Heaven & Hell escrita por Nightmare


Capítulo 11
Chapter 10. Shots


Notas iniciais do capítulo

Esse é, na minha opinião, um dos melhores capítulos que já escrevi durante minha trajetória como escritora. Espero que vocês gostem dele tanto quanto eu :3



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Correria. Desespero. Aflição. Sangue.

Sangue.

Todos ao redor movimentavam-se desesperadamente, atropelando uns aos outros em tentativas de escapar das balas disparadas de armas de fogo que não podiam ser vistas. Muitos nem ao menos conseguiam cruzar a clareira antes de suas vidas serem cruel e injustamente retiradas e seus corpos frios tombarem contra o chão, sem vida.
Caroline, no entanto, permanecia de pé, como uma estátua em meio à confusão. Ela apenas conseguia se concentrar em uma coisa: o cavalo de pelos claros, agora manchados de vermelho, deitado no chão, imóvel.

Firestarter respirava com extrema dificuldade, grunhindo. A sensação de dor que o invadira ao ser atingido por uma bala era incomparável a qualquer outro sofrimento pelo qual passara, certamente estava longe de se assimilar à ferimentos de batalha. Era incrível como um objeto de metal tão pequeno podia lhe causar tanto sofrimento. Ele sentia a circulação de ar em seu corpo tornar-se mais lenta conforme seu sangue se esvaía. Em meio à sua luta para superar aquela tortura, sua cabeça girava e era difícil para seus olhos reconhecerem imagens. Tudo o que conseguia enxergar eram borrões, silhuetas de pessoas correndo aflitas por todos os lados.

Contanto, um sentimento apenas o fez lembrar que a dor pela qual passava valia à pena. Afinal, Caroline ainda estava viva.

A garota de cabelos negros parecia estar em uma espécie de transe, sem conseguir assimilar o que acontecia. Seus olhos estavam arregalados, fitando a única coisa que realmente estava em seu campo de visão no momento. Suas pernas trêmulas ameaçavam desapontá-la e desmoronar a qualquer instante. Os batimentos cardíacos estavam muito mais acelerados do que o normal, como se o coração estivesse pronto para saltar por sua garganta. Talvez fosse isso que impedia o ar de fazer seu caminho até os pulmões vazios da menina. Tudo à sua volta parecia tão insignificante, como se não passasse de um simples sonho ruim. Queria acreditar que aquilo era apenas uma peça pregada por sua mente, um devaneio perturbador que logo teria fim. Tentava se convencer de que nada daquilo era real, que a qualquer momento acordaria em sua cama no quarto de hotel de Striaton e apanharia o Dreamcatcher em sua bolsa para protegê-la de seus terríveis pesadelos.

Mas a voz feminina familiar certificou-a de que não era apenas um sonho ou um pensamento ruim. Aquela era a terrível realidade.

— Caroline! — chamou Sam, aproximando-se encolhida no chão, guardando as pokébolas que possuía dentro de sua bolsa. — Ficou louca?! Vamos embora! — gritou.

Ao perceber que a garota continuava imóvel, desviou sua atenção para o Ponyta de chamas azuis caído aos pés desta. Sentiu o ar escapar de seus pulmões de uma só vez ao identificar o ferimento de bala na região do abdome, do qual escorria o sangue vívido.

Finalmente entregando-se à realidade, as pernas não mais aguentaram mantê-la de pé e a garota caiu ao chão com o corpo trêmulo. Suas mãos dirigiram-se involuntariamente ao pescoço do pokémon ferido, acariciando-o. As primeiras lágrimas começaram a escorrer pela face pálida da jovem, que agora reconhecera que tudo aquilo estava, de fato, acontecendo.

— F-Fire… — ela balbuciou em um tom quase inaudível, abafado também pelo som do tumulto e gritaria das pessoas que ainda buscavam uma rota de fuga e eram atingidas em seu caminho.

— Fuja, Care. — pediu o cavalo com a voz fraca, muito diferente de sua usual, enquanto tentava virar-se para fitar a treinadora. Seus olhos verde-bebê haviam perdido seu brilho natural, desbotando para um tom acinzentado. — Você precisa se salvar… E salvar os outros. — concluiu, agora observando os outros membros de seu time.

Somente naquele momento Caroline percebeu que, com o início da confusão, Leroy e Augustus haviam retornado para seu lado. Sentiu os pelos macios do gato cor de creme que escondia-se entre seus braços, aflito. A lontra cor de caramelo estava encolhido no chão, fitando a treinadora com pânico perceptível em seus olhos. Só então a garota reconheceu que não teria todo o tempo do mundo para retirar-se dali; caso não se movesse depressa, estaria condenando a si e seus amigos. Ela não estava sozinha naquele barco, havia se comprometido a cuidar de seus pokémons.

Instintivamente - com certa dificuldade devido às mãos ainda trêmulas - a menina de cabelos negros vasculhou sua bolsa em busca das pokébolas do Buizel e do Meowth, retornando-os sem muito pensar. Não poderia, no entanto, retornar Firestarter tão facilmente. Ele havia sido baleado e colocá-lo dentro de uma esfera minúscula certamente não era o certo a se fazer.

Assim, a garota reuniu suas forças restantes para se colocar de pé, imediatamente auxiliando o cavalo a fazer o mesmo. Parecia loucura tentar levantar um pokémon ferido de quase meia tonelada, mas era sua melhor opção no momento. Ela não estava disposta a abandonar seu amigo ali, daquela forma.

— Vamos Fire! Você precisa se levantar! — a menina pediu com a voz chorosa, ainda esforçando-se para erguer o cavalo, segurando-o pelo pescoço. As outras duas jovens, que permaneciam ao seu lado, ajudaram-na a fazer o mesmo.

O Ponyta tentou novamente aconselhar a garota a fugir e salvar a si mesma, mas percebeu que ela não desistiria. Desse modo, compreendeu que precisava se colocar de pé, ou sua melhor amiga estaria morta dentro de segundos. Forçou as pernas bambas a erguerem o peso de seu corpo, tentando o seu melhor para ignorar a dor terrível que sentia em sua lateral direita. Arriscaria dizer que a bala atingira um de seus órgãos internos, tamanho era seu sofrimento, mas não era médico para fazer tal afirmação. Queria gritar para tentar aliviar-se, para ver se conseguia fazer com que sua cabeça parasse de latejar e sua visão se focasse. No entanto, conteve toda a sua angústia e desconforto, soltando apenas um gemido baixo.

— Temos que sair logo daqui! — relembrou Amy, a aflição viva em seus olhos. Não conseguia acreditar que, diante daquele massacre, ainda estava viva. E, após ter quase morrido algumas semanas antes, gostaria de manter-se naquele estado.

— Vamos, Fire! — gritou a menina de cabelos negros, ajudando o cavalo a se movimentar. Assim fez o cavalo, com um tremendo esforço, embora não tanto quanto precisara para colocar-se de pé. — Você vai ficar bem… — ela dizia, embora não tivesse certeza de suas palavras.

— Care… — o Ponyta balbuciou, mas não fora ouvido pela treinadora em meio aos gritos apavorados das pessoas ao redor.

As três, juntas ao pokémon baleado, começaram a literalmente correr por suas vidas, como todos os outros no local. Era impossível identificar de onde os tiros estavam sendo disparados, o que apenas tornou sua tarefa de desviar e manter-se fora de mira ainda mais difícil. As jovens eram completamente dominadas por seu medo e tensão. Eram movidas apenas pela adrenalina que fluía em suas veias e um único instinto: o de sobrevivência.

Enquanto buscavam uma saída por entre as pequenas elevações de relevo que circulavam a clareira, podiam observar corpos sem vida, tanto de pokémons quanto de humanos, chocando-se contra o chão em baques surdos. Ouviam o som das balas cortando o ar próximo a suas orelhas, lembrando-as que poderiam ser atingidas a qualquer instante e, então, tudo estaria acabado. A cena a qual não apenas assistiam como também participavam era o pior pesadelo que já poderiam ter tido. Tudo acontecia de forma rápida mas, ao mesmo tempo, o relógio parecia ter diminuído a velocidade em que seus ponteiros giravam, como se tudo ocorresse em câmera lenta. Eram incapazes de dizer direito o que estava acontecendo ou sequer pensar em algo; suas mentes estavam em branco e tudo o que faziam, mesmo sem estarem cientes, era por simples impulso.

Como se todo o barulho e tumulto não bastassem, Sam podia sentir o celular vibrar incessantemente no bolso de sua calça, anunciando que recebia novas mensagens. Ela tinha quase certeza de que seriam daquele mesmo número desconhecido que tanto a incomodava nas últimas semanas. Mas, no momento, um estranho que descobrira seu número não era sua maior preocupação. Ela mal conseguia pensar, e qualquer distração apenas reduziria ainda mais suas chances de sair viva daquele terrível pesadelo. Sua busca por uma rota de escape, no entanto, não parecia ter sucesso.

Ao ver um dos fugitivos desesperados ter sua cabeça atingida por uma bala, logo à sua frente, as jovens estremeceram. O corpo do homem foi jogado imediatamente sobre o chão, formando uma poça de sangue aos pés das três. Caroline certamente teria vomitado, caso tivesse tempo de pensar sobre o assassinato ao qual acabara de assistir na primeira fila, mas todo segundo era precioso e sua prioridade era sair do local a qualquer custo. No entanto, quando o desconhecido tombou, como um sinal divino as três fixaram seu olhar no que parecia ser a saída mais próxima: entre duas das sutis elevações de terreno, havia um estreito caminho. O destino do mesmo era desconhecido, mas aquela era sua melhor opção no momento. Qualquer lugar seria melhor do que onde estavam.

O som das armas disparando havia tornado-se quase familiar, de modo que nem pareciam estar mais lá. Contudo, as balas que atravessavam a clareira deixando inúmeras vítimas eram o suficiente para provar sua existência. Caroline sabia que aquele mesmo barulho lhe atordoaria e roubaria suas horas de sono por longas noites, caso conseguisse sobreviver. Mas não podia pensar naquilo no momento; sua mente era ainda mais embaçada que sua visão e os pensamentos atravessavam sua cabeça tão rápido quanto as balas, de modo a ser impossível identificar qualquer um deles.

Pela primeira vez desde o início da confusão, um pouco de esperança acendeu-se dentro das jovens quando elas estavam quase fora daquele terrível massacre. Tudo o que conseguiam enxergar à sua frente era a saída mais próxima e nem ao menos se incomodavam ao passar por cima dos corpos sem vida que jaziam em seu caminho, manchando suas vestes com o sangue dos feridos.

Porém, pouco antes de se verem realmente livres do local, conseguiram distinguir um dos gritos entre todos os outros: um som estridente e sofrido, uma voz familiar. E, embora seus instintos lhes dissessem para seguir em frente sem olhar para trás, tiveram o impulso de fazê-lo, temendo pelo pior apenas para confirmar suas hipóteses.

Caída no chão pouco atrás das duas outras garotas, estava a menina de cabelos castanhos ondulados. Ela segurava firmemente a parte inferior da perna esquerda, desprotegida por estar vestindo apenas sua saia rodada casual. Amy nunca sentira tanta dor como naquele momento, porém, algo em seu corpo a dizia que deveria ignorar todo o sofrimento para tentar salvar sua vida. Espantou-se ao fitar o próprio sangue escorrer por suas mãos. Provavelmente teria desmaiado, não fosse por ser novamente levantada por Sam. Sem nada dizer, as duas colocaram-se a correr uma vez mais. A árdua tarefa de locomover-se parecia ser aliviada utilizando Sam como apoio. Na verdade, estava praticamente sendo carregada por ela.

Por mais que Amy tentasse deixar a dor que sentia de lado, aquela era uma tarefa quase impossível. Quanto mais procurava distrair-se, mais parecia se concentrar no buraco que havia sido aberto em sua panturrilha, causando-lhe um sofrimento insuportável. Lágrimas escorriam por seu rosto, denunciando todo o seu sofrimento, e a garota gemia ocasionalmente, abafando gritos atordoados. Respirava com dificuldade, mas a adrenalina pulsando em seu sangue forçava-a a continuar tentando correr em direção à sua salvação. Felizmente, tinha o apoio de Sam; sem sua ajuda, provavelmente jamais haveria levantado.
Finalmente, as três conseguiram atravessar o estreito caminho, Sam e Amy à frente, com Caroline atrás auxiliando Firestarter. O cavalo cambaleava quase tropeçando, utilizando suas últimas forças para se manter em movimento. Mas, embora não estivessem mais diante do terrível cenário, a adrenalina as impedia de parar de correr. Seus corpos ainda não haviam percebido que já estavam fora da situação de perigo e continuavam a movimentar-se. Estavam sujas de uma mistura de suor e sangue, sem um rumo exato.

O trio apenas parou quando o Ponyta baleado tombou, incapaz de seguir em frente. Devido ao ferimento em seu abdômen, já havia perdido muito sangue. Além disso, a adrenalina que antes lhe fornecia força suficiente para continuar se movendo havia se esvaído completamente de seu corpo - antes tão robusto e agora tão frágil.

— Fire! — a garota gritou, aflita, ao observar seu amigo retornar ao chão.

Amy e Sam também aproveitaram para se sentar. A dor que a jovem de cabelos castanhos sentia era enorme, especialmente agora que a adrenalina não existia mais em grande quantidade em suas veias. Ela arfava, não se preocupando com os gritos atordoados que soltava. A amiga de cabelos brancos se ajoelhou ao seu lado, pronta para socorrê-la; sabia que um tiro naquela região não podia lhe causar grandes danos, mas a perda de sangue certamente seria um problema.

— Precisamos estancar o sangramento. — afirmou Sam, virando-se para Caroline, que assentiu. Ambas tinham suas mãos cobertas de sangue. Sangue de outros que eram importantes para elas.

Caroline não parou para prestar muita atenção ao redor, mas percebeu que estava em uma área mais densa da floresta, afastada da clareira onde o tumulto tivera início. As árvores tinham copas altas e folhas largas, e suas raízes saiam do subsolo para mostrarem-se grandiosas na superfície. Havia também alguns arbustos e acidentes de relevo. Não parecia ter nenhuma pessoa próxima ao local, já que provavelmente estavam longe de Striaton; não conseguiam identificar prédios ou qualquer outra característica da cidade. Em qualquer outra situação, estar afastada do caminho que a levaria à área urbana a deixaria aflita mas, no momento, tudo o que a garota queria era estar o mais longe possível da civilização.

Sem desperdiçar o pouco tempo do qual dispunha, Caroline procurou por sem casaco azul marinho em sua mochila, o qual não teve dificuldades para encontrar. Em seguida, com as mãos ainda trêmulas, envolveu a região ferida da lateral do pokémon com o tecido, prendendo-o em seu entorno com um nó nas mangas. Pressionou o local onde a bala o atingira, nem ao menos cogitando retirá-la no momento; afinal, não possuía os instrumentos certos para fazê-lo. Sua melhor chance de ajudar Firestarter era estancando o sangramento.

As lágrimas ainda escorriam pelo rosto pálido da jovem de cabelos negros, enquanto ela soluçava. Sentia certa dificuldade ao respirar, incapaz de encontrar todo o ar do qual seus pulmões necessitavam ao inspirar. Caroline apenas fitava o Ponyta, que jazia sobre o chão na mesma posição em que havia caído. Notou que as chamas azuis em sua cabeça, dorso, costas e cauda - normalmente tão vívidas e dançantes -, estavam agora bem baixas e em um tom quase cinza. Ele estava tão diferente do Firestarter que conhecia, o pokémon poderoso e destemido, que não podia ser amedrontado por nada. Aparentava estar sem forças, respirando com extrema dificuldade. Seu peito descia e subia em sua busca desesperada por oxigênio.

— Fire, você vai ficar bem. — Caroline dizia, observando o cavalo. — Nós vamos encontrar alguém que consiga cuidar de você direito, eu prometo. Você vai ficar bem. — repetiu, chorosa.

Ao ouvir a voz doce de sua treinadora, o Ponyta esforçou-se para fitá-la, tendo uma surpresa ao fazê-lo. Sua blusa de botões branca tinha suas mangas compridas tingidas de vermelho, sua gravata estava amassada e seus cabelos bagunçados, de um jeito como nunca vira antes. No entanto, o que mais lhe chamou atenção foi uma mancha de sangue em seu ombro direito, onde podia perceber que o tecido de sua camisa havia sido rasgado. E temeu que não houvesse sido capaz de proteger completamente sua treinadora.

— O seu… Ombro...— o cavalo murmurou, quase sussurrando, a fraqueza evidente em sua voz. — Você… Foi baleada? — concluiu pausadamente, fitando a jovem com certa culpa.

— O que? — a garota indagou, confusa, parando de soluçar por um momento.

Então, sem deixar de pressionar o ferimento do pokémon, a menina desviou sua atenção para seu ombro. Lembrava-se de sentir o mesmo latejando, mas acreditava ser devido à força que utilizava para ajudar Firestarter a se manter de pé e em movimento. Agora, observando com mais atenção, percebia um pequeno rasgo em sua pele. Entretanto, não havia qualquer sinal da bala; devia ter sido atingida de raspão e, em meio à confusão, nem ao menos percebera. A dor, no entanto, era suportável - diferente da qual seu companheiro deveria estar sentindo.

— Eu estou bem, Fire. — afirmou a jovem e, de fato, estava mais preocupada com o bem estar do seu Ponyta do que com seu ombro levemente ferido.

Sua atenção foi desviada ao ouvir mais um grito abafado de Amy. Virou-se para se deparar com a garota de cabelos castanhos ondulados sentada ao chão, com a perna ferida recolhida. Sam estava ajoelhada ao seu lado, pressionando o ferimento da bala com seu casaco roxo. Estancar o sangramento estava funcionando por enquanto, mas não seria assim por muito tempo. Precisavam encontrar alguém que pudesse ajudá-las.

Rápido.

Sam olhou ao redor, finalmente reconhecendo vagamente o local. Forçando sua vista para enxergar ao longe, conseguia ver algumas ruínas transparecendo por aberturas entre a vegetação, as quais pareciam constituir o Dreamyard. Após passar tanto tempo treinando no local, estava familiarizada com seus arredores. E, próximo às antigas ruínas, estava outro ponto que muito visitaram durante sua estadia em Striaton.

— O Mercado Negro é perto daqui. — afirmou Sam, fitando a menina de cabelos negros. — É nossa melhor chance de conseguir ajuda.

Entretudo, ainda havia um grande problema: dois dos integrantes do grupo estavam gravemente feridos e certamente sem condições de percorrer todo o caminho até o estabelecimento ilegal. Caroline não podia retornar Firestarter para a pokébola nas condições em que ele se encontrava e qualquer esforço extra poderia esgotar completamente suas energias, de uma vez por todas. Mas permanecer imóvel também seria um risco à saúde e segurança de todos; não tinham escolha.
Sam tornou a ofereceu assistência à amiga baleada, colocando o braço da mesma em volta de seu pescoço para sustentá-la com mais facilidade. Amy não tinha qualquer capacidade de andar dentro das condições nas quais se encontrava e a dor que sentia era quase insuportável, como nunca antes experienciara.

Caroline voltou-se para Firestarter, pedindo aos céus para que ele aguentasse seguir até o Mercado Negro, onde poderiam conseguir ajuda. O Ponyta, porém, já havia perdido muito sangue e suas forças eram quase nulas; ele jamais conseguiria seguir daquela forma.

— Fire, por favor! — a jovem gritava, lutando inutilmente para tentar erguer o pokémon que pesava oito vezes mais que ela própria. — Por favor… — ela continuava a pedir. As lágrimas escorriam por seu rosto como rios incontroláveis e a menina nem ao menos media esforços para contê-las; seria em vão caso o fizesse, de qualquer maneira.

As outras duas jovens pararam de súbito, observando a cena. Ambas possuíam olhares tristes - até mesmo Amy, que estava ferida, parecia preocupada. Caroline não perdia as esperanças de reerguer seu pokémon, tentando incansavelmente, mas as outras duas conseguiam enxergar de que modo aquilo terminaria. Seria a tragédia sobre a qual haviam sido avisadas desde o início de sua jornada; os pensamentos que haviam afastado durante tanto tempo, inocentemente.
Caroline soluçava, tomada por medo e angústia. Temia perder seu melhor amigo e tinha ódio daqueles que o deixaram em tal estado deplorável. Mas, como fosse, não iria abandoná-lo. Se ele precisasse de fato partir, ela estaria ao seu lado quando acontecesse. Porém, até que o momento realmente chegasse, ela não desistiria; não perderia as esperanças. Tinha de haver algum modo de levantar o cavalo ferido e levá-lo ao local onde poderia ser tratado.

Caroline suspirou quando, de súbito, sua mente clareou-se pela primeira vez desde o início dos acontecimentos. Finalmente conseguira pensar em algo, embora pudesse ser tarde demais.

— Fire, está me ouvindo? — a menina perguntou, observando o Ponyta que parecia estar prestes a perder a consciência. — Fire, preciso que você use o Morning Sun! — gritou, como se de tal modo fosse aumentar as chances de ser ouvida.

Segundos após receber o comando, o pokémon reabriu os olhos com certa dificuldade, lutando para permanecer acordado. Temia que, se adormecesse, nunca mais voltaria a acordar. Reuniu suas últimas forças para atender ao pedido desesperado da treinadora, forçando suas quatro patas a erguê-lo, mesmo que por apenas alguns instantes. Gemeu com a dor que sentiu ao fazê-lo, mas tentou ignorá-la ao máximo. Respirou fundo e estufou o peito, trêmulo, tentando conseguir mais ar do que lhe fora fornecido nos últimos minutos. Ao expandir seus pulmões, sentiu uma dor descomunal, forçando-o a franzir o cenho para prender um grito sofrido. As chamas azuis em seu corpo pareceram aumentar por um breve momento, enquanto seu corpo era tomado por um brilho intenso.

Quando a luz se dissipou, revelou o cavalo consideravelmente melhor. Ainda tremia e arfava, respirando com dificuldade, e teria caído novamente caso Caroline não tivesse prontamente lhe fornecido apoio. Mas, certamente, havia adiado sua partida - mesmo que por apenas alguns minutos.

— Vamos juntos, Fire. — afirmou a menina de cabelos negros, agora em um tom mais calmo e baixo. Agarrou o pescoço do pokémon para auxiliá-lo durante a caminhada.

O que deveria ser um trajeto rápido pareceu uma eternidade em meio às dúvidas e preocupações de todas as três. Temiam terem sido vistas pelos atiradores e estarem sendo seguidas, quando claramente não estavam em condições de se defender. Ainda assim, esperavam que, em meio à confusão, sua fuga tivesse sido executada às escuras. Caroline estava hesitante, a cada passo a tarefa de ajudar Firestarter tornava-se mais árdua. Era impossível dizer quanto mais o cavalo aguentaria andar com o ferimento em seu abdômen que lhe drenava o sangue e as forças - e, junto com eles, a esperança da treinadora de chegar ao destino em segurança. Ainda não conseguia pensar direito e sua visão estava turva; não sabia se por causa das lágrimas ou do próprio medo e tontura que sentia.

Amy também não estava tendo muita facilidade. A cada instante, a dor que sentia parecia tornar-se maior, embora ela tentasse conter ao máximo seus gritos atordoados. Sabia que estes apenas atrairiram mais atenção para as três e diminuiriam ainda mais suas chances de conseguir ajuda à tempo. Ao invés disso, expressava seu sofrimento através de gemidos. A menina era muito grata por ainda ter a ajuda de Sam, pois sabia que, sem ela ao seu lado, jamais conseguiria andar como fazia agora. Provavelmente, teria de se arrastar pelo chão até que suas forças se esvaíssem por completo, junto à sua vida. Notando que seus pensamentos tornavam-se negativos demais, Amy sacudiu a cabeça, tentando livrar-se deles. Tudo o que mais precisava no momento, o que a manteria sã e em movimento, era seu positivismo.

Após percorrer uma das quatro paredes de pedra do Dreamyard, as garotas finalmente encontravam-se à frente da casa de madeira escondida pela relva. Caroline foi a primeira a passar pela porta, sem observar muito os arredores; queria apenas estar em segurança o mais rápido possível para que pudesse cuidar de seu amigo baleado antes que fosse tarde demais. Sam seguia logo atrás, ainda servindo de apoio à menina ferida.

Descer a longa escadaria foi uma tarefa extremamente árdua e desgastante. Sam tivera que praticamente carregar Amy no colo, uma vez que era quase impossível que essa não caísse ao tentar descer os degraus. Firestarter ameaçava tombar e rolar até o fim das escadas a cada passo que dava, exigindo uma força descomunal de Caroline. A menina de cabelos negros utilizava todas as suas forças para impedir o Ponyta de desabar, tarefa que se tornava ainda mais difícil devido ao seu ombro ferido.

Após o que pareceu ser um tempo enorme, as três encontravam-se diante da porta que as levaria ao local que há tanto buscavam. Sam, por estar em melhores condições, apanhou uma das esferas bicolores em sua mochila e posicionou-a dentro da cápsula embutida na parede rochosa. Não demorou muito para que a porta perfeitamente camuflada começasse a se abrir, com uma lentidão que normalmente não as incomodava mas, dada a situação, parecia eterna.

Finalmente puderam entrar no estabelecimento, ouvindo a porta se fechar após sua passagem. O movimento ali, àquela hora do dia, não era muito grande. Era possível observar alguns vendedores ainda arrumando suas barracas e um número muito menor de presentes do que o normal, o que tornou ainda mais fácil conseguir atenção.

— Socorro! — gritou Caroline, sem pensar duas vezes, conseguindo a atenção de todos no local. — Precisamos de ajuda! — seus olhos se encheram de lágrimas novamente.

Os olhares espantados dos mercadores e visitantes desviaram-se para a garota de cabelos negros e o cavalo ferido, não demorando a perceberem também a jovem de cabelos brancos e a outra debruçada sobre ela, com uma enorme mancha de sangue em sua perna. Alguns estavam hesitantes, ou mesmo chocados, mas seus segundos de tensão não demoraram muito.

Um dos vendedores, um homem de altura razoável e de cabelos e barba negros, foi o primeiro a se aproximar, direcionando-se à Amy. Dissera ter alguns conhecimentos médicos e que, em sua barraca, poderiam encontrar os instrumentos necessários para remover a bala da perna da menina ferida e ataduras, bem como desinfetantes, para prevenir infecções. Com a ajuda de Sam e outras pessoas, a jovem baleada fora carregada até a humilde tenda do vendedor, onde deitaram-na sobre uma mesa para tratá-la.

Um segundo grupo passou a circular a garota de cabelos negros, que ainda esforçava-se para manter seu Ponyta em pé. Analisavam-no, observando o casaco ensanguentado que rodeava a cintura do pokémon, possivelmente cobrindo o ferimento. Estavam todos perplexos, embora deparar-se com treinadores e monstrinhos machucados não fosse algo realmente surpreendente, mas certamente causava a mesma dor ao ver tal cena.

— Por favor, abram espaço! — uma voz feminina soou por trás do pequeno círculo de pessoas, que não hesitou em fazer o que lhes fora pedido.

Uma mulher de pele morena e cabelos cacheados escuros aproximou-se de Firestarter, a preocupação e pena estampados em seus olhos castanho-claro. Caroline não prestou muita atenção nesta, estava ainda nervosa e trêmula, só queria que oferecessem assistência a seu companheiro antes que fosse tarde demais - se já não fosse.

— Minha bisavó era uma Enfermeira Joy. — revelou a mulher, arrancando suspiros surpresos de todos à sua volta, mas a garota de cabelos negros pouco entendeu. — Herdei algumas de suas habilidades para tratar pokémons. — informou, fitando Caroline com uma expressão séria, mas serena. — Rápido, me ajudem a trazê-lo para a barraca de poções! — pediu e, novamente, todos se mostraram mais do que dispostos a ajudar.

— Viu Fire, você vai ficar bem. — a jovem falou, em um tom perceptivelmente mais alegre, sorrindo pela primeira vez após tanto tempo. — Você vai ficar bem. — ela repetia, não só para assegurar o cavalo, mas sim a si mesma.

Ao chegar próximo à barraca citada, cautelosamente começaram a deitar o Ponyta ferido no chão. Este possuía os olhos semi-abertos e quase não respirava, provavelmente devido à grande perda de sangue, que tornava mais difícil o transporte de oxigênio em sua corrente sanguínea. Ele parecia novamente tão fraco quanto momentos antes de usar o Morning Sun, com sua crina flamejante quase se apagando. O estado em que o pokémon se encontrava não tranquilizava a garota, mas ela sentia-se segura por finalmente conseguir ajuda de algum tipo de profissional. Pela primeira vez, ela realmente acreditava que poderia salvar seu amigo.

— Preciso de uma pinça! — gritou a enfermeira com extrema pressa e, rapidamente, uma mão lhe oferecera o objeto pedido.

A mulher ajoelhou-se de frente para o Ponyta deitado, desamarrando o casaco que protegia o ferimento. Seus olhos se arregalaram ao ver o buraco de nove milímetros na região abdominal do pokémon, o que apenas certificou-a de que deveria agir rápido. Felizmente, conseguia ver a bala e, sabendo sua localização, tornaria a dor que o cavalo sentiria menor.

— Ele é seu pokémon, certo? — indagou, tornando a fitar Caroline, mas sem lhe dar a chance de responder. — Preciso que o matenha acordado durante todo o processo. — alertou, em um tom sério. — Converse com ele, tire sua atenção do que está acontecendo. Não o deixe fechar os olhos. — concluiu, agora voltando sua atenção para o ferimento do cavalo.

Caroline não hesitou em fazer o que lhe fora pedido. Ajoelhou-se, as lágrimas ainda correndo por seu rosto involuntariamente, enquanto ela dirigia as mãos trêmulas para acariciar o focinho do pokémon delicadamente. Ao sentir a carícia, Firestarter voltou sua atenção para a garota, fitando-a com os olhos verdes e uma expressão sofrida.

— Fire, lembra de quando começamos a correr? — ela perguntou, pensando no assunto que mais lhe deixava feliz e certamente traria lembranças a seu companheiro. Aquela seria sua melhor chance de fazer o que a médica lhe havia pedido.

O cavalo demorou um pouco, como se pensasse na resposta ou procurasse forças para falar. De súbito, um sorriso fraco e sereno surgiu em seu rosto quando ele voltou a observar a menina.

— Sim. — afirmou, conforme uma série de lembranças invadia sua mente como em um filme. — Não fomos… Muito bem. — prosseguiu com a voz quase inaudível, pausando enquanto arfava.

— Vou remover a bala agora. — anunciou a enfermeira. — Mantenha-o calmo e distraído.

— Não mesmo. — a menina riu, após assentir para a enfermeira, permitindo-se recordar do dia em questão. — Você tropeçou e eu prendi o pé no estribo. — voltou a rir, secando algumas de suas lágrimas.

A menina conseguiu arrancar um novo sorriso do pokémon antes desse remexer-se e soltar um gemido atordoado, sentindo a bala ser retirada de seu abdômen. Sentira uma dor inexplicável por isso, mas não tinha tantas forças para reclamar ou reagir; apenas sua respiração se tornou mais ofegante.

— Mas nós evoluímos, não é? — continuou a garota, agora aumentando a intensidade com que sua mão afagava os curtos pelos do pescoço do pokémon. — Aprendemos a confiar um no outro e, com isso, nossas habilidades melhoraram. — exclamou.

— Formamos uma… Grande dupla. — Firestarter completou, tornando a sorrir. Observou sua treinadora assentir, com um sorriso emocionado estampado em sua face.

A mulher morena continuava a tratar do Ponyta, borrifando algumas poções diferentes sobre o buraco que havia sido aberto na lateral do pokémon. Havia também limpado o sangue ao redor com um pano, anteriormente branco, e enfaixou a cintura de Firestarter com várias ataduras. Ao terminar seu trabalho, colocou ambas as mãos sujas sobre as calças jeans, marcando-as, suspirando em seguida. Caroline não havia notado antes, mas ela suava. Em seguida, com um sorriso, fitou a garota.

— Ele ficará bem. — anunciou, fazendo com que as pessoas à sua volta assobiassem e aplaudissem, compartilhando da felicidade ao ver que o pokémon se recuperaria. — O ferimento deve estar quase completamente cicatrizado dentro de alguns dias, caso continue a aplicar poções e trocar as ataduras, para evitar infecções. Mas ele perdeu muito sangue. Certamente seria melhor caso pudéssemos realizar uma transfusão, mas não é fácil encontrar os instrumentos necessários e, muito menos, doadores. Portanto, ele precisará ficar afastado das batalhas por certo tempo e evitar qualquer tipo de esforço desnecessário. — instruiu.

— Muito obrigada. — Caroline sorriu, genuinamente feliz. Nunca pensou que poderia ser tão grata pela ajuda de alguém que mal conhecia, mas sentia que estaria eternamente em débito com aquela mulher. — Muito obrigada mesmo, err… — repetiu, logo então se lembrando de que desconhecia o nome da salvadora de Firestarter.

— Lakota. — respondeu. — Lakota Joy. E não precisa agradecer. Meu prazer é ajudar os pokémons que ainda restam e os treinadores que arriscam suas vidas para salvá-los. — sorriu novamente, levantando-se. — Agora, vamos dar uma olhada no seu ombro. — disse, estendendo a mão para a jovem, para auxiliá-la a se levantar.

— Eu já volto, Fire. — a jovem abriu um sorriso reconfortante para seu pokémon, limpando seu rosto molhado com as costas de suas mãos. Ao observar o amigo assentir serenamente, levantou-se.

Acompanhada de Lakota, Caroline seguiu até o local onde estavam suas outras duas amigas, sentadas em bancos junto ao vendedor que as auxiliara. Havia também algumas outras pessoas que, apesar de desconhecidas, pareciam extremamente preocupadas e desejavam-lhe uma rápida melhora. Percebeu que Amy aparentava estar muito melhor; seu rosto ainda estava rosado e úmido devido às lágrimas de dor, mas ela agora sorria. Sua perna parecia também mais saudável e o ferimento da bala havia sido envolvido por bandagens brancas.

— O ombro dela está machucado, George. — informou a mulher de cabelos cacheados, apontando para Caroline.

— Hm, deve ter sido atingida de raspão. — sugeriu o homem, analisando prontamente o ferimento. — Cuidarei disso rápido. — sorriu amigavelmente para a jovem de cabelos negros, que retribuiu o gesto.

— E Firestarter? — perguntou Amy em um tom baixo e suave.

— Ficará bem. — respondeu a menina, a felicidade evidente em sua voz.

Logo ao início da confusão, Caroline havia esperado o melhor, mas se preparado para o pior. Considerava-se extremamente sortuda por ter conseguido encontrar ajuda tão eficiente; era quase um milagre que seu Ponyta ainda estava vivo. Ela jamais poderia agradecer Lakota - e todos os outros que a haviam auxiliado - o suficiente pelo que havia feito.

— E sua perna? — indagou, fitando Amy. — Ainda dói?

— Eu não sinto. — a menina deu de ombros, continuando ao observar a expressão confusa da outra. — Me deram alguns anestésicos, então não sinto nada. — explicou.

Caroline apenas assentiu, observando o homem, que antes havia sido chamado de George, aproximar-se com o material necessário para tratar de seu ombro. E, pela primeira vez desde o início dos acontecimentos, finalmente sua mente estava clara o suficiente para que pudesse rever o ocorrido, mesmo que preferisse manter as imagens do genocídio afastadas. Lembrou-se de como, subitamente e sem qualquer tipo de aviso, a tarde tranquila se transformara em seu pior pesadelo. Repreendeu-se mentalmente por ter acreditado que estaria a salvo e que os avisos que lhe foram dados não passavam de uma simples lenda. Deixou sua guarda baixa, algo completamente irresponsável. E, por causa de seus erros, Firestarter estava ferido. E poderia ter morrido.

Tudo aquilo acontecera pelo simples fato de que acreditara, mesmo que por um breve segundo, que aquele tipo de coisa acontecia somente com outras pessoas.

Mas, agora, ela era “as outras pessoas” das outras pessoas.

E, de repente, sentiu uma pesada culpa atingi-la. Como poderia ter sido tão fútil ao ponto de pensar que nada ocorreria? Ainda mais agora que não tinha de se preocupar apenas consigo mesma, mas também com Fire, Leroy e Augustus. Lembrou-se de suas expressões aflitas em meio ao tiroteio, como se temessem que suas vidas estivessem acabadas. Imaginou também se estes estariam preocupados, percebendo que seria melhor libertá-los em breve para assegurá-los de que, milagrosamente, tudo acabara bem. Não “bem”, de fato, mas melhor do que esperava. A verdade era que, desde que saíra de casa, passara a equilibrar-se em uma fina linha, como uma corda bamba, entre o céu e o inferno. Um passo em falso poderia fazê-la cair sobre as chamas ardentes que a consumiriam por inteiro. E Caroline nunca tivera o melhor equilíbrio.

Seus devaneios foram interrompidos por um som irritante, que reconhecia ser um celular. Lembrou-se, então, de tê-lo ouvido também pouco antes de chegarem ao Mercado Negro, e mesmo durante toda a confusão. Fitou então Sam, que tinha o aparelho em mãos e, assim que o fez, a garota desviou seu olhar para Caroline, percebendo que esta a encarava. Logo depois, tornou a fitar o chão, com uma certa preocupação que foi vista com estranheza pela jovem de cabelos negros.

— Prontinho. — exclamou o vendedor, após colocar uma gaze com esparadrapo sobre o ferimento de Caroline. Esta agradeceu antes de o homem se retirar.

Curiosa, voltou sua atenção uma vez mais para o aparelho celular da garota de cabelos brancos, que não parava de emitir o mesmo barulho agudo. Não demorou muito para que Amy a encarasse e, por fim, Sam fitou as duas, visivelmente desconfortável.

— Err, com licença. — a garota exclamou, levantando-se do banquinho de madeira onde estava sentada e dando alguns passos para a frente, afastando-se das outras duas.

Amy pareceu não dar muita atenção à situação, mas a jovem de cabelos negros certamente estava intrigada. Arqueou uma das sobrancelhas, fitando a terceira garota que, ao longe, mexia em seu celular. Por vezes, Sam olhava para trás, como se soubesse que estava sendo observada. Caroline sentia-se incomodada com o comportamento da menina e não conseguiu simplesmente ignorá-lo; levantou e se aproximou dela.

Poucos minutos atrás, as três enfrentaram a maior dificuldade de suas vidas, que poderia até mesmo ter sido o fim delas. Ainda assim, Sam parecia mais entretida com seu celular, o que despertou uma certa raiva em Caroline. Após tudo pelo que haviam passado, com Amy baleada e Firestarter gravemente ferido, custava-lhe acreditar que qualquer outra coisa fosse mais importante no momento do que o bem-estar do trio e de seus pokémons.

A garota de cabelos negros limpou a garganta ao aproximar-se da outra jovem, conseguindo sua atenção e fazendo com que esta se virasse para observá-la. No mesmo instante, Sam apertou o dispositivo contra o peito, como que para esconder o que estava fazendo. A reação apenas irritou ainda mais Caroline.

— Algum problema? — indagou a menina de cabelos negros, desconfiada. — Seu celular não para de tocar.

— Hm? — Sam virou-se para trás, o nervosismo transparecendo em seu rosto. — Ah, é… Não é nada, mensagens da operadora só. — gaguejou.

— Ah, é? — Caroline rebateu, em um tom irônico. — Por que, dada a situação, parece ser muito mais importante do que “mensagens da operadora”. — com o silêncio que recebeu como resposta, resolveu continuar: — Acabamos de sair de um tiroteio, Fire quase morreu e Amy também! Na verdade, qualquer uma de nós poderia não ter saído de lá! — começou a se exaltar, irritada com o descaso da outra. — Você nem se machucou e não parece se importar com nada ao seu redor também!

Talvez por seu cansaço ou temperamento forte - ou mesmo ambos - Caroline estava impulsiva, dizendo tudo que vinha à sua mente sem pensar duas vezes. Sam, por sua vez, não pareceu muito satisfeita com os insultos. Estava incrédula, não conseguindo acreditar que estava sendo posta contra a parede daquela forma, sem um motivo aparente.

— É claro que eu me preocupo! — rebateu Sam. — Fui eu quem carregou a Amy até aqui, lembra? — cruzou os braços, deixando o celular de lado por um breve momento, embora este continuasse a vibrar.

— Foi por sua causa que estávamos lá, em primeiro lugar! Se não fosse por causa dessa apresentação, todas nós estaríamos bem! Podíamos até já ter seguido para a próxima cidade, mas agora vamos ter que esperar aqui até que todos se recuperem! — Caroline aumentou seu tom de voz, irritada.

— Você está colocando a culpa disso em mim? — Sam, por sua vez, parecia também começar a se irritar. — Não era eu disparando aquelas armas! — gritou, percebendo que alguns olhares a fitavam, então se acalmou um pouco. — Se tivesse qualquer maneira de reverter a situação, eu o faria.

Um silêncio desconfortável instaurou-se entre as duas, que permaneceram por longos segundos fuzilando uma a outra com o olhar, sem nada dizer. Não tinham mais vontade de continuar a levantar argumentos para defender seus pontos de vista. Após o dia exaustivo, ambas estavam acabadas - talvez fosse até mesmo essa a razão pela qual começaram a discutir. Caroline, após quase perder seu melhor amigo, estava ainda mais desestabilizada, mesmo que não percebesse; podia ser desconfiada, mas era sensata. Jamais colocaria a culpa do ocorrido em outra pessoa pois, mesmo que não fosse capaz de reconhecer no momento, sabia que ninguém era responsável pelo que ocorrera: apenas estavam no lugar errado na hora errada. E tinham sorte de terem saído vivas.

— Eu vou ver como o Fire está. — anunciou a menina de cabelos negros, por fim. Acalmou-se novamente e seguiu em direção ao local onde seu Ponyta repousava.

Sam suspirou, um pouco abatida. Não acreditava de fato nas palavras de Caroline e sabia que a mesma estava apenas reagindo de forma exagerada, o que era compreensível. Porém, não podia impedir que uma pitada de culpa a atingisse por estar escondendo sobre as insistentes mensagens que vinha recebendo, mas também não tinha certeza se deveria realmente contar para as outras. Até por que não poderiam ajudá-la a descobrir quem era o misterioso por trás da tela. A menina tornou a fitar o visor do aparelho em suas mãos, podendo ler alguns dos milhares de textos que lhe haviam sido enviados. Irritava-a desconhecer quem o remetente era.

A garota parou por mais um momento, refletindo sobre o assunto, como se pudesse resolver o mistério por trás das mensagens. Seja quem fosse, a pessoa sabia seu nome, pois já o mencionara diversas vezes. Isso a deixara aflita e receosa inicialmente mas, após pensar claramente, chegou à conclusão de que não deveria ser um agente do governo. Afinal, se a tivesse realmente descoberto, podiam já tê-la rastreado e certamente não hesitariam ao fazê-lo. Porém, já haviam boas três semanas desde que recebera a primeira mensagem - tempo suficiente para que a encontrassem, caso quisessem. Além disso, a única pessoa que conhecia seu número, além de suas duas companheiras de viagem, era Josh, que com certeza não era o remetente. Quanto mais debatia sobre o assunto, mais longe parecia estar de encontrar quem enviava as mensagens e maiores tornavam-se suas dúvidas.

Então, resolveu recorrer à única chance que tinha de finalmente saber o que o remetente misterioso queria.

Sam deslizou seu indicador sobre a tela touch do aparelho, abrindo a página de mensagens do número desconhecido. Um pouco incerta e hesitante, fitou os textos uma última vez antes de suspirar e decidir-se, começando a digitar. E, ao terminar, a garota finalmente apertou o botão de “enviar”:

“Estou aqui.”


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Notas finais do capítulo

Link do DA da fic com desenhos dos personagens:

https://www.deviantart.com/heavenhellpkm



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