Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 24
Beneath A Moonless Sky


Notas iniciais do capítulo

Primeiro de tudo, aviso: é um capítulo intenso porque nos aprofundamos nos traumas do Severo. Nada gráfico ou violento, ok? Mas ainda pode ser gatilho para algumas pessoas, então aviso desde já para não lerem, ou lerem com cuidado.

Li um comentário muito especial essa semana sobre o último capítulo, de uma leitora que diz se identificar muito com o Snape. Fiquei pensando nisso por dias, porque me sinto da mesma forma. Primeiro de tudo gostaria de dizer que sinto muitíssimo pelo bullying que passou. É terrível, completamente abominável que alguém tenha que passar por isso. Sinta-se abraçada ♥

Tive um único episódio de bullying na minha vida e até hoje, quase dezesseis anos depois, ainda lembro nitidamente do meu desconforto, do meu profundo sentimento de pânico, da minha tristeza, da minha vontade de odiar todas as partes de mim. Eu viria a detestar meu corpo pelos anos que se seguiriam, e sendo totalmente honesta, ainda me incomodo um pouco e sei que foi fruto desse episódio específico. Claro que eu tive e tenho amigos incríveis, e uma família amorosa, o que ajuda e muito a superarmos momentos difíceis. Mas imagino que para o Severo, que não tinha ninguém, o que não deve ter significado. E não, não o absolve dos erros, das decisões ruins, mas nos faz entender, contextualizar, e compreender.

Acho que precisamos ser mais amáveis com o próximo. Sei que é difícil, e que as coisas não estão fáceis, mas educação e carinho não faz mal a ninguém.

Essa nota enorme é importante porque, assim como a pessoa que comentou, também me sinto muito próxima do personagem. E que esse capítulo não ia sair do jeito que saiu, mas depois desse comentário ele foi totalmente para um outro caminho. E que bom.

Também temos uma ceninha hot que fiquei pensativa sobre. No final, acabei optando por deixar porque, afinal de contas, eles merecem.

Outra observação. O título leva o nome de uma das músicas de Love Never Dies. Se eu não a mencionei ainda em alguma outra nota, escutem e leiam a tradução. Vale a pena.

Boa leitura! E comentem!



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Hermione descobriu várias coisas fascinantes sobre o homem que amava desde que eles passaram a primeira noite juntos. Para as outras pessoas poderiam ser consideradas coisas banais, mas para a Hermione era um presente. Porque ter o privilégio de descobrir cada um desses pequenos detalhes sobre ele mostrava o quão próximos eles estavam. Ela se sentia muito sortuda.  

Por exemplo, ele ocupava todo o espaço da cama. Completamente. Ele era muito expansivo quando se tratava de dormir, e Hermione adorava. Quer dizer, não era ótimo acordar praticamente fora da cama, mas sentir o braço dele segurando-a firmemente pela barriga compensava todo o resto. Era quase como se ele tivesse medo que ela não estivesse ali quando ele acordasse, e inconscientemente tentasse mantê-la.  

Severo Snape também era um homem faminto por contato. Por toque. Quando eles faziam amor – e Hermione estremeceu com a palavra poderosa, sentindo-a reverberar até o núcleo – e ela o tocava suavemente na bochecha, ou no braço, ele se inclinaria totalmente contra a mão dela, buscando por mais. Então ela decidiu demonstrar o seu afeto várias vezes ao dia, das mais diferentes formas.  

Ela também notou que a ponta das orelhas dele ficavam deliciosamente vermelhas quando ele estava envergonhado. Hermione sorriu, lembrando com carinho quando decidiram finalmente se aventurar na cozinha depois de se declarem um para o outro, e ela reparou nas flores em cima do balcão. 

— Flores lindas. São suas?  

Ela viu o rosto dele atingir vários tons de vermelho, espalhando rapidamente pelo pescoço até chegar na ponta das orelhas. — São para você. — ele murmurou, com uma carranca. Hermione sentiu o coração inchar dentro do peito.  

— Mesmo? 

Seus olhos se moveram em todas as direções, exceto nela. — Sim.  

Ela apenas olhou para ele, se perguntando se ele elaboraria. Severo revirou os olhos, desconfortável. — O Bernard pode ter dito alguma coisa sobre cortejar você, e pensei que — ele deu de ombros, olhando para o chão — você pudesse gostar.  

— Foi você quem escolheu? — Hermione olhou para o arranjo de flores do campo: girassóis, margaridas, azaleias, sempre-vivas. Eram as suas favoritas. Como ele sabia? 

Severo assentiu, finalmente olhando para ela. — Não sabia quais eram as suas favoritas, mas combinam com você. Especialmente os girassóis. Se não gostar eu posso- 

Ela o cortou suavemente, colocando os dedos nos seus lábios. — São perfeitas. Eu adorei.  

— Bom. — ele assentiu bruscamente, e Hermione pode perceber a tensão deixando-o aos poucos.  

— E você não precisa me cortejar, sabe. Acho que já passamos disso de qualquer maneira. — ela sorriu, divertida, enquanto colocava a mesa. Ela mal percebeu o seu silêncio até que ele a envolveu por trás, deslizando a mão direita do seu pescoço até a barriga.  

Hermione ofegou, deitando a cabeça no peito dele enquanto Severo sussurrava em seu ouvido. — Que tipo de tolo eu seria se não cortejasse uma mulher como você? 

Ela lambeu os lábios, estremecendo. — Você já me tem, Severo.  

— E eu quero mantê-la. Então espere muitas demonstrações como essa no futuro, bruxa.  

Hermione voltou para o presente, sentindo borboletas no estômago apenas com a lembrança da voz dele sussurrando bem perto do seu ouvido. O homem sabia exatamente como deixá-la corada e sem fôlego, mesmo que as vezes ele ainda se sentisse extremamente tímido e inseguro.  

Ele era uma mistura complexa de confiança e vulnerabilidade; Hermione sabia exatamente quando ele estava confortável em sua própria pele, podendo discutir com ela de igual para igual, sem hesitar. Mas quando as barreiras caíam e ele se permitia ficar mais à vontade perto dela, Hermione tinha vislumbres do homem sensível que ele era, escondido sob múltiplas camadas, e estaria destinado a ser se não tivesse tido uma infância tão difícil.  

Sua vida fora uma sucessão de tragédias, e Hermione sentia um nó na garganta só em pensar em tudo que ele passara no passado. E sozinho. As poucas pessoas que ele tinha como amigos foram as mesmas que o convenceram a seguir pelo caminho das trevas. Hermione sabia que podia soar condescendente, mas quando se é jovem, e especialmente um perdido e carente de amor e afeto, as escolhas mais erradas são geralmente as mais tentadoras. Ele buscou aceitação onde acabaria encontrando o seu pior pesadelo, e pagara por isso por duas décadas inteiras.  

E ele ainda se achava indigno. De felicidade. De conforto. De toque. Afeto. Amor. Cada vez que ela o beijava, ou apenas tocava o seu ombro num gesto de carinho, ela podia ver como ele ficava surpreso. Ele tentava esconder, claro, mas Hermione percebia. Acontece que ele não era um espião tão bom perto dela. Ou ele simplesmente não queria ser. Não mais. Então por mais que ele tentasse esconder, ela percebia os seus sinais.  

E ali, agora, Severo parecia tão relaxado em seu sono... Seus olhos percorreram o seu rosto, memorizando cada detalhe, e Hermione resistiu ao impulso de beijá-lo. Ela deu um sorriso abafado pensando em todas as vezes que eles fizeram amor nos últimos dias, e ela se perguntou vagamente se para ser assim. Eles simplesmente não conseguiam tirar as mãos um do outro, e ela percebeu, sem realmente se importar, que eles pareciam um daqueles casais que viviam grudados. E, honestamente, ela mal se importava.  

Porque, deuses, como ela poderia manter as mãos para si mesma dividindo a cama com um homem como ele? Severo não era um homem classicamente bonito, mas para ela, ele era lindo. Ombros largos extremamente sensuais, peito levemente peludo... e, Merlin, as suas mãos. Ele poderia facilmente segurar os seus dois seios com apenas uma delas – o que ele de fato fez, ela lembrou, corando. Várias vezes.  

E agora ela queria acordá-lo. Droga.  

— Hermione. — ele murmurou, ainda de olhos fechados. — Você está encarando.  

Ela corou, envergonhada por ter sido pega. Severo abriu os olhos lentamente, e a respiração de Hermione parou. — Bom dia.  

Sua voz estava grossa e arrastada pelo sono, e Hermione se aconchegou nele, buscando o seu calor. — Já é quase tarde.  

Severo suspirou, olhando para o relógio de pulso de Hermione no chão ao lado da cama. — Merlim.  

Ela riu, afundando o nariz no pescoço dele. Tinha cheiro de ervas e uma leve loção pós-barba que ele costumava usar, com notas cítricas suaves de capim-limão. Ela amava, e poderia ficar ali, nos braços dele, sentindo esse perfume para o resto da sua vida.  

Hermione dormira na casa dele durante toda a semana. Não foi nada combinado, premeditado, apenas aconteceu. Eles fizeram amor várias vezes, e em diferentes locais da casa. Eles mal podiam se olhar por mais que cinco segundos antes que fossem acometidos pelo desejo incontrolável de se tocarem.  

Fazia cinco dias que tudo o que eles conseguiam comer no café da manhã era café frio e torradas queimadas, mas eles mal se importavam. O almoço também não ficava melhor: eles tentaram fazer um prato mais elaborado em algum ponto, e acabou com a Hermione em cima do balcão e Severo com a cabeça entre as pernas dela. E honestamente, quem precisava de comida depois de acordar assim? 

— Vamos ter que voltar para a vida real em algum momento. — ela disse depois de um tempo, e a única indicação de que Severo a tinha escutado foi um aceno quase imperceptível com a cabeça. 

Eles não haviam conversado sobre isso em muitos termos. Eles trocaram carícias apaixonadas, sussurros no escuro, gemidos na noite fria de inverno, mas o que estava acontecendo entre eles permaneceu no inefável, cada um com as suas próprias inseguranças, com medo de que falar sobre a mudança no relacionamento deles trouxessem perguntas pelas quais eles não saberiam responder. Não ainda, pelo menos. 

E Hermione também não queria pensar porque isso implicaria em reconhecer que ela estava começando um relacionamento com ele sem ser totalmente honesta, e ela sentia um peso no estômago ao pensar nas implicações disso. Como ele reagiria? E se ela o perdesse? E se ele ficasse profundamente decepcionado com ela? Mas Hermione sabia que ela precisava contar a verdade, e logo. Ou essa omissão, que aos poucos estava se tornando uma grande mentira, cresceria tanto que envenenaria essa coisa linda, bonita e delicada que eles estavam construindo.  

— Hermione? 

— Hm?  

— Você estava a milhas de distância.  

— Sinto muito. — ela beijou o peito dele — O que estava dizendo? 

— Estava dizendo que estaria perfeitamente satisfeito em passar esta noite aqui. 

Hermione riu, levantando o rosto. — Severo, não saímos da sua casa desde o Natal.  

Seus olhos escuros brilharam com malícia e alguma coisa diferente que Hermione teve dificuldade de identificar. Parecia um pouco com... Não, não podia ser. — Você está muito contente consigo mesmo, não é?  

O canto da boca dele se repuxou, ensaiando um sorriso. — Você pode me culpar?  

Hermione tirou a presunção dele com um beijo carinhoso nos lábios, então se levantou da cama. Severo gemeu, vagamente ciente na névoa do despertar que ela havia se levantando. Hermione foi até a janela e abriu um pouco as cortinas. A luz branca de inverno inundou o quarto, e Severo puxou as cobertas um pouco mais acima do torso, resmungando. 

— O que você está fazendo? 

— Levantando. Algo que você, senhor, também deveria estar fazendo.  

— Mas a vista daqui está muito melhor.  

Hermione sorriu, sendo tomada por uma felicidade tão grande que ela resistiu a vontade de simplesmente pular no colchão e beijá-lo completamente. Ao contrário disso, no entanto, ela caminhou lentamente até os pés da cama e engatinhou até o centro, montando no bruxo absolutamente irresistível embaixo dela.  

— A Sra. Valérie ficaria muito decepcionada. Além do mais, preciso ir para a pousada em algum momento. A Sra. Janet deve estar quase enviando uma busca. 

Severo colocou as mãos na cintura dela, acariciando a pele suave dos quadris. — Por que você precisaria de roupas? Estou gostando bastante de vê-la desfilar com as minhas camisas pela casa. Ou sem nada, como agora.  

Hermione gemeu quando as mãos dele alcançaram os seus seios, dedos habilidosos massageando-os até que os seus bicos estivessem intumescidos. — Pare de me distrair, Severo Snape. É o último dia do ano, e- 

— E eu adoraria passar a virada fazendo amor com você.  

— Você não joga limpo. — ela reclamou, mesmo que a sua voz tenha saído ofegante.  

— Agora — ele repreendeu falsamente — isso não é justo.  

Hermione engoliu em seco, se forçando a abrir os olhos. — Boa tentativa.  

Ela se inclinou e beijou a ponta do nariz dele, se preparando para rolar para o lado antes que ele a persuadisse mais. Ela estava quase cedendo.  

— Agora anda! De pé! 

Severo a segurou pela coxa, posicionando-a em cima do seu pênis. — Eu estou de pé, bruxa.  

Hermione olhou para ele e riu. Muito. Ela mal se segurou enquanto todo o seu corpo tremia com a piada terrível. — Severo Snape, você fez uma piada? 

— Não faço ideia do que está falando, Granger.  

— Então vamos fazer um trato. — ela sugeriu, se inclinando sobre ele.  

Os olhos dele brilharam, curiosos. — Um trato?  

Ela assentiu, puxando o lençol que o cobria bem devagar. Ela simplesmente adorava o peito dele, tão largo e magro, aveludado. Aos poucos ele estava ficando mais confortável ao redor dela, se permitindo ficar mais exposto na luz, sem medo que ela o olhasse com repulsa. Porque a verdade é que ela amava cada pedacinho dele, cicatrizes e tudo. 

— Te dou mais cinco minutos, e você me convence de que não devemos levantar agora. — ela arqueou a sobrancelha, desafiando-o. Ela estava aprendendo que um sonserino desafiado era um sonserino inspirado.  

Hermione sentiu o estômago tremer em antecipação para o brilho lascivo que passou pelos olhos dele, e ela se perguntou o que ele estava aprontando. Nos últimos dias eles conheceram o corpo um do outro de várias formas, e de diferentes maneiras. Severo a confidenciara que estava a quase uma década sem sexo, e que os seus encontros anteriores foram esparsos e poucos, atendendo a um propósito único de liberação momentânea e mais nada.  

Ele estava nervoso por proporcionar a ela a melhor experiência, e Hermione foi percebendo que à medida que ele se tornava mais confiante com o próprio corpo e ao redor dela, se tornava um amante mais apaixonado a cada dia.  

Severo estava sempre pensando no prazer dela, em fazê-la chegar ao orgasmo primeiro. Ele era atencioso, meticuloso. E muito curioso. Estava sempre atento a tudo, e em menos de uma semana já sabia exatamente o que a agradava. Ele era intenso e apaixonado, e quando não estavam experimentando coisas novas, Severo simplesmente a levaria até a cama e faria amor com ela, lento, calmo, suave. Olhando profundamente nos olhos dela, beijando-a tão profundamente que ela mal sabia onde ela começava e ele terminava. Eles pareciam a mesma pessoa, tão profundamente conectados, entrelaçados, que Hermione não conseguia mais imaginar não tê-lo ao seu lado. Ou em cima dela, dentro dela... Só o mero pensamento a deixava doente. Ela nem sabia que era possível amar assim.  

— Desafio aceito. Agora, monte em mim.  

Hermione franziu a testa. — Eu já estou... — e então o que ele quis dizer a atingiu, e suas bochechas ficaram vermelhas.  

— No meu rosto.  

Ela tremeu em antecipação, sentindo o seu núcleo se contrair e expandir em segundos. — Severo- 

— Quero a minha língua na sua boceta, Hermione. E enquanto eu faço isso, quero brincar com os seus seios deliciosos. Quero chupá-la, sentir você gozar na minha boca, e ter a melhor visão dos seus seios balançando enquanto você se contorce de prazer.  

Hermione engoliu em seco, praticamente gemendo o nome dele em resposta. Ela mal percebeu que o seu corpo se moveu inconscientemente para ele, tão entregue que seria até mesmo ridículo pensar que ela tinha alguma chance.  

E quando ela montou no rosto dele, sentindo a sua língua deslizando pelo seu centro, Hermione só conseguia pensar que os cinco minutos poderiam ir para o inferno. Ele tinha vencido o maldito trato, e ela nunca havia ficado tão satisfeita em perder.  

... 

Eles acabaram não saindo da cama pela próxima hora, e Severo improvisou um almoço enquanto Hermione tomava banho. Ela encostou a cabeça no azulejo, deixando a água cair nas suas costas enquanto as sensações a percorriam. Que semana havia sido. Hermione desejou, mas nunca imaginou realmente que eles pudessem chegar tão longe. Parecia que eles faziam isso a anos, a julgar pela facilidade com que se moviam em torno um do outro.  

Será que era errado tudo acontecer tão rápido? Ou era assim que estava destinado a ser? Ela não sabia, mas também não conseguia reunir energia o suficiente para se importar. Estar com ele despachava todos esses pensamentos e incertezas para longe, e era por isso que Hermione sabia que precisava colocar a cabeça no lugar.  

Porque, deuses, como ela o amava. Ela não queria ir embora nunca mais. Queria construir a sua vida ali, com ele. Ela tinha tanta certeza agora que eles ficariam juntos para sempre que a sua vontade era gritar para o mundo todo quanto o amava. Ela até podia se ver casando com ele. Uma cerimônia simples, de frente para o mar; ou talvez até no pequeno jardim nos fundos do chalé. Ela caminharia até ele com um vestido liso, perolado, sentindo o chão sob os seus pés descalços, e na sua barriga voariam centenas de borboletas com a sensação indescritível que seria vê-lo esperando por ela.  

Então eles trocariam um daqueles olhares que faria Hermione esquecer todo o seu nervosismo, porque afinal, era ele. Sempre, sempre ele.  

— Merlin, Hermione. O que você está pensando? — ela disse a si mesma debaixo do chuveiro, soltando uma risada nervosa.  

Ela saiu do chuveiro antes que a sua mente traiçoeira a levasse mais à frente no futuro, pintando imagens que não eram reais e talvez nem pudessem ser, e essa incerteza era nutrida mais por ela mesma que qualquer outra coisa. Hermione sabia que não poderia fazer planos enquanto não sentasse para conversar com ele, então ela prometeu a si mesma que o faria assim que o Ano Novo passasse.  

Ela devia isso a ele e a si mesma. Devia isso ao relacionamento que estavam construindo, e nenhuma mentira poderia fazer parte disso.  

... 

A festa de Ano Novo passou num borrão. A Sra. Valérie rapidamente a puxou para um lugar sossegado do charmoso Chateou para tirar todas as informações dela, e Hermione riu do seu entusiasmo. Ela parecia tão exultante por saber que eles finalmente haviam saído da zona de insegurança e negação para o início de um romance que Hermione se sentiu contagiada.  

— Finalmente! Deus sabe como vocês demoraram. Quase perdi as esperanças!  

Hermione riu, aceitando uma taça de champagne. — Bom saber que você tinha muita fé em nós dois.  

A Sra. Valérie bufou por trás da taça. — Confesso que estava quase desistindo. Aquele homem pensa muito baixo de si mesmo, minha querida. Não poderia ver os seus sentimentos por ele nem que você escrevesse um cartaz.  

Hermione assentiu, sorrindo para a imagem dela segurando um enorme cartaz na frente dele. Em pensar que ela quase fez pior: batera na porta do chalé praticamente implorando que ele a beijasse.  

— Estou muito feliz por vocês dois, Hermione. Considero o Severo quase como um filho. Ele é muito discreto, muito fechado, mas consigo imaginar todos os cenários mais terríveis no passado dele.  

Hermione desviou rapidamente o olhar, esperando que a Sra. Valérie não tivesse notado a mais ínfima oscilação na sua expressão.  

— Precisava ver como ele era quando chegou aqui. — ela continuou, e Hermione a olhou atentamente — Recluso, taciturno, sempre desconfiado. Uma vez ele estava no café e houve uma pequena batida na rua da frente. Algum turista idiota distraído enquanto tirava fotos e dirigia, e o Severo se assustou tanto que quase teve um ataque de pânico. 

Hermione ofegou, sentindo a garganta apertar. — Eu não sabia disso. 

A Sra. Valérie acenou, uma expressão triste cruzando o seu rosto. — Todos saíram para ver o que tinha acontecido, e aproveitei para puxá-lo para os fundos da loja sem fazer muito alarde. Ele estava mais pálido do que o normal, e tentava respirar como se estivesse afogando em medo.  

— Eu- Hermione tentou dizer alguma coisa, mas não conseguiu. Sua vista embaçou com as lágrimas que ameaçavam cair. 

— Oh, não, não querida. — a Sra. Valérie apertou a mão dela, num gesto acolhedor — Não disse isso para deixá-la triste. Sinto muito. 

Hermione balançou a cabeça. — Não, obrigada por me contar. É que... Deus, eu o amo. Não suporto que ele tenha sofrido tanto. Fico muito feliz que ele tenha encontrado você e o Sr. Bernard.  

— Vocês dois sempre poderão contar conosco, Hermione. Sempre. Agora — ela deu um olhar divertido para Hermione, sorrindo maliciosamente — quer ouvir algumas histórias engraçadas que aconteceram com ele aqui? Se Severo é quase meu filho, me sinto na obrigação de contar coisas embaraçosas para a namorada dele. Faz parte do pacote.  

Hermione riu e chorou ao mesmo tempo, balançando a cabeça várias vezes. — Eu adoraria.  

As duas passaram os próximos trinta minutos conversando e rindo, e Hermione adorou saber mais sobre a vida que Severo levava na vila. Ao que parecia, ele ainda era distante e taciturno, mas muito mais acessível e educado do que jamais fora em Hogwarts. Ele ainda daria respostas ferinas, e teria pouca (ou nenhuma) paciência para conversa fiada e perguntas estúpidas, mas havia menos malícia nas suas palavras porque ele se sentia seguro naquele lugar, rodeado de pessoas que gostavam dele genuinamente mesmo com a sua natureza ferina e antissocial.  

Valérie contou que ele atraía muitas turistas também, e Hermione sentiu o gosto amargo do ciúme, mesmo que fosse completamente tolo da parte dela. — Você precisava ver a cara dele quando uma turista flertou descaradamente com ele no café. O pobre homem não sabia onde se esconder.  

Hermione sorriu, apesar de tudo. Era difícil associar fofo e Severo na mesma frase, mas ela só conseguia imaginar como ele não deve ter ficado com alguém o abordando tão descaradamente. — Eu gostaria de ter visto isso.  

A Sra. Valérie riu. — Oh, eu gostaria que você pudesse.  

Elas saíram da sala ainda conversando e rindo, cumprimentando outras pessoas no caminho, e desejando felicidades no ano que viria. Hermione sorriu quando o Sr. Bernard apareceu, bochechas vermelhas e tudo, e a abraçou forte. — Minha querida! Como estou feliz por você ter vindo para cá. Obrigada por tudo que tem feito ao nosso rapaz aqui. Você o salvou.  

Hermione piscou com a escolha de palavras do Sr. Bernard, sentindo o coração disparar. Ele havia dito aquilo de forma metafórica, claro, mas ela se assustou mesmo assim. Bernard saiu para cumprimentar outras pessoas e Hermione forçou o seu coração a se acalmar, olhando ao redor para encontrá-lo.  

Ela olhou para o relógio e faltavam dez minutos para a meia-noite, e Hermione exalou um suspiro frustrado. Ela não queria virar o ano longe dele.  

— Obrigada. — Hermione agradeceu ao garçom por recolher a sua taça, e estava prestes a se virar quando ele lhe entregou um papel. 

Hermione franziu a testa, dando um olhar questionador. 

O garçom apenas deu de ombros, dizendo: — Um cavalheiro pediu para entregar.  

Antes que Hermione pudesse questioná-lo ele saiu, sumindo por entre os pequenos grupos de pessoas espalhados pela sala ampla. Com o coração acelerado, ela abriu a pequena nota e sorriu. 

Hey, Srta. Granger... Não, Granger? Hermione? 

Então, eu tenho um problema. 

Hermione riu por ler quase as mesmas palavras que ela dissera bêbada para ele se voltando contra ela. Ela podia a ouvir a voz dele enquanto lia, ressoando no seu ouvido, baixo e brincalhão, malicioso.  

Veja, vim até essa festa para agradar à mulher com quem estou... bem, como posso dizer isso? Namorando? Não, soa muito juvenil. Com quem estou fazendo amor das mais diferentes formas e posições a cinco dias? Melhor. Infinitamente. Mas acontece que a festa, embora agradável, não esbarra nem a superfície do que era tê-la ao meu lado. Ou de preferência embaixo de mim. Ou, bem... em cima também.  

Hermione lambeu os lábios, sentindo o rosto arder. Ela olhou ao redor para ver se alguém a estava observando, depois voltou para a leitura.  

De qualquer forma, você poderia me encontrar na estufa dos fundos? Só não demore, ela é muito ciumenta e não queremos causar uma cena.  

Muito ansioso,  

SS.

Hermione não hesitou nem um segundo quando se virou para o corredor, sutilmente fugindo para os fundos da casa. Ela passou pela cozinha abarrotada praticamente sem ser notada, e escorregou pela porta gasta da despensa, sentindo o ar frio da noite invadi-la. Ela respirou profundamente, seu coração batendo rápido em expectativa quando ela o avistou. 

Severo estava lindo. O longo casaco de linho cinza escuro ficava perfeito em contraste com a luz da lua e o branco da neve. De alguma forma seu cabelo parecia ainda mais escuro, e sua pele clara quase brilhava ao luar. Suas mãos estavam nos bolsos laterais do sobretudo, e Hermione sentiu a boca secar com o quão bonito ele parecia. Seria sempre assim? Seu coração daria mil cambalhotas quando ela olhasse para ele? 

— Então — ela finalmente disse, e sua voz saiu trêmula. Ela culpou o ar gelado.  

Seus olhos brilharam, tão escuros quanto a noite. — Então... — ele sorriu, depois olhou para o relógio em seu pulso. — Oito minutos agora.  

Hermione assentiu, chegando mais perto dele. O cheiro da sua loção pós-barba a invadiu, e ela teve que resistir ao impulso de fechar os olhos. — Então, Sr. Snape, você está insatisfeito? 

Ele arqueou as sobrancelhas, de um jeito indiferente e muito, muito sonserino. — Veja, Srta. Granger, insatisfeito não seria a palavra porque eu nunca me senti mais satisfeito na minha vida. No entanto, minha acompanhante achou que seria uma ótima ideia deixar o aconchego da nossa casa para vir a uma festa.  

O coração de Hermione parou. Nossa casa. Ele realmente quis dizer isso? Talvez tenha sido só uma escolha incomum de palavras. Não significava nada. Certo? 

— Parece um plano ruim. — ela se forçou a dizer, entrando na brincadeira, mesmo que ainda estivesse um pouco zonza.  

Nossa casa.  

— Ou — ela continuou, chegando ainda mais perto — ela só estivesse querendo te ver neste casaco bonito.  

O canto da boca dele se repuxou no menor dos sorrisos. — Talvez.  

Hermione bufou, entrelaçando os seus dedos nos dele. — Nada de talvez. Eu sou a bruxa mais brilhante da minha idade e todo o resto.  

Severo riu, o som aveludado reverberando sob o céu sem estrelas. — Cinco minutos agora. — ele sussurrou, encostando a testa na dela.  

— Se a sua não-namorada não aparecer logo, vai perder o beijo da virada.  

Ele deu de ombros, colocando um cacho atrás da orelha. Seus dedos estavam frios sob a pele suave da bochecha. — Tenho sorte de ter você aqui então. 

Sua expressão ficou séria, e Hermione piscou. Ele realmente quis dizer isso, não era mais parte da brincadeira. Hermione se levantou na ponta dos pés e o puxou para um beijo casto, sentindo seu lábio frio e macio. — Acredite, a sortuda sou eu.  

Eles se olharam intensamente, suspensos no momento, presos um no outro. — Últimos minutos para fazer a sua resolução de Ano Novo. — Severo disse, um pouco sem fôlego, e Hermione enfiou os braços por baixo do casaco dele, abraçando-o.  

— Bem — ela pensou,  — Eu gostaria de recomeçar o curso de Medibruxaria;  

Severo acenou. — Uma boa resolução.  

— Também gostaria de conseguir um funcionário de confiança para a Botica. 

Severo assentiu algumas vezes, fazendo Hermione rir. — Uma resolução urgente. Coloque-a no topo da lista.  

— Seu pedido é uma ordem, senhor. Por falar nisso, também gostaria de conquistar o meu chefe. Tenho uma queda enorme por ele, sabe.  

— Ele seria um idiota se não notasse você.  

— Bem — Hermione começou, olhando para ele — ele foi um pouco lento, sabe? 

Severo riu baixinho, desviando o olhar enquanto a puxava para um abraço. — Acredite, pequena feiticeira, ele notou. Só não sabia o que fazer com isso. Ele achou que nunca teria uma chance.  

Hermione beijou o peito dele sobre o suéter elegante. — Ele sempre teve.  

— Você é uma mulher estranha, Srta. Granger. Mas não estamos reclamando.  

Hermione virou o rosto para a casa, ouvindo os gritos animados. Estava quase na hora.  

— Também pretendo convencê-lo a usar qualquer coisa colorida.  

— Com licença — ele a interrompeu, falsamente indignado — eu estou usando uma roupa colorida. 

Hermione levantou a cabeça, sorrindo. — Cinza não conta. 

Severo bufou. — Desde quando? 

Hermione riu, batendo levemente no peito dele. — Talvez perder uma gordurinha na barriga também. — ela brincou, beijando o pescoço dele.   

— Que absurdo. — Severo zombou, e Hermione corou com a implicação de que ele conhecia o seu corpo de todos os ângulos agora – e parecia muito satisfeito com ele.  

Três minutos.  

— Se bem que... de acordo com a Sra. Valérie os homens gostam de mulheres com curvas. E você concordou.  

Severo olhou para ela, confuso, e franziu o cenho. Ele gostava da Hermione de qualquer maneira, vestindo qualquer número, com o cabelo liso ou encaracolado, não importava. Mas ele não se lembrava de ter mencionado isso. — Uma das várias vezes que ela levou pães, cafés e chocolates na Botica. Mas acho que estava muito distraído.  

Ela falou com um toque de malícia na voz, e Severo rapidamente se lembrou do dia exato. Ele soltou uma risada baixa e rouca. — Naquele dia você estava lambendo chocolate belga do dedo, bruxa. Fiquei distraído.  

— Então era por isso? — Hermione perguntou, chocada. — Achei que você só tinha se desligado da tagarelice da Sra. Valérie, e na verdade você estava- pare de rir — ela o cutucou, divertida, e Severo a apertou ainda mais forte.  

— A visão era tentadora minha querida. — ele soltou uma gargalhada enquanto tirava o cabelo do rosto dela, puxando-a para um beijo. — Você estava tentando me seduzir? 

Hermione balançou a cabeça, sorrindo. — Não, não naquele momento. Mas eu tentei — ela deu de ombros — outras vezes.  

Severo balançou a cabeça, como se não acreditasse no presente que a vida lhe dera. Ele estava prestes a perguntar quais outras vezes foram estas, embora ela tenha parecido encantadora para ele desde que chegara na vila, mas a contagem regressiva ecoou de dentro da casa.  

Nove! 

Ele a olhou profundamente.  

Oito! 

Hermione olhou de volta, um suspiro engatando no seu peito. Seus olhos tremularam, e ela os fechou brevemente, respirando fundo. 

Sete! 

Severo segurou o rosto dela, massageando a nuca, enrolando os cachos castanhos nos seus dedos, enquanto a trazia mais próximo. Tão próximo que os seus narizes se tocaram. 

Seis! 

Ela sorriu para ele, incandescente, e Severo sorriu de volta.  

Cinco! 

— Minha única resolução — Hermione ofegou, sussurrando.  

Quatro! 

Seus lábios se tocaram suavemente, o mero fantasma de um toque. — É você. 

Três! 

Dois!  

Então Severo a puxou para um beijo avassalador. E diferente dos outros, esse tinha um gosto ainda mais especial: de Recomeço. 

...  

Constantemente Severo pensou que a sua vida estava esperando por ele para começar. Ele se sentia preso numa meia existência, sua alma vagando acima do próprio corpo, esperando que ele finalmente pegasse o caminho que o faria chegar exatamente onde ele estava agora. 

Era o primeiro dia do ano. De um novo ano. E ele se sentia outro homem. Vivendo uma outra vida, tão distante da que ele havia vivido até agora que parecia outra pessoa. Mas ao contrário, ele se sentia — e talvez pela primeira vez — exatamente como ele mesmo. Então era assim que era para ser a vida. Não o sofrimento, a sucessão de problemas e a escuridão que ele estava acostumado. Era só para ser... fácil.  

Oh, ele sabia que os problemas viriam eventualmente. Mas ele parecia estranhamente calmo sobre isso. Como se de repente ele pudesse passar por qualquer coisa se Hermione estivesse com ele.  

A manhã estava gelada, e ele estremeceu um pouco enquanto caminhava pelo pequeno jardim. Severo olhou ao redor e tudo parecia pacífico. Silencioso. Em harmonia. O cheiro do orvalho o invadiu, e ele aspirou satisfeito os perfumes amadeirados de uma manhã no inverno. Para uma vida que só conhecera tragédias, ele se sentia muito sortudo. Todo o seu corpo irradiava com uma coisa que ele nunca tivera realmente: esperança. Ele ansiava pelo dia seguinte, e pelos próximos, não com medo do que ele perderia, mas ansioso pelos novos momentos que passaria ao lado de Hermione.  

Ele estava sendo muito piegas? Ele não conseguia energia suficiente para se importar. Ele fechou os olhos e... sorriu. Realmente sorriu, sozinho, olhando para a imensidão verde-floresta a sua frente. Era bonito. E então sua mente imediatamente o levou para o momento em que acordara, com os cachos de Hermione roçando o seu nariz. Ela estava quente, e tinha cheiro de lilases. Severo sentiu um calor tão grande no peito que preferiu se levantar, ou acabaria a despertando.  

Ele a deixou dormindo profundamente sob uma infinidade de cobertas — ele descobrira que Hermione gostava de dormir assim no frio, se afundando em tantos tecidos quentes quanto possível — e saiu devagar, recuperando o seu suéter preto na cadeira antes de cruzar a soleira da porta e fechá-la num clique suave.  

Como uma semana podia mudar tudo? Ela chegara a poucos meses e colocara a sua vida de cabeça para baixo, e ele nunca se sentiu tão feliz. Severo gostava da rotina que havia criado na vila. Ele gostava de não ser surpreendido, de saber o que aconteceria no dia seguinte. E nos próximos, até provavelmente o fim da sua vida. Ele sabia, claro, que havia um grande espaço vazio no seu peito, mas ele tentava ignorar isso, ocupando as horas com o trabalho e intermináveis caminhadas pela praia. Mas depois que Hermione chegara foi impossível deixar de lado. Foi impossível fingir que a sua vida, por mais pacífica que fosse, estava incompleta. Severo tentou negar, tentou esquecer. Tentou abafar. Mas não iria embora. A vontade de tocá-la, de envolvê-la num abraço protetor, era maior que tudo. Mesmo que ele fosse o epítome do autocontrole, acabou descobrindo que, com Hermione Granger, ele não tinha a menor chance.  

Um rangido familiar chamou a sua atenção, e ele se virou para ver uma sonolenta Hermione coçar os olhos da maneira mais charmosa e caminhar até ele. Ela estava com dos seus suéteres, que ficava grande demais para ela, e botas de chuva que ela recuperara na pousada na noite anterior. Ele sorriu. 

Sem dizer uma única palavra, Hermione se encaixou ao lado dele, abraçando-o, e Severo a trouxe para perto, envolvendo-a com braços fortes. Ele enfiou o nariz nos seus cachos indisciplinados e aspirou o seu perfume.  

Eles ficaram vários minutos abraçados, suspensos na sensação deliciosa, mal se dando conta que estavam vivendo um daqueles momentos que ficariam vívidos na memória de ambos para o resto de suas vidas.  

— Feliz Ano Novo. — ela murmurou, beijando o queixo dele suavemente. Seus lábios estavam frios, e Severo murmurou um feitiço de aquecimento para envolvê-los.  

Ele a beijou a testa dela, depois a abraçou ainda mais forte. — Feliz, de fato.  

— Estou passando um café. Vamos entrar? 

Severo olhou para ela. Várias emoções correram pelo seu corpo naquele momento, e Hermione mal parecia se dar conta. Para ela, o gesto era simples. Para ele, era o mundo. Ele mal sabia o que responder, então apenas assentiu levemente, mas não sem antes puxar a mão dela para um beijo doce na palma.  

Eles começaram a caminhar de volta, num tempo que era só deles, que corria num ritmo diferente e próprio do amor. Suas mãos se encontraram no caminho, entrelaçando-se, como se estivessem acostumadas a dizer isso a várias vidas.  

Na cozinha, quente e acolhedora, o cheiro de café fresco os invadiu, e Hermione suspirou satisfeita enquanto fechava a garrafa. Severo colocou a mesa, distribuindo os pães e torradas que a Sra. Valérie os entregara na noite anterior, praticamente insinuando que eles não teriam tempo de ir até o centro. Severo, claro, revirou os olhos, e Hermione corou deliciosamente.  

Eles não haviam combinado de contar às outras pessoas que estavam finalmente juntos, mas também foi impossível negar. Eles estavam sempre se encostando um no outro, trocando olhares carinhosos e acalorados, roçando as mãos sempre que possível. Mesmo que eles não tivessem dito nada para o Sr. Bernard e a Sra. Valérie, seria óbvio no momento em que pisassem no Chateou.  

A Sra. Janet, um pouco alcoolizada depois que o relógio batera meia-noite, disse um pouco alto demais que eles estavam parecendo dois jovens namorados que passaram a semana nos braços um do outro. Hermione riu nervosamente, mas sentiu o Severo endurecer ao lado dela. A Sra. Janet não havia dito por mal, mas ele detestava ter a sua intimidade exposta. E mais especialmente ainda a de Hermione. Então ela apenas segurou a mão dele num gesto tranquilizador enquanto a Sra. Janet desviava o assunto para qualquer outra novidade mais interessante. Então ele apenas bufou, se sentindo ridículo, porque eles estavam entre pessoas queridas — enxeridas, sim, mas que família não era? 

E o pensamento família o assaltou tão rapidamente que ele piscou, confuso. Ele considerava tanto essas pessoas a ponto de chamá-las de família? Ou mais importante, essas pessoas realmente o consideravam tanto a ponto de incluí-lo? Ele, o rancoroso, grosseiro, ferino, Severo Snape? Que noção mais estranha essa, de se sentir querido. Ele não estava acostumado, e quase tivera um pequeno ataque de ansiedade. Amar e ser amado também dava medo. A última vez que ele amou fizera todas as coisas erradas, e no final acabou machucando uma amiga querida. E se ele fizesse de novo? A própria ideia de arriscar o seu coração para uma tragédia o deixava enjoado.  

Então, ele fez o que o acalmaria. Falou sobre isso. Abertamente. O que era uma outra noção estranha. Simplesmente sentar e conversar sobre qualquer coisa. Parecia tão... simples. E no final, funcionava. Ele buscou respostas na pessoa que achou que as teria. 

Eles se deitaram naquela noite, depois de chegarem da casa do Sr. Bernard, e enquanto o mundo comemorava com fogos de artifícios e muita festa, a sua própria versão de um feliz ano novo. Eles deitaram um de frente para o outro, as mãos entrelaçadas debaixo do travesseiro, e conversaram sobre várias coisas. Severo falou com ela sobre tudo. Parecia que ele estava guardando uma vida inteira dentro dele, e agora que o portão de ferro fora aberto, não poderia ser fechado. Tinha que sair. Tudo. E Hermione ouviu atentamente. e chorou com ele.  

Ele chorou no seu abraço, soluçou no seu peito. Foi embalado por ela nos seus braços carinhosos. Deixe ir, ela disse. E ele deixou. Era preciso falar para ir embora. Era preciso falar para que a cura começasse. Ele achou que já estivesse curado, mas a verdade é que estava apenas começando. Havia mágoa no seu coração. Tanta que ele quase se afogou nela. Tinha vergonha também. Ele se sentia tão envergonhado, tão enojado pelo que fizera no passado. Mas ainda assim, ele não queria morrer. Ele queria tanto, e tão desesperadamente uma vida. Ele queria tudo aquilo que ele não tivera, e se sentiu envergonhado por dizer. Se sentia tolo. Ele queria uma casa, com cerca branca e tudo. Ele queria amigos, e uma família. Queria almoços de domingo. 

E, deuses, ele queria mais que tudo o amor. Mas antes disos, o perdão. 

— Severo, você já foi perdoado. Ninguém culpa você. Agora, precisa aprender a perdoar a si mesmo. 

Ele assentiu bruscamente. Ele poderia? Ele se sentia tão indigno do amor, ao mesmo tempo em que desejava tão desesperadamente tê-lo em sua vida. E aquela mulher, que o segurava gentilmente enquanto ele tremia, era tudo o que ele sempre quis. Ele não sabia nem como olhar para ela agora, totalmente envergonhado pela total perda de controle, por essa extrema vulnerabilidade.  

Mas quando ela segurou o seu rosto para beijar as suas lágrimas, não havia pena em seu olhar. Não havia sequer julgamento. 

Só tinha espaço para amor. 

... 


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Notas finais do capítulo

Comentem!!! Façam uma escritora feliz no meio de uma semana bem tensa e triste.



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