Queen of Titans escrita por Lady L


Capítulo 4
III- Amber Eyed Monster


Notas iniciais do capítulo

Olá! Esse capítulo é no POV do Lysander, para variar um pouco. Embora a maior parte dos POVs sejam da Titania, planejo alterná-los com alguns do Duque e do Lys, espero que gostem. Boa leitura :)



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20 de Junho de 2171; Aeroporto Internacional, Alcântara

 

                                                     Lysander->

 

O Aeroporto estava vazio. Supostamente por ser Inverno no Hemisfério Sul, e portanto baixa temporada em termos de turismo para a ilha. Ainda assim, as poucas pessoas pelas quais passávamos nos encaravam, com um misto de curiosidade e admiração.

Titania parecia ter se recolhido para dentro de sua concha de mal humor e melodrama, e mal notava os olhares famintos que lhe sondavam. Ela era, afinal, uma prima-dona, uma diva caprichosa e incompreendida. Ela nunca entenderia que a maioria de nós mataria para ter o que ela tem.

Nem em um milhão de anos eu sonharia em ser atrevido com um superior como ela havia sido e sair impune, e, além disso, ser aplaudido. As pessoas pareciam aturar qualquer coisa que Titania fazia, e beijavam o chão em que ela pisava mesmo que ela não se esforçasse por um segundo para ser mais agradável, e eu nunca entenderia como ela conseguia angariar tanta admiração sem nem ao menos tentar. Eu tinha que sorrir, gracejar e bajular constantemente, e, ainda assim, eu era o coadjuvante, o coro da soprano principal.

Assim que saímos da sala do Diretor, ela havia reclamado sobre ter que se aproximar do Duque, sobre eles a estarem tratando como uma moeda de troca ou algo do tipo, sem pensar por um segundo o quão desesperadamente eu gostaria de ser atribuído tamanha importância. Eu havia sido mandado para a missão com ela, é claro, mas como um ajudante, um “plano B” caso o Duque não a amasse imediatamente, o que eu achava altamente improvável.

O monstro dos olhos verdes me roía por dentro, então eu estava até um pouco feliz por Titania estar mais calada naquele momento, eu não sabia se conseguiria manter uma fachada agradável caso ela tentasse conversar. Logo nós chegamos até a pista de decolagem, aonde um jatinho nos aguardava, como o Senhor Philips disse que estaria. Era um modelo pequeno, mas que se revelou bastante luxuoso por dentro, com poltronas de couro, luminárias arrojadas e detalhes em madeira de lei. O piloto nos cumprimentou rapidamente quando entramos, e logo estávamos no ar.

—Lysander- minha irmã chamou após meia hora de voo- Venha cá ver o que o Papai Noel trouxe.

Um armário de carvalho escuro se encontrava perto dos fundos do jatinho, e Titania o havia aberto para revelar duas mudas de roupa penduradas ordeiramente nos cabides.

—Acho que já querem que cheguemos lá arrumados- eu comentei, enquanto ela tirava as roupas femininas do armário para dar uma olhada. Saia lápis e blazer azul-escuro combinando, com sapatos de salto e meia-calça nude. Olhando as minhas roupas, percebi que eram igualmente elegantes, calças sociais e camisa de botões, com sapatos de couro envernizado. Alguns detalhes deixavam óbvio que as roupas pertenciam a alguém que tinha dinheiro, como o broche cravejado que Titania havia ganhado, ou as abotoaduras de ouro branco da minha camisa. Após vestidos, parecíamos mesmo dois jovens nobres desocupados e ligeiramente mimados.

—Eu me sinto terrivelmente chata- Titania comentou, se olhando no espelho preso à parte de dentro do armário.

Por mais que eu estivesse um pouco irritado com ela, acabei rindo.

—Também me sinto um nojo- respondi, alisando a camisa branca e impecável.

Ela deu um sorriso travesso, e me estendeu a mão.

—É um prrazerr conhecê-lo, Lorrde Von Scholz- ela disse, forçando um sotaque alemão horrível.

Eu gargalhei, apertando a mão dela e respondendo:

—O prazer é todo meu, Lady Von Scholz.

Eu gostaria muito de conseguir manter-me chateado com Titania, mas mesmo eu precisava admitir que havia algo estranhamente encantador sobre ela.

Apesar de o voo não ter demorado muito, já era tarde da noite quando chegamos, devido ao fuso horário. Ainda assim, o aeroporto de Londres estava movimentado, e demoramos algum tempo para achar o motorista que nos esperava na entrada, segurando uma placa com nossos novos nomes escritos.

Eu já estava desconfiado de que ele poderia ser um agente do MI5, mas quando chegamos ao carro, ele confirmou minhas suspeitas.

—Senhor e Senhorita Midsummer, eu fui instruído a passar as últimas instruções a vocês- ele disse. Titania também não pareceu muito supresa por ele ser um agente do governo- Vocês chegarão a Buckingham e encontrarão o Palácio relativamente vazio. Como é Verão, grande parte dos nobres alternam seus dias entre casas de veraneio e suas obrigações na Corte, e isso dará um dia de paz para que vocês se adaptem antes do início da temporada social no final da semana. Um grande baile no sábado marcará o início das comemorações do aniversário do Príncipe Herdeiro, e como ele atingirá a maioridade, é esperado que os festejos durem várias semanas. Durante esse tempo, a Corte estará cheia, e portanto propícia a obtenção de informações por parte dos senhores. Boa sorte, e lembrem-se, o futuro dessa nação depende de vocês.

O Palácio de Buckingham vazio ainda assim era bem cheio. Entramos pelo portão da frente depois de contornar o Monumento da Rainha Vitória, e logo fomos guiados para dentro, onde encontramos uma procissão de criados e nobres circulando. Pessoas nos encaravam por onde quer que passássemos, tanto os empregados quanto os habitantes do Palácio, mas eu suponho que isso já era esperado. Eu tinha uma consciência crônica da minha própria aparência, e tratava pessoas me olhando com tanta impessoalidade quanto trataria alguém admirando uma pintura. Titania, pelo contrário, não parecia muito feliz com toda aquela atenção e sussurros que suscitávamos, e eu a peguei até mesmo revirando os olhos, exasperada, para um homem de meia idade cujo queixo caiu ao vê-la.

Eu e Titania ganhamos quartos na mesma ala, que estava um pouco menos movimentada do que o resto do Palácio. Eram por volta das onze da noite, e por isso muitas pessoas já deveriam estar dormindo, mas era possível ouvir vozes à distância, e até mesmo ver vultos circulando por aí. Eu podia apenas imaginar como o Palácio ficaria quando a Corte estivesse realmente cheia.

O quarto que ganhei era bem maior do que o que eu dividia com Oberon em Alcântara, e decorado com muito mais luxo. Um lustre de cristal imediatamente capturou o meu olhar, brilhante e finamente detalhado, e o grande espelho na parede à direita refletia sua luz com graciosidade. A cama era grande, com lençóis de seda e dossel, e uma escrivaninha de madeira escura e elegante se acomodava junto à parede à sua esquerda. A porta para o banheiro revelou uma banheira vitoriana de porcelana e uma pia de mármore, ambas arrematadas por detalhes em dourado. Eu me peguei sorrindo, abobalhado, mal acreditando que teria todas aquelas coisas bonitas só para mim.

A cama, além de bela, se provou incrivelmente macia, e me guiou com eficiência até um mundo de sonhos luxuosos e decadentes. Sonhei que tinha um Palácio só para mim, e que nadava em uma piscina cheia de ouro. Não entendi muito bem o que meu subconsciente quis transmitir com isso, mas acordei feliz e disposto como não acordava há tempos.

A manhã seguinte começou com um criado entrando em meu quarto e abrindo as cortinas, a luz solar que se infiltrou pela janela da sacada me despertando lentamente. Ele era um homem de quarenta e tantos anos e cabelos escuros, que me ajudou a me vestir e me avisou que o café já estava sendo servido na Copa.

—A Senhora sua irmã, a Honorável Lady Von Scholz, pediu para perguntar ao Senhor se gostaria de se juntar a ela para tomar o desjejum na varanda de seus aposentos- o homem me informou enquanto abotoava minhas mangas.

“Típico de Titania querer se enfurnar”- eu pensei, um pouco mordaz- “Mas precisamos dar ao menos uma olhada na Corte antes que ela fique muito cheia”

—Informe-a de que eu realmente gostaria que ela se juntasse a mim na Copa- eu disse, tentando soar agradável.

—Muito bem, Senhor.

Encontrei Titania no corredor alguns minutos depois. Usava um vestido de Verão fresco, mas ainda assim suficientemente formal, em um tom claro de laranja. Mais uma vez, estávamos perfeitamente caracterizados como jovens nobres mimados se juntássemos sua produção à minha: camisa polo e bermuda cáqui.

—Por que não quis comer no quarto?- ela perguntou assim que me viu- Eu planejava repassar as fichas com você antes de realmente fazer uma aparição.

—Bom dia para você também, querida irmã- eu a provoquei- É uma bela manhã, não acha?

Titania me lançou um olhar irritado.

—Bom dia- ela disse, por fim- Agora, faça-me o favor de responder à minha pergunta.

Eu olhei ao redor antes de respondê-la. Algumas pessoas passavam por nós, se direcionando à Copa, e por isso eu me senti na obrigação de manter as aparências.

—Ande comigo, sim?- eu ofereci meu braço, que ela aceitou com alguma relutância. Então, me aproximando dela e falando baixo o suficiente para que só nós dois pudéssemos escutar:- Não seja tola, Titania. Fichas não nos ajudarão em nada. Nós só saberemos quem é relevante de verdade observando as dinâmicas ao vivo.

Ela me encarou, ainda mal-humorada.

—Não faz mal nenhum se preparar antes- ela replicou, teimosa. Eu sabia que, no fundo, ela sabia que eu tinha razão.

—Mas eu já nasci pronto- retruquei, esboçando um sorriso convencido. Ela tentou esconder, mas acabou rindo de leve também.

—Tudo bem então- Titania disse, por fim- Mas se alguma coisa acontecer, esteja ciente de que a culpa é toda sua.

—Ela sempre é.

A Copa era um ambiente amplo e arejado, com grandes janelas de vidro abertas, deixando entrar uma agradável brisa. Lustres de cristal adornavam o teto, e toda decoração era leve e brilhante, para combinar com as cores claras do ambiente. Mesas redondas postas com porcelana fina e ostentando candelabros dourados eram ocupadas por pessoas bem vestidas, que conversavam em tom conspiratório enquanto garçons passavam servindo e anotando pedidos.

—Lorde e Lady Von Scholz, filhos do Barão Von Scholz, da Áustria- um arauto anunciou, em tom moderado, quando adentramos a Copa.

A maioria das pessoas não se dignou a olhar, continuando com suas refeições normalmente. Ninguém dava muita nota aos filhos de um mero Barão. Mas os olhos que se desviaram até nós não nos deixaram tão cedo, e logo uma boa parcela dos presentes nos encarava sorrateiramente. O peso de um rostinho bonito, eu suponho.

Estávamos sendo guiados até uma mesa no fundo da Copa quando uma senhora loira na casa dos cinquenta anos acenou para nós. Eu e Titania nos entreolhamos, mas acabamos por forçar nossos sorrisos mais afáveis e nos aproximar dela.

—Austríacos? Nessa Corte? E ainda há quem não acredite em milagres- a mulher disse, com uma risada espirituosa, e em um alemão fluido e claro- Por favor, meus queridos, se assentem. Faz muito tempo que não encontro um conterrâneo.

Titania vacilou por um segundo, mas eu não. Imediatamente me assentei ao lado da mulher, lhe oferecendo meu sorriso mais encantador.

—Muito obrigado pelo gentil convite, Senhora...

—Bertha. Bertha Poole, embora meu nome de solteira seja Hofmann. Também conhecida como a Duquesa de Kent- ela disse, estendendo a mão.

Eu peguei a mão dela na minha e beijei suas costas, esboçando mais um sorriso charmoso. Por dentro, comemorei por ter atraído as atenções de uma Duquesa logo de cara, e ativei meu modo de flerte discreto que sempre funcionava com mulheres mais velhas. Ela era uma senhora de boa aparência, afinal, e eu precisava cair em suas graças.

—Encantado, Milady- eu disse- Sou Lorenz Von Scholz, filho do Barão Von Scholz, e essa é minha irmã, Verena.

—É um prazer- Titania disse, forçando um sorriso.

—Tenho certeza de que o prazer é todo meu, queridos- ela respondeu- Vejam só, mal chegaram à Corte e todos já estão falando sobre vocês. São a companhia perfeita para a minha mesa!

E, realmente, grande parte dos presentes continuava a nos lançar olhares analíticos disfarçados.

—Vieram para a comemoração do aniversário do Príncipe, não é? Eu não esperava encontrar muitos rostos novos, só os mesmos velhos nobres enrugados e entediantes de sempre, então é uma grata supresa ver que diversificaram a lista de convidados ao menos um pouco- ela riu.

—Exatamente- eu confirmei, ainda mantendo a conversa em alemão- Nosso pai recebeu o convite, mas como nossa mãe anda meio adoentada, resolveu ficar com ela e nos mandar em seu lugar.

—Von Scholz, certo?- ela perguntou, e eu confirmei com a cabeça- Nunca ouvi falar. Mas suponho que haja muitos Barões e que eu não tenha ido à Áustria por tempo demais. De que cidade são?

—Vienna- eu respondi.

—Ah, há centenas de Barões em Vienna, me perdoem por não me lembrar do seu pai. Mas, como eu disse, já fazem muitos anos que eu não visito nosso país, então já era de se esperar. Como andam as coisas por lá?

—Na verdade, estávamos na Suíça- Titania se manifestou pela primeira vez na conversa- Estudando. Então não ficamos em Vienna por muito tempo antes de vir para cá.

Eu já estava me esquecendo desse detalhe na nossa história, então devo admitir que Titania não foi completamente inútil dessa vez.

—Mas, pelo que vimos, a cidade continua a mesma de sempre- eu completei, sorrindo.

—Ela sempre continua, meu querido- Bertha riu- Mas vocês devem estar com fome. Deixem-me chamar um garçom para vocês pedirem seu desjejum, sim?

Titania pediu café e torradas (comendo como um passarinho, como sempre, eu pensei), Bertha, mais uma xícara do chá que tomava, e eu, para ajudar no disfarce, pedi uma porção de linguiça alemã e um copo de suco.

—Péssima decisão- Bertha disse- A linguiça deles é terrível, nada como a que fazemos em casa. Da próxima vez, peça os ovos, ao menos isso eles conseguem não arruinar.

A comida não demorou muito a chegar, e enquanto isso, Bertha nos contou um pouco sobre seu marido, o Duque de Kent:

—Eu era bem jovem quando o conheci, mais ou menos da idade de vocês. Jovem e bonita. Acho que eu era bastante parecida com você, querida- ela olhou para Titania- Loira, alta, elegante. E ambiciosa. A filha de um Visconde, mas eu estava determinada a me casar até um posto mais alto. Tudo pareceu um conto de fadas quando o Duque voltou suas atenções para mim, e em poucos meses estávamos casados. Mas esse foi meu grande erro: colocar todas todas as minhas ambições sobre um homem pouco ambicioso. Agora, ficamos morgando na Corte, entregues a passatempos frívolos, pois ele não tem interesse algum pela política, e nunca tentou participar do Conselho, mesmo sendo primo da Rainha-mãe, e eu estou presa com ele. Adorável, não acham? Bem, ao menos vocês estão aqui para me distrair.

—E nós faremos nosso melhor para sermos distrações agradáveis, Milady, eu te garanto- eu disse, com aquele meu sorriso macio que eu já praticara tantas vezes em frente ao espelho, o que tinha eficácia comprovada- Eu adoraria passar mais tempo com a Senhora, quem sabe até mesmo a sós...

Eu coloquei minha mão sobre o braço dela, e ela me olhou, um pouco descrente, ainda que sem nenhuma aversão à ideia.

—Eu agradeço a oferta, meu querido, mas tenho idade para ser sua avó, acho que eu te entediaria bem rápido- ela disse, mantendo-se tão ambígua quanto eu havia- Ainda assim, eu apreciaria alguma companhia em meus passatempos frívolos. O que acham de almoçar comigo? Eu poderia apresentá-los a alguns outros desocupados da nossa adorável Corte.

—Nós adoraríamos, Milady- eu respondi, sorrindo.

—Ótimo!- ela disse- Vou colocar o nome de vocês entre os convidados. Estejam perto do canteiro de rosas brancas às onze e meia, almoçaremos ao ar livre. Vou deixar vocês terminarem de comer agora, até lá, meus queridos!

Bertha nos deixou sozinhos depois disso, embora alguns olhos do salão tenham insistido em nós por alguns minutos. Assim que achou que tínhamos privacidade o suficiente, Titania fechou a expressão novamente, se inclinando sobre a mesa para falar com uma voz sussurrada:

—O que diabos eu acabei de ver?

Eu ri, debochado.

—Um trabalho impecável de conseguir nos infiltrar nessa Corte, é isso que você acabou de ver. Não precisa me agradecer.

Titania revirou os olhos.

—Bem, eu suponho que você tenha ajudado um pouco. Mas, da próxima vez, evite dar em cima de uma mulher casada, não acho que isso seja muito bom para sua integridade física.

Eu dei de ombros.

—O marido dela é um pamonha, ela mesma disse, duvido que faria qualquer coisa, mesmo se descobrisse.

Titania arqueou uma sobrancelha.

—Talvez... De qualquer maneira, precisamos ir nos arrumar, duvido que esse almoço seja casual.

—Concordo. A Duquesa pareceu uma mulher que gosta de luxo. Acha que branco é uma cor apropriada para o dia?

—Sim sim. Qualquer tom claro, eu imagino. Estou pensando em amarelo.

Uma hora depois, havíamos trocado de roupa, e eu finalmente aceitei a sugestão de Titania de repassar as fichas. Nos assentamos na varanda do meu quarto, com os papéis na mesa entre nós e duas xícaras de chá inglês.

—Procure alguma coisa sobre Lady Bertha, eu vou procurar sobre algum outro cortesão que possa estar no almoço também- Titania disse, prendendo os cabelos em um coque frouxo e começando a folhear os papéis.

Não demorei muito a achar a ficha de Lady Bertha entre os Duques e Duquesas. Na foto do arquivo, ela parecia ligeiramente mais jovem, os cabelos loiros soltos até os ombros, olhos azuis brilhantes e uma sobrancelha arqueada enquanto ela encarava a câmera com um sorriso convencido. Alguma informações básicas estavam logo no começo da ficha: idade (53 anos), altura (1,75m), peso (64kg), local de nascimento (Villach, Áustria), e ocupação (Duquesa de Kent); mas logo em seguida algumas coisas mais úteis também estavam registradas, como seus amigos e associados mais próximos na corte.

—Viu alguma coisa sobre uma Lady Audrey Moore?- eu perguntei a Titania. Ela assentiu, folheando pelos papéis até achar a ficha de uma senhora de cinquenta e tantos anos de cabelos escuros e olhos claros.

—Audrey Moore, cinquenta e um anos, natural de Cambridge, Inglaterra. Atualmente, Condessa de Essex, e uma das amigas mais próximas de Lady Bertha- Titania informou, deslizando a ficha para mim.

Olhando nas duas fichas que eu tinha agora em mãos, consegui juntar informação o suficiente sobre o que esperar do almoço ao qual havíamos sido chamados. Lady Bertha gostava de equitação e jardinagem, segundo interesse esse que dividia com Lady Audrey, mas seus eventos tinham a participação das mais diversas figuras proeminentes na Corte. A Princesa Real Justine, Condes e Condessas e Duques e Duquesas diversos, incluindo...

—O Duque de York- eu disse, erguendo a cabeça para encarar Titania- Aqui diz que ele comparece aos eventos de Lady Bertha com certa frequência, principalmente os ao ar livre, e que eles praticam equitação com alguns outros nobres de tempos em tempos. Ele pode estar lá, Titania.

—Bem, eu duvido que esteja. A ficha dele diz que ele é bem próximo do Príncipe Herdeiro, e como o Príncipe não está na Corte ainda, suspeito que eles estejam em alguma propriedade no campo, e que só devam retornar para o Baile de amanhã.

—É possível. Mas, de qualquer maneira, essa é uma excelente oportunidade para juntar mais informações, e se enturmar o suficiente para que você eventualmente possa chegar perto do Duque.

Titania fez uma careta.

—É ele quem vai chegar perto de mim, acredite- ela disse, organizando os papéis novamente- Não faz parte da minha estratégia rastejar até ninguém.

Eu arqueei uma sobrancelha, um pouco incrédulo.

—Nós não estamos mais em Alcântara, Titania. Esse é o mundo real, e ele não gira ao seu redor. Você vai ter que colocar o mínimo de esforço em ser mais aberta, pelo menos uma vez na vida.

Eu vi a expressão dela se fechando ainda mais, e ela se ergueu da mesa, arrebitando o nariz. Eu supus que esse gesto fosse inconsciente, mas ainda assim havia algo de teatral que parecia ligeiramente ensaiado.

—Não sou obrigada a ficar te ouvindo me tratar como um peão. Já basta a Companhia querer me dar ordens, não ache que vou aceitar que você me mande e desmande também.

—Titania, não é isso o que eu quis dizer...- eu comecei, mas ela me interrompeu:

—Tanto faz o que você quis dizer Lysander, eu realmente não me importo. Só estou farta de todos me tratando como um brinquedinho, um bibelô bonitinho que podem trocar por informações. Eu vou fazer o meu trabalho, mas vou fazer do meu jeito, e não vou aceitar que ninguém me diga como fazê-lo.

Lá estava novamente, a prima-dona geniosa e dramática, a qual eu me sujeitava toda vez mesmo não tendo feito nada de errado. Pensei em retrucar, em lhe dizer que ela estava com a melhor parte do trabalho, que ela deveria se sentir grata pela importância que lhe fora atribuída, mas ela já havia ido embora.

Pelas horas seguintes, continuei repassando as fichas que ela havia deixado para trás, esperando que ela fosse voltar, arrependida por seu comportamento, mas isso não aconteceu. Claro que não aconteceria, eu era iludido por pensar sequer por um segundo que Titania viria me pedir desculpas, mas ainda assim eu fiquei um pouco chateado pelo tratamento que ela havia me dispensado.

De qualquer maneira, às onze e quinze, ela estava na porta do meu quarto, me aguardando, com a expressão ligeiramente irritada. Ela havia retocado a maquiagem, mas permanecido com o vestido amarelo inicial. Estava bonita, como sempre, mas também havia algo a mais sobre ela, uma determinação dura e perigosa.

—Vamos logo com isso- ela disse, jogando os cabelos sobre o ombro- Não temos o dia inteiro.

O fato é que tínhamos sim o dia inteiro, mas eu não iria discutir.

—Com a sua permissão, Milady- eu murmurei, lhe oferecendo meu braço, ainda que claramente ressentido. Ela me encarou por alguns segundos antes de aceitar.

—Eu não deveria ter sido tão rude com você. Mas você entende como eu me sinto, não entende?

Foi a minha vez de a encarar por alguns segundos. Não, eu não entendia.

—Claro que entendo- eu forcei um sorriso- E está tudo bem. Afinal, precisamos trabalhar juntos, não é mesmo?

Chegamos aos jardins depois de alguns minutos perdidos nos corredores, e não foi difícil notar a aglomeração de pessoas animadas que se dispunham em mesinhas adjacentes a um exuberante canteiro de rosas brancas.

—Você está pronta?- eu perguntei, lançando uma olhadela para Titania.

—Não- ela disse, encarando a pequena multidão- Mas não tenho muita escolha, não é mesmo? Vamos lá.

Eu coloquei um sorriso no meu rosto e dei um passo em direção à festa, torcendo para que minha irmã não estragasse tudo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Vejo vocês nos comentários, até!