Sinais escrita por Sirena


Capítulo 27
Sorvetes, Gatos e Conversas


Notas iniciais do capítulo

Obrigada Joshua de Vine, heywtl, Isah Doll e fran_silva pelos comentários ♥



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Mathias

— Primeiro, você é o único adolescente no mundo que ainda faz ligação, sua criatura estranha! Segundo, você precisa de terapia, mas se sinta abraçado. Você vai dar um jeito nesse negócio da escola, agora parece o fim do mundo, mas eu sei que você fez tudo que pôde, então não precisa se sentir mal. E terceiro... Você não pode falar com a sua mãe assim. - foi tudo que Eric disse depois de eu contar o que tinha acontecido.

— Eu sei. – suspirei, com o celular no ouvido.

— É sério, cara! Ela faz o que pode! Sei que é injusto ela te acusar, mas, isso não justifica surtar com ela assim. Ela não sabe o que te acontece.

— Eu sei disso, Eric! – fechei os olhos, deitando a cabeça no travesseiro. — Eu só... Me estressei. Odeio cobranças! Já tenho cobranças demais na minha vida!

— Ela só tá fazendo o que mães fazem, cara. Sabe a frase "toda a mãe é igual só muda o endereço"? Eu tive a prova de que é completamente real! Agora minha mãe fala pra levar um casaco, pergunta se peguei meus documentos, fala pra eu levar um guarda-chuva... E dois minutos depois a Lavínia me fala exatamente as mesmas coisas antes de eu sair! É horrível, cara! Ter duas mães é um saco!

Dei a melhor risada que pude naquele momento e fechei os olhos.

— Mat? Ainda tá aí?

— To sim. – suspirei. — Eu tô tão cansado...

— Vai se resolver com a sua mãe, cara.

— Eu tô cansado. – repeti.

— Mat...

— Vou desligar.

— Sua voz tá estranha.

— Vou desligar.

— Mat...

Apertei o botão que finalizava a chamada e desliguei o celular para o caso do Eric resolver retornar a ligação.

***

Fingi estar passando mal no domingo para não ter que sair da cama e quando minha mãe vinha ver como eu estava e tentava puxar assunto comigo, eu cortava dizendo estar com enxaqueca, o que, na real não foi mentira.

Acho que entendi um pouco como era mais fácil pro Ícaro ficar em casa. Não era fácil, veja bem, não era. Era ficar se corroendo com os pensamentos até não aguentar mais. Só era mais fácil do que realmente ir enfrentar tudo, mas não era nenhum Let It Go. Sério.

Segunda foi mais fácil. Pela primeira vez me senti aliviado por estar só em casa e não ter que me preocupar com alguém me puxando para uma conversa que eu definitivamente não queria ter. Respirei fundo pegando o celular depois de tomar o café da manhã.

[Mathias]
Bom dia vida

Ícaro visualizou a mensagem e instantes depois me mandou uma foto da calçada da casa dele.

[Mathias]
????

[Ícaro]
Adivinha onde eu to :D

Arregalei os olhos.

[Mathias]
VOCÊ SAIU????

[Ícaro]
Tecnicamente eu só to na calçada
Tomando um sol

[Mathias]
VOCÊ SAIU!!!!!!

Ele mandou uma série de figurinhas de bebês cercados por corações e eu dei risada.

[Ícaro]
Chega de falar de eu
Como você tá mo??
N me respondeu ontem
Fiquei preocupado :c
Quer vir aq?

[Mathias]
Talvez mais tarde ou outro dia
Acho q hj sou eu q preciso ficar sozinho um pouco
Desculpa n ter respondido ontem
Tive enxaqueca, passei o dia dormindo e mal encostei no celulr

[Ícaro]
Tá tudo bem?

[Mathias]
Nada demais anjo
Briguei com minha mãe só isso
E vão diminuir o desconto q eu recebo
Mas to bem n precisa se preocupar
N é nada dms

[Ícaro]
Sabeee
Minha mãe diz q tem dias q o melhor q a gente pode dar não é 100%
Tipo
Q tem dias q ela vai dar aula e o melhor q ela consegue dar como professora e dançarina é 70% ou 60%
Mas q ela n se sente mal por n ter conseguido dar 100% pq aquilo foi o melhor q ela conseguiu no momento e ela sabe que foi o melhor

[Mathias]
Hm

[Ícaro]
Namoro n é tããão diferente
A gnt n consegue ser 100% sempre
Na real a vida n é tão diferente
Mas tipo
Esses últimos meses o melhor q eu podia era tipo sla 30% ou 40%
Então vc ficou com 70% pra gnt continuar bem
E se vc n tiver bem hj
Eu posso ficar com o maior peso hj
E vc pode ficar com o menor
E me falar oq tá acontecendo se quiser
Ou n falar se n quiser
E só me deixar cuidar de vc hj

Respirei fundo lendo as mensagens do Ícaro e cerrei os lábios sem saber o que dizer. Era um tanto doce a forma como ele tinha dito. Esfreguei os olhos e respirei fundo e enviei uma figurinha de um gatinho fazendo uma carinha fofa.

Ícaro não respondeu.

Tive a impressão que ele estava esperando. Não era exatamente muito fácil distrai-lo.

[Mathias]
Foi uma briga feia
Eu disse muita coisa q n devia
Sobre ela nunca estar aq e n ser tão presente
E basicamente falei q ela n tem direito sobre nada da minha vida por isso
Mds eu sou o pior filho do mundo

[Ícaro]
Vc realmente se sente muito mal por n ver ela muito, né?

[Mathias]
Eu n tenho o direito de reclamar por isso
Eu sei o pq de ela n ser tão presente quanto eu gostaria

[Ícaro]
Amor, vc saber o pq de ela n poder ser tão presente n invalida seu direito a ter esses sentimentos
Vc tem direitos aos seus sentimentos ok?

Fechei os olhos, o celular vibrando na minha mão enquanto mais mensagens do Ícaro chegavam. Respirei fundo sentindo meu pescoço apertar. A questão com a minha mãe é que eu sempre me repreendi por muito por me sentir mal com a ausência dela. Ela tinha que trabalhar, ela tinha que trabalhar muito para me manter na escola, eu não podia me sentir mal por isso.

Mas, era meio que bom alguém dizer que tudo bem.

Suspirei desbloqueando o celular.

[Ícaro]
N acho q tenha uma solução pra essa distância entre vcs ao menos por enquanto
Mas, acho bom ela saber q vc se sente assim
Ok talvez vc tenha dito de uma forma meio rude dms, mas é importante
E talvez eu teja parecendo minimizar tudo quando vc deve ta se culpando muito
Mas sla
Vc tava sob tanta pressão nos últimos tempos
Tava obvio q ia acabar explodindo com alguém
E acabou sendo sua mãe
Sei que deve ser difícil pra vc, especialmente pq ela raramente tá em casa
Mas vcs tem que sentar pra conversar
Tipo, vc nem precisa realmente conversar com ela sabe?
Pode só escrever uma carta e esconder na bolsa dela
Uma hr ela acha

Suspirei.

[Mathias]
N sei

[Ícaro]
Vc n precisa fazer nada q n se sinta pronto pra fazer amor
E tbm n precisa se condenar por ter brigado com a sua mãe
Como eu disse, vc aguentou muito pressão
Td bem, vc errou mas isso n é motivo para se crucificar
Vc n precisa pedir desculpas pelos seus sentimentos, eles são seus e apenas seus
Mas talvez vc devia pedir desculpas por como os demonstrou tipo
Vc n pode controlar como se sente, só como reage a esses sentimentos
E se vc passou do limite explica pra ela o pq

Franzi os lábios e respirei fundo.

[Mathias]
Tudo bem eu ir ae hj?

[Ícaro]
Vou ficar aq na calçada esperando ♥

***

Ícaro e Alexia estavam sentados na calçada tomando sorvete.

Ela estava mexendo no celular, os cabelos soltos caindo na frente do rosto e usava uma camiseta comprida que cobria quase completamente o short jeans que estava usando. Ícaro estava com a cabeça encostada nas grades do portão, uma camiseta cinza um pouco larga com as mangas escorregando pelos ombros e um short preto.

"Oi." – sorri sentando ao lado do Ícaro e me inclinando para dar-lhe um beijo, mas antes que eu pudesse, ele se afastou parecendo assustado.

— Amorzinho? - ergui os olhos quando Alexia me chamou, me observando seriamente.

— O que foi?

— O Ícaro precisa de tempo pra se sentir seguro de novo com beijos e abraços e mãos dadas em público, amorzinho. Dá um tempo pra ele. – ela explicou fazendo sinais enquanto falava. — Mesmo que não tenha sido nenhum ataque que tenha feito ele se trancar de novo, ele passou os últimos meses revivendo aquilo tudo do vizinho na cabeça dele, então... Ele precisa de tempo.

"Desculpa." – Ícaro me olhou fazendo bico.

"Tudo bem." – dei um sorriso. – "Voltar a sair normalmente deve ser bem difícil, não é?"

Ícaro apenas assentiu e voltou a atenção para o potinho de sorvete de morango no colo dando mais uma colherada.

— Provavelmente vai levar ainda um mês mais ou menos pra ele voltar ao normal... – Alexia suspirou. — Por favor, seja paciente.

— Não se preocupe com isso, amorzinho. – dei risada. — Eu sou bem paciente com o meu namorado.

Ícaro se mexeu desconfortável antes de se levantar.

"Cansei de ficar aqui. Vou pra dentro."

"Vou ficar mais um pouco. O sol tá ótimo hoje." – Alexia sorriu enquanto eu me levantava. Ícaro me olhou surpreso.

"Você pode ficar no sol se quiser, amor."

Bufei. – "Vida, relaxa. Vamos."

Ícaro suspirou antes de concordar e ir para dentro correndo.

Franzi a testa quando ele fechou a porta antes que eu entrasse na sala.

Eu sei que o Ícaro fica estranho quando passa muito tempo trancado em casa, mas bater a porta na minha cara é... Antes que eu pudesse concluir meu pensamento, a porta se abriu de novo e Ícaro rapidamente jogou os braços em volta do meu pescoço me beijando de surpresa.

Arregalei os olhos enquanto retribuía o beijo, tentando me recuperar do susto.

"Essa era a recepção que eu queria dar quando você chegou." – ele explicou quando se afastou. – "Desculpa."

"Você é um fofo, sabia?" – dei risada e o puxei pela cintura para outro beijo, mais demorado dessa vez.

Ícaro segurou minha mão enquanto seus lábios deslizavam pelo meu maxilar, dando beijinhos carinhosos, o nariz roçando minha bochecha.

Fofo demais, socorro!

"Você quer sorvete? Eu devia ter perguntado antes de guardar, desculpa!"

"Relaxa, eu não quero. Tudo bem." – sorri e ele concordou me puxando para dentro.

Suspirei me sentando ao seu lado no sofá. Ícaro passou as mãos pelos cachos desbotados e respirou fundo antes de sorrir.

"Você quer conversar?"

"Na verdade, não."

Ele suspirou e segurou meu rosto um momento antes de se encostar no meu ombro, mexendo no meu cabelo. Suspirei encostando o queixo no alto de sua cabeça, tentando organizar meus pensamentos.

"Você sabe o que vai fazer?" – Ícaro perguntou se afastando, cerrando os olhos.

"Sinceramente, eu não sei. Não tem como eu continuar na escola no próximo ano. Esse ano eu posso ir levando, mas o próximo... Bom, talvez dê, na verdade. Se eu conseguir um emprego, talvez... Ainda é um desconto alto, não seria esperto da minha parte desperdiçar isso e..."

"Muda de escola no ano que vem, por favor." - pediu, me interrompendo.

Arqueei a sobrancelha.

"Como é?"

Ícaro suspirou, estalando os dedos das mãos.

"Eu sei que você tá com medo de mudar de escola e acabar se prejudicando por ter que se acostumar com a didática de vários professores novos... Mas, muda de escola. Sua mente tá péssima naquele colégio, talvez ir pra outro lugar ajude. Você tá se prejudicando ficando lá. Mesmo se você for pra uma escola com ensino ruim, você pode recuperar estudando pro vestibular ou estudando sozinho depois." – Ícaro esfregou os olhos. – "Eu não gosto de você estudando num lugar cheio de gente que te faz mal. Gente que te bate e mexe com a sua cabeça... Fico preocupado."

Hesitei sem saber o que dizer.

Ícaro encolheu os ombros abaixando os olhos.

"Eu só não te quero num lugar que te faz mal."

"Eu não posso fugir..."

"Você já foge!" – Ícaro bufou me interrompendo. – "Não falar no assunto é fugir, Mathias. Trocar de escola é tomar uma atitude sobre o que tá acontecendo. Por favor, por favor, só... Eu não quero ser o tipo de namorado que diz o que fazer, juro que não quero, mas por favor só... Faz alguma coisa sobre isso. Muda de escola ou procura atendimento gratuito de psicólogo, ou... Só faz alguma coisa."

"Não é muito fácil achar atendimento gratuito, Ícaro."

"Também não é muito fácil achar atendimento em Libras, mas eu achei." — ele deu de ombros. – "Com a ajuda da Alexia, certo, mas... Achei. E minha mãe já marcou de novo, claro..."

"Você precisa."

"Você também."

Suspirei e me esforcei para sustentar o olhar rígido do Ícaro. Ele ergueu o queixo daquela forma teimosa, como se me desafiasse a continuar. Era difícil vencer o Ícaro nos olhares. Ele era bem mais teimoso e olhava de um jeito mandão que parecia não deixar margem para protesto, dava para sentir a insistência e determinação dele de uma forma tão forte... Sua teimosia era difícil.

Ele suspirou, unindo as sobrancelhas e abaixando os olhos novamente. Franzi a testa, surpreso.

"Por favor." – pediu. – "Por favor, para de fugir. Por favor, faz alguma coisa por você. Você precisa se dar atenção, amor."

Desviei o olhar sem saber o que dizer e contive um suspiro enquanto esticava a mão em direção ao controle da TV, desejando que aquele assunto se encerrasse. Ícaro deu um suspiro percebendo o movimento e mudou de posição no sofá, deitando a cabeça no meu colo.

Senti um cutucão na barriga e olhei assustado.

"Desculpa. Você disse que não queria falar sobre..."

Mordi os lábios.

"Tudo bem. Você não mentiu mesmo."

"Mesmo assim, eu tenho que começar a respeitar quando você pede pra não falar de algo."

Forcei um sorriso. – "Olha, tudo bem. Você só força quando o assunto é muito sério e é bem gentil ao falar sobre então..."

"Mesmo assim."

"Vamos concordar que se for pelo meu tempo, a gente nunca vai falar de nada da minha vida."

Ícaro deu risada revirando os olhos e voltou a se sentar.

"Desculpa por te me afastado lá fora."

"Ícaro, tá tudo bem."

"Eu só preciso de um tempo."

"Eu sei, amor. Tudo bem." — sorri novamente e ele pareceu hesitar antes de concordar com a cabeça e voltar a deitar no meu colo.

Mesmo vendo há dois meses o quão frágil o Ícaro ficava em meio a esse surto, se desculpando por qualquer coisa, eu ainda me assustava um pouco com isso. Era só tão... Diferente. Sei lá. O Ícaro dos primeiros meses de namoro era tão confiante e inabalável e sempre me olhava como se estivesse me desafiando de alguma forma. E o mais perto desse jeito mais desafiador dele que eu via agora, era quando ele ficava muito na defensiva e partia para a grosseria... E isso não era nem de longe a mesma coisa.

As provocações do Ícaro quando estava bem não tinha maldade alguma e eu sabia disso, o que ele falava em meio a raiva e ansiedade, por outro lado... Era como se estivesse tentando se defender de qualquer acusação com frases ácidas. Além do mais, era tão estranho ver ele sempre tão assustado e tímido... Eu lembro de pequenos momentos, breves momentos em que ele se aparentou frágil assim quando começamos a namorar. Tipo quando ele me contou toda a história sobre os cachorros, ou quando foi conhecer minha mãe. Mas, eram momentos tão breves... Que parecia simplesmente antinatural vê-lo frágil por tanto tempo! Era assustador!

Ele parecia tão longe de si mesmo nos últimos meses... De vez em quando eu via um vislumbre de sua forma mais confiante, mas, na maior parte do tempo ele seguia parecendo tão abalado...

Ícaro mordeu os lábios e coçou a bochecha parecendo pensativo. - "Quer um abraço?"

"Um abraço seria legal." - concordei.

Ele sorriu apertando os braços em volta do meu pescoço e deixando vários beijos pelo meu rosto e pescoço, carinhoso, de uma forma que me fazia relaxar e suspirar, suas mãos fazendo carinho no meu cabelo.

Puxei-o para o meu colo e o segurei mais perto de mim, apoiando a mão na sua cintura. Senti sua mão encostar no meu peito, dobrando os dedos no sinal de "te amo" e sorri, fazendo o sinal contra sua cintura. Ícaro riu baixinho dando beijos pela minha testa e bochecha antes de se afastar devagar.

"Seus ombros ainda doem?"

"Doem, eu ia amar outra massagem." - garanti. - "Mas, depois. Esses beijos também são ótimos."

"E a enxaqueca? Passou mesmo?"

"O que é isso, Ícaro? Tá virando médico?"

"Não." - ele fez careta. - "Ter um tio médico me fez ter certeza que eu não quero ser médico."

Hesitei. - "Você sabe que o seu tio não é médico, não é?"

Ele uniu as sobrancelhas, me olhando como se fosse doido. - "Ele é sim!"

"Não é não." - franzi a testa. - "Fonoaudiologia é ciência B-I-O-M-É-D-I-C-A, não precisa fazer medicina pra ser fonoaudiólogo. Tem faculdade própria pra isso."

"Mas meu tio trabalha em consultório! E ele usa uniforme igual de médico!"

"Nutricionista também, Ícaro mas..."

"Nutricionista não é médico?" - ele franziu a testa parecendo incrédulo. - "E o que mais? A Terra é quadrada?"

Garoto, calma!

"Ícaro, é sério. É diferente."

"Eu não acredito! Vou perguntar pro meu tio!" - decidiu pegando o celular em seguida e saindo do meu colo.

Arqueei a sobrancelha, observando. Ele fazia um biquinho fofo enquanto digitava, as sobrancelhas unidas e os olhos cerrados numa expressão de irritação tão... Ai. Daria uma figurinha tão fofa!

Ícaro colocou o celular de lado e cruzou os braços, balançando o pé. Dei risada puxando-o para outro abraço. Ele suspirou encostando a cabeça no meu ombro um instante de se virar para mim de novo, colocando uma perna sobre a minha.

"Tem certeza de que tá bem?"

Hesitei.

"Vou ficar." - uni as sobrancelhas. - "O que aconteceu com suas mãos?"

"Eu tava roendo unha e machuquei." - deu de ombros. - "Tá feio, né? Tô pensando em pintar pra disfarçar, mas vou esperar um pouco. Eu não gosto muito de pintar as unhas."

"Então por que faz isso?"

"Não!" - ele deu risada. - "Eu gosto quando tá pronto, bonito. Mas, não gosto de ir pintar porque o esmalte demora pra secar e aí eu não posso falar."

Uni as sobrancelhas, confuso e estava para perguntar porque ele não podia falar quando pintava as unhas quando entendi.

Cerrei os lábios tentando não dar risada. - "Faz sentido."

Ele mordeu a bochecha, ajeitando o short antes de suspirar, com um sorriso fraco no rosto, em seguida voltou a deixar vários beijos no meu rosto e me abraçar.

"Tá carinhoso demais hoje." - observei. - "Não que eu esteja reclamando, claro."

"Eu não sei bem o que fazer pra te ajudar com a briga da sua mãe. E você disse que carinho te ajuda mais do que conversa." - explicou, encolhendo os ombros. - "Só quero te deixar bem."

"Me diz o que você acha dessa briga." - pedi porque gostava do jeito que Ícaro costumava analisar discussões.

"Você não me contou muito pra eu achar algo." — ele deu de ombros. - "Ela disse que cortaram seu desconto e você se irritou com ela?"

"Ela disse que cortaram meu desconto, me acusou de tá dando mais atenção pro meu namoro do que pros estudos e aí eu me irritei."

Ícaro abaixou o rosto e mexeu os pés antes de falar. - "Eu não sei... É difícil pra mim julgar brigas com pais porque eu não entendo direito. Apesar de eu achar que meus pais só me suportam por não ter escolha, eles são muito compreensivos e sempre me deixaram falar meu lado. Mas, sei que a maioria não é assim... E não sei... Acho que a relação de vocês dois é complicada. Por um lado faz sentido ela pensar isso porque muita gente tem queda de rendimento quando começa a namorar. Minhas notas caíram muito quando a gente começou a sair e eu demorei pra equilibrar isso, então não posso julgar ela achar que foi isso. É triste ela ter te acusado, mas não acho que ela tinha motivo pra pensar que podia ser outra coisa já que vocês nunca conversam."

"Ela podia ter me deixado falar." - observei.

"Mas, se ela tivesse te perguntado o porque, você teria dito a verdade de primeira?" - Ícaro arqueou a sobrancelha. - "Eu não acho certo ela te acusar, mas eu tive que insistir muito pra você me contar o que acontecia na escola. Você teria contado pra ela?"

Hesitei. - "Não tenho certeza."

"Viu? Você contou porque se feriu com a acusação. Acho complicado julgar a acusação dela, quando você também não deixa ela se aproximar. Mas, eu entendo. Às vezes, a gente afasta quem a gente mais quer perto." - parou para coçar o olho antes de continuar. - "O problema de vocês, não é só se ver pouco, é falta de comunicação também. Entendo você se irritar com a acusação, acho que ela devia ter te deixado falar antes de qualquer coisa e acho certo você finalmente ter contado a ela tudo que acontece porque só assim ela vai poder fazer alguma coisa. Mas, também entendo o lado dela. Não acho nada sobre essa briga, pelo que você me falou, os dois tiveram pontos certos e errados, mas eu não vi então não posso dizer com certeza. Mesmo se você me contar com todos os detalhes, eu não sei o que aconteceu de verdade porque eu não estava lá, não posso ter uma opinião completa, sua visão do que aconteceu é parcial e saber através de você torna a minha visão tão parcial quanto. Então, acho que vocês precisam conversar."

Mordi os lábios pensando um instante.

"Me abraça."

Ícaro sorriu me puxando para um abraço apertado. Escondi o rosto no seu peito retribuindo.

Ouvi a porta da sala abrir e Ícaro se levantou, curioso, provavelmente notando o movimento na porta porque ele tinha olhos muito bons, meu Deus, ele via tudo! Alexia entrou na sala carregando uma enorme caixa, acompanhada do Davi que também trazia consigo uma caixa, só que menor.

"Oi."

— Oi, Davi! – sorri.

— Ei, cara! Tudo bem? Espero não tá atrapalhando nada. – ele riu, falando um pouco alto demais. Sorri me lembrando de não chamar atenção.

Tanto o Davi quanto os pais do Ícaro tinham uma pequena tendência a, às vezes, falar alto ou baixo demais... O Ícaro também, mas como ele não era oralizado isso normalmente eram em momentos mais privados, por assim dizer... De qualquer forma, acho que deve ser um pouco difícil controlar o volume da voz quando você não escuta (ou, no caso do Davi, não escuta bem). Mas, não tenho certeza.

— Tá atrapalhando nada não, relaxa. – dei risada. — O que tem aí?

— Presente pro Ícaro. – ele riu colocando a caixa no chão.

"A gente falou com o pai e com a mãe. Eles concordaram em telar a casa." – Alexia explicou

"E a..." – Davi fez um sinal que eu não reconheci. – "Ainda tá muito arrisca. Você provavelmente ia começar a ter medo de gato também."

Franzi a testa.

Ícaro desceu do sofá, olhando com curiosidade para as caixas.

"O que é?"

"Espera." – Davi fez uma expressão séria. – "Não vale você ficar com medo, tá? Se for ter medo eu pego de volta e dou pra minha irmã. Esse bebê é bem manso, se você ficar com medo dele, eu desisto."

"Medo de quê?"

Desci do sofá também para poder ver melhor.

Davi deu um meio sorriso antes de entregar a caixa pequena e cheia de furinhos no lado para o Ícaro.

Meu namorado mordeu os lábios e pareceu hesitar antes de finalmente abrir a caixa. Arregalei os olhos, surpreso.

Era um filhote ainda. Um gatinho de pelos pretos, orelhas grandes e olhos azuis. Alexia abriu a caixa que trouxe tirando de dentro tigelas para comida e água e brinquedinhos.

O gatinho miava, esticando as patinhas tentando sair da caixa. Ícaro continuava olhando parecendo surpreso.

— Vocês acham uma boa ideia... – murmurei. Sei que o medo do Ícaro era de cachorros, mas naquele momento ele parecia estar tão nervoso com o gato quanto ficava com cachorros.

— O quê? – Davi levantou o rosto, quase gritando. — Fala do meu lado direito, eu entendo porra nenhuma quando falam do lado esquerdo!

Revirei os olhos e voltei minha atenção para o Ícaro. Ele coçou a bochecha e mordeu os lábios, observando o gatinho tentar sair da caixa, miando e esticando o focinho, farejando ao redor. Ícaro riu antes de pegá-lo no colo e se encostar no sofá, ainda sentado no chão.

Observei. Ele estendeu a mão para tentar fazer carinho no filhote, mas afastou rapidamente quando o bichinho tentou cheirar sua mão, parecendo assustado. Mas, logo riu de si mesmo e deixou o gatinho cheirá-lo antes de começar a fazer-lhe carinho.

Me ajeitei do lado do Davi.

— Eles precisam de um tempo para se conhecer melhor. – Davi sorriu.

— Um gato? – arqueei a sobrancelha.

— Bom, animais de estimação ajudam a diminuir a ansiedade. Um cachorro podia ajudar a diminuir o medo dele, mas, eu fiquei com medo de piorar a situação. – Davi explicou e em seguida continuou. — Acharam essa filhota num balde de lixo. Sabe, aqueles baldes que ficam presos nos postes? Alguém jogou ela lá. Acharam quando foram tirar o lixo.

— Que horror!

— Acredite, cara... Já abandonaram filhotes de gato em lugares muito piores. Especialmente de gatos pretos.

Suspirei. Disso eu não duvidava.

***

Respirei fundo e esfreguei os olhos tentando me manter acordado.

Era quarta a noite, já passava das onze e eu estava maratonando Grey's Anatomy numa tentativa de me manter acordado. Nunca seria capaz de entender como Eric e Samantha eram viciados nessa série, era só tão desnecessariamente extensa e entediante... E também qual a graça de ver uma série em que todo mundo morre?

Nunca tive paciência para séries longas. Embora gastasse meus dias vendo várias, normalmente largava a maioria depois da terceira temporada porque séries extensas normalmente são mal planejadas, só roteiristas estendendo desnecessariamente porque está dando direito e acabam se perdendo na própria narrativa.

Estava tentando me manter acordado. Era noite de quarta, não devia demorar muito mais para a minha mãe chegar. Precisava falar com ela, me desculpar... Os últimos dias vinham sendo uma merda, consumidos de culpa, revisitando as palavras que tinha dito a ela em meio a raiva.

Ouvi um barulho na porta e dei pause na série.

Respirei fundo, sentindo meu coração acelerar e tentando me convencer a não me esconder embaixo da coberta e fingir dormir.

Me levantei.

— Mãe?

— Ainda acordado? – ela franziu a testa, abrindo a porta do quarto, os cabelos curtos presos com uma presilha pequena, fios brancos se destacando aqui e ali, olheiras sob os olhos, a bolsa parecia pesar no ombro. — Tá tarde.

— Eu já to de férias. – dei de ombros.

Minha mãe suspirou sem ter como argumentar com isso enquanto colocava a bolsa no chão.

—... A gente pode conversar? – pedi hesitante.

— Eu to cansada, querido. Preciso de um banho, to toda grudando! O ônibus tava lotado e a Belmira ainda tava fechada...

— Que horror. – murmurei, ciente que haviam poucas coisas piores do que a Belmira fechada. — Eu só queria te pedir desculpas pelo que disse no domingo.

Ela abaixou os olhos, parecendo sem jeito.

— Eu não disse por querer... – continuei, minha voz começando a tremer. — Eu fiquei estressado com a notícia e... Sei lá. Eu tentei por tanto tempo manter as notas e ignorar tudo que tava acontecendo e... Ver que eu fracassei nisso, eu só... Quis jogar a culpa pra outra pessoa, eu não queria ficar culpado. E... E... Eu acabei descontando em você porque eu sinto muito a sua falta quando você não tá e não me entenda errado porque eu sei que não é sua culpa, mas... Mas, eu sinto mesmo assim.

Minha mãe respirou fundo entrando no meu quarto e se sentando na beira da minha cama.

— Eu sei que não sou tão presente quanto gostaria... Ou quanto você gostaria, mas eu faço o máximo que posso.

— Eu sei. É só que... – hesitei, me ajeitando e sentando ao lado dela — Eu fico muito só e... Isso pesa.

— Eu sei, querido, eu sei. Não queria que fosse assim.

Concordei com a cabeça enquanto deitava o rosto no ombro dela. Senti a mão da minha mãe no meu cabelo, me fazendo carinho enquanto eu fechava os olhos.

— Me desculpa. Eu não devia ter dito que você não tinha direito de me cobrar. – murmurei. — Eu meio que gosto quando você parece mais presente, mesmo que seja só através dessas cobranças... Eu só não gosto de cobrança, mas gosto de você.

Ela riu.

— Eu só... É só que tudo que tá acontecendo na escola...

— Você podia ter dito antes que implicam com você lá. – ela sussurrou. — Você não precisa ficar num lugar que não te aceita e nem te faz sentir bem.

— É uma boa escola. – suspirei. — O ensino é bom e foi difícil conseguir esse desconto. E você trabalha muito pra me manter lá. Não quis parecer ingrato.

— Ah, meu amor! – minha mãe se afastou um pouco para poder passar os braços em volta dos meus ombros, me abraçando com força. — Larga de ser besta! Se você não tá bem, tem que me falar, entendeu?

Apenas suspirei enquanto retribuía o abraço.


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