Queen of Titans escrita por Lady L


Capítulo 5
IV- How The Tables Turn


Notas iniciais do capítulo

Olá! Peço desculpas pela demora maior dessa vez, mas os capítulos provavelmente vão continuar com essa frequência de postagem (mensal) daqui para frente. Boa leitura :)



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21 de Junho de 2171; Palácio de Buckingham, Inglaterra

 

                                                         Titania->

 

A coisa sobre ser encarada é que você pode até aprender a ignorar, mas nunca vai se acostumar totalmente.

Eu me sentia no corredor da morte enquanto eu e Lysander caminhávamos até a Duquesa de Kent, forçando sorrisos simpáticos e abrindo caminho em meio aos convidados. Os olhares eram como lâminas roçando pela minha pele, ameaçando retalhá-la, e os sussurros pareciam ensurdecedores. Será que aquele cravo na parte superior esquerda da minha testa estava visível por debaixo do pó compacto? Será que o vestido estava apertando a minha barriga? Será que minha maquiagem estava mal feita? Será que o calor estava me fazendo suar? Quando você está tão perto da perfeição, todos parecem determinados a achar um defeito, como em um jogo de comparação, e você se torna consciente demais de que não é tão perfeito assim, afinal. Os defeitos estão ali para quem souber procurá-los, e multidões sempre ativaram essa resposta de luta ou fuga em mim, sempre me fizeram querer ser feita de plástico, porcelana, ferro, qualquer coisa que não aquela carne imperfeita que me moldava.

—Olá, meus queridos!- a Duquesa se virou em nossa direção assim que estávamos perto o suficiente, pausando seu diálogo com uma mulher de cabelos escuros e olhos claros (Audrey, eu supus) para nos saudar- Fico feliz que tenham decidido vir.

Ela nos cumprimentou colando a lateral de seu rosto aos nossos e emitindo um som de beijinho, uma saudação que eu nunca havia realmente entendido, mas que parecia comum entre a nobreza.

—Permitam-me apresentá-los à minha estimada amiga- ela disse, nos puxando para perto da outra mulher- Essa é a Condessa de Essex, Audrey Moore.

Audrey era uma mulher bonita para a idade, assim como Bertha. As vantagens do dinheiro, eu suponho, que pode até não comprar a felicidade, mas que certamente pode comprar cremes caros e cirurgias milagrosas. Tinha traços delicados, cabelos escuros e ondulados e grandes olhos azuis cristalinos. Estendeu a mão para mim primeiro, e depois para Lysander. Eu me forcei a sorrir mais.

—É um prazer conhecê-los- ela disse, sorrindo, e eu reparei que o que o sorriso de Bertha tinha em ângulos afiados e ironia, o dela tinha em doçura- Espero que estejam aproveitando a estadia da Corte.

—Está sendo uma experiência muito agradável, Milady- Lysander começou, sorrindo, simpático como sempre- E isso decerto é por causa da Duquesa, que vem sendo tão acolhedora.

—Bem, Bertha sabe ser encantadora, quando quer- Audrey disse- Mas não se engane, ela é uma tremenda rabugenta.

Logo os três estavam rindo juntos e conversando freneticamente, parecendo velhos amigos, e eu tentava rir também e não me perder no assunto, mas não muito tempo depois, minha cabeça já estava longe. Lysander sempre teve mais jeito em gerir pessoas do que eu. Foi então que eu achei uma desculpa para me afastar um pouco.

—Vou só pegar uma bebida, eu já volto- garanti enquanto me afastava, mas a intenção era não voltar tão cedo.

Havia menos garçons ali do que no café da manhã, então a maior parte das pessoas ia a um balcão que servia como bar para pegar suas bebidas enquanto o almoço não era servido. Foi para lá que me direcionei, ponderando se era cedo demais para uma taça de rosé, quando uma menina surgiu na fila logo antes de mim.

—Um refrigerante de gengibre, por favor- ela pediu para o barmen, sorrindo.

Por alguns segundos, eu achei que se tratava de uma criança. A menina era pequena, certamente abaixo de um metro e sessenta, e tinha traços infantis e alegres, além de uma voz fina e animada. Pele negra clara, olhos curiosos e brilhantes, e fartos caracóis de cabelo escuro e lustroso. Assim que ela pegou o refrigerante para ir embora, vi seus olhos se fixando em mim, e foi quando reparei que ela se vestia como uma adolescente, não uma criança. Dezesseis ou dezessete anos, eu chutei.

—Ah, desculpe, acho que furei sua fila- ela disse, me oferecendo um sorriso constrangido.

—Está tudo bem, não foi nada- eu disse, sorrindo de volta.

Ela me encarou por mais alguns segundos. Era o tipo de pessoa que não tinha medo de encarar, até porque parecia fazer as coisas sem maldade alguma, e sem nenhuma intenção de constranger. E, por isso, permiti que ela me encarasse, sem nenhum resquício daquela sensação desagradável de estar sendo analisada.

—Não nos conhecemos, certo?- a garota perguntou, por fim- Acho que eu me lembraria de você se já nos conhecêssemos, mas ao mesmo tempo não vejo rostos novos nessa Corte com frequência.

—Cheguei à Corte ontem, então creio que de fato eu ainda não tenha tido o prazer de conhecê-la- eu disse, estendendo a mão para ela- Sou Verena Von Scholz, filha do Barão Von Scholz.

—Eu sou Evie- ela disse, apertando a minha mão. Então, balançando a cabeça como se tivesse acabado de se lembrar de alguma coisa, completou- Na verdade, Evelyn Anderson, filha do Visconde de Leeds. Minha mãe disse que já estou velha demais para me apresentar só com o apelido.

Eu ri, entretida com o jeito espontâneo dela.

—É um prazer te conhecer, Lady Evelyn.

—O prazer é todo meu. E você pode me chamar de Evie mesmo, eu até prefiro- ela disse, tomando um gole do refrigerante- Von Scholz... Você é alemã?

—Não, austríaca- respondi, me apoiando no balcão-  Sou de Vienna.

—Ah...É que eu tenho uma amiga alemã, a Theresa, fiquei pensando se você talvez a conhecesse- ela murmurou- Mas você já esteve nos jardins antes?

—Não, ainda não.

—Eu posso mostrá-los para você, se você quiser- ela ofereceu, sorrindo.

—Eu gostaria disso- eu aceitei, retribuindo o sorriso- O refrigerante de gengibre daqui é bom?

—O melhor!- ela concordou- Deixe-me pegar um para você também, espere um segundo.

O refrigerante realmente era bom, e combinava com o sol forte que fazia naquele dia. Evie parecia bastante interessada em jardinagem. Conforme andávamos pelo jardim, ela falava sobre os canteiros e as flores, e eu comecei a me interessar um pouco também conforme ela falava. Sempre achei mais fácil estabelecer uma conexão com alguém de um jeito mais individualizado, sem falar que eu havia simpatizado bastante com o jeito alegre e despreocupado de Evie.

—Nós deveríamos ir até o lago falar com Justine, ela deve estar me esperando- Evie disse, saltitando à minha frente, logo depois de me mostrar um canteiro de margaridas. Eu senti meus olhos se arregalarem um pouco, involuntariamente.

—Justine!? Como em a Princesa Real Justine?

—É! Ela é bem legal, tenho certeza que vai gostar dela.

Eu não tinha ido àquele almoço para tentar me aproximar de ninguém, mas aparentemente a sorte estava conspirando ao meu favor. Fale com a filha de um Visconde, ganhe uma Princesa de brinde! Parecia quase um comercial de xampu.

O lago ficava logo atrás de um canteiro de tulipas, e não era particularmente grande, mas era bastante agradável. Árvores frondosas faziam sombra para pequenos banquinhos de pedra, e era em um desses que uma jovem se assentava de frente para uma tela de pintura.

—Evie, é você?- a moça perguntou assim que ouviu nossa aproximação, mas sem se virar, ainda focada na pintura- Trouxe o meu refrigerante?

—Droga, eu me esqueci- Evie lamentou, franzindo a testa. A frustração não durou muito, contudo, e logo ela voltou a ficar animada- Mas eu trouxe algo muito melhor: uma convidada!

A pintora se virou na nossa direção, e eu finalmente pude ver o seu rosto.

Obviamente, eu já havia visto a Princesa em diversas fotos e notícias, mas foi diferente vê-la ao vivo, com pequenos respingos de tinta nas bochechas e cabelos castanhos levemente despenteados pelo vento. Ela era bonita daquele jeito mundano que tantas garotas  normais eram, com um rosto arredondado cujo foco eram os grandes olhos de corça, e um ar sério e compenetrado, que dava alguma rigidez aos seus lábios finos. Eu pensei que era engraçado como boa parte do charme dela vinha dessa maturidade incongruente, enquanto o charme de Evie vinha justamente de sua vivacidade juvenil. Essa era uma coisa que eu invejava um pouco em garotas “comuns”, os rostos delas pareciam ter tanta personalidade, tanta individualidade, enquanto o da maior parte das belezas parecia frio e inexpressivo, uma beleza estéril.

—Vossa Alteza- eu imediatamente me curvei assim que os olhos dela se focaram em mim, me lembrando das minhas aulas de etiqueta- Sinto muito por chegar sem ser anunciada, espero que me perdoe a ousadia.

—Creio que isso seja obra de Evelyn, e não sua, Senhorita- a Princesa respondeu, se aproximando de nós- Não vai nos apresentar, Evie?

—Ah, sim, claro- Evie concordou, sorrindo, sem graça- Vossa Alteza, essa é a Honorável Lady Verena Von Scholz, filha do Barão Von Scholz, da Áustria.

A Princesa me encarou por mais alguns segundos.

—Você tem um rosto interessante, Lady Von Sholz. Algo de pré-rafaelita, algo de barroco. Talvez eu venha a te pintar, no futuro, se você permitir, é claro- ela disse, e eu me peguei mais supresa e desconcertada do que eu esperaria.

—Obrigada, Vossa Alteza- eu respondi, me esforçando para manter minha voz estável- E é claro que eu permitiria, estou à Vossa disposição.

A Princesa sorriu, um sorriso rígido e minúsculo, mas havia algum divertimento espreitando ali em algum lugar.

—Você pode me chamar de Justine, fique à vontade. Se estiver tudo bem, vou chamá-la de Verena. Gosto de manter as coisas o mais informais o possível, quando posso.

—Claro, tudo bem, como preferir... Justine.

—Você pode ficar com meu refrigerante, Justine, eu ainda não bebi tudo- Evie nos interrompeu, meio alheia ao constrangimento anterior- Posso pegar outro quando a comida for servida.

Justine desviou o olhar do meu, sorrindo para Evie e dando de ombros.

—Obrigada, Evie- ela pegou o refrigerante e deu um gole generoso- Já está meio quente, mas vai servir.

Justine voltou a nos dar as costas, se assentando novamente de frente para a tela.

—Está ficando muito bonito- eu comentei, me aproximando lentamente- Você tem uma pincelada leve, ligeiramente impressionista, mas também incorpora preto à obra. Encantador.

Justine me lançou uma olhadela por cima do ombro, com um sorrisinho satisfeito.

—Eu agradeço, Verena. Evie é uma boa ouvinte, mas não tem muito interesse pelas artes, então é animador falar com alguém que aprecie o assunto.

Arte realmente era um assunto pelo qual eu tinha interesse quando tinha aquelas milhões de aulas extras.

—Não posso garantir um conhecimento muito aprofundado, mas certamente será um prazer discutir sobre o tema, se eu não for te entediar- eu dei uma risadinha.

—Já será agradável, tenho certeza- Justine respondeu.

Evie se aproximou da tela também, se apoiando no banco de Justine.

—Eu posso até não entender de arte, mas sei quando alguma coisa está bonita- ela palpitou- E Justine é muito talentosa, você tem que ver as outras pinturas dela, Verena!

—Eu adoraria- respondi, sorrindo.

Evie balançou o ombro de Justine, em uma pequena explosão de energia.

—Me diga que trouxe o caderno, Ju, por favor! Ela precisa ver seus desenhos.

—Está na mochila, mas...- Justine começou, mas Evie já havia saído correndo.

Evie foi até uma mochila jogada debaixo de uma árvore alguns metros atrás de nós, e voltou carregando um caderno de couro grosso e velho.

—Evie...- Justine tentou o início de uma reprimenda, mas Evie já havia se jogado na grama e começado a folhear o caderno.

—Esse é meu favorito- Evie disse, parando em uma página específica e me mostrando um desenho. Me assentei ao lado dela na grama para analisá-lo melhor.

O desenho era um rascunho feito à lápis, mas ainda assim supreendentemente detalhado. Mostrava três pessoas de frente para uma tela jogando videogame. Olhando com mais atenção, eu reconheci todas as três, e me peguei sorrindo. A primeira era Evie, quase pulando do sofá e sorrindo em êxtase total, segurando um controle com firmeza. Os cachos dela voavam, suspensos no ar, e os olhos brilhavam, quase selvagens. A segunda pessoa era o Príncipe Herdeiro, mas ele não parecia um príncipe naquela gravura. Aquele era apenas o irmão da menina que desenhava, vestindo shorts de pijama, e sorrindo, exultante, com o cabelo despenteado e o controle quase voando das mãos. E a terceira pessoa era ele. O Duque. Mesmo alegre, ele parecia calmo, olhando a tela concentrado e quase que contemplativo, um sorriso contido em seus lábios. Os cabelos dele estavam tão despenteados quanto os do Príncipe, mas havia uma certa dignidade no jeito com que ele se portava, como se, de alguma maneira, estivesse ciente que estava sendo observado.

—Era um dia de chuva- Justine explicou, abandonando sua pintura para se assentar ao nosso lado- Estávamos em alguma das casas de veraneio, mas não podíamos sair, estava lamacento demais, então os garotos e Evie decidiram jogar videogame. Como eu não aprovo muito desse passatempo, me ocupei os desenhando enquanto jogavam.

—Esse momento em específico foi quando conseguimos passar de uma fase depois de três horas tentando- Evie completou, correndo um dedo gentilmente sobre a margem do desenho- Foi um dia legal.

Eu sorri, e foi bom não ter que forçar um sorriso. Lembrei dos dias de chuva jogando Banco Imobiliário com Mab, Oberon e Lysander, e, de repente, percebi que aqueles quatro jovens nobres também eram uma pequena família à própria maneira.

—É uma lembrança boa. Não consigo pensar em nada melhor para ter eternizado no papel- eu disse, ainda encarando o desenho.

Justine se apoiou sobre os seus cotovelos, me encarando por um curto instante.

—Eu suponho que seja- ela disse, por fim- Você disse que era da Áustria, certo? Filha de um Barão. Me surpreende que tenha recebido um convite, com todo respeito. As relações diplomáticas andam meio desagastadas nos últimos anos, mas suponho que a maioridade do meu irmão seja uma ocasião digna de uma trégua.

Eu abri e fechei a boca, um pouco supresa com toda aquela franqueza e sem saber como responder.

—Bem, o convite era para os meus pais, e eles estão trabalhando bastante em melhorar o comércio ultimamente, então pode ser por isso- eu justifiquei, me lembrando da história falsa de Verena.

—Ou pode ser porque Henry já está ficando velho e ainda não tem uma noiva- Evie palpitou, se jogando de barriga para cima na grama- Vi que colocaram várias garotas na lista de convidados.

Eu senti meu rosto corando violentamente, e ajeitei minhas costas, segurando nas minhas pernas para manter a postura ereta.

—Olhe, eu realmente só vim porque minha mãe ficou doente, não tenho interesse em me casar por um bom tempo- me peguei dizendo antes que pudesse me controlar, talvez um pouco ofendida com o que elas estavam implicando.

—Então meu irmão, o Príncipe Herdeiro do Reino Unido, não é bom o suficiente para você, é isso?- Justine disse, se assentando novamente, erguendo uma sobrancelha. Ao ver o olhar mortificado no meu rosto, ela riu- Estou apenas brincando, relaxe.

Eu ri, mas ainda assim um pouco sem graça. Eu não gostava de que a possibilidade de eu ser uma mocinha perseguindo o Príncipe tivesse passado pela mente delas, mas, ainda assim, elas pareciam seguras o suficiente de que eu não era para estarem tão confortáveis comigo.

—Não fique com essa cara, Verena, se você realmente fosse assim, Lady Bertha já teria te comido viva. Ela não convida gente nova pra esses eventos com frequência- Evie disse, roubando um gole do refrigerante que havia dado para Justine.

—Ela está certa- Justine disse, olhando o pouco que restara de seu refrigerante com uma careta- Lady Bertha é certeira com o caráter alheio. Se você está aqui, é porque ela viu alguma coisa em você.

Eu encarei o lago, soltando uma risadinha amarga.

—Acho que isso tem mais a ver com meu irmão- eu admiti- Vocês devem tê-lo visto. Loiro, alto, com um sorriso mais brilhante que as joias de Lady Bertha.

Evie e Justine riram.

—Nós de fato o vimos, é difícil não notá-lo- Justine concordou, ainda sorrindo- E talvez ele realmente seja o motivo principal, mas Lady Bertha seria audaciosa o suficiente para convidar somente ele, se não gostasse de você pelo menos um pouco.

Eu refleti sobre isso por um curto instante.

—Ela disse mesmo alguma coisa sobre eu a lembrar dela mesma na juventude- eu comentei, me apoiando nos meus cotovelos, ligeiramente mais relaxada.

—Faz sentido- Evie disse- Ela disse algo parecido sobre Theresa, e gostava bastante dela.

Era a segunda vez que Evie mencionava a tal Theresa, o que me deixou curiosa.

—Theresa... É aquela sua amiga alemã de quem você falou mais cedo, não é?- eu perguntei, tentando parecer desinteressada, mas as engrenagens de minha mente rodavam furiosamente.

—Ela mesma- Evie concordou- Ela passou alguns meses na Corte no ano passado. Eu a adorava, mas Justine não gostava muito dela.

Justine franziu a testa.

—Eu nunca disse isso- ela desmentiu- Só não gostava muito do jeito que ela se comportava com o Tom.

“Tom”- eu pensei, minha cabeça a mil- “Ela está falando do Duque”

—Como assim?- me fiz de desentendida, tomando um gole do meu refrigerante.

Justine bufou.

—Eu não sei explicar. Ela só era... estranha. Não o deixava em paz por um segundo sequer, e não de um jeito afetuoso. Sempre perguntando e exigindo e se metendo onde não era chamada. Não me entenda mal, ela sabia ser agradável quando queria, mas algo sobre ela parecida meio forçado.

Eu refleti sobre isso, mas tentando ao máximo não demonstrar o quão confusa e assustada aquela nova informação havia me deixado. Eu esperava estar errada, esperava mesmo, mas a cada segundo que se passava, menos isso parecia provável.

—Entendo...- eu respondi, forçando um sorrisinho compreensivo- Acho que esse nome não me é tão estranho, afinal. Theresa, certo? Loira, alta, extremamente bonita?

“Nosso garoto gosta das loiras”- a voz do Senhor Philips ecoou em minha mente. Eu estava jogando verde, e esperava colher maduro.

Justine assentiu.

—Isso mesmo. Acho que não tinha visto uma garota tão bonita em toda minha vida antes dela- ela admitiu- Até ver você, quero dizer. Vocês germânicas precisam compartilhar o segredo de vocês, o que tem naquela água?

  Nós todas rimos juntas, embora eu tivesse ficado ainda mais intrigada com aquele comentário.

Depois que os refrigerantes acabaram, nós decidimos voltar para perto dos outros convidados e esperar o almoço ser servido. Eu e Evie ajudamos Justine a guardar seus materiais de pintura, e os deixamos perto da tela, ainda inacabada.

—Vou mandar um criado levar tudo para o meu quarto mais tarde- Justine explicou- Continuo essa pintura outro dia.

O caminho de volta era supreendentemente curto sem todos os desvios que Evie fizera na vinda para me mostrar os canteiros, e, durante o trajeto, nós conversamos um pouco mais sobre o hobby de Justine.

—Gosto de pintar natureza morta, às vezes, mas acho que o que realmente amo são retratos, ainda que não necessariamente os do tipo formal- ela comentou.

—Você tem talento pra isso, dá pra ver pelos rascunhos- eu respondi- Você captura algum tipo de energia muito pessoal, uma vivacidade intrigante. Parece que as pessoas estão prestes a sair do papel.

Ela sorriu, e Evie concordou.

—Justine é muito talentosa mesmo- ela disse- Depois podemos levá-la para ver as suas pinturas já finalizadas, não acha, Ju?

—Podemos sim. Vamos lá depois do almoço, que tal?- ela propôs, e nós assentimos, animadas- Agora, Evie, poderia fazer o favor de consertar meu cabelo? Não quero aparecer na frente de Lady Bertha nesse estado.

—Ah, sim, claro- Evie concordou, e parou de frente para Justine para ajeitar as mechas rebeldes que o vento havia soprado. As duas tinham quase a mesma altura, eu reparei, mas Justine tinha uma presença grande que a fazia parecer bem maior.

—Os respingos de tinta também- eu aconselhei, conforme Evie arrumava a Princesa.

—Pode deixar- ela concordou, usando os dedos para raspar a tinta já seca.

Quando Justine já estava apresentável, voltamos a andar, e logo podíamos ouvir as vozes dos convidados, cada vez mais altas. Reparei que Evie tinha grama em seu vestido e algumas folhinhas no seus cabelos, mas, como ela e Justine pareciam não ligar, decidi não dizer nada.

—Prontas para entrar na toca do leão novamente, bravas compatriotas?- Justine perguntou, com um risinho debochado.

Evie soltou uma risada, e entrelaçou o seu braço ao de Justine.

—Sempre, Alteza- ela respondeu, entrando na brincadeira.

Justine me lançou um olhar, e então me ofereceu o seu outro braço.

—Seremos uma frente unida, Lady Von Scholz- ela disse, ainda com aquele tom ligeiramente brincalhão.

—Como Vossa Alteza quiser- eu respondi, aceitando o braço dela e rindo.

“Toca do leão” pareceu um nome apropriado quando finalmente encontramos os outros convidados. Se entrar em um ambiente desacompanhada já atraía aqueles olhares curiosos, imagine ao lado de uma Princesa. Eu quase podia ouvir os pescoços estalando conforme viravam para nos acompanhar, os olhos curiosos se remexendo em seus crânios. Talvez ser encarada não fosse tão ruim, afinal.

—Justine, minha querida!- Lady Bertha andou em nossa direção, braços abertos e um sorriso enorme no rosto- Finalmente você decidiu aparecer!

Justine sorriu, e abraçou Lady Bertha. A expressão em seu rosto era supreendentemente alegre, e eu percebi que as duas realmente eram bem mais próximas do que eu tinha imaginado.

—Eu não poderia recusar um convite da minha madrinha favorita- ela disse.

Lady Bertha cumprimentou Evie brevemente com um abraço mais rápido e menos caloroso, e então parou na minha frente.

—Vejo que já conheceu a Lady Von Scholz- ela disse para Justine, me analisando por um instante.

—Evie foi quem a trouxe, mas o seu gosto para amigos continua tão bom como sempre, madrinha- Justine disse, com um pequeno sorriso.

—Bem, fico feliz que tenham ficado amigas- Lady Bertha disse, colocando uma mão no meu ombro- Agora venham, vou mandar que sirvam o almoço.

O olhar no rosto de Lysander foi impagável quando eu me aproximei da mesa de Lady Bertha ao lado de Justine. Seria choque aquele brilho no seu olhar? Admiração? Inveja?

—Permita-me apresentar-lhe o meu irmão, Alteza- eu disse, com um sorriso talvez satisfeito demais- Esse é o Honorável Lorde Lorenz Von Scholz, da Áustria, Alteza. Lorenz, essa é Vossa Alteza Real, a Princesa Justine Windsor.

Lysander se curvou, e Justine o cumprimentou com a cabeça.

—É um verdadeiro prazer conhecê-la, Alteza- ele disse.

—O prazer é todo meu, Lorde Von Scholz- ela respondeu, e eu senti aquele mesmo olhar analítico que ela havia me dirigido mais cedo agora sobre meu irmão.

“Se eu aguentei a pressão, ele vai ter que aguentar também”- eu pensei- “Pelo menos agora ele sabe que não sou tão inútil, afinal”

Talvez aquilo não fosse uma competição, mas eu sentia que, de qualquer jeito, eu havia acabado de virar o jogo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Os personagens novos já foram atualizados no tumblr. Até!