Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 114
Para Toda Ação Há Uma Reação.


Notas iniciais do capítulo

Nos últimos minutos do domingo, trago mais um capítulo!
Boa leitura!



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Com a volta antecipada de Alex, acabamos todos na fazenda para o final de semana, minha sogra mais do que contente em ter os dois filhos juntos dela novamente, depois de quase seis meses.

Eu ainda não tinha superado a conversa com Pietra, estava tentando enterrar tudo isso no fundo de minha mente, ficando o mais tempo que era possível domando Athena.

Um comportamento um tanto estranho vindo de mim, que sempre gostei da proximidade da minha família, ou no caso, da família de Alex, contudo, eu estava precisando ficar um pouco sozinha, para processar a conversa e meu passado.

Tudo isso foi notado por todos, e, mais de uma vez, peguei Will me olhando preocupado, assim como Pepper. Na noite de sábado, escutei, sem querer, enquanto ia para o quarto, os dois conversando com Alex, perguntando o que ele havia feito comigo para que eu passasse o dia longe de todos, principalmente dele.

A resposta de noivo não foi outra, senão:

— A Kat descobriu algo não muito agradável e isso a está comendo por dentro. Ela precisa de espaço para processar tudo e, depois, colocar para fora.

Will, creio eu, não acreditou muito no irmão:

— Por acaso você não a traiu nesses meses em que ficaram separados, traiu? Porque se fez isso, sei que é meu irmão, mas vou ficar do lado dela, a mulher está tentando se encaixar no nosso mundo, tem feito tudo por você...

— Eu não traí a Kat, William! – Alexander disse sem paciência. – Isso nem passa pela minha cabeça! O problema dela é antigo, e ela só ficou ciente agora. Não é algo que eu possa explicar.

— Então você sabe o que é? – Pepper questionou, tirando os dois irmãos do silêncio.

— Sei. E não está sendo nada fácil digerir essa informação.

Escutei o som de pessoas se movendo, aquele típico trocar de peso do corpo, ou, no caso, alguém se levantou e começou a andar de um lado para o outro.

Os três ficaram em silêncio, e fiz questão de fazer um pouco mais de barulho para anunciar a minha chegada ao quarto.

— Ah... Kat! – Pepper, um tanto sem graça, me cumprimentou. – Fez progresso com Athena?

— Sim! É uma égua bem inteligente. Mas não posso fazer tudo, principalmente ensiná-la a pular, pois quem é a amazona dela é Liv. – Mantive a expressão neutra, para fingir que não tinha escutado nada.

Will, como sempre, teve uma saída mais cômica, falando que estava tentando convencer Alex de que tanto ele, quanto Pepper, cabiam nas nossas malas e poderiam ir como clandestinos na viagem que faríamos.

— Só se eu roubar as malas de Liv, porque as minhas não te cabem! – Respondi rindo, algo que notei, agradou à dupla.

— Eu te falei que estava precisando emagrecer! – Pepper deu um tapa de leve no ombro do namorado de longa data.

— Foi você quem me falou que eu deveria comer comidas com gordura para me manter aquecido enquanto estava no Canadá.

— Eu falei que você deveria comer um pouco de mais de carboidratos, em uma dieta mais balanceada, não mergulhar em pizzas e chocolates! Agora vou ter que te colocar de dieta de verdade!

— Deveria ter sido mais específica! – Will retrucou.

— Mais do que isso?! – E foi aqui que Pepper tirou o celular do bolso e mostrou todas as conversas dos dois. Will não tinha mais escapatória. – Qual é a desculpa agora?

— Eu devo ter apagado essa mensagem...

Era de uma cara de pau absurda o meu cunhado!

Depois dessa, fomos jantar, com tanto a minha sogra quanto minha cunhada, pegando no pé do comilão, para que ele voltasse ao peso normal... sobrou até para Alex, que estava forte demais para o gosto da mãe.

Por mais que eu tentasse, meu humor não estava lá dos melhores, e, às vezes eu simplesmente me desligava da conversa e só retornava ao presente quando alguém me chamava.

A manhã de domingo foi igual ao sábado, levantei-me cedo demais e antes de todos, sem fome, acabei indo para o estábulo, selei Prince Hal para uma volta, aproveitando para deixar Athena na área de doma.

Dei uma volta devagar por toda a propriedade, e, do alto da montanha, vi o dia nascer. O sol aos poucos foi tomando conta de cada pedaço de terra que ainda estava escuro e pude ver nitidamente o momento em que chegou aos pés de meu cavalo e, enfim, dissipou a escuridão que ainda estava perto de mim.

E, como se fosse inspirada pela cena que tinha acabado de presenciar, tive uma ideia. Na verdade, ela já havia sido criada, na sexta à tarde, quando a verdade fora jogada na minha cara. Mas agora eu tinha algo mais concreto em mente.

Eu, no auge do meu desespero, prometi que o que tinha acontecido comigo não aconteceria com as minhas sobrinhas e com as pessoas que amo, contudo, eu poderia fazer algo maior.

Não era segredo para ninguém que a violência sexual atinge na maioria as mulheres, independentemente da idade, classe social ou nacionalidade. Em alguns países os números são alarmantemente mais altos do que em outros, contudo, eu tinha a chance e a possibilidade de fazer algo sobre isso.

Eu trabalhava em uma empresa que tinha acesso a quase todos os países do globo. E, fato conhecido, a vida em portos e nas suas proximidades, infelizmente tem exploração sexual de pessoas, e, em algumas vezes, até mesmo crianças. Não é um ambiente convidativo...

Assim, eu tinha o alvo.

O dinheiro também tinha, a ideia de criar uma fundação que ajudasse as mulheres vítimas de violência ou exploração sexual era uma possibilidade bem real...

E eu não precisava manter a ajuda somente na área dos portos...

O alcance global da iniciativa era possível... e eu poderia, de alguma forma, utilizar a marca da NT&S para expandir ainda mais, chegar em cantos onde o acesso a esse tipo de ajuda, seja na prevenção, seja para interromper a exploração, não chegava, ou era quase escasso.

Não iria mudar o mundo, quase impossível, todavia conseguiria ajudar mulheres a recuperarem a sua dignidade.

Eu iria precisar de muito estudo para conseguir tirar tudo isso do pensamento para a realidade, além do fato de que era uma área multidisciplinar. Não envolvia só uma ajuda financeira para as mulheres, que também precisariam de assistência médica, jurídica, psicológica, psiquiátrica e, também, em alguns casos, profissionalizante.

Seria trabalhoso, seria difícil conseguir fazer tudo e reunir o número de pessoas que fossem necessárias para estes trabalhos, mas eu não desistiria. Começaria em um país e depois, se o destino me permitisse, meu intento era expandir para o máximo de lugares que eu conseguisse. E, se uma pessoa fosse ajudada, fosse salva, já seria uma vitória, pois seria menos uma que passaria pelo trauma de ser usada.

 Teria que começar a pesquisar como poderia fazer isso e o mais rápido possível. Instituir uma fundação não é complicado. Complicado é garantir que as pessoas certas trabalhassem nessa iniciativa.

Fiz uma anotação mental de procurar por qualquer informação acerca deste tema, e, inclusive, ir atrás dos advogados da família para poder iniciar os trâmites legais da instauração.

Poderia fazer tudo isso no voo de ida ao Chile, era uma boa forma de passar o tempo.

Certa agora do que eu realmente queria fazer, senti-me até aliviada. Era um pequeno passo, mas um passo muito significativo para mim e para que eu ficasse em paz com a minha mente. Algo que eu precisava fazer, mas não poderia impor um prazo, afinal, traumas não se resolvem da noite para o dia.

Decidi que tinha passado tempo demais ali no alto do morro e segui para o redondel, onde Athena me esperava, trotando tranquila. Amarrei a guia e o freio de Hal perto do portão de ferro e batendo as mãos, chamei pela égua, que veio feliz ao me ver.

Estava tentando convencer Athena de que não havia problema em ter uma manta em suas costas, quando notei que não estava sozinha ali embaixo.

— Está fazendo um ótimo trabalho com Athena, Katerina. – Disse minha sogra quando notou que eu já havia percebido a sua presença.

— Obrigada. – Agradeci e virei-me na sua direção. E, se tem algo que eu aprendi nestes cinco meses em que eu a conhecia, era que, Amelia Pierce não é uma pessoa de esconder sentimentos, nem preocupações e, que também não se cala se algo a está incomodando, assim, não me surpreendi que minha sogra, depois de acariciar Hal, abrisse o portão e viesse caminhando devagar até onde estava, parando alguns centímetros distante de Athena, mas perto o suficiente para que visse a minha expressão e, consequentemente, estudasse as minhas reações.

— Você está há muito tempo aqui embaixo, Katerina. Saiu antes que alguém acordasse e não voltou nem para tomar café. Não vou te perguntar se tem algo te afligindo, porque tem. Então, te questiono o seguinte, precisa de alguém para te ouvir ou você ainda não está pronta para conversar sobre isso?

Olhei para minhas botas, eu sabia desde o momento em que Alex me informou que todos eram esperados nesse final de semana aqui no Rancho que o meu segredo não seria mais um segredo por muito tempo.

Minha sogra não me apressou, não falou nada, minha vontade era de ficar calada e tentar vencê-la pelo cansaço, todavia, além de ser uma completa falta de educação, havia o fato de que eu lhe devia uma boa explicação, afinal, esta era a sua casa e eu devia muito, tanto a ela quanto a Família Pierce e, como bem vinha dizendo a minha psicóloga nos últimos meses, era necessário que colocasse para fora tudo o que me afligia, tudo o que me deixava com aperto no peito e, intencionalmente ou não, me distanciava das pessoas.

Suspirei, eu teria realmente que contar?

Se eu quisesse continuar a remoer tudo sozinha e me manter afastada de todos, não. Mas se eu quisesse ter um pouco desse peso removido do meu peito, seria bom.

Encarei a minha sogra e contei tudo. Não precisava ser do início, ela sabia da história, mas contei a parte que mais me afligia agora.

Engraçado que, antes o que me deixava presa a sentimentos negativos, fora ter sido enganada no quesito de trabalho e, por que não, no sentimental, isso agora parecia passado e quase insignificante, perto do que me fora revelado.

Acho que os momentos cruciais da minha vida, nos últimos dez meses foram: ser deixada no altar; ser mandada para longe da minha família; descobrir toda armação que fizeram comigo; quase ser morta e, agora isso.

As três primeiras eram facilmente esquecidas, quando se analisava as últimas. Quase até sem importância, comparadas com os traumas das últimas.

Assim, me peguei falando, falando e falando com a minha sogra, na verdade, desabafando seria a definição melhor.

Coloquei bastante coisa para fora, ainda tinha muito, que eu provavelmente despejaria em cima da minha psicóloga na próxima terça, todavia, foi bom. Senti-me um pouco mais leve, menos raivosa com os demais e com o mundo.

No fundo, eu ainda me culpava. Não sabia bem os motivos ou as razões para isso... talvez a pouca experiência em relacionamentos, não tinha certeza.

Dona Amelia me ouviu com aquela paciência de mãe, esperou que eu falasse, despejasse minhas frustrações, gesticulasse bastante e ainda que liberasse o meu ódio andando de um lado para o outro, para, no fim, só me dizer o seguinte:

— Não posso dizer que sei o que está passando, porque não sei, minha filha, mas a certeza de que tenho é que, de todos, você é a menos culpada.  De tudo o que me contou, sobre tudo o que você desabafou, nada disso é sua culpa. Você não pode se culpar por algo que não estava no seu controle.

— Mas eu CONSENTI!

— Katerina, você nunca soube das verdadeiras intenções, da VERDADE que cercava o seu relacionamento, não tinha como você consentir com algo que nunca lhe foi claro. Pense nisso. Volte até o momento em que vocês se conheceram, onde e como se conheceram e, depois, como todo o relacionamento se desenrolou. Você foi levada a acreditar que tudo era real, quando não era. Não se culpe por isso. Se martirizar, se atormentar com pensamentos sobre o que você deveria ter feito não vai levar a nada. Não tem como mudar o passado, minha filha, infelizmente não tem. Te aconselho a não prejudicar o seu presente pensando no que poderia ter sido feito lá trás, pois assim, você nunca vai conseguir olhar para as coisas boas e seguir em frente.

— Gostaria de poder fazer isso... – Murmurei acariciando a crina de Athena.

— Você me disse que tinha tido uma ideia. De execução um tanto difícil, mas que poderia dar certo. Que ideia é essa?

Não entendi a mudança de tema de nossa conversa e, pelo visto, deixei isso bem claro em meu rosto, ou era só messo minha sogra que já conseguia me decifrar com facilidade.

— Você diz que não consegue seguir em frente...

— Sim, é... impossível.

— Mas, pelo visto, você pode fazer desse sofrimento um aprendizado. Ou melhor, pode transformá-lo em algo útil. E esse algo útil é a sua ideia.

— Não é a mesma coisa! – Fui teimosa.

— É claro que é! Quer me contar o que é, ou ainda é cedo demais?

— Queria criar uma fundação para ajudar mulheres vítimas de abusos e, também evitar que estes acontecessem. Não sei bem os trâmites legais para dar início a isso, mas quero fazer.

— Pode me contar os detalhes, fiquei curiosa. E, enquanto isso, por que não saímos desse sol e não voltamos para o estábulo com os dois? – Apontou para os cavalos que me acompanhavam desde cedo. – Vocês estão aqui fora desde antes do dia raiar, creio que os três merecem um bom descanso e, você tem que comer algo, não pode ficar de jejum e sem água assim por tanto tempo.

Mais uma vez, Dona Amelia estava certa. Eu não poderia me esconder para sempre aqui no redondel e matar a pobre Athena de cansaço e prejudicar a minha saúde.

Com pouco, saímos da área de doma e fomos voltando devagar para o estábulo, eu ia conversando com Dona Amelia, contando as ideias que tive, mesmo sem saber se seriam possíveis ou não.

Já no estábulo, minha sogra começou a me dar algumas outras ideias de como seria possível desenvolver a minha e me deu a luz que, talvez, eu tanto precisasse.

— Você me disse que sua mãe era do quadro dos Médicos Sem Fronteiras, certo? Será que Diana não poderia te orientar quanto a equipe certa para compor a sua fundação?

No meio do caos, eu tinha me esquecido desse pequeno detalhe... Minha mãe era quem mais poderia me auxiliar quanto isso! E é estranho pensar nela fazendo o papel de médica, pois a vida inteira, mesmo sabendo da capacidade e da competência que ela tem, minha mãe sempre foi isso, a mamãe, a pessoa para quem eu sempre corria quando precisava de colo ou de ajuda, mas nunca pensei que ela poderia ser aquela a quem eu recorreria se quisesse ajudar outras pessoas.

— Dona Amelia! A senhora é uma gênia!!! – Dei um abraço apertado nela. – Jamais passaria por minha cabeça que minha própria mãe poderia me ajudar!

— Se for para colocar mais alguém da área na história... Pepper também não fica muito atrás, já vi ela ajudando diversas pessoas que passaram por traumas diversos, até mesmo violência doméstica...

E, por um instante, eu vi que realmente a minha ideia tinha a grande possibilidade de sair do papel, e, o melhor, com a ajuda de pessoas em quem eu confiava e conhecia.

— Bem... – Disse com um sorriso. – Eu definitivamente, tenho que conversar mais com a senhora. Creio que as suas ideias são as que tirarão a minha do mundo imaginário!

— Fico feliz que pense assim, Kat. E fico ainda mais contente que você esteja com um humor um tanto melhor. Esse seu sorriso aberto fez falta nas últimas horas.

— Peço perdão pelo meu comportamento... – Comecei e fui logo silenciada.

— Katerina, todos tem direito de se fecharem quando tem um problema, precisar de espaço é normal, só não tem o direito de mergulharem na dor sem pedir ajuda para ninguém. Jamais se esqueça disso. Somos uma família e estamos aqui para ajudar uns aos outros.

— Vou me lembrar disso. Prometo que vou e, se eu não me lembrar, peço á senhora que me relembre. Realmente falar com alguém faz toda a diferença, pedir ajuda também.

— Assim como faço com meus filhos e com Pepper, vou fazer com você... todos quatro são, no fundo, crianças que esquecem que os mais velhos, talvez, tenham uma palavra de ajuda para uma determinada situação. E sabe o motivo disso?

Balancei negativamente a cabeça.

— Porque não queremos que vocês passem pelo que passamos. Todavia, vocês só entenderão isso, quando tiverem os próprios filhos.

Não rebati a fala, todavia era certa, eu não precisava de ser mãe para saber disso. Bastava que pensasse em meus sobrinhos.

Depois de toda essa conversa, terminamos de cuidar dos cavalos, Athena estando um pouco mais acostumada com a presença de humanos deu bem menos trabalho, o que facilitou nossa tarefa e Hal, bem ele já não dava trabalho nenhum.

Ao final, saímos conversando outras coisas, não porque quis mudar de assunto, mas porque realmente o que eu tinha que falar já tinha falado. E, no meio do caminho para a casa, encontramos Alex que vinha subindo o morro correndo, pelo visto, vindo da área de doma.

— Achei as duas! – Disse com ar de preocupado.

— Bom dia! – Falei, afinal, era a primeira vez que eu o via hoje.

— Não sei o motivo de estar tão nervoso, Alexander, eu falei que ia dar uma volta. Demorou um pouco mais porque fiquei vendo o trabalho de Kat com Athena e depois começamos a conversar. Não sabia que que para isso deveria avisar alguém.

Alex, ainda recuperando o fôlego, olhou da mãe para mim e depois balançou positivamente a cabeça, entendo as entrelinhas da fala da mãe.

— Mas eu também tinha uma missão, o Velho quer fazer um churrasco hoje e quer saber se a Kat se prontifica a fazer a sobremesa.

— Por mim, sem problemas. Resta saber qual ele quer dessa vez. – Respondi, agora realmente íamos em direção à casa.

— Na verdade, Jonathan não deveria comer doce nenhum, não está podendo. – Disse minha sogra, já encarando o marido que nos esperava, sentado em uma das cadeiras da varanda, cercado pelos três cachorros.

— Hoje é domingo, Amelia! E a família está toda reunida. Faço o regime que você quiser de segunda à sábado.

— Na próxima semana, será de segunda a segunda. Kat não estará aqui para te fazer doces. E eu não vou fazer.— Foi enfática.

O Senhor Pierce ajudou a esposa a descalçar as botas de montaria que ela usava e depois a seguiu casa adentro, já perguntando sobre que horas poderia acender a churrasqueira.

Ficamos Alex, os cachorros e eu do lado de fora e meu noivo me olhava em expectativa.

— Fiquei realmente preocupado quando não te vi do meu lado quando acordei e depois não te achei aqui dentro...

— Desculpe-me por isso. Precisava organizar meus pensamentos...

— E conseguiu?

— Fazem menos barulho agora que tenho uma ideia que acho que pode dar certo... mas não acho que vão se calar tão cedo.

— Posso saber que ideia é essa?

— Quero constituir uma fundação para ajudar mulheres vítimas de abuso e, também, para tentar prevenir esse ato.

Alex arregalou os olhos, espantado.

— E sabe como vai fazer isso?

— Ainda não. E é aí que entra a sua mãe com suas ideias fabulosas.

— Então vocês conversaram...

— Ela sabe de tudo. Fez-me bem colocar para fora com outra pessoa além de você, é claro. Ela me fez ver a minha ideia com outros olhos. Ajudou muito, em todos os aspectos.

— E como você está depois de contar? – Questionou-me.

— Bem melhor... é como minha psicóloga vem falando comigo, eu preciso aprender a colocar as coisas para fora e não a ficar guardando dentro de mim.... tenho que aprender a buscar ajuda por mim mesma, ao invés de ficar esperando que a ajuda venha até mim. Graças a Deus que sua mãe é uma excelente leitora dos desesperos alheios e sempre vem ao meu socorro. Minha dívida com ela será eterna.

— Fico feliz que você já confia nela a este ponto.

— Confio na Dona Amelia na mesma proporção em que confio em minha mãe, em minhas avós e na Nonna.

Alex fez uma careta quando mencionei Nonna Agnelli.

— O que foi? – Questionei.

— Eu sei que Pietra é a sua melhor amiga, mas ainda acho que ela deveria ter mantido tudo isso só para ela, não tinha necessidade em ter lhe contado... – Alex me respondeu com a expressão fechada.

— Sabe, eu te entendo, desejei que Pietra tivesse mantido isso para ela também, só que, bem, ela é assim. Não gosta de meias verdades e nem de enganar as pessoas de quem gosta, prefere que a verdade seja dita alta e clara, doa a quem doer, do que ficar pisando em ovos, quando o assunto vem à tona. E nós dois sabemos muito bem, meu passado, sempre fará uma reaparição. E, tem mais, ela só me contou, porque tem a certeza de que eu aguentaria saber de tudo.

— E olha como você está!

— Alex. – Chamei-lhe a atenção ao segurar o seu rosto. – Esse tipo de revelação, se é posso chamar assim, não é fácil para ninguém. Não é algo que se aceite de primeira... eu não estou cem por cento bem, mas eu vou ficar.  – Prometi. – Essa ideia que tive, e toda a luz que a sua mãe me jogou sobre ela, bem, me fizeram ver que há uma saída. Tudo isso é como se fosse uma onda, onde eu tomei um caldo monstruoso, estou submersa agora, porém, ou eu nado até a superfície, ou o mar me traz para a praia. Hoje eu vi que há uma saída para essa dor. E que vou transformar todo esse sofrimento em algo bom.

— Tem certeza de que criar essa fundação é o caminho a seguir? – Ele me puxou para as cadeiras e se sentou na mesinha à minha frente, sempre me fitando com atenção. – Será que isso não impedirá que essa ferida fique sempre aberta?

— Não. – Fui firme. – O que quero fazer é evitar que mais mulheres passem por isso. Por esse desespero, por essa agonia e dor. Ninguém merece sentir isso, Alex. Ninguém. E, se eu puder ajudar uma pessoa, se eu puder, claro que indiretamente, amenizar a dor de alguém ou confortá-la de alguma forma, para mim é como se fosse uma vitória. Pense nisso. Eu tenho você, a sua família, a minha família, tenho acesso à terapia, tudo isso é para me ajudar a superar a minha dor. Agora imagine uma mulher que foi abusada, violentada, brutalmente espancada e que não tem acesso ao que tenho, imagine que ela está sozinha no mundo, longe dos familiares, longe de qualquer rede de apoio. Visualizou essa cena? - Questionei e notei que ele acompanhava o meu raciocínio. - Agora, pense comigo: se eu passei as últimas quarenta e oito horas em um buraco negro, imagine ela! Onde ela irá se refugiar? Onde pedirá ajuda? Abrigo? Um tratamento digno? E é aí que eu ajudar. Quero tentar criar um porto seguro para pessoas que não têm acesso a ele, que não conseguem ver a luz no fim do túnel que eu vejo agora. E isso é muito importante e vai fazer a diferença. Não é muito, nunca será e eu já estou ciente disso, mas tentarei fazer com que seja o recomeço de uma nova vida para essas vítimas.

— Você pensou nisso tudo, hoje de manhã?

— Não. Meu primeiro pensamento foi deixar minhas sobrinhas seguras... evitar que algo assim aconteça com elas. Eu só expandi essa ideia, querendo alcançar lugares onde raramente há essa ajuda. E, notei que a área em que trabalho me dá o alcance necessário para chegar até essas pessoas. Não há região mais pobre e podre em alguns países do que a região portuária e, se eu conseguir utilizar as conexões da NT&S será um pouco mais fácil para alcançar os primeiros objetivos.

Alex deu um audível suspiro e, pegando as minhas mãos, me fez a seguinte pergunta:

— Só me promete que, se um dia tudo for demais, você vai se afastar e vai pedir por ajuda?

— Como eu falei no início dessa nossa conversa, Alex, eu tenho que aprender a fazer isso, mas te prometo que vou sim. Só não vou desistir disso. Virou algo importante para mim.

— Tem todo o meu apoio. Não sei em que posso te ajudar, mas é só pedir.

— Só de você não me taxar de louca, ou dizer que é um sonho impossível, já está me ajudando.

— Isso eu jamais vou fazer. – Ele garantiu.

— Muito obrigada. E não só por acreditar nesse sonho comigo, mas pelas últimas quarenta e oito horas. Sei que eu estava com a cabeça mais do outro lado do que aqui.

Alex não disse nada, só me deu um beijo.

— Também te amo. – Sussurrei.

— Só quero que saiba que eu sempre estarei aqui com e por você, Kat.

— Pode parecer loucura, mas sei disso.

Ficamos um tempo ali, abraçados sem nada a falar, até que me vi na obrigação de me levantar e ir tomar um banho, já que a sobremesa do dia me esperava.

O almoço, assim como o restante do dia, foi realmente gasto em família. Eu, já bem mais presente no que acontecia à minha volta, depois que terminei de fazer uma sobremesa que não precisaria ficar gelando por muito tempo, um cheesecake de limão, me sentei do lado de fora perto de Dona Amelia e Pepper. Alex e Will estavam jogando, ou melhor, disputando uma partida de tênis de mesa, e pelo que entendi, um estava roubando do outro na cara dura.

— Nada de novo sob o sol. – Pepper suspirou vendo o jogo.

— No dia em que os dois mudarem um pouquinho, o fim do mundo estará próximo.

Comemos com tranquilidade e, depois de formarmos um mutirão para organizar a cozinha, voltamos para o lado de fora, onde passamos o restante do domingo comendo a sobremesa e jogando conversa fora.

Voltamos para Los Angeles antes das dezesseis horas e, após deixarmos os cachorros na casa de meus sogros, pudemos ir para nossa casa, acabar de arrumar as malas. Nosso voo sairia às dez da noite, assim, poderíamos dormir no avião e, para passar o tempo e evitar cair na tentação do cochilo, Alex cismou de dependurar os quadros nas paredes.

Os de nossos escritórios foram fáceis, já sabíamos onde colocaríamos, o outro, que era o de nós dois sob a luz da aurora boreal, foi o problema.

— E se for aqui? – Alex perguntou.

— Ainda acho melhor atrás do sofá... – Tentei mais uma vez.

— Mas por que ali?

— Pelo espaço? Por que a luz do sol não vai bater de forma direta e estragar a cor?

Alex parou para pensar na minha proposta e, depois de coçar a cabeça, concordou.

— Deveria ter mandado fazer um quadro menor, aí caberia atrás da banqueta do seu piano....

— Ali não vai entrar quadro nenhum, a menos que você queria arruinar a acústica da sala e que eu pare de tocar... – Ameacei.

— Já faz tempo que você não toca, falando nisso... – Ele jogou verde, enquanto segurava o quadro e eu marcava o local onde iríamos furar a parede, nós não, ele, porque eu só dava pitaco nessas horas.

— Pior que tem mesmo... anda faltando exatamente tempo. – Concordei. – Creio que depois dessa viagem eu vou ficar um pouquinho mais tranquila, aí prometo que toco.

— São tantas promessas que estou achando que você não vai cumprir nenhuma... – Alex me desafiou.

— Que bom que você tem boa memória e vai me lembrar delas. – Falei a descer da cadeira e dar um beijo nele. – Sua vez de executar o trabalho.

Terminamos o que parecia impossível e Alex insistiu que eu fosse para o piano tocar.

— Nem pensar! Você vai acabar dormindo no sofá! Melhor ir se arrumar. – Empurrei-o para a escada.

Às nove e meia deixamos nossa casa e fomos para o aeroporto, mais uma vez.

E, para a nossa alegria, nosso voo acabou saindo quarenta minutos mais cedo, e, o que foi uma oportunidade e tanto para conseguirmos descansar um pouco mais.

Levantei-me faltando três horas para chegarmos à Santiago, no Chile, e, sem nada para fazer, comecei a pesquisar sobre como se instituía uma fundação e quais eram as normas jurídicas que eu deveria me enquadrar.

Li muita coisa e ainda comprei alguns livros para poder me inteirar sobre o assunto, antes de dar o passo para a criação, eu queria ter a certeza de que era assim que eu poderia ajudar as pessoas.

Quando Alex acordou, eu estava concentrada, anotando as minhas dúvidas em um bloco de notas. Ele, sem falar nada, parou, leu o que eu escrevia por sobre meu ombro e, depois se sentou do meu lado, uma xícara de café em uma mão e a outra já pronta para puxar a tela do notebook para si, para ler o que eu lia.

— Bom dia. – Murmurei e lhe dei um beijo.

— Bom dia! Pelo visto está ocupada desde que levantou.

— Achei que valia à pena aproveitar o tempo. Não sei se terei em terra. Serão dias corridos. – Argumentei.

— Teve alguma ajuda?

— Sim e não. É tudo muito técnico e, apesar de ter estudado o tema na faculdade de Direito, nunca me aprofundei porque nunca me interessou. Começo a me arrepender disso.

— Achei que todas as empresas têm a sua própria fundação...

— Bem, a grande maioria tem... mas não a NT&S, e não é muito difícil de se imaginar o motivo.

— Mais dinheiro para mim, para mim e para mim. – Alex respondeu.

— Exatamente.

— Pensando aqui, porque não vincular a Fundação com a empresa.

— Seria mais fácil, não nego, ainda mais por tudo o que li aqui... mas isso é uma coisa minha, sabe. Quero fazer, ou pelo menos instituir por mim, sem ter grandes nomes por trás, ou pessoas que irão se vangloriar de uma ideia que não é delas.

— Já tem uma ideia de onde irá começar?

— Não. Vou tirar todas as dúvidas primeiro e depois pensarei nisso. Vou caminhar passo a passo, para que nada dê errado.

Ele meneou a cabeça concordando comigo.

— A literatura vai ser bem interessante nos próximos meses. – Comentou quando viu a lista de livros que comprei.

— Isso é para você não ficar reclamando que eu só leio livros sobre a história mundial... quero ver me acompanhar nesses.

— Não sou formado em Direito... nem me atreveria. Mas se você fizer um resumo, em uma linguagem que eu entenda, até leio.

— Bobo... – Comentei rindo.

— E, mudando de assunto, falta muito para chegarmos?

Conferi o relógio na tela do computador e fiz uma conta rápida.

— Uma hora e meia, por quê?

— Já tomou café?

— Não.

— Então pode guardar tudo isso, vou ficar de olho na sua alimentação nos próximos dias, por que você andou pulando quantas refeições por dia? – Cutucou a minha cintura.

Fiz uma careta. Andei pulando várias, mas fiquei caladinha.

— Foi o que imaginei. – Ele comentou diante do meu silêncio e depois se levantou, indo para a parte de trás do avião onde ficava a cozinha.

Enquanto Alex preparava o nosso café da manhã, fechei o bloco de anotações, assim como o notebook e guardei tudo, já pensando na aterrissagem, depois fui ajudá-lo.

Comemos comentando sobre como seriam nossos dias, e, se seria possível termos um tempinho para darmos uma de turistas. Não tinha certeza, mas pelo menos na Colômbia, eu garantia um dia!

Depois de comermos, nos sentamos no sofá e ficamos vendo alguns lugares em que poderíamos ir em cada país, nem que fosse para aproveitar a noite, e acabamos fazendo um programa. Se daria tempo, eu não sei, mas a programação estava feita e Alex estava resoluto que nós conseguiríamos cumpri-la.

Era pouco mais das nove e meia da manhã quando desembarcamos no Aeroporto de Santiago-Pudahuel, um carro com motorista nos esperava, minha agenda para o Chile estava pronta e era super apertada.

Hoje ainda iria ao escritório base daqui, amanhã era a vez de Valparaíso, onde se localiza o Puerto de San Antonio e, à noite, já decolaria para o Peru.

Fomos deixados no Hotel, onde eu só tive tempo de fazer o check in, guardar minhas malas no quarto, tomar um banho e já estava saindo, tudo sem almoço mesmo.

Alex, que não é bobo nem nada, me acompanhou, dizendo que não veio ficar trancado em hotel e, nem que fosse para ficar zanzando, a pé, perto do escritório, ele iria me acompanhar em todos os lugares.

O escritório da empresa ficava em um prédio não muito distante do hotel, assim, em menos de vinte minutos, minha reunião com o diretor local se iniciava.

Nossa pauta tinha sido feita por videoconferência, o que facilitou e acelerou as discussões sobre as melhorias e investimentos que teríamos que fazer para a região.

O Chile, além de ser um ponto importante para a chegada e distribuição de mercadorias para a região central da América do Sul, também é um dos estaleiros navais que temos, aqui alguns de nossos navios passam por vistoria, conserto e inspeções cada vez que aportam, portanto, era de suma importância que tudo estivesse funcionando como um relógio suíço.

A reunião durou quatro horas, com a ata, já contendo as propostas de melhorias, devidamente encaminhada para Londres para a devida aceitação e assinatura da CEO, o que não deveria demorar a acontecer, visto que Grissom já estava mais do que ciente das visitas aos portos e também do que precisaria ser feito em questão e investimentos.

Como era verão, o dia ainda estava claro quando deixei o prédio, e o calor não dava sinais de que iria amansar.

Logo nosso motorista, Simón Saramago, me informou que ‘meu marido’ tinha saído para dar uma volta pelo quarteirão e que prometera não demorar.

— Não sabia que ele falava espanhol. – Comentei com Saramago.

— Com todo respeito, senhora, fala muito mal, mas usamos o aplicativo do celular para conseguirmos nos entender.

— Claro. Uma boa saída! – Respondi, somente Alex conseguiria sair de uma situação dessas usando um aplicativo de tradução simultânea, que, muitas vezes te faz passar vergonha.

Mandei uma mensagem para o sumido, informando que já estava do lado de fora do prédio e, como não obtive resposta, resolvi puxar papo com Saramago.

Como todo sul-americano, ele foi caloroso e não se importou em responder as minhas perguntas, principalmente sobre qual lugar eu deveria conhecer em Santiago, para quem iria ficar apenas uma noite.

Cerro Santa Lucía. – Foi direto. – É um dos lugares mais bonitos da cidade e, de lá, já podem escolher em qual restaurante querem jantar.

Logo depois, ele começou a me indicar outros lugares e até mesmo cidades próximas para ir, dizendo que eu deveria passar no mínimo quinze dias no país só para conhecer aqui perto.

— Confesso ao senhor que passaria até um mês. Adoro a cultura de vocês. Aliás, eu amo a América do Sul de uma forma que não sei explicar. – Peguei-me falando.

— Deve ter sido daqui em uma vida passada. – Brincou Saramago.

— É, deve ser isso mesmo. – Entrei na brincadeira.

Pouco depois vimos Alex virar a esquina e, lógico, ele vinha comendo algo e tinha algumas sacolas dependuradas no braço e, quando notou que já estávamos no carro, apressou o passo.

— Olá! – Cumprimentei-o assim que entrou. – O que come?

Empanadas.

— E conseguiu?

— Eu acabei me perdendo por aqui e cheguei no Mercado Central. – Respondeu depois de uma dentada.

Mercado Central?

E foi Saramago quem me respondeu.

— Se a senhora quiser ir, não é longe, pode aproveitar a região e terminar o dia em Santa Lucía. Ficam perto.

— Tem certeza de que não é longe?

— Não, senhora. De lá podem ver alguns pontos turísticos de Santiago de uma vez.

Ponderei e olhei no relógio. Não era lá muito cedo, mas era a oportunidade que tínhamos.

— Tudo bem, por favor, Senhor Saramago, nos leve até lá.

Em menos de dez minutos, paramos em frente a um prédio do século XIX, e só a fachada já era um presente que não esperava.

Saramago fez questão de querer ficar para nos levar até o próximo ponto.

— Não é necessário, senhor Saramago, daqui, nós nos viramos e qualquer coisa, sei o endereço do hotel e pego um táxi. Agradeço demais não só os serviços do senhor hoje, mas também as dicas. Nos vemos amanhã, sim?

— Sim, a senhora tem que ir à Valparaíso, devemos sair cedo para não pegar trânsito nem atrasar o seu voo que sai à noite.

— Então, que horas indica para sairmos?

— Seis da manhã.

— Combinado. Estaremos no saguão do hotel à sua espera. Tenha uma excelente noite!

Ele se despediu, não antes de nos indicar a direção do próximo marco que iríamos, a Plaza de Armas.

É claro que eu me perdi no mercado. Não sabia se olhava os temperos, as variedades de frutos do mar ou os restaurantes. Só sei que quase fomos sequestrados para comer um caranguejo gigante em um deles, mas ainda bem que Alex já tinha lanchado as empanadas, porque me deu pavor só de ver o tamanho da centolla.

— Aquilo parece um bicho pré-histórico! – Falei quando passamos perto de um aquário e estavam tirando um dos animais dali.

— Se eu estivesse com a fome de antes, eu comeria. – Alex falou.

— Claro, o poço sem fundo ataca novamente. – Revirei meus olhos sobre a sua fala e depois continuamos a andar pelo local, não teríamos muito tempo para ver tudo, pois era segunda e as bancas fechavam às 17:00, porém, o pouco que vi, já me deixou com gostinho de quero mais.

Deixamos o prédio de 1872 para trás, não sem antes que eu tirasse algumas fotos e seguimos a direção indicada por Saramago, chegando em menos de dez minutos, a pé e sem nos perdermos, à Plaza de Armas, que fica no coração da Cidade Velha.

Mal pisamos na Plaza, e tudo o que eu via era o Museu do outro lado.

— Não... – Alex murmurou do meu lado.

— Sim! Você comprou comida para um batalhão no Mercado Central, minha vez de me alimentar, só que de cultura! Museu de Arte Pré-Colombiana e depois a Catedral Metropolitana.

Começamos pela Catedral, onde, seguindo uma tradição que minha avó Mina havia me falada anos atrás, entrei, rezei e fiz um pedido. Segundo ela, cada vez que você entrar pela primeira vez em uma Igreja, faça um pedido especial, que eles sempre costumam se realizar.

Fiquei tão encantada com a arquitetura de estilo neoclássico e com a nave central da Igreja, que Alex teve que me cutucar no braço para me avisar que não tínhamos todo o tempo de mundo para ficarmos ali.

Com um suspiro, levantei-me do banco, benzi-me e, depois de algumas fotos escondidas, porque na maioria das igrejas as fotos são proibidas, saímos e fomos para o Museu.

Pagamos a entrada e imediatamente me arrependi de não ter vindo com mais tempo para cá, tinha tanta coisa para ver, para aprender, tanto sobre o passado quanto o presente desse país.

Fizemos a visita mais rápida, somente para ver as principais obras de arte e os que elas significavam para a história dos povos que viviam aqui, antes que o país e parte do continente fosse invadido e colonizado pelos espanhóis.

O meu lado apaixonado pela história se rebelava por eu passar tão rápido pelos artefatos e dar pouca atenção ao que eles significavam, e pelo que vi, não era a única da dupla, Alex por sua vez, tentava absorver o máximo possível de conhecimento.

— Não acredito que vimos tão pouco! – Murmurei frustrada quando saímos do local.

— Kat, eles tiveram que nos expulsar do prédio, porque já estava fechando, são dezoito horas.

Olhei para o céu que ainda estava claro, e nem assim me convenci de que eu estava deixando uma parte da história lá, naquele museu, sem que aprendesse nem que fosse um pouquinho.

— Segundo nosso guia, que também é o seu motorista, temos La Moneda agora. – Alex tentou ignorar a minha falação.

— E isso fica para que lado? – Perguntei, ainda um tanto perdida diante da enorme Plaza de Armas.

Ele não soube dizer, então, tudo o que tínhamos que fazer era perguntar para um bom cidadão chileno a direção. Deixei que Alex fosse na frente e tentasse se virar, claro que na hora que ele localizou um grupo de simpáticas senhorinhas, puxou meu braço delicadamente e me colocou na frente, como que me instando a pedir a informação.

— Viu o que dar achar que somente inglês irá salvar a sua vida? – Murmurei para ele e me virei para o grupo, pedindo as devidas desculpas pela interrupção e, logo depois, perguntei se elas poderiam me ajudar.

E as quatro vovós que jogavam conversa fora na praça, foram super simpáticas e não se importaram de me informar a direção, só disseram lamentar que eu iria perder a troca de guarda do palácio, já que esta só ocorre na parte da manhã.

Agradeci à gentileza e depois liderei o caminho até a La Moneda.

— Você tem certeza de que é essa a direção? – Alex me questionou.

— Tenho. E se não for, é só perguntar onde estamos.

Porém, não precisamos pedir novas informações, afinal, o Palácio La Moneda é uma construção imponente, e logo se fez ver.

A praça que fica à frente, ou melhor, o jardim, é de tirar o fôlego, e ainda tem um belo espelho d’água e, tudo isso estava ainda mais belo, devido às cores que refletiam do céu, visto que o pôr do sol se aproximava e já começava a pintar o céu de dourado.

— Vale cada foto, esse lugar. – Alex comentou.

Atravessamos o gramado, pelo passeio central e depois paramos no espelho d’água. Aproveitamos a luz natural e tiramos algumas fotos, o lugar era bonito demais para desperdiçar a oportunidade.

Algumas pessoas estavam sentadas nos gramados, umas lendo, outras conversando animadamente e, sempre tem aqueles que só querem aproveitar a calma para descansar.

Só que não tínhamos tempo, o que fizemos foi desacelerar quando nos dirigimos ao ponto final do nosso momento turista. Cerro de Santa Lucía.

Caminhamos com calma, observando os detalhes de Santiago, as montanhas ao fundo, o povo, tão miscigenado, belo e único, devido às diferentes origens, indo e vindo, no entardecer que já caia pela cidade.

Tirei incontáveis fotos de quase tudo o que via, agradecendo ao fato de que as câmeras dos celulares eram tão boas quanto as profissionais. E, mais uma vez me senti mal ao pensar que estava passando por aqui tão rápido, Santiago ainda tinha tanto para nos mostrar!

E, ao pôr do sol, chegamos no Cerro de Santa Lucía, um belo parque, com várias praças e uma surpresa que eu não esperava.

Um Castelo. O Castelo Hidalgo.

Não precisei falar nada com Alex, ele me entendeu quando apertei a sua mão.

Sim, eu queria, e precisava, ir lá e tirar uma foto daquela sacada.

Pacientemente esperamos os turistas de uma excursão tirarem as suas fotos (até tirei algumas fotos para alguns casais), para, então, termos a nossa vez.

Da sacada, tínhamos uma vista complementar da Capital Chilena, com o sol se pondo ao fundo.

Era lindo e único, como esse país, como a América do Sul em si.

Nos demos a chance de sentarmos em uma das praças, debaixo de uma das árvores e ficamos ali, fingindo que a vida era realmente bela e perfeita e que não havia problemas ou obrigações.

Porém, como sempre, um de nós tem que pensar com a barriga e, Alex, que era o único que tinha comido algo, perguntou onde iríamos jantar.

Eu não fazia ideia, por mim, ficava por ali, vendo a paisagem, mas ele estava certo, já estava escuro e tínhamos que decidir logo.

O Google, que sempre salva os perdidos, nos indicou um bairro bem pertinho de onde estávamos. Era famoso por bons restaurantes e boa comida e, já que era tão perto, o que custaria andar mais alguns minutos até tropeçarmos em um restaurando onde o cheiro de boa comida fosse realmente convidativo?

Nada, e foi o que fizemos.

Andamos um pouco mais de vinte minutos e onde o cheiro nos atraiu, entramos, sem ter a menor noção de que restaurante era ou se era bom.

Para a nossa sorte era maravilhoso e comemos frutos do mar fresquinhos, comprados hoje mesmo no Mercado Central, acompanhados de um bom vinho, vindo dos vinhedos das montanhas próximas à Santiago.

Fomos para o hotel bem tarde da noite, pegamos um táxi e com pesar notamos que até mesmo a noite da cidade era muito mais animada do que prevíamos.

Era uma pena que tínhamos menos de vinte e quatro horas aqui!

Não sei se foi o cansaço da viagem, ou de tanto andar para cima e para baixo na cidade ou se foi efeito da taça de vinho, só sei que apaguei em menos de vinte minutos depois que deitei e acho que deixei Alex falando sozinho.


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Notas finais do capítulo

Bem é isso! Quero agradecer às respostas quanto ao último capítulo, sei que peguei pesado o que não deve ter agradado muita gente, mas aí está o resultado! Katerina vai criar essa fundação! Como eu disse, eu tinha um plano para aquela cena e aí está.
já aviso que não vou entrar nos detalhes dos trâmites legais dessa parte, porque eu nem sei como isso funciona fora do Brasil, assim, o que vou escrever serão as buscas de Kat para montar uma equipe de primeira.
Espero que tenham gostado desse capitulo e também do pequeno tour por Santiago, cada lugar em itálico existe e pode ser procurado no Google, aconselho olharem a Catedral Metropolitana e a foto da nave, é realmente lindo, assim como La Moneda!
Muito obrigada a você que chegou até aqui!
Até o próximo capítulo.
xoxo



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