Contos Sobre a Mesa escrita por Niars


Capítulo 5
Apenas 15 Dias




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Todos falaram que seria apenas quinze dias.

Fomos afastados dos nossos trabalhos, pelas “Férias Coletivas”, e bom, a considerar que o mundo está parado a um mês, considero que continuo nas férias impostas a mim. Faz dois meses, que nada muda, que estamos presos, e que essa maldição destrói famílias inteiras.

Se passaram três meses, e a única alegria em nossas vidas é a esperança que um dia volte tudo ao normal. Os políticos não estão preparados para nada disso. “Não sou coveiro, ta?”. Havia tanto a ser dito, ou apenas, ficar calado, doeria menos.

Quatro meses se foram, e agora acreditamos que o mundo vai acabar, recorde de mortes e até mesmo... recorde de asneiras. Faz três meses que fui demitida, o auxilio que poderia me salvar, me dá apenas quatrocentos reais, não consigo nem ao menos manter a energia, o encanamento e a geladeira com ovos e alface.

Eu sonho que ainda estou no quinto dia de isolamento, mesmo tendo uma certa dúvida... talvez estejamos no Quinto Mês.

Eu aprendi a tricotar, no sexto mês e a cozinhas a cozinhar brownies no sétimo.

Cento e cinquenta mil mortes, no oitavo mês.

Minha mente simplesmente não reconhece mais a verdade e a mentira no nono mês. É tudo apenas um conto de terror. Adoraria acordar no ano que se passou, e agradecer por apenas ter sobrevivido a isso.

Ela se foi, disseram que era fatal em pessoas com idade avançada, mas teimosa como só ela, foi se aventurar após dez meses trancafiada em casa. O natal e a ideia do ano que vem, não será a mesma sem você ao nosso lado.

No decimo primeiro mês de desastre global, ao conseguir um emprego, e ter que me fantasiar com máscaras e face-Shields, estou estranhamente descontente e louco por todos os vírus que podem me rondar um novo ano, ideia de novas vacinas cada vez mais próximas... não muda o fato de que esse vírus não há botão de pausa, ou quem sabe, uma vacina que nós tornemos invencíveis.

Após um mês de trabalho, a empresa nos dispensou. Não estamos cumprindo os objetivos pelo visto. Nos arriscamos diariamente para bem único da empresa e ainda sim não é o suficiente. No decimo segundo mês, um ano de distanciamento social e isolamento, ainda estou a mercê, como diversas famílias, dependentes de um governo despreparado.

Um ano e quase duzentas mil mortes. Não apenas números, mas sim, pessoas que deixaram pais, mães, filhos, irmãos, sobrinhos, afilhados, tios, tias, primos, amigos, colegas, conhecidos. INUMERAS FAMILIAS. INUMERAS PESSOAS QUE NOS DEIXARAM EM UM ANO. Inclusive ela. Sinto tanto sua falta.

Um ano e um mês? Ou apenas uma semana? Eu não sei, não estou bem.

Mais um mês, e agora posso me considerar um exímio cozinheiro de comidas simples. Decimo mês, Arroz e ovo, deliciosamente saboroso em minhas mãos, descobri formas de se cozinhar um ovo que nem achei que fosse possível.

Estou viajando no tempo, estou a um ano isolado? Sinto que sim, não há mais oque assistir, e olhe? Não estão produzindo nada, talvez eu devesse escrever, produzir, dirigir e estrelar um filme.

Quatrocentas mil mortes, dezesseis meses que o mundo inteiro mudou, e todos tivemos que ser obrigados a mudar juntos. Um maior nível de imunizantes se torna cada vez mais presente. Prioridade dos mais velhos, como eu amaria que ela ainda estivesse por aqui.

Quinhentas mil mortes em dezessete meses. Estipula-se que em um ano serão mais de um milhão e meio de perdas. E ao presenciar tudo isso na mídia, em uma ida rápida ao mercado, completamente protegido, eu fui infectado. A falta de ar me consome. Talvez eu me torne apenas mais um numero nos bancos de perdas pelo vírus.

Sem o olfato ou paladar, eu sobrevivo o decimo oitavo mês, sem transmitir a doença, posso me sentir saudável. No próximo mês, finalmente me vacinarei, mas ainda permaneço triste, a tantos que não possuem isto ainda.

Ao me vacinar com AQueTinha após um ano e sete meses, me senti muito melhor, estar de cama por um dia, não chega aos pés de poder finalmente me sentir segura. Queria que ela estivesse aqui. Se vacinar e sobreviver a tudo isso. Eu chorei ao sentir a agulha me perfurar, mas não fora por dor, e sim, alegria misturada com tristeza. Tantos nomes perdidos, tantas pessoas.

A dois meses da segunda dose, era assim que eu me orientava com o tempo.

A um mês da segunda dose, eu vivia apenas e por ela.

A segunda dose chegou. Um Ano e Dez meses de desgraça sob a terra, finalmente tenho ambas as doses em meu corpo, não estou cem por cento imune, porém feliz.

Em um mês, as coisas ainda estarão desastrosas, e talvez cheguemos as setecentas mil mortes. Só o tempo dirá. Há quanto tempo estou vivendo isso? Três semanas ou três anos?

Dois anos, essa é a resposta correta.

Abro os olhos e vejo a minha frente a folha que no cabeçalho diz as seguintes palavras: “Férias Coletivas”, o assino, em apenas quinze dias, estarei de volta a minha doce rotina.


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Notas finais do capítulo

Homenagem a todos que perderam alguém para o Covid-19 (SARS-CoV-2).

Não são apenas números. São mães, pais, filhos, tios, tias, irmãos, sobrinhos, afilhados, amigos, conhecidos. São pessoas que eram amadas, e que jamais serão esquecidas.

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