Sinais escrita por Sirena


Capítulo 20
Escola e Casa


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a Minnie, heywtl, fran_silva, Sorima e Isah Doll pelos comentários ♥



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Ícaro

Quando eu era criança, minha mãe dizia que eu tinha o nome de um anjo. Lembro de ter ficado bem revoltado quando descobri que ela estava errada e não era exatamente isso. Sinceramente, me senti enganado!

Ícaro, ou Icarus como é em latim, é o personagem de uma história grega. E como a maioria das histórias gregas, é uma tragédia. A história era a seguinte:

Icarus era filho de um inventor grego muito habilidoso, o pai dele foi quem inventou o Labirinto do Minotauro. Ele ajudou um herói a matar o Minotauro e fugir com a filha do rei, então, o rei ordenou que o inventor e seu filho fossem presos nesse mesmo Labirinto. Mas, essa ainda não é a parte trágica.

No Labirinto, o inventor juntou materiais o bastante para planejar sua fuga. Ele juntou penas que caíam, fios e fez asas de cera.

E, só uma pausa para eu dizer que quando criança eu achava essa parte legal porque eu acreditava que meu pai era um inventor. Na verdade, eu meio que achava que meu pai tinha inventado o computador porque já tinha visto ele montar e desmontar alguns, então para mim ele os havia inventado e um dia inventaria a máquina do tempo. Foi bem triste quando eu descobri que ele só os consertava e não inventava nada. Enfim, voltando para a história...

Icarus e o pai colocaram as asas de cera e fugiram do Labirinto voando. Só que a cera ainda estava fresca. O inventor tinha avisado o filho para que não voasse nem muito perto da água para que as asas não molhassem e nem muito perto do sol, para que não derretessem.

E, enquanto voava, Icarus ficou fascinado... E foi voando mais e mais perto do sol. O que, na verdade, é algo que eu entendo, sabe? É o sol! Ele é inalcançável, é o inimaginável, uma das coisas que garantem a vida no nosso planeta... O sol é o impossível e todos querem alcançar algum impossível!

Só que existe uma razão para o impossível ser impossível.

As asas de Icarus derreteram quando ele chegou perto demais do sol. E elas desmancharam. E ele caiu no oceano. E morreu, faleceu pela sua ambição e descuido.

Eu li que o nome Ícaro é associado a pessoas que buscam seus objetivos cegamente sem medir as consequências negativas que podem vir de seus atos.

Acho que a razão para eu não gostar dessa história é meio que por ser um nome muito apropriado para mim. Não sei qual seria meu sol, meu impossível, mas acho que no fim do dia, eu não meço consequências e só acabo fazendo mal a todos que estão ao meu redor. E talvez tudo fosse mais fácil se eu apenas me deixasse cair ao mar logo.

Como eu disse, era uma tragédia grega.

***

Não sei bem como são as escolas inclusivas, mas sei que as escolas bilíngues para Libras são diferentes das escolas para ouvintes.

Primeiro, nossas mesas não são organizadas em fileiras e sim em semicírculos, assim ninguém fica na frente de ninguém e todos podem enxergar o que o professor sinaliza.

Para chamar nossa atenção e anunciar o início da aula, os professores não gritam, apenas apagam a luz e a acendem novamente.

Campainhas de luz adaptadas eram instaladas em todas as salas e acendiam para sinalizar o intervalo.

O professor de artes anotou na lousa as páginas da lição, mas ninguém pareceu especialmente interessado. Abri meu livro de português, entediado, mas disposto a revisar um pouco.

Sabrina e Luana conversavam sem parar encostadas na minha mesa, mas não fiz questão de prestar atenção ao assunto, enquanto buscava entender todas as regras daquela língua idiota. Aprendi cedo que tinha que escrever perfeitamente porque a primeira coisa que usariam para invalidar qualquer coisa que dissesse seriam erros de escrita. Mesmo assim, eram tantas regras...

Olhei para o garoto ao meu lado, ele fazia um desenho bonito. Suspirei encostando a mão em seu ombro. Marcelo ergueu os olhos para mim, cutucando com a língua o piercing no queixo.

Não gostava muito de interagir com Marcelo, sinceramente. Me fazia sentir mal. Nosso namoro não foi bom e teve um fim pior ainda, me dava enjoo lembrar tudo de tão ruim que foi. Mas, medidas desesperadas...

“Você ainda traz bebida?” – perguntei, sinalizando o mais discretamente que pude.

“Quer?”

“Só um gole.”

Marcelo sorriu enquanto pegava a garrafa d’água e voltava sua atenção para o desenho. Não me surpreendi ao constatar que a água era, na verdade vodca e agradeci mentalmente. A bebida desceu ardendo pela minha garganta, mas dei mais um gole mesmo assim.

Ia precisar disso para resistir ao resto do dia. Estava quase surtando ali dentro. Era tudo tão abafado e apertado e quente e... Sufocante.

Encostei no ombro do Marcelo novamente para lhe devolver a garrafa de bebida.

“Presente pro Fernando?” — adivinhei, apontando para o desenho que ele fazia de um rapaz numa bicicleta. Marcelo deu de ombros, cutucando o piercing novamente.

“Fernando gosta de presentes. Acha que tá ficando parecido?”

Franzi a testa, surpreso pela pergunta. Exceto por raras ocasiões em que eu precisava beber para manter minha sanidade na sala de aula ou em que ele precisava de cola na prova de português, conversávamos o mínimo possível.

Mesmo assim, suspirei, pegando desenho pintado pela metade. Realmente parecia o Fernando, olhos amendoados, pele negra realmente bem escura e bronzeada, os lábios grossos, parecendo-se com um instamodel.

Observei o cenário de fundo: vários olhos refletindo uma paisagem. Pode parecer meio estranho, mas eu gostei. Cada um daqueles olhos parecia ver de uma perspectiva e ângulo diferente, causando um efeito que achei bacana.

Antes que eu pudesse responder que sim, estava impressionantemente parecido, a luz do sinal acendeu, indicando o horário de intervalo, então apenas devolvi a folha e me levantei, contendo um bocejo enquanto descia para o pátio.

Meu colégio não era muito grande.

Era um colégio particular caro e às vezes tínhamos que apertar um pouco aqui e ali para pagar a mensalidade. É que... Normalmente, colégios bilíngues para Libras são municipais que não têm ensino médio, os que tem ensino médio, costumam ser os particulares. Então... Bom, originalmente o plano era eu fazer só o fundamental num colégio bilíngue e depois ir para um colégio inclusivo. Mas... Sei lá, fiquei com medo de não conseguir acompanhar a matéria tão bem e me prejudicar.

Além do mais, estudar num colégio que usa minha primeira língua é só tão bom! É tão bom não se sentir diferente por ser surdo e estar num colégio onde todo mundo também é surdo e onde os professores falam minha língua! É tão bom estar num lugar onde tudo é feito para que fique o mais adaptado possível para uma pessoa surda! E é tão bom poder me cercar de pessoas que falam a mesma língua que eu e entendem revoltas simples como não poder ver algum vídeo do Instagram por falta de legenda.

Suspirei me sentando na mesa de sempre, meus amigos já lá.

Sabrina ainda conversava com a Luana, Rodrigo e Thomas pareciam discutir por alguma besteira e davam risada sem reparar no Ian roubando pedacinhos do lanche deles aos poucos. Amirah estava numa ponta da mesa, fazendo a lição. Ela estava sentada entre o Ian e a Luana e ele tomava cuidado de manter uma distância respeitosa dela. Até uns dois anos atrás, Amirah e Ian viviam abraçados, mas é claro que isso foi antes de ele passar a se identificar como trans e eles terem de mudarem a dinâmica da amizade que tinham.

Amirah era a única garota muçulmana da escola (e também a única garota preta daqui também, contando com ela e comigo, só tem cinco alunos pretos aqui e eu sempre ficava meio assustado quando parava pra pensar nisso). Enfim, o importante é que aprendemos que havia pequenos cuidados a tomar com ela por questões de respeito, por exemplo, de que havia essa questão de que homens fora de sua família não a vissem sem o véu ou a tocassem. Acho que a única vez que cheguei a encostar em Amirah foi quando ela passou mal numa aula e eu a ajudei a descer até a secretaria.

De qualquer jeito, as garotas a adoravam. Ela era bem divertida e brincalhona, além de vaidosa, seu hijab sempre tinha uma presilha de gatinho, o rosa-claro do tecido contrastava bem com sua pele que se assemelhava a um tom escuro de sépia.

Ela e Ian estavam no primeiro ano, começaram a se sentar comigo, com a Luana e com a Sabrina tinha já uns dois anos, não me lembro bem como ou porque, mas simplesmente foi algo que funcionou.

Pelo canto do olho, vi Fernando e Marcelo encostados numa parede, rindo enquanto Fernando fingia tentar fugir do abraço do namorado e Marcelo o puxava pelos braços.

Estremeci desviando o olhar e apertando meus braços por reflexo.

Fechei os olhos e pequenas memórias pareceram dançar por de trás das minhas pálpebras.

Mãos impacientes agarrando meus braços, tentando me arrastar para fora de casa no ano passado. Eu caindo no chão, desesperado e o chão da garagem arranhando minhas costas enquanto seguiam me puxando. Desistência. Marcas roxas de mãos nos meus braços por dias.

Minha garganta pareceu apertar enquanto eu me segurava na mesa. As lembranças pareceram fazer o mundo girar mais rápido por um instante.

Senti um aperto no ombro e me virei para Rodrigo que me olhava preocupado, o cabelo ruivo liso demais caindo na testa.

“Você tá bem, Ícaro?” — perguntou antes de pôr a mão na minha testa, como se estivesse tentando ver se eu tinha febre.

“To sim.” – garanti, forçando um sorriso e sentindo minhas bochechas arderem enquanto afastava sua mão.

Ele me lançou um olhar de dúvida antes de empurrar sua tupperware cheia de biscoitos caseiros na minha direção.

“Come um pouco, você tá parecendo pálido.”

“Não to com fome.” – lutei para manter um sorriso no rosto e ele deu um suspiro pesado, me olhando como se me repreendesse.

Rodrigo tinha um jeito paternal meio esquisito, mas eu achava isso fofo nele. Ele parecia um grande urso de pelúcia, gordo, com dentes um pouco tortos e um colar com um pingente nas cores da bandeira pansexual em tons pastéis. Ele tinha já seus vinte e poucos anos, e sim, parece estranho um garoto de vinte e poucos no ensino médio, mas... Por falta de informação, os pais do Rô tentaram por anos mantê-lo em colégios só de ouvintes e isso acabou atrasando muito o aprendizado dele. Logo que ouviram falar de um colégio bilíngue, entretanto, colocaram ele para estudar aqui. E, olha, Rodrigo é muito inteligente, sério!

Atualmente ele estava no último ano.  Começou a ficar junto da gente no começo do ano passado, lembro bem como foi:

Estávamos tentando acalmar a Amirah depois que uma idiota tinha tentado arrancar o véu dela, ela estava muito irritada, mas também estava meio que em choque. Rodrigo não conversava com a gente na época, mas quando nos viu sentados em volta dela e ela toda nervosa, comprou um chocolate. Ele deu o chocolate para Amirah e começou a falar, tentando acalmá-la um pouco. No final do intervalo, ele foi na secretaria e no fim do dia eu soube que a garota que tentou puxar o hijab da Amirah tinha sido suspensa. Depois disso, não teve um intervalo em que o Rodrigo não vinha sentar na mesa conosco.

Thomas se inclinou para frente ao lado do Rodrigo, tentando me ver melhor.

“Tem certeza que tá bem?”

Meu sorriso quase vacilou.

Thomas também estava no primeiro ano. Ele começou a sentar com a gente ano passado, para ser exato, foi no período em que eu estava surtado sem vir para escola ou sair de casa. Por mais legal que ele fosse, e ele era, meu estômago sempre embrulhava quando falava comigo.

Pode ser apenas a forma como eu ainda estava perturbado quando voltei a frequentar o colégio, mas sempre tive a impressão de ele ser tipo um substituto para mim e isso me dava certa agonia. Uma versão melhorada, com cabelos azuis e pontas cor-de-rosa, unhas vermelhas, brincos de argola e, principalmente, uma versão que não surtava ao ponto de ficar quatro meses sem ir para escola, ou sair de casa, ou responder os amigos no celular. E acho que o fato de só ter duas semanas entre os nossos aniversários só servia para aumentar minha paranoia.

“To bem.” – menti novamente. – “Só quero ir pra casa.”

Os olhares preocupados dele e do Rodrigo se abrasaram.

Respirei fundo, virando o rosto e tentei buscar na memória algo que mudasse o assunto.

Acenei a mão na frente da Amirah um instante, até ela erguer os olhos escuros para mim.

“Oi?”

“Você pode me mandar de novo aquela apostila com sinais religiosos? O Davi queria usar pra ensinar alguns na igreja.”

Ela hesitou. – “Minha apostila é com sinais islâmicos.”

“Eu sei. Por isso ele queria. Ele quer dar uma aula explicando sinais de outras religiões e praticamente me fez caçar uma com sinais do candomblé.”

Amirah deu risada, como se achasse graça e ajustou a presilha de gatinho sobre o lenço enquanto Sabrina revirava os olhos.

“O Davi vai acabar sendo expulso da igreja se continuar ensinando sinais que os pastores não querem que ele ensine.”

“Não tem nada de mais em ensinar um pouco de outra religião.” – observei, franzindo a testa e Sabrina deu risada, me olhando como se me achasse inocente.

“Ontem ele deu uma aula ensinando sinais para palavrões.”

“Ele vai acabar sendo expulso.” – concordei, rindo e tentando imaginar a cena.

“Eu te mando o arquivo com a apostila depois da aula.” – Amirah sorriu, reavendo minha atenção. – “Eu gosto que o Davi ensine essas coisas. É fofo da parte dele.”

“O Davi é fofo.” – Luana deu de ombros, antes de olhar sobre o ombro da Amirah a lição que ela fazia e franzir a testa. – “Como você tem paciência pra grifar e organizar isso tudo?”

“Eu acho que fica bonito!” – Amirah deu de ombros.

“Mas, como você tem tempo?”

“Eu faço umas coisas no intervalo.”

“Mas, o intervalo é pra descansar! Você é viciada em fazer lição, Amirah! Eu vou te mandar para uma clinica de reabilitação, sua doente!”

Dei risada e Amirah revirou os olhos enquanto Luana continuava olhando pasma para o livro de física cheio de marcações em diferentes cores de marca-texto, post-its com lembretes de definições e anotações no canto das folhas. Os livros da Amirah pareciam livros que você veria na internet, em vídeos daquelas youtubers que ensinam a se organizar.

Chegava a ser um pouquinho assustador.

Eu meio que tinha desistido de fazer mapas mentais porque nunca ficavam tão bonitos quanto os dela.

Suspirei, pegando meu celular no bolso para olhar a hora.

Mais três horas e vinte minutos antes do final das aulas.

Eu não ia aguentar.

“Já volto.” – sorri me levantando num impulso e tentando não parecer tão nervoso quanto estava.

Fui até a secretaria com coração pesado. Não queria fazer isso, mas cada segundo ali parecia aumentar meu pânico, como se eu estivesse em um ambiente instável e o ar a minha volta fosse acabar a qualquer segundo. Não queria fazer isso, mas não tinha como evitar.

Suspirei enquanto avisava a monitora que estava passando mal e pedia para ligar para os meus pais. Sabia que eles entenderiam e me deixariam voltar pra casa...

Mas, também sabia que assim que chegasse em casa, não voltaria a ir pro colégio nem tão cedo.

***

Dois dias depois e eu já estava recebendo mensagens preocupadas dos meus amigos, perguntando porque eu não estava indo para escola. E, obviamente, eu não estava respondendo.

Observei a luz no corredor dos quartos acender e apagar enquanto tocavam a campainha e fechei os olhos com força, tentando encontrar coragem para me levantar do sofá.

Vamos, vamos, você consegue.

É só ir até ali.

Meu celular vibrou e hesitante eu abri a mensagem.

[Mathias]
Oi
Cheguei

 

Respirei fundo.

Não é tão difícil.

É só chegar na garagem.

É perto.

Você não precisa nem sair de verdade.

É rápido.

Vamos.

Levante.

Suspirei quando a luz acendeu novamente e me obriguei a me levantar e atravessar a sala.

Minhas pernas pareceram tremer enquanto eu pegava a chave e ia destrancar o portão.

Mathias tentou me abraçar logo que entrou, mas eu só pedi que ele fechasse o portão e voltei correndo para sala.

Só ir à garagem pareceu fazer meu estômago revirar e me fez ter vontade de chorar. Respirei fundo, meu coração acelerando enquanto meus pensamentos pareciam ir para lugares estranhos em ordens sem sentido. Eu pensava no dia de hoje na escola, ao mesmo tempo pensava no vizinho morto, pensava naqueles dois cachorros horríveis e pensava nas notas do teclado, pensava nos meus pais, mas também no cachorro da vizinha e em como eu não queria sair... Minha mente girava e dava nós enquanto eu tentava me encontrar em meio tantos pensamentos até minha cabeça parecer doer.

Dei um pulo de susto no sofá ao sentir um toque no braço e vi que o Mathias tinha sentado do meu lado e me olhava preocupado.

“Como você tá?”

Levantei as mãos para responder, mas logo as abaixei novamente... Tentei de novo... Mas, minhas mãos estavam tremendo. Respirei fundo, meu coração parecia gelar e minha respiração estava trêmula enquanto eu procurava sinais que exprimissem toda confusão e medo que eu estava sentindo.

Não consegui.

Comprimi os lábios sem saber o que dizer, meus olhos enchendo enquanto pensamentos confusos seguiam na minha cabeça. Memórias ruins. Pensamentos irritados. Pensamentos tristes. Memórias agridoces. A sensação de angústia que era ficar andando pela casa assustado com qualquer sombra. Brigas com meus pais. Brigas com meus amigos. Brigas com a Alexia. Brigas. Brigas. Brigas.

Não percebi que estava chorando até o Mathias me abraçar.

Solucei, escondendo o rosto em seu ombro enquanto ele me puxava para seu colo, as mãos fazendo carinho nas minhas costas enquanto eu tentava puxar o ar... Mas minha garganta parecia estar se fechando e meu coração acelerava cada vez mais. Minha pele parecia formigar enquanto uma sensação de frio me alcançava, subindo da ponta dos meus pés para todo o meu corpo e fazendo arrepios se espalharem. Era como se mãos fantasmagóricas ou pequenas aranhas estivessem tentando subir pela minha pele.

Estremeci.

Sai do colo do Mathias e abracei a almofada do sofá, tentando me acalmar.

Respirei fundo, meus dedos ainda tremendo.

 “Desculpa.”

Ele suspirou enquanto me olhava. – “Pelo que você tá se desculpando, Ícaro? Você não tem nada pra se desculpar.”

Virei o rosto, tentando não olhar a parte da manga de sua camisa que ficou manchada com minhas lágrimas e respirei fundo.

“Eu só... Não queria surtar assim de novo. Você não precisava me ver assim.”

Mathias puxou meu queixo com o indicador antes de me dar um beijo breve nos lábios.

“Tudo bem. Você não precisa me pedir desculpas por tá mal.”

“Eu não queria tá mal.”

Ele encolheu os ombros. – “Eu também não queria tá mal, mas é a vida.”

“Mas... Mas, é idiota. É idiota eu ficar com tanto medo de ir ali e...” – respirei fundo. – “Eu preciso de água.”

Me levantei e fui correndo para a cozinha.

Enchi um copo de água e tentei me acalmar enquanto eu bebia o líquido gelado, minhas pernas tremendo.

O problema não era só não sair de casa.

Não era só não ir à escola.

Não era ficar o tempo todo com medo.

O problema eram os pensamentos.

Eles vinham como fantasmas, cada vez mais sombrios, tornando cada vez mais difícil fazer coisas simples como comer ou dormir, ou simplesmente levantar da cama. Pensamentos sobre minha inutilidade, sobre minha idiotice, sobre o quão insuportável eu era... Sentimentos de raiva, tristeza, angústia e apatia. E as vontades... Vontades de sumir, de brigar, de gritar, de quebrar coisas e de me trancar no meu quarto até sumir. A ansiedade constante...

Essa era a pior parte.

Coloquei o copo na pia e voltei para sala, nervoso.

“Vem cá.” — Mathias suspirou me puxando para um abraço. Contive um suspiro enquanto me ajeitava ao seu lado. – “Quer assistir alguma coisa?”

Neguei com a cabeça.

Na verdade, eu não queria fazer nada.

Quando percebi isso, percebi que provavelmente teria sido melhor não chamá-lo para cá. Com certeza ele ficaria entediado, irritado e ficaria me olhando feio e eu não precisava irritar mais ninguém além de quem eu já irritava quando ficava nesse estado.

Levantei a mão prestes a pedir desculpas novamente, mas desisti. Sinceramente, já nem sabia mais pelo que estava me desculpando. Mathias apertou meu joelho, me olhando de maneira condescendente e com um sorriso no canto dos lábios.

A expressão em seu rosto era quase de pena.

Respirei fundo tentando controlar o enjoo repentino.

“Tive uma ideia!” – Mathias sorriu. – “Que tal você me ensinar sinais de palavrão? Eu já to aprendendo Libras há meses e ainda não sei xingar em sinais!

Arregalei os olhos e balancei a cabeça com veemência.

“Não vou te ensinar palavrão.”

“Por quê?” – ele fez bico.

“Tenho vergonha.” – encolhi os ombros, meu rosto ardendo. – “Pede pro seu professor do curso.”

“Mas, você é meu professor particular! Vai, me ensina, amor!” – uniu as mãos como quem implora, fazendo uma carinha que daria inveja ao gatinho de botas.

Neguei com a cabeça de novo.

“Pesquisa na internet. Deve ter vídeo.”

“Não tem! Eu procurei!

“Mas se eu te ensinar palavrão, você vai parar de me achar fofo!”

“Isso nunca aconteceria.” – deu risada.

Aconteceria sim, se você descobrisse que eu to quase o tempo todo falando algum palavrão, pensei.

 “Pede pra outra pessoa!” — insisti. – “Você conhece meus amigos. Pede pra um deles.”

 “Mas, você é meu professor!”

Balancei a cabeça de novo, mas ele continuou me olhando com aqueles olhinhos manhosos de quem sabe que ia conseguir tudo que queria.

Não era justo! Por que ele sempre me convencia com aqueles olhos bonitos?


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Notas finais do capítulo

Eu esperei TANTO para poder por a história do nome Ícaro aaaa



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