A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 2
Capítulo I - Uma nova Mandalore para novos mandalorianos


Notas iniciais do capítulo

Voltei mais rápido do que o planejado, meus amores!

O capítulo de hoje está um pouco longo, as eu espero que ele seja eficiente em passar a idéia que ele precisa passar. Pensei em dividir em dois, mas achei que essa quebra poderia ser prejudicial.

Enfim, espero muito que gostem ♥



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A sala de reuniões no palácio em Keldabe era relativamente pequena, suficiente apenas para abrigar o governante e algumas poucas outras pessoas (algo que o projeto no palácio na nova capital havia corrigido de forma mais do que adequada). Satine estava sentada na ponta da mesa, a caneta em suas mãos e os papéis à sua frente. Diretamente à sua direita (exatamente onde devia estar) estava Zaar Wren, um homem de meia idade, careca e com um olhar cansado que servira como primeiro-ministro no governo do pai da atual governante e que continuava a manter o mesmo cargo no governo da jovem – apesar do ar cansado, um homem íntegro e de uma lealdade inquebrável. Ao lado dele, estava seu assistente, um homem apenas dez anos mais velho do que a própria Satine que, como ela, esbanjava cabelos loiros: Almec. À esquerda da moça, ainda estavam sua irmã, Bo-Katan, e o governador da principal e mais próxima lua de Mandalore, Pre Visla.

— E como vai ficar a lei de desarmamento, Duquesa? – perguntou Zaar, no momento em que o tópico entrou em pauta, quando Satine puxou um papel em específico para o topo da pilha à sua frente, um projeto de lei.

Era estranho ser chamada de “Duquesa”. Durante toda a sua vida, Satine havia se preparado para receber o título de Mand’alor. Mesmo antes da morte de seu pai, alguns funcionários do palácio já se referiam à ela dessa forma, inclusive. Mas, se ela pretendia fazer as reformas que planejava, ela precisava atacar a base de uma cultura. Um título como Mand’alor carregava um significado forte demais, uma herança sangrenta que ela planejava abdicar. Duquesa era um nome novo para novos tempos. Tinha um significado muito mais sutil.

Mais civilizado.

— E vetei os artigos seis, sete e nove, conforme você me instruiu, primeiro-ministro – Satine respondeu imediatamente, voltando-se para o homem. – Mas mantive o artigo dezesseis. Pessoalmente, acredito que obrigar que as pessoas entreguem seus armamentos para o governo seja uma medida drástica demais no momento e, justamente por isso, eu gostaria que a equipe de deputados reformulasse o artigo vinte e sete, sobre o porte de armas em espaço público, para torná-lo mais rígido.

— Será feito, Duquesa – Zaar aceitou o texto da lei em suas mãos no momento em que Satine o estendeu a ele. – Qual a próxima pauta?

— Queria passar para a situação das colônias – disse Satine, já selecionando os papéis necessários sem nem mesmo esperar a resposta.

— É a senhora quem manda – Zaar respondeu imediatamente.

“Senhora.” Talvez, fosse ainda mais estranho que “Duquesa”.

— Eu estive revendo os relatórios dos governadores das colônias – começou Satine. – Aparentemente, tudo está sob controle, sem grandes intercorrências com os locais. Os impostos estão sendo pagos em dia e os produtos estão sendo enviados para Concordia – ela olhou para Pre Visla – onde estão sendo reorganizados e redistribuídos pela galáxia. Obrigada pelo maravilhoso serviço, Visla.

— Disponha, Duquesa – disse o homem.

— Enfim, como estamos há mais de dois anos sem grandes intercorrências e sem problemas com as populações locais, eu pensei em reduzirmos o contingente militar disposto nas colônias – concluiu Satine. – Não retirar todos os soldados de lá, claro. Mas reduzir a presença dos soldados ao mínimo necessário.

— Concordo, Duquesa, apenas sugiro que isso seja feito de forma gradual – apontou Zaar e, imediatamente, Almec passou a digitar velozmente em seu datapad. – Podemos começar com uma lua ou um planeta menor... Botajef, por exemplo... um teste para ver como os locais respondem à menor presença de nossos soldados antes de efetivarmos isso como uma ação mais ampla.

— Concordo – Satine respondeu. – Posso deixar isso com você?

— Falarei pessoalmente com o Ministro Eldar e levarei o tema para discutir com os deputados.

Um som, no entanto, fez a conversa terminar. Satine e os dois homens presentes, imediatamente, voltaram-se para encarar Bo-Katan, cujo rosto assumia uma expressão irritada.

— Isso é uma brincadeira, não é? – perguntou a jovem. – Retirar os soldados das colônias?

— Não – respondeu Satine calmamente. – Por que a pergunta?

— Irmã, – começou Bo-Katan, em tom irônico – acho linda essa sua idéia de pacifismo, mas o que você pretende fazer se os locais se revoltarem e expulsarem os poucos soldados que deixarmos nas colônias? Ou se matarem eles?

— Quais são as suas preocupações? – Satine rebateu.

Bo-Katan revirou os olhos, como se aquilo a estivesse saturando.

— Olhe ao seu redor, irmã – ela começou. – O que é que Mandalore comercializa com o reto da galáxia que não seja produzido nas colônias? Nada! A única coisa que fazemos aqui é a mineração de beskar, mas nem isso pode nos ajudar por que nós não exportamos beskar! Se as colônias se revoltarem e nós perdermos esse mercado, Mandalore vai à falência e não tem guerra civil que vai resolver a miséria que isso aqui irá se tornar. Você devia armar ainda mais as colônias! Manter os locais na linha!

— Nós só não produzimos nada aqui porque nossas guerras destruíram o planeta e inviabilizaram qualquer outro tipo de atividade, Bo – Satine assumiu o mesmo tom irônico da irmã, mas ainda falando de forma suave e pausada. – Eu peço que confie em mim. Ao contrário de você, eu estudei a vida inteira para estar onde eu estou. Eu sei o que estou fazendo.

A alfinetada atingiu Bo-Katan de forma ainda mais intensa do que Satine havia previsto. A mais nova se levantou e se curvou sobre a irmã ameaçadoramente. Satine, acostumada com os conflitos com a irmã desde pequena, nem sequer se assustou ou se moveu.

— O que pretende fazer, então? – gritou Bo-Katan.

Satine desviou o olhar, coçando o queixo por alguns instantes como se fingisse estar pensando.

— Talvez eu comece a exportar beskar – ela provocou, finalmente olhando para Bo-Katan.

Uma fúria animal se tornou visível nos olhos da Kryze mais nova. A mesma fúria que Satine vira tantos anos na infância, antes de suas brigas se tornarem físicas. A menor sugestão de algo assim era inadmissível... uma afronta... uma heresia!

Antes que Bo-Katan pudesse avançar contra a irmã, como pretendia, seu punho foi segurado por Visla, ao seu lado. A jovem olhou indignada para ele.

— Vocês concordam com isso? – ela movia seu olhar feroz e velozmente de Visla para Zaar. – Concordam com esse desrespeito?

— Visla, por favor, pode tirar minha irmã daqui? – pediu Satine, sem nem mesmo olhar para ele ou para a irmã, voltando a mexer nos papéis à sua frente. – Acompanhe-a até o quarto dela. Os adultos precisam de um pouco de paz para conversar.

— Imediatamente, Duquesa.

Visla se levantou e, no mesmo momento, Bo-Katan se desvencilhou dele.

— Eu posso andar sozinha – ela disse, virando-se para deixar a sala de reuniões.

Visla foi logo atrás dela.

— Eu peço infinitas desculpas por tudo isso – disse Satine à Zaar e Almec, evergonhada. – Antes de terminar, eu gostaria de discutir uma última coisa – ela, finalmente, voltou seu olhar para os dois homens restantes na sala. – Sundari. Como está a construção da cidade?

— Estive lá ontem pessoalmente, Duquesa – respondeu Almec. – Conversei com o engenheiro chefe e ele me garantiu que não haverá novos atrasos. Ele acredita que conseguirá entregar a cidade antes mesmo do fim das três semanas que ele havia mencionado.

— Excelente! Obrigada, Almec – o sorriso no rosto de Satine era radiante, traduzindo toda a alegria que sentia em ouvir aquela notícia. – Acho que podemos começar a planejar a minha coroação, então?

— Ficarei honrado em me encarregar disso, Duquesa – Zaar respondeu, sorrindo afetuosamente para ela e ensaiando uma curta reverência com a cabeça.

Satine retribuiu o sorriso. Ela, então, respirou fundo e olhou para os papéis em sua mesa.

— Se não se incomodam, eu gostaria de mais uma coisa – ela disse.

— É claro, Duquesa – Zaar e Almec responderam imediatamente.

— Eu gostaria de ir pessoalmente até Sundari – ela disse. – Conhecer o palácio e inspecionar a obra. Digo, ainda está cedo, então acho que conseguiremos ver bastante coisa antes que escureça. Se importariam?

Zaar foi o primeiro a se manifestar.

— Será uma honra acompanhá-la – ele disse.

Nesse momento, Satine sorriu de volta para ele. Como havia dito para Bo-Katan, ela estudara a vida toda para ocupar o local em que estava. Mas ela devia muito de seu recente sucesso à Zaar. Sabia que seu governo estava apenas começando, mas sabia que nada do que havia feito até então não teria sido tão bem feito se não fossem os conselhos daquele senhor.

Mas ele também encarava Satine. Nos olhos do homem, havia, explicitamente, carinho e admiração.

— O que foi? – questionou Satine, encabulada.

— Seu pai teria muito orgulho de te ver assim – respondeu Zaar. – Uma líder. Uma líder com a coragem de colocar em prática tudo o que ele sempre sonhou, mas que nunca teve a audácia de tentar. Ele foi um grande líder para Mandalore, mas você será ainda maior.

 

— Você não precisa me acompanhar até o meu quarto, Visla – disse Bo-Katan, rispidamente. – Eu sei muito bem o caminho.

— Não duvido nem um pouco disso, princesa – foi a resposta do homem. Sóbria e ponderada. – Mas, são ordens da Duquesa. Lamento te incomodar, mas preciso obedecê-la.

Contrariada, Bo-Katan grunhiu, mas se manteve em silêncio.

— Eu entendo o seu ponto, se serve de consolo – disse Visla.

Pela primeira vez recebendo alguma forma de respaldo, a jovem se virou para olhá-lo.

— Entende?

— É claro! – ele confirmou, sem olhar para ela. – Assim como você, também me preocupo com o destino das ações da sua irmã. Entendo as boas intenções dela por trás dessas mudanças, mas também me preocupo com as consequências negativas que isso pode trazer para Mandalore. Afinal, como você bem colocou na reunião, Mandalore é o que é hoje por causa de seu passado. E negar esse passado por ser um primeira passo para a ruína.

— Então, você concorda comigo? – Bo-Katan perguntou diretamente.

Pela primeira vez desde que deixaram a sala de reuniões, Visla olhou para Bo-Katan.

— Eu não disse isso – ele respondeu.

Mas havia algo nele que fazia Bo-Katan entender que, apesar de ele não dito aquilo com todas as letras, era exatamente o que ele tinha intenção de dizer. Um sorriso de apoio, uma expressão irônica. Afinal, Visla era, antes de tudo, um político. Sabia exatamente o que dizer, como dizer e quando dizer. Sabia como manifestar sua opinião sem se comprometer com nenhum dos lados de uma disputa.

— Meu maior medo é ver nosso planeta em ruínas – rebateu Bo-Katan.

— Eu posso lhe garantir que você não é a única com esse medo, minha jovem – Visla emendou. – Sua irmã encontrará muita resistência. Seja uma resistência organizada em ações políticas e disposta a uma discussão pacífica, seja uma resistência um pouco mais... radical.

Imediatamente, Bo-Katan parou de andar, olhando para Visla com incredulidade.

Será que...? Não... Ele não seria insano de sugerir algo desse tipo... Ou seria?

— O quê?

— O quê? – Visla rebateu a pergunta, indicando que não pretendia manter mais aquela conversa.

— Você pode voltar para a sala de reuniões – disse Bo-Katan, olhando-o com rispidez. – Eu não preciso mais da sua companhia, governador.

Por alguns instantes, o homem permaneceu imóvel. Instantes nos quais Bo-Katan acreditou piamente que ele insistiria em obedecer às ordens de Satine. Mas, contrariando as expectativas da princesa, o governador de Concordia fez uma singela reverência.

— Como queira, lady Bo-Katan – ele disse.

De modo cortês, Visla girou nos calcanhares e se afastou no corredor, deixando Bo-Katan sozinha enquanto retornava à sala de reuniões. A jovem permaneceu imóvel por todo o tempo em que o homem esteve em seu campo de visão, vendo-o se afastar cada vez mais até virar em um novo corredor.

Talvez, as ordens de Satine não importassem tanto assim para ele, afinal.

 

Satine estivera em Sundari pela última vez quase dois meses antes, quando ficara impressionada com a imensa capital em construção. Não só com a beleza dos traços firmes e rústicos de cada prédio, mas com as dimensões monumentais que todo o conjunto tinha: uma imensa cúpula no centro do deserto vazio o qual o planeta havia se tornado. Com certeza, uma visão muito triste e que despertava muitos sentimentos de nostalgia, mas, ainda assim, suficientemente impactante para relembrá-la da grandiosidade e do poder de seu planeta.

Dessa vez, a capital estava praticamente pronta. Há menos de três semanas de ser entregue (segundo as informações de Almec), a cidade já era praticamente habitável aos olhos de qualquer leigo. Apenas detalhes na construção separavam o projeto de sua completa realização. Uma capital nova para novos mandalorianos. Era isso, pelo menos, que ela dizia para si mesma. Talvez, aquele fosse o ponto de virada para recomeçar a escrever a história de Mandalore. Claro, uma nova capital seria apenas um ponto de virada simbólico. Mas já era uma imagem muito significativa e que, com certeza, facilitaria, em partes, o seu trabalho como Duquesa.

— O que está achando, Duquesa? – perguntou Zaar, conforme o speeder que ocupavam cruzava os imensos prédios da cidade, aproximando-se cada vez mais do palácio.

— Eu não sei nem o que dizer... – Satine balbuciou a repsosta.

Por alguns instantes, ela, realmente, estava sem palavras, maravilhada com o que via. Mas, por fim, o palácio de Sundari se tornou completamente identificável em meio aos prédios. Uma imponente construção feita de metal e vidro, traduzindo toda a opulência e poder de Mandalore em cada uma de suas linhas. Ao vê-lo, o queixo de Satine caiu, conforme ela se sentia cada vez menor, a cada metro que o palácio se tornava mais próximo. Hipnotizada pela grandiosidade do prédio, Satine só percebeu que o speeder estava parado quando Zaar lhe estendeu a mão, para ajudá-la a descer.

Retirada de seu transe, Satine segurou a mão do homem e desceu do speeder. Cercada por cinco de seus soldados, ela foi conduzida por Zaar e Almec para dentro do palácio, percebendo que ele era tão suntuoso por dentro quanto por fora. Vidro, escadas e lustres por toda parte, com runas mandalorianas gravadas em cada pedaço de metal espalhado pelo local. Uma verdadeira obra de arte que nem sequer parecia estar a três semanas de ser completada. Já estava magnificamente pronta.

O chefe dos engenheiros se apresentou para Satine, aproximando-se cautelosamente e fazendo uma pomposa reverência assim que ela adentrou o hall. Animadamente, ele mostrava o local, mas a Duquesa mal prestava atenção em suas palavras, apenas admirando cada detalhe do que via. Quando, finalmente, caiu por si, Satine estava em uma grande sala e, ao fundo, havia um trono.

— Esta é sua sala, Duquesa – disse o engenheiro. – Espero que goste.

Satine, então, aproximou-se do fundo da sala, admirando tudo ao seu redor com espanto e curiosidade. A sala do trono do palácio em Sundari parecia ser completamente feita de vidro, de forma que a luz do sol que se punha refracionava por todo o ambiente, iluminando-o com centenas de cores, lembrando-a dos inúmeros contos de fadas que ouvira em sua infância.

Por fim, com Zaar logo ao seu lado, ela chegou ao trono, tocando suavemente o encosto. Na pele de seus dedos, ela sentia um certo formigamente difícil de traduzir em sensações, mas que, com certeza, vinha à sua mente com o peso de suas responsabilidades. Há meses não era mais apenas uma princesa mandaloriana, mas apenas naquele momento ela realmente entendia as dimensões de seus deveres. Satine sentiu um frio na barriga, mas, apesar de toda a ansiedade, ela sabia que era uma missão que queria cumprir. O trono de Mandalore não era apenas um direito de herança, mas era mais do que isso. Muito mais!

Era um dever.

Essa epifania, contudo, foi interrompida rapidamente. Gritos de “Segurem ele!” fizeram com que ela se virar. Um dos soldados de sua guarda se aproximava dela, seu blaster apontado para seu coração.

— Por Mandalore! – ele gritou e disparou.

A luz avermelhada do disparo reluziu em cada parede de vidro conforme cruzou a sala do trono. Com o coração disparando velozmente em seu peito e sem ter como evitar a morte certa, Satine fechou os olhos. Mas a morte certa não chegou para ela. A Duquesa ouviu o som do disparo atingindo algo à sua frente, mas só soube o que era quando abriu os olhos.

Agindo mais rapidamente do que os soldados da guarda real, Zaar se colocou em frente a Duquesa, recebendo o disparo em seu lugar. O primeiro-ministro desabou, não caindo ao chão devido à própria Satine, que o segurou em sua queda, caindo junto com ele e minimizando o seu impacto.

Sentada ao lado de um gemente Zaar, Satine observou seus outros guardas avançarem contra o traidor. Cercado, o assassino sabia exatamente o que fazer. Ele sabia exatamente o que aconteceria com ele antes de ser executado. Sabia exatamente que fariam de tudo para arrancarem dele qualquer informação que fosse. Mas ele não passaria por isso.

O assassino apontou seu blaster contra o próprio queixo e disparou.

O som do baque de seu corpo contra o chão foi quase inaudível diante do grito da Duquesa.

 

— E então? – perguntou Satine, exasperada, ao ver Almec adentrar a sala de reuniões.

— Ele vai ficar bem – o assistente respondeu, tranquilizando a Duquesa e Bo-Katan, apreensivas. – Acabei de conversar com o médico responsável. Foi grave, mas poderia ter sido pior. Mas, aparentemente, ele estará bem o suficiente para organizar a sua coroação e estar presente.

— Eu pouco me importo com isso – rebateu Satine. – Desde que ele fique, eu já fico mais tranquila.

— E quanto ao soldado? – perguntou Bo-Katan. – Já sabemos alguma coisa?

A expressão no rosto de Almec, até então leve, assumiu um tom de frustração.

— Nada – ele respondeu. – Não conseguimos identificá-lo como nenhum dos membros das guarda real.

— Um infiltrado? – Satine perguntou, espantada.

— Provavelmente – respondeu Almec. – Ainda estamos tentando chegar a uma identidade, mas o homem parece um fantasma. Suas digitais não batem com nenhuma cadastrada em nenhum banco de dados de Mandalore.

— E quanto aos bancos de dados nos outros planetas do sistema? – questionou Bo-Katan. – E quanto aos das nossas luas?

— O Serviço Secreto está cuidado disso exatamente nesse momento – foi a resposta. – Se esse homem é mandaloriano, e não um caçador de recompensas, nós vamos identificá-lo.

— Ele é mandaloriano – disse Satine. – Você viu o que aconteceu, Almec. Ouviu ele gritar que fazia aquilo por Mandalore. Além disso, ele não se mataria se fosse um caçador de recompensas. Seria muito mais fácil para ele se render e entregar todas as informações que tinha em um interrogatório em troca da própria vida, se fosse o caso. Aquele homem estava agindo movido por um ideal.

Por um instante, houve um longo silêncio.

As palavras de Satine faziam sentido. Mas era tudo tão nebuloso...

— Eu concordo com você, irmã.

Satine olhou para Bo-Katan em choque. Aquelas eram palavras que as duas raramente dirigiam à outra.

— O quê? – a Duquesa perguntou.

— Eu concordo com você – repetiu Bo-Katan. – Você disse que o homem estava agindo movido por um ideal. Pelo que vocês descreveram, é uma possibilidade muito forte. Mas, a questão que não sai da minha cabeça é... Ele estava agindo sozinho ou ele era apenas o fantoche de outras pessoas?

 

A sala do trono do palácio em Sundari estava lotada. Absolutamente toda a alta nobreza de Mandalore estava presente. Caminhando entre eles em direção ao trono, Satine conseguia ouvir a multidão do lado de fora, dando vida à Capital apenas um dia após ter sido inaugurada. Há alguns meses, ela já vinha atuando como Duquesa. Mas aquele momento era algo único. Era o momento em que, oficialmente, ela se apresentaria para seu povo como uma governante. Como uma líder. E só de pensar nisso, Satine sentia seu coração batendo furiosa e descompassadamente contra o seu peito, como um animal enraivecido e enjaulado.

Logo à sua frente, parado ao lado do trono, ela via Zaar. Havia um sorriso que misturava satisfação e orgulho no rosto dele, enquanto ele observava a mulher caminhando lentamente em direção ao trono. Mas, apesar de todo o seu nervosismo, era justamente no olhar de Zaar que Satine encontrava tranquilidade. Sabia que estaria bem amparada enquanto ele estivesse ao seu lado. Sabia que ele não a deixaria tomar decisões erradas ou imprudentes. Sabia que ele era a pessoa de quem mais precisava no mundo. Um auxílio, uma rocha. E, exatamente por isso, seria uma honra receber a coroa de suas mãos.

Satine subiu os pouco degraus que separavam o trono do restante da sala do trono. Ela inspirou fundo e sorriu para Zaar quando ele lhe sussurrou um “Fique calma, você está indo bem”. Lentamente, ela se virou e encarou seus súditos por alguns rápidos segundos antes de a música parar de tocar e ela, finalmente, se sentar. Antes que percebesse, Zaar estava parado à sua frente, segurando uma coroa metálica feita de uma fina camada de beskar e com uma pedra azulada na altura da testa. E ele brandia a coroa diretamente acima da cabeça da jovem.

— Que os deuses concedam à ela o dom da justiça – disse Zaar. – E que seus antepassados concedam a ela o dom da sabedoria. Pois, só assim, ela será grande – lentamente, ele baixou a coroa sobre a cabeça de Satine. A pele da moça formigou quando o beskar entrou em contato com a sua cabeça. – Mas ela já e grande – Zaar sussurrou, apenas para que Satine ouvisse. – Eu lhes apresento a Duquesa Satine. Vida longa à Duquesa!

“Vida longa à Duquesa”, Satine ouviu os presentes responderem enquanto Zaar voltava a ocupar o seu lugar ao lado do trono.

Mais do que nunca, seu coração batia de forma incontrolável em seu peito. Satine mal conseguia respirar e tinha certeza de que desmaiaria antes mesmo de chegar à varanda para, finalmente, discursar para seu povo. Mal conseguia andar, mas tinha a confiança de que Zaar estava logo atrás dela. Sabia que ela não a deixaria cair. Em momento algum. Literal e metaforicamente.

Quando as portas do salão de abrirão, a luz do dia ofuscou os olhos da recém-coroada Duquesa. Os gritos chegaram aos seus ouvidos antes que ela pudesse se acostumar com a claridade. Havia vaias, é claro. Ela sabia que suas atitudes não agradariam a todos. Mas havia muito mais aplausos. E isso a alegrou. Satine sorria quando chegou ao fim da varanda, apoiando-se no guarda-corpo de metal. De lá, ela tinha uma ampla visão das ruas de Sundari, abarrotada de mandalorianos até onde a vista alcançava.

— Quando quiser – Zaar a instruiu, aos sussurros.

Assim, Satine sabia que havia chegado a hora.

Sem hesitar, ela levantou as mãos, acenando para o povo e, educadamente, pedindo por silêncio.

— Vivemos um período instável – ela começou. – Inúmeras guerras devastaram o nosso planeta e nós, os sobreviventes, tivemos que abandonar os nossos lares para continuarmos vivos. Ontem, chegamos a essa nova cidade com a intenção de reiniciarmos nossas vidas. Hoje, essas vidas começam, de fato.

Novamente, aplausos e vaias.

— Entendo a oposição que sofro por parte de alguns – Satine continuou. – Entendo que muitos me vejam como aquela que vai destruir a antiga glória de Mandalore. Mas eu não tenho essa intenção. Nosso povo é grande. E somos conhecidos na galáxia por tudo o que fomos e fizemos no passado. Ignorar esse passado seria um desrespeito com aqueles que construíram o nome de Mandalore. Mas as ações que construíram o nosso nome foram as mesmas que destruíram o nosso planeta nos últimos anos. Toda a cultura por trás delas já não é mais condizente com as necessidades atuais do nosso povo. A guerra nos limitou a poucas cidades, incluindo essa. E, assim como terminei de construir essa cidade, eu venho construir uma nova Mandalore. Sundari ainda é cercada pelo deserto que a antiga Mandalore se tornou, da mesma forma que nosso futuro sempre será cercado pelo nosso passado. Que a construção de Sundari seja a construção de um novo futuro. Uma nova Mandalore para novos mandalorianos!

Como esperado, mais aplausos e vaias. Mas, mesmo assim, Satine sorria. Porque, apesar de tudo, ela sabia que estava no caminho certo. Ela sabia que estava fazendo o que precisava ser feito.

E nem sempre o que precisa ser feito é o mais agradável.

 

Satine não conseguia entender por qual motivo fora acordada no meio da madrugada, logo após a sua coroação. Na manhã seguinte, estaria indo para Coruscant, onde discursaria no Senado, apresentando-se como a nova líder de Mandalore e reestabelecendo contratos e fronteiras. Tudo o que mais queria era uma noite de sono bem dormida antes de um dia que, com certeza, seria longo e exaustivo.

— Você pode me informar o que está acontecendo? – perguntou Satine, com uma certa rispidez, parcialmente sem intenção.

— Me desculpe, Duquesa – disse o soldado, sem sequer se virar para trás para olhá-la. – Mas a ordem que recebi do senhor Almec era de conduzi-la em segurança até a sala de reuniões. Não sei o que está acontecendo.

E, assim que Satine entrou, percebeu que algo muito grave havia acontecido. Ainda vestindo seus roupões, Zaar e Almec estavam sentados, discutindo enquanto olhavam para um datapad. Bo-Katan andava de um lado para o outro, visivelmente apreensiva. O chefe da guarda-real, um mandaloriano alto, careca e corpulento que atendia pelo nome de Yarsek e que usava um tapa-olho sobre o olho esquerdo (dando-lhe um aspecto mais assustador do que ele realmente era) olhava para o datapad de Zaar, coçando o queixo, pensativo. Os governadores de três luas próximas, que acompanhariam Satine à Coruscant, também estavam lá, incluindo Visla.

— Duquesa! – Almec se levantou para recebê-la, assim que notou sua chegada. – Por favor, sente-se.

— O que está acontecendo? – perguntou Satine, curiosa, ocupando a cadeira indicada por Almec.

O homem, então, adiantou-se até o datapad de Zaar e apertou um botão. No centro da mesa, um holograma foi projetado. Tratava-se do hangar de Sundari, mostrando exatamente a nave que levaria Satine para Coruscant na manhã seguinte.

— Isso foi filmado há trinta minutos – informou Zaar.

Havia um tom sério em sua voz. Uma preocupação que fez os cabelos na nuca de Satine se eriçarem. Algo realmente muito sério estava acontecendo.

Satine observou a nave por alguns instantes, sem entender o que eles queriam que ela visse. Até que ela foi surpreendida por um som esquisito. Um clique. Como algo sendo acionado. No instante seguinte, a nave no holograma explodiu, desintegrando-se completamente. Cada folha de metal e cada placa de vidro se fragmentaram em centenas de pedaços enquanto uma onda de fumaça e fogo se expandia pelo hangar.

— Chega – disse Bo-Katan, adiantando-se e tocando o datapad de Zaar, parando a gravação.

Todos olharam para Satine, como se esperassem ver a sua reação. Mas ela, espantada, apenas tinha levado a mão à boca, mantendo o olhar fixo na imagem congelada de sua nave destruída.

— O Serviço Secreto foi rápido – disse Yarsek. – Descobriram os restos de uma bomba. Pelo mecanismo, o assassino parece ter acesso a depósitos de armas militares, mas aparenta ser um amador. O relatório preliminar dos droides que fizeram a perícia no local aponta que a bomba foi mal montada e, por isso, explodiu algumas horas antes do previsto.

— O que foi a sua sorte – continuou Zaar. – Pelos cálculos dos droides, a bomba estava planejada para explodir quando a sua nave estivesse entrando na atmosfera de Coruscant. Quem estava tentando te matar não queria apenas te matar. Queria que a sua morte fosse um evento humilhante transmitido para toda a galáxia.

— O que vamos fazer? – perguntou Satine, após alguns instantes de silêncio.

Yarsek se adiantou, parando ao lado da Duquesa.

— O Serviço Secreto está analisando as gravações do hangar tentando identificar um culpado – ele informou. – Estão trabalhando com duas linhas de investigação. Na primeira, estão considerando que as duas tentativas de assassinato foram eventos isolados. Na segunda, estão considerando que tudo isso faz parte de algo maior e que mais pessoas possam estar envolvidas. Quanto a você, nós precisamos dobrar a sua segurança.

— E o contingente para isso? – questionou Satine.

— Suficiente, por um tempo – Yarsek fora terrivelmente sincero. – Tenho soldados altamente treinados capazes de garantir a sua segurança, mas, não sabemos como as coisas podem evoluir a partir disso – ele apontou a imagem congelada da nave destruída. – Se uma nova guerra acontecer...

— Não vai – rebateu Satine.

— Mas se acontecer – continuou Yarsek – eu posso não ter soldados suficientes para fazer a sua segurança. Eu espero que as coisas não fiquem ainda mais acaloradas do que já estão, mas, se ficarem, a senhora estará em risco, Duquesa.

Satine respirou fundo e se afastou na cadeira, apoiando-se de forma desajeitada em seu encosto.

— Quais são as minhas opções?

— Muitas – Zaar respondeu. – Mas suas ações serão dinâmicas. Eu entendo a sua vontade de adotar uma postura pacifista, mas, se o Serviço Secreto for tão eficiente quanto promete, logo culpados começarão a ser presos e, nesse caso, você precisará ter alguma demonstração de força.

— Você está sugerindo... execução?

— Sim – Zaar não teve medo algum em confessar. – Qualquer postura que você tomar agora pode necessitar ser mudada no futuro, conforme as investigações forem desenvolvidas. Não fazer isso pode, simplesmente, aumentar ainda mais o descontentamento dos radicais. Uma manifestação de força pode, por outro lado, deixá-los acuados.

— Ou pode incitá-los ainda mais – rebateu Yarsek, em um tom de voz que deixou claro para Satine que o assunto já estava sendo calorosamente discutido antes mesmo de sua chegada.

— E quanto à minha segurança?

— Minha sugestão é de enviar a senhora de volta para Kalevala – Yarsek respondeu. – Em segredo. Assim, despistaríamos os terroristas. E, lá, eu tenho mais condições de montar uma estrutura de segurança mais eficaz. O palácio em Kalevala é antigo, mas possui esconderijos impenetráveis que podem ser muito vantajosos ou, pelo menos, nos fazer ganhar tempo até que possamos garantir um contra-ataque, no pior dos casos.

— Não! – respondeu Satine. – Esses terroristas já se opõem a mim porque me vêem como fraca. Não vou dar a eles a chance de pensarem que sou covarde! Se a informação vazar de alguma forma, não vai restar um único mandaloriano vivo me apoiando.

— Nós poderíamos... – começou Bo-Katan.

— Eu já disse que não! – urrou Yarsek, voltando-se para ela.

— Diga, irmã – pediu Satine, levantando a mão, indicando para que Yarsek se calasse. – O que você pensou?

Bo-Katan, um pouco acuada pelo olhar frio de Yarsek, aproximou-se de Satine.

— Eu imaginei que não iria querer se refugiar em Kalevala – disse Bo-Katan. – Incluisvo, fico feliz que seja honrada o suficiente para isso – claro... ela não conseguiria elogiar a irmã sem alfinetá-la... – Então, já que a guarda-real possui um tempo limitado no qual consiga garantir a sua segurança, eu pensei que poderíamos pedir ajuda aos Jedi.

Murmúrios ecoaram pela sala. Zaar coçou as têmporas, Almec escondeu o rosto em suas mãos e Yarsek parecia prestes a agredir Bo-Katan.

— Duquesa, por favor – adiantou-se Yarsek, entrando na frente de Bo-Katan. – Eu concordo plenamente que se esconder em Kalevala possa ser visto como covardia. Mais cedo ou mais tarde, a população iria saber que você fugiu e, com certeza, covardia seria uma interpretação possível e com consequências gravíssimas. Mas eu lhe asseguro que pedir ajuda dos Jedi vai ser muito pior. Muito pior! Você não vai ser vista só como uma covarde, mas como uma traidora. Pacifismo pode não ser uma constante entre os mandalorianos, mas o ódio aos Jedi é. Pedir auxílio a eles será o fim do seu governo que mal começou, guardo o que estou lhe dizendo!

— Eu concordo com lady Bo-Katan – adiantou-se Visla, recebendo o olhar congelante de Yarsek e o olhar de espanto da jovem princesa. – Realmente, Yarsek está certo em achar que o efeito da presença dos Jedi possa ser danoso demais para a sua imagem. Mas, se a guarda-real tem contingente para garantir a sua segurança por um tempo, eu sugiro aproveitar esse tempo para descobrirmos quem está por trás desses ataques. E, com certeza, os Jedi podem ajudar nesse ponto. Com a sua permissão, Duquesa, eu mesmo posso me encarregar de que a chegada deles aqui fique em sigilo absoluto. Ninguém fora dessa sala jamais saberá que os Jedis pisaram em Mandalore a seu pedido. Pode confiar em mim.

Todos os presentes olhavam para Satine com apreensão, esperando que ela decidisse. Ela, por sua vez, alvo desses olhares, sentia-se pressionada contra a parede. Sabia que a decisão final era sua e que os dois lados tinham argumentos suficientemente bons. Mas temia que sua decisão tivesse um impacto negativo demais. Mesmo assim, ela estava sob risco de morte. Culpados precisavam ser encontrados e punidos o mais rapidamente possível. E, se a guarda-real e o Serviço Secreto não tinham condições de fazer isso sozinhos, só havia uma alternativa.

— Chamem os Jedi – Satine anunciou a sua decisão.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?

Beijinhos, meus amores! Até o próximo ♥



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