A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 14
Capítulo XIII - As Visões de Qui-Gon


Notas iniciais do capítulo

Depois de quase 1 mês, cá estou eu com o capítulo que eu mais queria postar desde que comecei a escrever essa fic (até agora hahahahaha). Espero MUITO que gostem porque, nesse capítulo, vamos finalmente avançar MUITO com a história, por um caminho que eu acredito que nenhum de vocês imaginava!

E isso tudo no que é O MAIOR CAPÍTULO DA FIC ATÉ AGORA! Inicialmente, seriam 2 capítulos. Mas como a temática dos dois era praticamente a mesma, um concluído o outro, resolvi uní-los como um capítulo só. Espero que tenha sido uma boa idéia ;)



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A nave era um ponto perdido na imensidão do espaço. Uma luz cintilante em meio a uma infinidade interminável e incontável de estrelas. Um ponto quase microscópico mergulhado na escuridão do vazio, vagando à deriva e sem rumo. Parecia loucura permanecer nesse estado, com a nave desligada, deixando que a força reminiscente de seu último impulso a conduzisse pelo vácuo. Mas a idéia de mestre Vos, por mais absurda que fosse, ainda tinha a sua razão: enquanto estando em algum planeta ou lua eles poderiam ser reconhecidos a qualquer momento, manter a nave vagando pelo espaço fazia as chances de serem encontrados tender a zero. Afinal, com a nave desligada, eles estariam jogados no melhor esconderijo possível: a imensidão da galáxia.

Mas o espaço não era o único vazio que incomodava Satine. Havia um outro vazio. Um vazio que impregnava cada placa de metal ao redor da Duquesa, ameaçando esmagá-la assim como o vácuo ameaçava esmagar a nave a qualquer momento. Era o silêncio. Um silêncio sepulcral que ninguém ousava quebrar. Um silêncio que a açoitava e que ela não ousava quebrar.

Desde que o trio havia se separado dos outros Jedi, Obi-Wan parecia diferente. Colocado pelo mestre Vos em um transe muito semelhante ao que o jovem Padawan fora colocado após ser ferido em Corellia, Qui-Gon repousava em um dos quartos da nave. Um sono profundo no qual parecia estar morto enquanto, na verdade, apenas se recuperava de seus ferimentos. O mestre Jedi conservava uma pele pálida e gélida que muito assustava Satine. E, durante todo o tempo, Obi-Wan permanecia ao seu lado. Meditando. Por quatro dias seguidos desde que haviam resgatado Qui-Gon.

A verdade era que, desde o dia em que Satine mordera o lábio do Padawan, os dois ainda não havia conversado à sós. De fato, os dois, inclusive, evitavam estar sozinhos no mesmo ambiente. Era inegável que Satine ainda cultivava muita raiva pelo que havia acontecido. Mas a postura imutável do aprendiz, zelando pelo sono de seu mestre, deixava a Duquesa preocupada.

Ela não bateu à porta. Apenas se aproximou e a placa de metal deslizou para o lado, permitindo que ela entrasse no quarto. E lá estavam os dois, na mesma posição que ela os havia visto horas antes: Qui-Gon deitado na cama e Obi-Wan sentado ao chão. As pernas cruzadas e as mãos sobre os joelhos, os olhos fechados enquanto tentava acessar a Força ou sabe-se lá o que os Jedis fazem. Satine entrou calmamente e depositou uma bandeja sobre uma pequena mesa no canto do quarto, o aroma do chá que havia preparado impregnando o quarto.

— Você precisa comer – ela arriscou. – Você precisa tomar um banho. E precisa dormir.

— Eu preciso meditar – ele respondeu.

— Você está meditando há quatro dias – Satine insistiu.

— E você está interrompendo – Obi-Wan rebateu, ríspido.

Satine recuou, estarrecida e enfurecida. Como ele era.... Ah! Mesmo assim, ela se esforçou para se acalmar (mesmo sabendo que, com certeza, o rapaz conseguia sentir suas emoções e arriscando dizer que ele se divertia com aquilo) e respondeu da forma mais cortês que conseguiu.

— Eu só quero ajudar – ela disse, por fim. – Mas não tem muito o que ser feito agora, não é? E ficar aqui... meditando... não vai ajudar muito. Você precisa se acalmar ou não vai conseguir ajudar ele quando ele acordar e realmente precisar de ajuda.

— Eu estou calmo – respondeu Obi-Wan.

— Bem, não é o que parece – Satine retrucou. – Você não come e não dorme há dias! Pra mim, isso tem um nome. Culpa!

Houve um longo silêncio no qual Satine se arrependeu de ter dito aquilo. Mas as palavras pareciam ter escapado de seus lábios quase sem controle. Provavelmente, sua raiva dominando seu corpo. E era óbvio que Obi-Wan se sentia culpado. Afinal, Qui-Gon fora capturado após, irresponsavelmente, expor-se no exterior do castelo Maz, logo depois de ele e Obi-Wan terem brigado.

— Eu não quero conversar sobre isso – respondeu o Padawan.

— Você não tem que se sentir culpado – Satine amenizou seu tom de voz, tentando consertar seu erro após ter mexido em uma ferida tão delicada, ainda aberta e sensível no peito do rapaz.

— Já disse que não quero conversar sobre isso – Obi-Wan insistiu.

— O que aconteceu foi uma fatalidade – Satine continuou, quase sem perceber que Obi-Wan levantava a sua voz, deixando claro o quanto aquele assunto o incomodava e o quanto não queria discuti-lo naquele momento. Você não tinha como prever que ele iria sair do castelo e as ações dele não são responsabilidade sua!

— Fatalidade foi termos sido enviados para Mandalore, com tantos Jedi que poderiam fazer esse serviço.

Satine engoliu em seco quando, pela primeira vez, o aprendiz abriu os olhos e se voltou para ela.

— Como? – ela questionou.

A Duquesa recuou um passo quanto, bruscamente, Obi-Wan se levantou.

— Você sabe qual foi o motivo da nossa briga? – ele questionou.

Satine apenas que que não com a cabeça.

— Você – ele apontou para ela. – Porque, desde que eu te conheci, eu não consigo te tirar da cabeça. Eu não sei o que você fez comigo, se você me enfeitiçou ou sei lá o quê... mas você não sai da minha cabeça e eu não consigo pensar em mais nada. Eu não sei o que é isso... eu... Qui-Gon estava desapontado comigo. Desapontado por estar tão distraído.

Ao ouvir aquelas palavras, Satine engoliu em seco.

Mas ela precisava manter a sua postura.

— Então, porque você está agindo feito um adolescente que não consegue controlar suas emoções, eu é que tenho que sofrer com a sua culpa? – ela rebateu. – Eu não sou culpada pelo eu houve entre você e Qui-Gon. Lamento muito que eu tenha sido o motivo para essa briga estúpida entre vocês dois, mas eu não vou carregar o peso de algo que não é culpa minha.

— Eu não disse que você era culpada – Obi-Wan interveio.

— Não, não disse – concordou Satine. – Você disse que eu era um erro.

E, nesse momento, Obi-Wan se lembrou do beijo que tiveram no alto da torre do castelo de Maz. E, então, percebeu o quanto as suas palavras, ditas de forma irracional e pouco comedidas na ocasião, haviam marcado a Duquesa. Ela estava realmente ofendida com aquilo e parecia não estar nem um pouco disposta a deixar essa mágoa ir embora tão cedo.

Pela Força, como ela era difícil! Como ela era encrenqueira, briguenta e rancorosa! Ela sabia muito bem que ele não havia tido aquela intenção. Sabia que ele não havia a chamado de “erro”... o erro era ele se envolver com alguém... Ela sabia muito bem disso e continuava a insistir naquela narrativa deturpada das suas palavras.

— Eu queria nunca ter conhecido você – as palavras de Obi-Wan escaparam de seus lábios quase que involuntariamente, no auge de sua raiva. – Tudo teria sido mais fácil.

Essas palavras atingiram Satine como um tiro no peito. Por alguns instantes, ela mal conseguiu respirar, tendo a garganta ocluída por um nó amargo e que ela sabia que antecedia os seus raros momentos de choro. E Obi-Wan conseguia sentir sim esse sentimento através da Força, arrependendo-se de cada uma de suas palavras proferidas irracionalmente e no calor do momento.

Mas já era tarde demais.

— Tome o chá antes que esfrie – disse Satine, por fim.

Ela, então, virou-se e deixou o quarto, desejando apenas que as lágrimas começassem a escorrer pelos seus olhos só quando já estivesse bem longe. Obi-Wan não merecia vê-las.

— Satine, espere!

Mas, antes que Obi-Wan pudesse dar um único passo em direção a ela, a porta de metal deslizou logo após a Duquesa passar, deixando o aprendiz sozinho ao lado de seu inconsciente mestre.

 

“A Força me diz que você tem um papel a desempenhar na grande ordem das coisas”, as palavras de Maz Kanata ecoavam em sua cabeça.

Qui-Gon não sabia exatamente onde estava. Tudo ao seu redor era nebuloso. Metaforica e literalmente falando. Em meio à escuridão de seu sono, ele sabia estar rodeado por inseguranças e dúvidas. Seu corpo era tomado por uma sensação de medo que congelava sua espinha e fazia os cabelos em sua nuca se arrepiarem.

Em meio a névoa, ele caminhava sempre em frente, ouvindo o eco de seus próprios passos. Não sabia onde estava ou para onde estava indo, mas a cada passo, seu medo diminuía. Ao mesmo tempo, conforme se aproximava do vazio, vozes ecoavam ao seu redor. Sussurros vindo de todos os lados que se tornavam cada vez mais altos, quase a ponto de se tornarem gritos.

Foi então, que a névoa se dissipou. Ao seu redor, havia apenas uma imensidão escura e fria, e havia diversas trilhas de luz que se cruzavam em caminhos curvos para cima e para baixo, quase como se caminhasse no espaço. E, em cada um desses caminhos, havia runas. Uma língua que ele não conhecia e não sabia ler, mas que ele sabia ser antiga.

“Com sua permissão, mestre... eu acredito ter encontrado um ponto de vergência na Força”, ele ouvia a sua própria voz ecoando de algum lugar próximo, mas não conseguia se lembrar de já ter dito aquelas palavras.

“Localizada ao redor de uma... pessoa?”, ele ouviu a voz de mestre Windu.

“Um menino”, a voz de Qui-Gon tornou a responder.

Conforme Qui-Gon caminhava, ele percebeu que, ao longo dos caminhos de luz, totens triangulares se erguiam. Próximo a eles, as vozes pareciam ainda mais vivas e mais fortes. Como se saíssem de seu interior.

“Não!”, ele ouvia o grito de desespero de Obi-Wan ecoando de dentro de um dos totens, saindo da garganta de seu aprendiz com um misto de medo, raiva e agonia.

Em seguida, saindo de dentro do mesmo totem, Qui-Gon ouvia o som de sabres de luz se chocando. Um duelo mortal e animalesco se desenvolvia ao seu redor e que ele não conseguia ver, mas podia sentir a presença de seu aprendiz, usando tudo o que ele lhe ensinara durante anos em um combate contra uma presença maligna que fazia seus cabelos se arrepiarem.

“É tarde... demais...”, ele ouvia a si mesmo com uma voz moribunda. Como se estivesse... morrendo....?

“Não...”, um Obi-Wan afobado e descrente lhe respondia.

“Obi-Wan... Me prometa... Me prometa que vai treinar o menino...”, ele tornava a dizer.

O coração de Qui-Gon acelerou em seu peito. Podia não ter visto nada, mas imaginava o que aquilo representava. Demoraram alguns poucos segundos para que ele, finalmente, aceitasse que havia testemunhado a própria morte. Em um futuro próximo, ele tinha quase certeza.

Algo lhe dizia isso...

Ao mesmo tempo assombrado e maravilhado, Qui-Gon avançou em sua caminhada sem rumo, em direção ao próximo totem. De lá, ele, novamente, a voz de mestre Windu ecoou em sua mente:

“Você se refere à profecia daquele que trará equilíbrio à Força?”

“Eu te amo”, a voz de uma mulher se sobrepôs a voz do mestre Jedi. “Verdadeiramente... profundamente... eu te amo... e, antes de morrermos, eu queria que soubesse...”

Antes que pudesse interpretar o que tudo aquilo significava, algo lhe chamou a atenção. No totem à frente, ele conseguia ver algo. Diferentemente dos outros, aquele totem parecia funcionar como uma janela, exibindo algo para ser visto. Curioso, Qui-Gon se aproximou.

À sua frente, exibido no totem, ele via o interior de um grade salão em uma nave. Na ponte, uma figura espectral trajando uma armadura preta e um capacete que mais lembrava um crânio estava caída, o braço direito decepado enquanto arfava em uma respiração ruidosa e dolorosa. À sua frente, um Jedi loiro, empunhando um sabre de luz verde, observava seu adversário derrotado.

“Muito bom”, uma voz maligna chamou a atenção de Qui-Gon e, atrás do Jedi, ele viu uma figura encapuzada se aproximando e batendo palmas. Uma figura cuja simples visão fez um arrepio percorrer toda a espinha de Qui-Gon, e ele soube, nesse momento, que aquele homem detinha muito poder dentro do Lado Sombrio. “Seu ódio lhe fez poderoso. Agora, cumpra o seu destino e assuma o lugar do seu pai ao meu lado!”

Nesse instante, o Jedi desativou o sabre e se desfez da arma, jogando-a para o lado.

“Nunca... Eu nunca me juntarei ao Lado Sombrio. Você falhou, Vossa Alteza”, disse o homem. “Eu sou um Jedi! Como meu pai, antes de mim!”

Qui-Gon não conseguia ver o rosto por baixo do capuz, mas o silêncio que se seguiu já dizia tudo o que ele precisava saber. Havia ódio e ressentimento naquela figura que concentrava tanta energia do Lado Sombrio.

“Então, que se seja... Jedi”, disse a figura, levantando as mãos contra o homem.

E Qui-Gon sabia o que estava prestes a acontecer. Conhecia alguns dos poderes do Lado Sombrio e sabia o que aquela figura apavorante planejava fazer. No instante seguinte, raios saíram de seus dedos, atingindo o Jedi que, tomado pela dor, caiu ao chão.

E toda a dor que o Jedi sentiu, Qui-Gon também sentiu. Como se aqueles raios de luz ultrapassassem os limites do totem e o eletrocutassem também. O mestre Jedi caiu ao chão, contorcendo-se de dor e ficando completamente cego para tudo ao seu redor.

E, nesse momento, enquanto era tomado pela dor, ele viu dezenas de imagens percorrendo sua mente. Obi-Wan, alguns anos mais velho, lutando contra um soldado mandolariano em uma plataforma de pouso em um planeta chuvoso. A silhueta de um casal se beijando enquanto se casavam, abençoados pelo pôr-do-sol dourado na região lacustre de algum planeta. Mestre Windu sendo eletrocutado, tal qual como o Jedi que vira antes, pouco antes de ser arremessado por uma janela, desaparecendo em meios às luzes noturnas de Coruscant. Mestre Yoda e a tal figura sombria encapuzada engajados em um mortal duelo de sabres de luz no coração do Senado Galáctico. Os gritos de dor de uma jovem, dando a luz ao seu segundo gêmeo enquanto o primeiro se encontrava nos braços de um Obi-Wan mais velho e calejado. Um Jedi marchando para dentro do Templo Jedi de Coruscant, sendo seguido de perto por um exército trajado com armaduras brancas, muito semelhante às dos soldados mandalorianos.

Nesse momento, a dor que sentia atingiu o seu auge. Do fundo de sua garganta, Qui-Gon conseguiu emitir um grito de agonia. Mas, mesmo o seu grito não fora potente o suficiente para abafar o sussurro que ouvia. Uma voz mística, nem masculina, nem feminina, que não parecia nem perto e nem longe. Parecia estar vindo de dentro dele.

“Dagobah...”

 

— Mestre!

O primeiro som que Qui-Gon ouviu quando acordou foi de seu próprio grito, no exato momento em que recobrava a consciência e se sentava em sua cama com um solavanco, como se estivesse acordando de um pesadelo. No instante seguinte, Obi-Wan estava ao seu lado, e o mestre Jedi conseguia ver uma mistura de medo e alivio no rosto de seu aprendiz.

— Está tudo bem? – o rapaz questionou.

Mas Qui-Gon estava desnorteado. Em completo estado de alerta, seu olhar vagava por todos os cantos do quarto, atento a qualquer movimento que pudesse ocorrer. Ele estava ofegante e quase mudo, incapaz de expressar o seu choque com tudo o que havia acontecido.

A porta do quarto deslizou e, no instante seguinte, a Duquesa Satine entrou afobada dentro do quarto. Em seu rosto, havia um misto de calma e desespero em ver o mestre Jedi finalmente acordar de seu sono.

— Mestre, você está bem?

A voz de Obi-Wan chegou a seus ouvidos com um certo atraso. Era como se ainda estivesse se acostumando a estar acordado novamente. Como se aquilo que vivia naquele momento fosse, na verdade, um sonho, e tudo o que vira antes fora a realidade.

— Mestre! – ele ouvia Obi-Wan gritar enquanto o rapaz o chacoalhava pelos ombros. – Fale comigo, por favor!

Mas nada que pudesse acontecer naquele momento era tão importante quanto o que acabara de presenciar. Qui-Gon não sabia o que eram aquelas visões, mas tinha completa certeza de que tinha relevância e importância. A Força não revelaria aquelas coisas a ele se não significassem algo. E se não esperasse algo dele.

— Mestre!

Imediatamente, Qui-Gon levantou a mão, pedindo que Obi-Wan se calasse. O aprendiz obedeceu, mas Qui-Gon ainda podia ouvir o som de sua respiração quase agônica, revelando desespero que ele sentia. Apenas após alguns segundos, Qui-Gon se virou para seu aprendiz, vendo o mesmo desespero em sua voz gravado em suas retinas.

— Mestre...? – Obi-Wan quase sussurrava.

— Saia – pediu Qui-Gon.

— O quê...? – claramente, Obi-Wan estava confuso com aquilo.

— Saia – Qui-Gon tornou a pedir. – Eu preciso meditar...

Mas antes que Obi-Wan ou Satine pudessem protestar, os dois estavam sendo conduzidos por Qui-Gon para fora do quarto. Tudo acontece rápido demais e, quando se deram conta do que se passava, os dois estavam do lado de fora do quarto, parados em pé no corredor da nave. A porta atrás dele deslizava, fechando-se. Quase que imediatamente, os dois ouviram um bipe, indicando que Qui-Gon a trancara por dentro.

— O que foi isso? – perguntou Satine.

— Eu não faço idéia – foi a única resposta que Obi-Wan conseguiu proferir.

 

— Eu dei uma ordem direta – o rosto de Zaar estava vermelho, prestes a explodir. – A princesa não deveria ir lutar em Botajef.

— Você não manda em mim! – Bo-Katan se adiantou, valente, aos gritos. – Eu sou a princesa de Mandalore!

— Você é princesa quando lhe convém, não é? - urrou Zaar em resposta. – Ou não é você que anda se apresentando nos lugares com os títulos que quer, mas faz questão de não ser chamada de lady?

Diante disso, Bo-Katan se calou. Na sala de reuniões do palácio de Sundari, era possível ouvir a grama crescer nos vasos colocados no lado de fora do corredor, tamanho era o silêncio. Nem Bo-Katan, nem Yarsek, Ursa ou Vizsla ousavam rompar aquele momento.

— E eu mando sim – Zaar continuou. – Caso você não tenha notado, sua irmã me deixou como regente desse lugar. Até que ela retorne, o governo de Mandalore está nas minhas mãos. E isso inclui o bem estar da família real que, no caso, é você. O que eu iria dizer para a sua irmã se você voltasse ferida? Ou morta? Hein?!

Mas Bo-Katan não respondeu. Nunca na vida ela havia visto Zaar furioso daquele jeito. A batalha de Botajef havia lhe transmitido menos medo do que a ira daquele homem.

— O que me leva a você... – Zaar se voltou para Yarsek, aproximando-se dele lentamente, sem tirar os olhos de seu rosto. O nervosismo de Yarsek era evidente nas gotas de suor que escorriam de suas têmporas e no engolir seco repetitivo. – Você não só me desobedeceu e deixou que ela subisse naquela nave, como fez a proteção dela na batalha, quando o seu primeiro dever era trazer a princesa de volta para Mandalore na primeira oportunidade. O que estava pensando? Ele tem só dezessete anos!

— Eu fiz o que me pareceu mais adequa... – Yarsek tentou se manifestar.

— MENTIROSO! – Zaar gritou a centímetros do rosto de Yarsek. – Seu trabalho é inteiramente protocolado... você está nesse posto há mais de vinte ano... Você sabia muito bem como agir nessa situação e escolheu descumprir a minha ordem. Você desonrou o seu dever e expôs a princesa a um risco incalculável. Você não merece mais o seu lugar no palácio.

Houve um momento de silêncio ainda mais tenso. Cronologicamente, de uma duração muito menor. Mas, para Bo-Katan, aqueles pouco segundos pareceram durar anos... décadas... séculos. A princesa e todos os outros presentes sabiam muito bem o que estava para acontecer, mas precisavam ouvir as palavras da boca de Zaar para terem certeza de que aquilo era real.

— Você está demitido, Yarsek – Zaar anunciou calmamente a sua decisão, por fim. – Pela autoridade a mim investida como regente de Mandalore, eu o removo do seu posto. Agora, saia da minha frente antes que eu pense em mais uma punição para você.

O choque nos rostos de Bo-Katan e Ursa não chegavam perto ao choque estampado em cada linha de expressão no rosto de Yarsek. Aquela demissão o atingira com a força de um tiro. Aquilo era uma desonra inimaginável. Um golpe que o desmoralizaria para sempre. O fim de sua trajetória pessoal e profissional. Por alguns instantes, o ex-chefe da Guarda Real se manteve imóvel, tentando aceitar o que estava acontecendo.

— SAIA! – Zaar gritou, fazendo todos os outros presentes recuarem assustados.

Mudo pelo choque, Yarsek iniciou sua caminhada para fora da sala de reuniões. Ao chegar á porta, no entanto, ele parou e se voltou para trás, olhando para Bo-Katan.

— Me desculpe ter falhado com você – foi a única coisa que ele conseguiu proferir.

Daquela forma, quase parecia que Yarsek se desculpava por ter exposto Bo-Katan aos riscos da batalha. Mas todos ali, inclusive Zaar, sabia que ele se desculpava por não ter tido a oportunidade de ter feito mais para iniciar a princesa dentro da verdadeira cultura mandaloriana. Logo, em silêncio, ele deixou a sala.

Momento no qual Zaar se voltou contra Ursa.

— E qual foi o seu papel nisso? – ele perguntou para a sobrinha, que jamais o vira tão furioso na vida e sentia a sua espinha congelar mais e mais a cada passo que o tio dava em sua direção. – Foi você quem reuniu os soldados, não é? Não minta pra mim!

Com os olhos lacrimejando, Ursa fez que sim com a cabeça. O medo a impedia de mentir.

— Com ajuda de quem? – perguntou Zaar.

Nesse instante, Vizsla engoliu em seco. Ursa tinha a oportunidade de colocar tudo em risco se falasse a verdade. Se assim ela fizesse, as punições seriam distribuídas ainda mais severamente e ele jamais conseguiria dar prosseguimento ao seu plano de retomada de Mandalore. Estava organizando um tabuleiro muito complexo e, naquele momento, tudo poderia ser perdido se Ursa o denunciasse. Mas ele respirou aliviado quando a jovem encheu o peito e, mesmo com as lágrimas escorrendo de seus olhos, adotou uma postura ereta, encarando o tio.

— Eu nunca vou falar – ela disse.

A mão de Zaar encontrou o rosto de Ursa no instante seguinte, fazendo ecoar um estalo por toda a sala. Após longos segundos, Ursa, finalmente, conseguiu soltar o ar que prendia dentro dos pulmões, completamente em choque enquanto sentia a sua pele queimar.

— Saia daqui – Zaar sussurrou para a sobrinha que tanto amava e que tanto o decepcionara. No fundo, aquele tapa doera mais nele do que nela. – Saia daqui agora antes que eu te mande para o exílio, que é o que você merece. Nunca mais pise nesse palácio. Você não é mais bem-vinda aqui.

As lágrimas que Ursa tentava inutilmente segurar começaram a jorrar de seus olhos. A guerreira fora desmontada com apenas um tapa e algumas palavras, deixando a sala de reunião aos soluços. Mas isso pareceu não abalar Zaar nem um pouco: impassivelmente, ele se adiantou para Bo-Katan.

— Você me decepciona, milady— o regente enfatizou a última palavra. – Por não entender a sua importância e por negligenciar as suas responsabilidades e os seus deveres. Por não respeitar a autoridade da sua irmã e por agir tão estupida e impulsivamente, satisfazendo suas vontades dessa forma tão irresponsável e esquecer do seu papel com o seu povo. Pra você, eu reservo a pior de todas as punições.

Bo-Katan engoliu em seco, incapaz de imaginar o que estava por vir.

— Você não é digna de usar a sua armadura – anunciou Zaar. – Eu vou confiscá-la e entregar para a sua irmã quando ela voltar. A partir de então, a Duquesa decidirá o que será feito dela. Mas você não merece mais tê-la. Você desonrou a sua irmã e o seu povo. E não existe vergonha maior do que essa. Enquanto eu viver, você nunca será uma soldado de Mandalore. Mandalore não te merece como uma guerreira.

O queixo de Bo-Kata caiu. A notícia a atingiu como um soco no estômago. A jovem princesa mal conseguia respirar. Agoniada, ela sentia um nó se formar em sua garganta. Mas toda a sua dor não parecia merecer nem um mínimo de atenção de Zaar, já que o homem se voltava para Vizsla.

— Não pense que eu não sei da sua proximidade com Yarsek e com a princesa – disse Zaar. – Eu já notei que vocês têm sido bem amigos nos últimos meses. Se eu descobrir que você está por trás disso, eu vou reservar uma punição ainda pior pra você.

Sem sequer olhar para uma soluçante Bo-Katan ao seu lado, Zaar se virou e saiu da sala de reuniões.

 

Foram quase cinco dias vagando pelo espaço com Qui-Gon inconsciente, preso em seu transe hipnótico. Após ele acordar, Obi-Wan e Satine ficaram quase mais um dia em silêncio, sem saber o que estava acontecendo atrás da porta daquele quarto. Para Satine, ao menos aquilo era um alívio duplo: Qui-Gon estava vivo e bem e, pelo menos, Obi-Wan saíra daquele quarto para cuidar um pouco de si. Mesmo assim, ela evitou conversar com ele. A última briga dos dois ainda ecoava em sua mente e as palavras do aprendiz ainda a machucavam demais.

“Não te machucariam tanto se ele fosse só mais uma pessoa qualquer na sua vida”, a Duquesa pensava, ao mesmo tempo em que tentava evitar seguir o fluxo que esse tipo de pensamento lhe permitia seguir, temendo chegar a alguma conclusão que já sabia, mas ainda não queria aceitar. Pouco conhecia do aprendiz Jedi, mas o suficiente para simpatizar um pouco com ele. Afinal, segundo o que o próprio Obi-Wan havia concluído em Alderaan, os dois partilhavam o fato de terem pouco (ou nenhum) controle sobre as suas próprias vidas. Talvez, apesar das personalidades completamente opostas, esse fosse um fato que aproximasse eles ao nível do entendimento. Mas, aparentemente, não ao nível da conciliação.

Mas, apesar de tudo isso, Satine ainda não conseguia evitar de dar voz aos seus sonhos mais adolescentes. O beijo dos dois na torre ainda estava gravado em sua memória, queimando seus lábios todas as vezes que essa lembrança retornava ao seu consciente. No fundo, apesar de tudo, Satine apenas queria que aquele beijo estivesse assombrando Obi-Wan tanto quanto a assombrava.

Retirada de seus delírios, a Duquesa ouviu a porta do quarto ao lado deslizar e se abrir. Como em um susto, ela pulou de sua cama, abandonando a vista da galáxia que a janela de sua minúscula cabine lhe proporcionava e avançando para o corredor. Obi-Wan, levantando-se da cadeira, fez o mesmo e, lá, encontraram Qui-Gon.

Ele tinha uma aparência fraca e débil. A pele pálida de quem estava há dias sem se alimentar.

— Mestre? – chamou Obi-Wan, avançando até ele e o ajudando a caminhar até o cockpit, onde, gentilmente, o sentou em uma das cadeiras.

— O que houve? – perguntou Satine, ajoelhando-se ao seu lado.

Mas o olhar do Jedi estava para além do cockpit, perdido em meios às estrelas.

— Mestre, o que está acontecendo? – perguntou o aprendiz.

— Eu tive... – Qui-Gon gaguejava. – Eu tive uma premonição da minha morte. E de muitas outras coisas...

— O quê? – Obi-Wan perguntou horrorizado.

Fraco e lentificado, Qui-Gon se voltou para seu Padawan, olhando-o com um misto de espanto e ternura. Ele mesmo ainda não havia processado tudo o que acabara de vivenciar, mas também não queria assustar ninguém com o que havia experimentado.

— A morte não é algo ruim – ele tentou explicar. – Eu não sei ao certo quanto, como ou onde vai ocorrer. Mas será em breve. Muito em breve. E eu tenho algo a fazer até lá.

— O quê, mestre?

— Eu não sei – Qui-Gon se sentia frustrado com a resposta. – Mas eu ouvi vozes do futuro... E havia muita dor. Uma treva inexplicável. Uma treva que vai se espalhar por toda a galáxia. E, de alguma forma, eu tenho algum envolvimento com isso. Não sei se vou ser o responsável ou a solução, mas existe algo que eu preciso fazer... Eu senti um chamado da Força...

À essa altura, apesar de não entenderam nada do que estava acontecendo, os cabelos de Obi-Wan e de Satine estavam arrepiados.

— E algo me diz que eu preciso começar por Dagobah – ele continuou.

— Não estamos muito longe de lá – disse Satine. – Três ou quatro parsecs de distância.

Houve um curto momento de silêncio. Os três se entreolharam, pensando o quanto aquilo poderia ser uma loucura. Pensando se qualquer movimento em busca de algo que Qui-Gon nem mesmo sabia o que era seria adequado, dado o seu estado frágil, enfraquecido e possivelmente delirante.

Afinal, Qui-Gon estava em um coma induzido durante dias. As possibilidades de tudo aquilo se um absurdo delírio eram imensas. Mas Obi-Wan conhecia seu mestre há muitos anos e sabia que seu sexto sentido raramente falhava. Por mais louca que essa idéia fosse (e era), algo lhe dizia para confiar em seu mestre. O rapaz sabia da decisão do homem muito antes dele, finalmente, se pronunciar.

— Duquesa, por favor, ajuste o curso da nave para Dagobah – disse o Jedi, por fim. – E, Obi-Wan, por favor, faça um chá pra mim e me traga alguma coisa pra comer. Preciso de alguma coisa antes que eu desmaie.

 

Ao contrário de Serenno, cuja primeira impressão em nada correspondia à agradabilidade do lugar, Dagobah decepcionava em todos os sentidos. Logo após saírem do hiperespaço, Satine, Qui-Gon e Obi-Wan se depararam com um planeta pequeno e cinzento, cercado por uma imensa neblina que parecia dominar toda a atmosfera local. Conforme a nave baixava, a névoa se tornava cada vez mais densa, de forma que os dois Jedi precisaram guiar a nave apenas pelo computador de bordo e pela percepção que a Força lhes fazia ter do local.

— Use a Força para clarear a sua visão, meu caro aprendiz – Qui-Gon orientou o rapaz, sem tirar os olhos do céu à sua frente. – A Força deve ser uma aliada de nossos sentidos.

— Grato pelo ensinamento, mestre – Obi-Wan respondeu, com um quê de ironia em sua voz. – Mas... qual visão?

Apesar de guiar a nave praticamente às cegas e isso o deixar com muito medo, Qui-Gon não conseguiu evitar um curto riso. De fato, a névoa era tamanha que não se via nada à frente. Por fim, após sobrevoarem o planeta por alguns minutos (e com a fuselagem da nave quebrado as pontas de algumas árvores), mestre e aprendiz conseguiram localizar uma clareira e pousar. Mesmo assim, pelas janelas da nave, não conseguiam ver nada além de um raio de cinco metros.

Qui-Gon permaneceu em pé, diante da janela do cockpit, por alguns minutos, observando o terreno pantanoso e úmido daquele planetinha perdido na periferia da Orla Exterior. O que diabos estava fazendo ali? O que a Força tanto queria lhe dizer que precisava que fosse para aquele fim de mundo? Só havia uma forma de descobrir.

Reunindo suas forças, o Jedi inspirou fundo e se dirigiu para a saída da nave.

— Fiquem aqui – ele orientou Obi-Wan e Satine. – Se eu não voltar em três dias, contactem o Conselho.

— Mestre, espere – Obi-Wan avançou, afobado e sem entender nada, quase se colocando entre o homem e a saída. – Você não pode sair assim! Nem sabe para onde está indo!

— Não – Qui-Gon teve que concordar. – Mas eu preciso ir. Sinto que preciso. E preciso fazer isso sozinho.

Dito isso, o homem puxou a alavanca na lateral da parede e a porta da nave se abriu, permitindo que o ar com cheiro de podridão dos pântanos de Dagobah invadissem o interior da nave e as narinas dos três.

— Mestre, por favor, reconsidere isso – Obi-Wan praticamente implorava. – Ou, ao menos, me deixe ir com você. Isso é loucura!

— De jeito nenhum – Qui-Gon protestou rigorosamente. – Alguém precisa ficar aqui para proteger a Duquesa. Você fica, e essa é minha palavra final.

O Jedi, então, avançou, descendo a rampa e, finalmente, pisando no chão pantanoso de Dagobah, uma mistura de terra molhada e folhas em decomposição que pareciam vibrar conformes bolhas grossas explodiam em porções mais líquidas do solo. Com o peso de seu corpo, o mestre Jedi afundou suas botas no solo em alguns centímetros e, por alguns instantes, ele até pensou em atender aos protestos de seu aprendiz. Aquilo definitivamente era uma loucura.

Mas ele sentia que tinha que fazer isso. Por mais loucura que fosse.

— Mestre – Obi-Wan o chamou, caminhando até ele, descendo a rampa. – Ao menos, leve isso com você – o aprendiz estendeu um sabre de luz para Qui-Gon quando esse se virou. – Mestre Quinlan trouxe um sabre de luz a mais quando veio ajudar no seu resgate, achando que... talvez... você pudesse perder o seu... e ele não estava tão errado, afinal...

Qui-Gon observou o sabre por alguns segundos e, então, o segurou em suas mãos. Era um pouco mais pesado do que o seu sabre e, anatomicamente, não se adaptava bem à sua mão. Mas era melhor do andar desarmado... Realmente, Quinlan fizera muito bem em trazer esse sabre para um momento de necessidade. Qui-Gon fez uma nota mental para agradecê-lo no futuro, quando se encontrassem. Ele ativou o sabre e, por alguns rápidos instantes, observou a sua lâmina amarela antes de desativá-lo e guardar a arma presa em seu cinto.

— Obrigado, Obi-Wan – o Jedi se dirigiu ao aprendiz com um sorriso. – Tentarei voltar o mais rapidamente possível.

— Que a Força esteja com você, mestre – Obi-Wan quase engoliu em seco ao proferir essas palavras.

— Que a Força esteja com você também, meu aprendiz – Qui-Gon respondeu, sorrindo-lhe amigavelmente e, então, virando-se e caminhando.

Obi-Wan, aflito e sem saber como proceder (se aceitava passivamente a decisão estapafúrdia de seu mestre de entrar sozinho em um pântano desconhecido ou se o nocauteava para o impedir de prosseguir com isso), observou seu mestre desaparecer na névoa de Dagobah antes de retornar para a nave e fechar a porta.

Pelo menos, lá dentro, ele não precisaria conviver com aquele cheiro horrível da podridão pantanosa.

 

Conforme o dia foi avançando, uma parte da névoa se dissipou. Provavelmente, um fenômeno apenas temporário: com certeza, logo o pântano voltaria a ser recoberto por aquela neblina que cheirava à decomposição. Mas, ao menos, os momentos em que o céu estivera mais limpo permitiram Satine concluir que Dagobah era, provavelmente, um planeta sem nenhuma forma de vida inteligente ou civilização. Afinal, no cair da noite, não havia sinal algum de luz no horizonte. Uma cidade que fosse. O planeta era um pedaço de nada perdido nos confins da galáxia. E, talvez, um lugar excelente para se esconder de caçadores de recompensas.

Durante a noite, ela apenas conseguia ouvir o coachar de anfíbios e o som de algumas aves por perto. Por vezes, alguns barulhos chamavam a sua atenção, mas ela logo concluía que era apenas o metal da nave se contraindo com o cair da temperatura, conforme a noite avançava (ou, ao menos, era isso que ela preferia acreditar, evitando pensar na outra possibilidade – igualmente plausível – de alguma fera rondando a nave... Pelo menos, se esse fosse o caso, estaria segura enquanto permanecesse em seu interior).

Mas a temperatura no exterior da nave não era a única que caia. Dentro dela, o silêncio deixava tudo ainda mais frio e tedioso. Enquanto Satine vagava pelos corredores, pelo cockpit e pela sala entre um chá e outro, Obi-Wan se mantinha dentro de sua cabine em absoluto silêncio. No fundo, a todo aquele silêncio estava matando a Duquesa por dentro e, mesmo sabendo que isto poderia tirar a paz da noite de Dagogah com os gritos de mais uma briga, ela tomou uma decisão.

A porta da cabine de Obi-Wan se abriu quando ela se aproximou e, ao entrar, ela encontrou o Padawan sentado no chão, de olhos fechados, tentando se concentrar.

E ele realmente tentava. Fazendo o seu possível para colocar em prática o que seu mestre vinha tentando lhe ensinar nas últimas semanas, Obi-Wan tentava acompanhar Qui-Gon em sua jornada poraquelas terras desconhecidas. Por algumas horas, ele praticamente conseguia ver seu mestre caminhando por entre os troncos de árvores caídos e cheios de musgo de Dagobah. Mas, conforme o Jedi se distanciava da nave, a percepção do aprendiz lhe impedia de continuar. Por fim, Obi-Wan apenas conseguia sentir a presença de seu mestre na Força. O suficiente para saber que o homem estava bem, mas nem de longe para o deixar em paz.

— Até quando você vai fingir que está bem para continuar meditando? – perguntou Satine. – E até quando nós vamos ficar sem nos falar? Ou você está fingindo que está meditando apenas para evitar contato comigo? Porque, se for o caso, você vai ter que fazer isso por um bom tempo.

— São muitas perguntas, Duquesa – Obi-Wan respondeu, sem olhar para ela. – Podemos ir uma a uma?

— Como queira.

Assim, Obi-Wan se levantou, ajeitando suas vestes e olhando para ela.

— Primeiro, eu não estou fingindo estar bem para meditar – ele respondeu. – Não estou com cabeça para isso, mas estou tentando o máximo que eu posso. No momento, é a única forma que vejo de não abandonar meu mestre nessa loucura dele.

— Certamente – rebateu Satine, cruzando os braços e apoiando o ombro no batente da porta, olhando-o de uma forma que o Padawan não conseguiu traduzir.

Ela o estava levando à sério? Ou apenas debochando dele? Aquilo em seu olhar era atenção... ou desdém?

— Segundo... – ele continuou. – Já estamos nos falando, não? Mas você está certa. Acho que temos alguns assuntos não resolvidos que precisamos terminar.

Satine assentiu com a cabeça em silêncio, concordando. Talvez, ela estivesse realmente atenta ao que ele dizia.

— E terceiro... – ele estava prestes a concluir. – Eu jamais usaria de meditação para evitar contato com você.

Durante toda a sua colocação, o aprendiz se manteve com uma voz calma e serena. Diferente da postura agressiva que Satine o vira adotar enquanto Qui-Gon ainda hibernava em seu sono induzido, vagando pelo espaço.

— Ótimo – disse a Duquesa, voltando a assumir uma postura ereta. – Será que eu poderia me sentar?

— Claro – Obi-Wan respondeu.

Imediatamente, Satine avançou e se sentou na única cama da cabine. Obi-Wan, por sua vez, ocupou a cadeira da escrivaninha logo ao lado. E, por alguns instantes, os dois apenas encararam o chão, quase sem conseguirem se olhar.

— Eu só...

— Eu queria...

Finalmente, os dois se olharam.

— Me desculpe – Obi-Wan foi quem, finalmente, quebrou o silêncio. – Eu agi feito um idiota. Em Takodona e aqui na nave, quando você veio falar comigo à primeira vez.

— Agiu mesmo – Satine concordou, mantendo a mesma expressão séria de antes. – Mas eu reconheço que todo mundo tem os seus dias ruins e que você deve ter tido uma sequência deles depois da sua briga com mestre Qui-Gon. Eu consigo imaginar o quanto você devia estar se sentindo culpado com tudo o que aconteceu e imagino que tudo isso possa ter... feito o seu julgamento falhar um pouco.

— O que está querendo dizer?

Satine o olhou com zelo por alguns segundos, estudando-o e ponderando suas próximas palavras.

— Que eu te perdoo – ela respondeu. – Só mais essa vez.

Satine manteve um semblante sério quando proferiu essas palavras. Obi-Wan ouviu tudo com calma e com uma expressão imutável em seu rosto. Mas a Duquesa de Mandalore não conseguiu sustentar a pose por muito tempo: no instante seguinte, ela estava rindo da situação e o Padawan a seguiu no ato, embora com um certo receio.

— Mas agora eu gostaria de saber por que eu fui o motivo da briga entre vocês dois – emendou Satine e, nesse momento, as risadas do aprendiz morreram em seu rosto. – Em detalhes.

Obi-Wan engoliu em seco. No fundo, ele sabia que esse momento chegaria, mas não estava preparado para isso. Mas era tarde demais. Ele devia isso a Satine. E a si mesmo.

— Qui-Gon quer apenas o melhor pra mim – o rapaz começou. – E as coisas que eu estava começando a sentir por você estavam... me tirando do caminho Jedi. E ele viu antes de mim que eu estava indo pra um caminho do qual dificilmente haveria volta. E eu não quis ouvir.

— E o que você estava começando a sentir por mim?

Isso irritou Obi-Wan um pouco. Satine queria tudo às claras, explicitamente. O que mais deixou Obi-Wan irritado era o fato de ela estar mais do que certa em exigir isso. Pela Força, como era difícil...

Ele estava prestes a responder quando as palavras de Qui-Gon ecoaram em sua cabeça, sobre ele não conhecer nada sobre a Duquesa. Por fim, ele reconsiderou sua resposta e se limitou a responder:

— Eu não sei ao certo... Mas, de alguma forma, eu gosto de você. E você me faz me sentir bem. E, talvez, eu estivesse confundindo um pouco as coisas...

— E por que isso seria um problema?

— Porque Jedi são proibidos de se apegarem – Obi-Wan respondeu calmamente. – Qualquer sentimento de afeição pode obscurecer o nosso julgamento e somos treinados para evitar que esse tipo de coisa aconteça. Só assim podemos manter a nossa imparcialidade. Só assim, podemos agir da forma certa. Sem deixar que sentimentos pessoais interfiram nas nossas decisões.

Satine o encarou por um momento e Obi-Wan se sentiu constrangido e exposto. Quase como, se por meio daquele olhar, a jovem conseguisse ver dentro de sua alma e soubesse que nem ele mais acreditava nessas palavras. Porque era exatamente o que o rapaz havia tentado dizer para Qui-Gon em Takodona, mas nunca tivera a oportunidade. Porque a confusão de sentimentos que ele tinha dentro de si instabilizavam a sua certeza de que seguir na Ordem Jedi era o único caminho possível. E se, diante de tudo aquilo, ele já não quisesse mais ser um Jedi?

Não... Pare! “O que você está sentindo não é amor! Você está atraído por ela. Ela é bonita, eu não te culpo... Mas é só isso o que você está sentindo”, as palavras de Qui-Gon ecoavam em sua cabeça. Como ele podia deixar que um sentimento tão físico assim o fizesse repensar suas escolhas de vida? Como podia ser infantil e influenciável a esse ponto?

— Entendo... – foi o que Satine disse, por fim.

Obi-Wan sabia que a Duquesa havia chegado às suas próprias conclusões a partir de suas palavras. E nem sequer imaginar que tipo de conclusões eram aquelas o deixavam inquieto. Haveria ela realmente entendido o seu ponto? Não, jamais... Era muito mais complexo do que aquilo... Ou ela estaria lhe julgando, tendo percebido o que realmente se passava dentro dele, sabendo que ele mentia para si mesmo com aquelas palavras?

Por fim, Satine o olhou profundamente e Obi-Wan teve certeza que ela conseguia ver a sua alma.

— Acho muito bonita essa devoção sua ao seu Código – ela disse, por fim. – Mas o que você quer?

— O que eu quero já não importa mais – a resposta foi imediata. – Eu tenho um dever pra cumprir.

— Todos temos – Satine rebateu. – Mas você não é o seu dever, é? Ou você quer se despersonalizar até que você deixe de ser Obi-Wan Kenobi e passe a ser conhecido como só mais um Jedi? Seguir à risca o seu Código até que você se torne só mais um?

— Não é assim que a coisa funciona – ele respondeu. – Ser um Jedi não é buscar fama pelos seus feitos e fazer o seu nome ser conhecido pela sua eficiência em missões. Ser um Jedi é oferecer ajuda onde quer que ela seja necessária, independente dos riscos e dos ganhos pessoais envolvidos. É por isso que somos uma Ordem, não uma dinastia.

Imediatamente, Satine sentiu a última frase como uma alfinetada.

— O que quer dizer?

— Olhe para o seu próprio exemplo – Obi-Wan começou a se justificar. – Seu nome irá deixar um legado. Daqui cinquenta, cem, duzentos anos... não importa... você será conhecida por ser a primeira líder pacifista de Mandalore. Você vai ter um legado. E não faz parte de ser um Jedi querer um legado pra deixar. Legados nascem do orgulho, e o orgulho é um caminho para o lado sombrio.

Satine permaneceu em silêncio por alguns instantes, tentando refletir sobre o que acabara de ouvir.

— Desapego absoluto, então, não é? – ela perguntou. – De coisas materiais e imateriais? É isso?

— Sim – respondeu o aprendiz. – Mas não só. Ser um Jedi vai muito além disso.

— E você gosta disso?

Obi-Wan precisou pensar um pouco antes de responder.

— Sim – ele disse, por fim. – Quer dizer, eu fui criado em um ambiente assim. Desde que eu me conheço por gente, eu ouço que isso é o certo. Aprendi a viver dessa forma e essa vida é a única que eu conheço. Mas, como eu já disse, o que eu gosto não importa. Importa o dever que eu tenho pra cumprir.

Os dois se olharam com ternura nesse momento. Em situações distintas, mas muito parecidas, eles se reconheciam em silêncio. Obi-Wan, preso à Ordem a qual ele nunca escolheu fazer parte e Satine presa ao seu trono ao qual ela sempre foi educada para ocupar e honrar. Sem nunca lhes perguntarem o que queriam. Apenas aceitaram os destinos que lhes foram impostos sem questionar.

— Por mais impossível que possa parecer, eu te entendo quanto a isso – Satine concluiu, por fim. – Ou, pelo menos, eu acho que entendo. Então, quer dizer que esse desapego foi o que motivou a briga entre vocês dois? Relacionado a mim?

Envergonhado, Obi-Wan murmurou um “sim” e, com o rosto vermelho olhou para o chão, sorrindo.

— E por quê?

— Bem, eu não sei muito como dizer isso para uma Duquesa sem ser terrivelmente desrespeitoso... – disse Obi-Wan, finalmente voltando a olhar para a jovem à sua frente. – Mas você é muito bonita, não é?

Ele vomitou as palavras, nervoso como estava, mas quase riu de gargalhar quando Satine, em um gesto forçado, agitou os cabelos loiros por cima dos ombros e lhe disse:

— Mas disso eu já sabia.

Obi-Wan ria e, a cada respiração, seu rosto se tornava mais vermelho.

— Você não costuma fazer esse tipo de elogios para as mulheres, não é? – disse Satine, sorrindo para ele enquanto o via corar. – Não precisa responder, foi uma pergunta retórica – ela emendou quando Obi-Wan ameaçou abrir a boca. – Está nítido na sua cara que não.

— E você fala como se estivesse habituada a fazer esse tipo de elogios aos homens – Obi-Wan rebateu.

Satine, então, fingiu-se chocada.

— Como ousa? – ela lhe arremessou o travesseiro.

— Me desculpe, milady – o rapaz respondeu. – Foi apenas uma sugestão.

— Vou pensar se aceito as suas desculpas – disse Satine. – Enquanto você me prepara um chá. Mestre Qui-Gon me disse que o seu chá é um dos melhores da galáxia.

— Certamente – Obi-Wan se levantou e, então, fez uma pomposa reverência para Satine, oferecendo-lhe a mão antes de ela se levantar e os dois começarem seu caminho rumo à copa da nave. – Apenas não sei se vou conseguir fazer um chá digno da Duquesa de Mandalore. Afinal, o estoque de ervas na nave é limitado e não tenho o ingrediente secreto à bordo.

— Que seria? – ela perguntou curiosa.

Obi-Wan riu antes mesmo de responder, sabendo que isso a deixaria furiosa.

— Não seria secreto se eu contasse.

 

Dagobah parecia ter a mesma paisagem, seja lá para qual lado fosse. Um terreno pantanoso com cheiro de podridão e decomposição que se estendia por quilómetros intermináveis. Por vezes, Qui-Gon ainda via algum sinal de vida: formas deslizando sobre a água, pássaros sobrevoando as copas das árvores e pequenos animais no solo. Nada mais do que isso.

E nada disso fazia com que o Jedi conseguisse entender porque raios a Força o havia direcionado àquele lugar. Não havia nada demais no planeta. Após quase um dia caminhando, ele percebera que a primeira impressão que tivera ao ver Dagobah, logo após sair do hiperespaço, era a impressão verdadeira: um lugar inóspito e sem interesse algum.

Mas, por algum motivo, a Força era intensa lá. E Qui-Gon não conseguia entender em qual sentido. Era a luz ou o lado sombrio que tomava conta daquele lugar? Ou seriam as duas vertentes da Força?

Foi enquanto esses pensamentos cruzavam a sua cabeça que Qui-Gon viu os primeiros indícios de uma civilização: logo à sua frente, em um vale tomado pela névoa, ele viu construções de pedra. Apenas quando conseguiu se aproximar foi que pôde perceber que se tratavam de ruínas. Restos abandonados de alguma raça que algum dia acreditou que seria capaz de estabelecer uma sociedade naquele lugar. Uma esperança inútil que sucumbia em destroços aos olhos de Qui-Gon.

Era uma pequena cidade, algumas casas destruídas pela umidade do planeta e formando ruas já tomadas quase inteiramente pelos rios pantanosos. Tudo isso disposto ao redor de uma construção maior, que muito poderia ser um palácio.

Curioso, Qui-Gon adentrou uma das casas, temendo que a sua simples presença já fosse suficiente para instabilizar a já frágil estrutura do local. Ele subiu escadas até chegar ao telhado, de onde conseguiu ter uma visão mais ampla do terreno à sua frente: pouco antes da névoa obscurecer o horizonte, ele conseguia ver um rio. Seguido pela sua intuição ou guiado por algum sussurro da Força em sua consciência (àquela altura, ele já não sabia mais fazer essa distinção), ele resolveu seguir o curso d’água.

Tal decisão estendeu a sua caminhada por mais algumas horas até que, por fim, ele chegou a uma curva do rio. Ali, um punhado de terra se acumulava, formando um terreno firme e amplo, muito diferente do terreno úmido e instável do planeta. O local perfeito para levantar acampamento. O que ele faria, se tivesse esse luxo. O fato era que, se assim o fizesse, aquela seria a sua segunda noite fora da nave e, se Obi-Wan seguisse as suas instruções corretamente, ele estaria a apenas um dia de pedir socorro ao Conselho Jedi. O que era exatamente o Qui-Gon não queria que acontecesse.

Frustrado, ele se sentou ao chão, apoiando as costas em uma árvore. O que diabos tudo aquilo havia lhe servido? Porque raios a Força queria que ele fosse para aquele planeta? Apenas para encontrar as ruínas de uma nação que percebeu que aquele planeta era insalubre e impossível de se viver com dignidade? Ou haveria algo a mais que ele ainda não encontrar?

Em uma última tentativa de encontrar algum propósito para aquilo tudo, o Jedi fechou os olhos.

Concentre-se, ele dizia para si mesmo.

Aos poucos, ele conseguiu se desligar do ambiente à sua volta: as bolhas grossas do pântano pareciam não mais explodir na superfície e os pássaros pareciam não emitir som algum. Nem mesmo o vento parecia mais balançar a copa das árvores. Tudo estava em absoluto silêncio.

Menos a Força.

Havia algo no ar, que parecia rondá-lo. Como uma fera à espreita, esperando o momento certo para atacar. Um momento que nunca chegava. Mas isso não o assustava. Por algum motivo que ele não sabia dizer qual, Qui-Gon se sentia imune a qualquer perigo que pudesse haver ali. E havia algo ali, ele conseguia sentir. Uma movimentação incomum do lado sombrio.

Em sua meditação, ele começou a vasculhar o ambiente ao seu redor. Poças de lodo, tocas abandonadas e carcaças de animais em um raio de vários metros ao redor dele, nada muito diferente do que a natureza inóspita daquele planeta poderia oferecer. Mas havia algo diferente. Um arrepio que era transmitido pelo ar como um sussurro que eriçava todos os pelos de sue corpo. Que lhe causava medo.

Ao abrir os olhos, Qui-Gon girou o pescoço, olhando exatamente para a direção de onde ele sentia vir o sussurro. E lá estava ela: perdida em meio às árvores, a mais de dez metros de distância de si, havia uma caverna. Uma caverna com uma entrada estreita formada pelas raízes de uma árvore, reveladas pelo relevo destruído do pântano.

Calmamente (mas não o suficiente para não tomar o sabre de luz em suas mãos), o Jedi se levantou. Passo a passo, ele caminhou até o local, observando-o com cautela. Apesar de a caverna lhe passar a sensação de medo, algo lhe dizia que nada lá dentro poderia lhe fazer mal. Um mal físico, pelo menos. Mas ele conseguia sentir o lado sombrio ali. Poderoso, intenso e preparado para agir. Apenas esperando a oportunidade ideal.

Se hesitar, ele entrou na caverna. E constatou que ela não era nada mais do que se propunha a ser: uma caverna. Todo o resto do pântano se encontrava no seu solo, com folhas secas e ossos de animais mortos. Aranhas tomavam o teto, assim, como alguns morcegos. Conforme ele adentrava a caverna, no entanto, ele começou a ouvir sussurros. Não uma mensagem da Força, como muitas vezes ouvia em suas meditações. Mas como se houvesse realmente alguém ali, tentando se comunicar com ele.

— Quem está ai? – ele perguntou.

Em resposta, Qui-Gon recebeu apenas uma risada.

— Quem é você? – ele tornou a perguntar. – Responda!

— E por que isso importa? – uma voz, saída da escuridão, lhe respondeu.

Nesse momento, Qui-Gon ouviu passos se aproximando. Aos poucos, uma figura encapuzada tomou forma. Apenas as mãos estavam expostas. Mãos pálidas e enrugadas e, em uma delas, havia um sabre de luz.

— Você estará morto muito antes de saber quem sou.

— Você é um Sith – Qui-Gon concluiu.

O medo que a figura lhe impunha e o sabre de luz eram as provas que ele precisava.

— Você é bom – a figura lhe respondeu.

— Impossível – o Jedi rebateu. – Os Siths estão extintos.

— Será?

O sabre de luz foi acionado, revelando uma lâmina de plasma vermelho. Instintivamente, Qui-Gon ativou o seu sabre de luz. Juntas, as luzes vermelha e amarela permitiam uma visão minimamente mais ampla da caverna. Ampla o suficiente para que Qui-Gon visse que o tal Sith não estava sozinho. Atrás dele, havia mais três outras figuras. Duas delas estavam encapuzadas. Mas quem chamou a atenção do Jedi foi a terceira nova presença.

Seja lá quem fosse, era alto e vestia uma armadura preta com botões sobre o peito e coberto com uma capa. Sobre o rosto, uma máscara tão preta quanto a sua alma, muito se assemelhando a um crânio. E Qui-Gon reconheceu aquela figura imediatamente. Enquanto hibernava, ele havia tido uma visão, um jovem Jedi duelando justamente contra aquele homem armadurado. Nesse momento, ao reconhecer a armadura, Qui-Gon reconheceu o Sith à sua frente, a primeira das figuras encapuzadas. Ele também estava em sua visão, batendo palmas para o jovem Jedi, vitorioso em seu duelo. E ele se lembrava muito bem de ter ouvido o Jedi o chamar de “Vossa Alteza”.

Por fim, Qui-Gon começava a entender o que tudo aquilo significava. Não queria acreditar, mas a própria Força lhe dizia o que estava acontecendo. Não queria, mas devia.

— E vocês estão retornando – ele concluiu.

O Sith riu.

— E você vai contar aos mestres do Conselho, Qui-Gon Jinn? – ele perguntou. – O que acha que eles vão dizer quando alguém com a sua credibilidade trouxer uma informação dessas.

— Eles não vão acreditar – Qui-Gon disse, aos sussurros.

— Exatamente – o Sith concordou. – E só há uma coisa que você pode fazer para que eles acreditem.

— O quê?

O Sith riu e desativou o seu sabre, de forma que as trevas voltaram a tomar parte da caverna. Qui-Gon avançou um passo para frente, na esperança de ter uma visão melhor de seu adversário. Mas, antes que pudesse pisar novamente, ele viu o Sith estender sua mão da escuridão.

Qui-Gon foi arremessado para trás, soltando o seu sabre de luz. Ele se chocou violentamente contra uma parede e, ao cair, bateu a cabeça. Antes de perder a consciência, ele só conseguiu ouvir o Sith rir e lhe responder com uma única palavra.

“Morrer.”

 

O Jedi abriu os olhos, ainda deitado no chão da caverna. Flutuando diretamente sobre o seu rosto, havia uma máscara mortuária com uma expressão serena e calma. A visão súbita não o assustou, e Qui-Gon teve tempo para perceber que alguém, trajando uma túnica preta, estava usando a máscara, flutuando logo acima dele.

— Você também é um Sith? – ele perguntou.

— Não – foi a resposta.

Mas a voz não veio da figura que o olhava. Era como se ecoasse dentre de sua mente. Como se aquele ser se comunicasse com ele por telepatia. Independentemente de quem fosse, Qui-Gon sabia que era alguém muito poderoso na Força.

— Então, você é um Jedi – ele concluiu.

— Também não – foi a resposta.

A figura se afastou e, com a distância, Qui-Gon conseguiu se sentar e se levantar, sentindo uma forte de dor de cabeça no local que batera contra a parede da caverna.

— Por que eu teria que ser um dos dois? – a figura lhe perguntou.

— Que lugar é esse? – Qui-Gon ignorou o questionamento.

— Esse é o lugar onde a Força te expõe todas as suas falhas que você estava tentando enterrar – a figura lhe respondeu. – E, por isso, é o lugar onde os sensitivos podem encontrar orientações. Pois apenas conhecendo a si mesmo, você poderá guiar os seus próximos passos.

— Eu ainda não entendo...

A figura, então, passou a flutuar ao redor de Qui-Gon, como se o observasse com curiosidade.

— A sua jornada está chegando ao fim, Qui-Gon Jinn – a voz ecoou em sua mente. – Em pouco tempo, sua vida junto à Força material terá terminado, mas sua missão persistirá.

— Eu vou... morrer?

— Sim – disse a figura. – Como todas as criaturas vivas. E como você já havia profetizado em seu sono. Mas a principal missão de sua vida lhe será dada após a morte.

— Como? – ele perguntou, curioso. Apesar de estar contemplando a anunciação da própria morte, Qui-Gon não estava nervoso ou desesperado. Por mais estranho que fosse, aquela figura exótica e flutuante lhe trazia paz. – A Força que habita os seres vivos reintegra o universo após a morte. Como posso continuar agindo se vou ser despersonalizado ao ser reintegrado à Força?

— Você precisa passar por um treinamento – disse a figura. – Vá até o lugar de origem da Força na galáxia, nas regiões do Núcleo. Lá, você irá aprender a conservar a sua personalidade após a morte. Você passará por esse treinamento e ensinará outros no momento certo. A cada dia, um grande mal cresce nas sombras, preparando-se para um golpe terrível que irá instabilizar a Força. E apenas passando por esse treinamento, você poderá cumprir o seu papel nisso tudo.

— Para eliminar esse mal?

A figura permaneceu em silêncio por alguns instantes. Quase como se o observasse... Uma névoa começou a cobrir a caverna, como se estivesse despertando de um sono. Em meio a toda a fumaça, Qui-Gon conseguia apenas ver a silhueta da figura. E ouvir a sua voz:

— Eu não disse isso, disse?

 

Qui-Gon despertou em uma respiração agônica, sentando-se no solo da caverna e sentindo sua cabeça explodir de dor devido ao impacto. Curiosamente, seu sabre de luz não estava caído ao seu lado, mas preso ao seu cinto. Como se ele nunca o tivesse pego e o tivesse acionado contra os Siths.

Conforme se situava e recuperava forças para se levantar, o Jedi tentava recordar tudo o que havia experienciado nos últimos minutos, organizando seus pensamentos. Um grande mal crescia... Os Siths estavam retornando... Ele ia morrer... (logo, provavelmente)... E ele tinha um papel a desempenhar em todo esse caos.

Enquanto todas essas informações se acumulavam em sua mente, em um processo de tentar aceita-las, Qui-Gon se viu se perguntando sobe o final da conversa. Para onde diabos deveria ir? “O lugar de origem da Força na galáxia”, aquela figura esquisitíssima havia lhe dito. Mas onde raios era isso? O Núcleo era uma região imensa, até então nunca completamente mapeada ou explorada, tal qual as Regiões Desconhecidas. Não tinha como procurar em sistema por sistema. Levaria milênios para isso. E, como a própria figura havia lhe pontuado, ele não tinha todo esse tempo.

Mas precisava tentar. Tinha que tentar. A Força queria que ele tentasse.

E, para isso, precisava sair daquele fim de mundo antes.

 

“Obi-Wan.”

Como se sonhasse estar caindo, Obi-Wan foi despertado pela voz de seu mestre ecoando em sua mente. Em um susto, ele se sentou na cama, tentando enxaergar, no escuro, o ambiente ao seu redor. Foram necessários alguns segundos e algumas respirações agônicas e afobadas até que a sua visão se acostumasse com a escuridão e, finalmente, ele percebesse que tudo ali estava bem.

“Obi-Wan.”

Nesse momento, o Padawan se levantou, procurando seu sabre de luz ao tatear o criado-mudo ao lado da cama. Não, com certeza, nada estava bem. Ou ele estava ficando completamente louco ou só havia mais uma explicação para que ele estivesse ouvindo a voz de seu mestre em sua mente daquela forma: Qui-Gon precisava de ajuda.

Após chegar a essa conclusão, o Padawan agiu imediatamente: sem nem sequer tirar suas roupas de dormir e vestir-se apropriadamente, o rapaz correu para fora do quarto, em direção ao cockpit, onde assumiu o assento principal. Em instantes, a nave estava no ar e Obi-Wan seguiria exatamente na direção que Qui-Gon havia seguido, quase três dias antes.

— O que está acontecendo? – perguntou Satine, ainda amarrando seu robe e tomando um assento livre no cockpit, tentando enxergar o pântano de Dagobah pela janela, embora as luzes da nave não conseguissem vencer a escuridão local.

— Qui-Gon precisa de ajuda – Obi-Wan respondeu imediatamente.

— Como sabe?

— Eu... – mas Obi-Wan não sabia muito bem como explicar os detalhes da Força para ela. Não naquele momento, em que sua atenção se concentrava no solo de Dagobah, poucos metros abaixo deles. – É difícil explicar. Eu só sei...

A nave avançava, mas eles não conseguiam ver nada além das árvores e de grossas camadas de névoa que cobria o solo local, iluminada aos poucos com a passagem da nave. No horizonte, apenas uma imensa escuridão. Mas isso logo se modificou. A floresta desapareceu e logo estavam sobrevoando as ruínas de uma cidade, há muito abandonada.

— Ali! – Satine apontou para frente.

Obi-Wan seguiu o olhar na direção que ela apontava. No alto de uma das construções em ruínas, o rapaz conseguiu ver um ponto luminoso e amarelo. Muito distante, mas que, com a aproximação, revelou-se um sabre de luz nas mãos de um Jedi.

Enquanto sobrevoava a construção e baixa a nave, Obi-Wan apertou um botão no painel e, imediatamente, a rampa de acesso da nave se abriu. Após um leve solavando, o aprendiz soube que seu mestre estava abordo: enquanto ainda ganhava altitude, Qui-Gon surgiu no cockpit.

— Achei que não ouviria meu chamado – disse Qui-Gon, ocupando mais um assento livre.

— Está tudo bem, mestre? – Obi-Wan quis saber.

— Eu ainda não sei – foi a resposta. – Mas vou precisar de uma nova nave. Onde acham que vamos conseguir uma aqui perto?

Satine foi a primeira a se pronunciar.

— Naboo – ela respondeu. – Não é muito longe daqui. Acho que conseguiremos ajuda lá.

Imediatamente, Qui-Gon se levantou, assumindo o painel ao lado de Obi-Wan e ajustando o curso da nave para Naboo.

— Mestre, por favor, o que está acontecendo?

— Eu ainda não sei, Obi-Wan – o Jedi respondeu. – Mas sei como descobrir.

Nesse momento, a nave saiu da atmosfera.

Instantes depois, ela se perdeu no hiperespaço.


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Notas finais do capítulo

Me contem o que acharam, meus amores ♥

Beijinhos e até o próximo!



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