. Aconteceu de que viajamos para o país onde ele se escondeu e ainda fomos ao restaurante onde ele trabalha. Era uma aposta em um milhão... não tinha como ninguém prever o que aconteceria. – Garanti. – Não fique chateado. A viagem foi ótima.

— E, para finalizar, como você está depois desse reencontro?

— Muito bem. Ele não me afeta mais.

Alex olhava para o fundo de meus olhos, tentando encontrar as verdades das palavras que eu dizia. Depois de um tempo, deu-se por satisfeito e trocou de assunto.

E, naquele momento, eu sabia, Matti Nieminen tinha acabado se ser sepultado para mim.

—--------------------

É claro que não me esqueci de uma hora para outra de meu encontro com Matti. Isso seria basicamente impossível. Então, depois de muito pensar tive que acabar pedindo um conselho para minha mãe, apesar de não ter muita certeza de como ela reagiria com relação à súbita aparição dele.

Era terça-feira quando consegui conversar com ela. Ou pelo menos, sem a presença de ninguém por perto, já que nossos telefonemas e conversas por vídeo eram constantes.

— E como foram as férias de dois dias? – Ela me perguntou assim que atendeu a chamada de vídeo.

— A senhora também sabia?

— Vamos dizer que Alex avisou que vocês iriam dar uma desaparecida. E então, como foi poder se desligar um pouco do trabalho, filha?

— Foi bom. Mesmo que eu não fizesse ideia de onde iríamos.

— Mas tem algo por trás dessa sua ligação... – Minha mãe me leu direitinho.

— Sim. Tem.

— Algum problema entre você e Alex? Achei que depois da briga de vocês sobre a sua fama repentina, vocês tinham acertado todos os ponteiros.

— Nós estamos bem, äiti. Bem de verdade. É sobre outra coisa que gostaria de conversar com a senhora.

Minha mãe se ajeitou na sua cadeira e juntou as mãos, um claro sinal de que ela estava totalmente concentrada na conversa e, com um menear de cabeça, ela me instou para que eu continuasse.

Respirei fundo e tentei pavimentar a conversa de maneira mais segura possível.

— Bem, tudo isso tem a ver com a viagem. Mais precisamente com quem nós encontramos lá.

— Por favor, não me diga que sua irmã...

— Não, não foi Mia, na verdade, nem sei por onde ela anda. Foi alguém, como poderia dizer, “um  tanto pior”.

A curiosidade tomou as feições de minha mãe.

— Nós, sem querer, encontramos com Matti.

E, a expressão de minha mãe se transformou da curiosidade para o ódio, para a raiva e depois para preocupação.

— E o que aconteceu? Ele tentou algo... onde vocês foram mesmo?

— Nós fomos para Saint Barthes. E não, ele não tentou fazer ou falar nada. Não teve tempo ou, talvez, ele ficou tão surpreso em me encontrar lá, quanto eu fiquei.

— Se encontraram no mesmo hotel?

— Não. Em um restaurante. Alex quis comer algo antes de embarcarmos para nossa volta. E.. bem, Matti foi o garçom que iria nos atender.

Minha mãe ficou em choque.

— O garçom?

— Sim. Estava com o cardápio em mãos, quando ele chegou e perguntou se já gostaríamos de fazer nossos pedidos. Achei o sotaque um tanto familiar, assim como a voz e quando abaixei a carta, eis que era ele quem nos atendia.

— Eu ainda não acredito.

— Nem eu, äiti. Por isso estou te ligando em plena terça à tarde. Esse encontro e toda a situação do lugar e dele, ainda parecem algo surreal. Uma impossibilidade que eu ainda não processei direito.

— Acho que nunca vamos. – Ela me confirmou. Estava tão pasma quanto eu havia ficado.

— Matti não falou nada, não tentou nada...

— Não. Não sei se por surpreso, ou por falta de tempo ou por medo de perder o emprego. Mas nosso encontro foi breve. Assim que Alex viu quem estava ali, parado ao nosso lado, me tirou de lá e depois fomos direto para o aeroporto. Sabe, eu não tive reação lá, mas não foi por falta de vontade. Quando assimilei toda a situação, tudo o que senti foi pena. Não sei se é o certo a se sentir depois de tudo o que passamos por conta dele, mas foi o que senti e, ainda pensando sobre isso nos últimos dois dias, o sentimento continua.

Minha mãe estava pesando minhas palavras e, creio, colocando os seus pensamentos em ordem, para poder voltar a falar comigo e, no fim, tudo o que ela disse foi:

— Não vou negar que me surpreende tudo isso. Nunca pensei que veria Matti virar um empregado, ainda mais do tipo que serve às pessoas. Todavia, ele buscou por isso. Ele fez as suas escolhas. A vida se encarregou de ensiná-lo. Porém, ainda me pergunto, como ele acabou com todo o dinheiro que desviou da empresa e, também, com a pequena fortuna em joias que ele guardou e levou quando fugiu.

— Alex também fez essa mesma pergunta e eu só encontro uma resposta possível...

— A outra família. – Minha mãe completou meu raciocínio.

— Exatamente. E, achei bem poético que ele foi roubado pela família que ele escolheu.

— Não sabemos a verdade dos fatos, só estamos conjeturando, filha, mas, seu pensamento não está de todo errado. A grande diferença é que demos a volta por cima, mesmo quando tudo parecia que não daria certo, já ele, não tem essa capacidade ou oportunidade.

Mordi o lábio e depois, tive que perguntar...

— Bem, ele é um foragido da justiça britânica... eu sei o paradeiro... o que a senhora me aconselha a fazer?

— O que você  quer fazer, KitKat? Afinal, você sabe qual será o futuro dele, caso ele seja capturado.

— Se eu falar para a senhora que é melhor esquecer que eu sei onde ele está e que eu vi... e fingir que nada disso aconteceu. O que a senhora me diria?

— Que é uma opção inteligente. Contudo, minha filha, você tem que estar em paz com a sua decisão. Você quer que ele pague pelo que fez da forma como a justiça determina?

— No fundo, ele merece isso. Porém, mãe, acho melhor enterramos de vez essa história. Entregar a localização dele é saber que haverá um novo julgamento, um novo circo em torno de tudo o que aconteceu em dezembro passado. E eu não quero isso. Não quero mais exposição na mídia, mais gente falando e sabendo de coisas que devem ser só tratadas dentro do círculo familiar. Como a senhora falou, a vida está fazendo pagar por tudo.

— É essa a sua decisão final?

— Sim. Eu não quero mais mexer com tudo isso. Quero seguir em frente e, se olharmos bem, Cavendish está preso, Dempsey foi deserdado e eu nunca mais ouvi falar dele e Matti, saiu de ser servido para servir pessoas. No fundo, todos estão cumprindo suas penas. E, as de Lucca e Matti são melhores do que qualquer tempo encarcerado.

Minha mãe meneou a cabeça.

— É o que eu penso, filha. Nem sempre a justiça dos homens é justa, mas a divina, ou o destino, como queira chamar, essa não falha.

Respirei aliviada. No fundo, era isso que me perturbava, era saber se esquecer o incidente era ou não a coisa certa a se fazer.

— Aliviada?

— A senhora não faz ideia. Por um breve momento eu achei que ninguém compreenderia a minha vontade de deixar tudo para trás e seguir em frente.

— Isso é o que mais queremos. E, como você acertadamente disse, é melhor não tocar mais nesse assunto, são muitas memórias e traumas que ele traz. Não só para você, mas para sua avó, Mina, Tuomas e Olivia.

— Pensei neles também. Apesar de não saber se a decisão os agradaria.

— Assim como você, KitKat, eles também querem seguir em frente. Seu sobrinho nos estudos, sua avó retomando a dar aulas de canto e Olivia, bem, ela quer esquecer tudo e qualquer coisa que possa ser gatilho para crises de pânico. Ela se recuperou bem e está a cada dia, mais e mais confiante. Tudo é um processo longo, mas no fim do dia, todos buscam paz.

— E não tocar mais no assunto, seria a nossa paz.

— Matti se foi, Kat. Para todos nós é como se tivesse morrido. Melhor deixá-lo enterrado em nossas memórias, para sempre.

— Sim. Espero que esta tenha sido a última vez que eu tenha ouvido falar dele.

— Todos nós esperamos. O que me leva à última questão de nossa conversa, já que eu preciso dormir e você voltar a trabalhar. Mais alguém precisa saber dessa conversa que tivemos?

— Não, e foi por isso que liguei para senhora. Se a senhora estivesse a favor de ignorar essa aparição, como eu queria e vou fazer, ninguém mais precisa saber.

— De minha parte, Katerina, essa conversa será esquecida assim que desligarmos.

— Da minha também, äiti[1]. E, mais uma vez, muito obrigada por me ouvir e me aconselhar.

Minha mãe abriu um sorriso do outro lado da tela.

— Você sempre pode contar comigo, KitKat. Sempre que precisar.

— Eu sei... kiitos[2] äiti.  hyvää yötä[3]!

Um ótimo trabalho para você, filha. Nakemiin[4].

Nakemiin.

Encerramos a chamada e eu me virei para olhar para janela. Sim. Eu tinha tomado a decisão correta.

No fundo, eu estava aliviada e feliz. Finalmente tinha encerrado essa parte da minha vida. Eu tinha seguido em frente quanto a isso.

 

[1] mãe

[2] Obrigada

[3] Boa noite.

[4] Adeus


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Notas finais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece, né? (e não estou falando do milagre dessa autora ter atualizado a história com menos de um mês desde o último capítulo...)
Espero que tenham gostado!
Muito obrigada a quem leu.
Até o próximo capítulo, que já aviso, vem mais bomba por aí...
Até lá!



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