Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 1
Capítulo 1 - Aurora




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Abro meus olhos, o teto branco do meu quarto me encara mais uma vez com sua... branquitude? Sento-me na cama, me espreguiçando e dando um longo bocejo. Com os olhos marejados de lágrimas da manhã, me levanto da cama e caminho até a porta, que emperra para abrir. Depois de uns poucos empurrões, ando até o banheiro. Me olho no espelho, que por sinal está bem sujo nas bordas, e vejo meus cabelos emaranhados depois de uma longa noite remexida. Balançando a cabeça na esperança de que o cabelo se arrume sozinho, pego a minha escova de dentes e... escovo meus dentes. Higiene renovada, volto para meu quarto e abro o guarda roupa. Com opções limitadas, pego o de sempre: Minha blusa de mangas longas azul e listrada e um macacão com um sol desenhado no bolso da frente. Vou para perto da minha cama e me agacho para pegar minhas botas, vestindo-as logo em seguida. Depois de mais uma espreguiçada, ando até minha mesa de desenhos. Me sento em frente aos papéis espalhados com figuras inacabadas e que ainda precisam de muito treino. Abro a segunda gaveta e pego minha escova. No primeiro puxão para desembaraçar meus cabelos, arregalo meus olhos. Ai. Por que tem que que doer tanto? Ouço o cantarolar dos pássaros do lado de fora. Me apresso entre puxões, arranques e dores, e finalizo ao ajeitar a parte de trás do meu cabelo em um rabo de cavalo. Me levanto mais uma vez e saio do meu quarto. Passeio pelo breve corredor até o lance de escadas, descendo até o térreo. Percebo uma fragrância maravilhosa pelo ar, aquele cheiro que sinto desde pequena. Olho para o final do corredor da casa, e vejo uma cesta de pães fresquinhos, saídos do forno! Nham! Corro até aquela pilha maravilhosa e estico minha mão para pegar um.

A voz rancorosa de minha vó e sua mão veloz e cheia de farinha, dando um tapa na minha mão, me tiram do meu transe, – "Nananinanão! Eu não passei a madrugada inteira cozinhando esses pães pra você vir e pegar sem permissão!"

"Desculpa, Vó!" –Olho para minha amada, rancorosa, e pequena avó. Como sempre, seus cabelos grisalhos presos num coque, vestindo um avental e usando uma cadeira para poder ficar numa altura em que ela possa bater a massa de pão no balcão, – "Então... eu posso pegar um?"

"Não! Eu fiz exatamente vinte pães para você levar para o Frederick! Ele já vai abrir, não vai se atrasar, hein?" – Ela diz, sem tirar os olhos da massa que está batendo.

"E o que é isso aí, vó?"

"Uma torta que vou fazer pro almoço."

"Não é meio pequena não?" – Pego um pano no balcão e coloco em cima da cesta, a pegando pela alça logo em seguida.

"Claro que é. É só pra mim!" – Ela dá uma breve risada.

"Que?! E eu? O que vou comer quando voltar para o almoço?!"

"E você vai voltar para o almoço dessa vez? E não para a janta, como das outras?" - Ela se vira para mim e coloca as mãos banhadas em farinha na cintura.

"Claro que vou!" - Mas vou mesmo?

Minha avó resmunga, - "Então acende o fogo pra mim, faz favor." – Ela diz, voltando a bater a massa – "Já que vai voltar cedo hoje, melhor já começar a assar mais." – Seu tom é sarcástico.

Bufando, mas soltando uma leve risada, ando até a caixa com mato seco no outro canto da cozinha. Pego um punhado e me dirijo até o fogão à lenha, me agachando e colocando o mato lá dentro. Pego três tocos de madeira e ajeito por cima do mato. Junto o dedo médio e o dedão, e em um estalar de dedos, uma forte faísca sai de minha mão, ateando fogo na minha pequena fogueira. Tcharan!

"Obrigado, querida." – Minha vó agradece, mas quando vejo, ela continua com o olhar fixo na massa.

O toque da campainha ecoa pelo corredor.

"Deve ser o Sully..." – Ajeito a cesta de pães em minha mão e ando até a porta de entrada. Minha vó murmura alguma coisa, mas a campainha toca mais uma vez, – "Já vai!"

Abro a porta e vejo meu carteiro favorito: Sully, um garoto pouco mais jovem do que eu, loiro, vestindo seu uniforme padrão, junto a sua boina com asas. Ele me encara com os olhos esbugalhados. Decido quebrar o gelo.

"Oi, Sully! Alguma carta para mim?"

"Ah! Bom dia, Star! Tenho sim, duas na verdade! Uma para você..." – Ele pega duas cartas da sua bolsa e me entrega, – "E uma pra sua vó."

"Pra mim?"

"É, na verdade é mais um convite para um evento..."

"Que evento?" – Me viro para trás e deixo a carta no criado-mudo.

"O Festival da Colheita!"

"Não lembro de entregarem cartas pro festival da colheita..."

"Vai logo entregar esses pães! Parem de tagarelar!!!" – Minha vó grita da cozinha.

"Tá bom, tá bom! Tchau vó!" - Saio de casa acenando, mesmo que ela não veja, e fecho a porta.

"Tchau, senhora Maya!" - Sully grita, mas acho que ela nem ouviu.

Depois de nos despedirmos, dou uma longa e profunda inspirada, sentindo o cheiro do ar fresco, da grama, da natureza! É sempre tão bom dar uma esticada nas pernas do lado de fora. Dou uma última olhada na fazenda onde moro, com o bosque ao lado, a plantação de trigo, a montanha recheada de cobre e a trilha que desce a colina...

"Bom, vamos indo! Você e eu temos coisas para entregar!" – Digo a Sully enquanto aperto o passo colina abaixo.

"Star! Me diz, você vai para o festival da colheita?" – Sully diz enquanto me acompanha.

"Festival da Colheita? Nem que me paguem!"

"O que?! Por quê?"

"Minha vó vai querer que eu vista aquele meu vestido amarelo com bolinhas, e eu odeio vestir aquilo!"

"...eu acho que você fica fofa com ele..." – Sully tenta murmurar.

"Awn! Obrigada!" – Dou uma cotovelada no braço de Sully, que fica vermelho igual um tomate.

Um barulho vindo da floresta que acompanha a trilha nos faz parar, e levantar a guarda. O som de galhos quebrando e mato mexendo se aproxima cada vez mais, minhas mãos começam a esquentar em antecipação. Meu coração palpita cada vez mais rápido até que duas figuras pulam para o meio da trilha!

"Socorro! Socorro! Ele está me atacando!" – Ted, o pirralho mais irritante da vila, se joga no chão enquanto Billy, seu fiel e adorável cachorro, pula em cima dele para lambe-lo.

"Ted! Billy! Vocês de novo?! Quantas vezes vão ficar fazendo isso?!" – Levanto minha voz e ambos olham para mim.

"Tia, sua cara fica tão engraçada quando eu faço isso!" – Ted se levanta enquanto dá uma gargalhada.

"Alguma hora vai ser de verdade e ninguém vai te socorrer!"

"Star... Você fala isso, mas fica tensa toda vez." – Sully comenta,

"Mas e se for verdade algum dia? Preciso estar preparada!"

"Nunca ouviu a história do menino e o lobo? O garoto mente várias vezes sobre um lobo na vila, e ninguém acredita. No final ele é devorado porque apareceu um lobo de verdade. Essa é a lição de moral da história, de que não se deve mentir." 

"Não quero que ninguém seja devorado por um lobo para aprender uma lição de moral, Sully!"

"Hahahahahahah!" – Ted rola de dar risada, Billy parece gargalhar junto.

Solto um longo suspiro, ajeito a cesta em minhas mãos, e prossigo com a caminhada. A vila está logo a frente. Sully, Ted e Billy seguem logo atrás.

"Ei, ei! Tia!" – Ted começa a farejar o ar, como se fosse um cachorro, - "Que cheiro gostoso!  São os pães da vovó Maya? Pode me dar um, por favor?"

"Por mais que seja ótimo ver você dizendo as palavrinhas mágicas, não, Ted, não posso te dar um. Foi mal." - Me inclino e olho para o rapazinho,

"Aaaah...! Mas eu nem comi nada ainda...!" – Ted fica cabisbaixo.

"Ei, Ted. Pode me fazer um favor?" – Sully vasculha sua bolsa de cartas e puxa de lá, uma carta, ora, - "Pode entregar isso para sua mãe? É importante." – Sully estende a carta para Ted, que pega e a observa,

"Posso abrir?" – Ted diz, com um sorriso largo no rosto,

"Claro que não!" – Sully retruca, - "Agora se apresse. Carteiros tem que ser rápidos!"

Ted e Billy começam a correr em direção à vila, que está movimentada como sempre. Ou melhor, está mais movimentada. Mas o que esperar de uma vila comercial?

"Eu vou precisar ir correndo também," – Sully aperta o passo vila adentro, porém para logo adiante, se virando para mim, - "Ah, Star? Você vai para a lagoa hoje?"

"Sim!" – Abro um leve sorriso, - "Tenho que pegar alguns peixes para o jantar!'

"Ótimo! Te vejo lá!" – Sully começa a correr enquanto acena, quase perde o equilíbrio, e corre vila adentro, desaparecendo na multidão.

Respiro fundo, e volto a andar. A vila de Theresa, ou pelo menos a parte de trás dela, nunca foi o exemplo de charme. Boa parte das casas tem a mesma cor, o mesmo telhado, os mesmos buracos nas paredes... O chão é de terra, diferente dos reinos mais pomposos cujo as ruas são cobertas de pedras quadradinhas. Os habitantes ou cheiram a carne, ou a cobre, ou a suor. Quando tem um monte de gente junto, não é uma mistura fácil de se lidar. Esse é o lugar onde vivo. Só espero não ter que viver aqui pelo resto da minha vida.

Adentro o corredor de casas e percorro pelos becos. Procuro evitar a multidão tumultuada, passando por becos estreitos até chegar a um cercado de porcos. Eles me notam, ou melhor, notam a minha cesta de pães e começam a guinchar. A pequena janela ao lado do cercado se abre, e eu calmamente me aproximo. O cheiro forte de carne sendo preparada junto a catinga dos porcos faz meu estômago revirar. Olho para dentro da casa e a grande cabeça de Frederick, um Porcius enorme, toma conta de todo o contorno da janela. Suas grandes presas inferiores entortam quando ele abre um grande sorriso ao me ver, revelando seus dentes podres.

"Star! Finalmente!" – Ele olha diretamente para a cesta de pães, espremendo o seu braço enorme pela janela para pegá-la, - "Já posso começar a vender meus famosos sanduíches! Eles ficam cada dia mais gostosos, sabia? Parece que a ração que dou para os porcos está funcionando afinal."

Puxando a cesta de minhas mãos, ele momentaneamente some para dentro da casa. Alguns sons de passos depois, ele volta com um grande prato de carne.

"Sobras de ontem! Pode ficar à vontade!" – Ele empurra levemente o prato, e eu o seguro com minhas mãos.

"Hã... Frederick? Posso te fazer uma pergunta? Pode parecer estranha."

Sua tonalidade gentil logo se torna seca, o sorriso em seu rosto se esvai, - "Hm? Fala logo, tenho que abrir daqui a pouco."

"Você não acha... meio esquisito, vender sanduíche de carne de porco sendo que você é..." – Tento evitar olhar diretamente em seus olhos fundos, - "Um Porcius?"

"...Você tá me chamando de porco?" - Frederick franze as sobrancelhas, céus, quantas dobras. 

"Não! Longe de mim! Eu só fiquei curiosa..." - Encaro o chão, sinto meu rosto ficar vermelho.

"Olha, Star." – Levanto a cabeça e engulo seco ao ver ele começar a afiar um cutelo, - "Dizem que vocês humanos vieram de macacos. E você não vê ninguém trazendo macacos para a vila, tentando criar paz entre as espécies. Alguns até comem os macacos, Star. Na mata, alguns animais até comem uns aos outros, seus iguais. E esse é o ciclo natural da vida." - Ele olha diretamente nos meus olhos, e eu dou um passo para trás, - "Você é um macaco, Star?" 

"Não..." - Minha voz sai trêmula. 

"Então eu não sou um porco."

"Tem razão... Sinto muito. Foi indelicadeza--"

Frederick fecha a janela com força. Respiro fundo, o peso do constrangimento é difícil de carregar. Ando até o cercado de porcos, perto do alimentador. Jogo todas as sobras lá dentro. Bizarro alimentar porcos com eles mesmos..., mas, Frederick disse que os sanduíches estavam ficando cada dia mais deliciosos. Talvez tenha alguma relação..., - "Ciclo natural da vida, huh..." - Deixo o prato encostado na parede e caminho até a rua principal da vila, que leva até a praça central. Tem menos pessoas por aqui já que é onde o desfile vai rolar, em compensação tem várias outras decorando o local.

Lanternas decorativas, faixas, barracas... tudo o que o festival da Colheita precisa. E claro, a mesa principal já deve estar na praça.

"Staaaar!" – Uma voz familiar me chama. Me viro para onde ela veio e me deparo com uma escada, e no topo desta, uma garota de cabelos de fogo, encaracolados e longos, com uma cartola coberta de um espiral de flores diversas. Ela veste um vestido curto e pomposo, por mais que tenha calças e sapatilha por baixo, e carrega uma bolsa transbordando de flores.

"Momoka!" – Grito enquanto corro até a escada, - "Tá fazendo o que aí?"

"Decorando! O festival precisa ficar bonito!" – Ela graciosamente desce as escadas, tremendo a cada degrau, - "Sabe como é, o festival tem que estar agradável se não a economia da vila acaba caindo."

"É? O festival da colheita não é para distribuir bens para todos? Tipo uma doação?"

"Star, de quantos festivais você participou mesmo?" – Momoka abre um sorriso sarcástico.

"Não muitos, heheh..." – Coloco a mão atrás da nuca, desviando o olhar.

Eu nem me lembro de quantas vezes eu ia ao festival. Quando eu era pequena, ficava ansiosa toda vez que acontecia. Mas depois de tantos anos? Não lembro em que ponto parei de gostar de ir. Ou talvez não queira lembrar...

"Bom, não é caridade. Nós vendemos o que colhemos, assim a vila consegue se manter ativa." – Momoka pega a escada dobrável e começa a andar. Acompanho-a, - "Você vai vir? Seria legal ter alguém para conversar que não dê em cima de mim." – Ela abre um sorriso enquanto eu desvio o olhar e engulo seco. Se ela soubesse...

"Eu não acho que eu vá. Minha vó vai querer que eu vista algum vestido, e eu não gosto de vestidos!"

Momoka me inspeciona da cabeça aos pés, - "Deixa essas pernas respirarem um pouco, garota! Te vejo com esse macacão desde que me mudei para cá, você não veste outra coisa?"

"Eu gosto dele! Só tiro quando vou dormir!"

Ela para e abre a escada, e começa a subir – "Só acho que seria legal você mudar um pouco sua rotina. Vai passar no lago com o Sully de novo?"

"...vou."

"Viu? E eu nem sei o que vocês fazem lá. Mas deve ser a mesma coisa de sempre, não é?"

Cruzo os braços e encaro o chão, - "É..."

"...Star, você me disse uma vez que queria sair da vila. Explorar o mundo, viver aventuras... Por que não começa já? Mexa nessa rotina, vista algo que nunca usaria, arranja um namorado, sei lá!" – Ela pega algumas flores e arames de sua bolsa e começa a prender nos fios que costuram o céu da rua, - "Nada vai mudar se você não mudar. Entende?"

"...entendo." - Começo a andar pela rua, em direção ao lago, - "Obrigada, Momoka."

Ao me afastar começo a ouvir Momoka cantarolando. Tão fofa. E tão sábia... O que ela disse é verdade. Minha vida não vai mudar se eu não mudar. Se eu continuar fazendo as mesmas coisas todos os dias, nunca que minha vida vai mudar. Posso acabar sendo uma fazendeira pela vida inteira... igual minha vó! Eu posso acabar virando minha vó! Amo ela, mas minha nossa. Fazer pão para os outros para viver? Não, não, não! Não posso desistir fácil assim do meu sonho de ser aventureira. Vinte e quatro anos nas costas e eu não tomei uma atitude ainda! Como posso ser tão burra? Mas o que eu vou fazer primeiro? Momoka sugeriu mexer na rotina..., mas no que, primeiro?

Uma mão toca meu ombro por trás e eu imediatamente pulo para frente e me viro com os braços estendidos e palmas abertas, pronta para encarar o perigo.

"CALMA!" – Sully levanta os braços para proteger o rosto, - "Sou só eu!"

"Sully?" – Abaixo os braços, - "Que ideia é essa de ficar assustando?! Virou o Ted agora?!"

"Assustar?! Eu fiquei te chamando faz tempo! Pensei até que ia acabar caindo no lago de tão distraída!"

"Ah... Desculpe." – Olho ao redor. As árvores abraçam a trilha que leva até o lago, que já não está muito longe. A vila, por outro lado, já está distante. Andei tanto assim sem perceber? - "Eu acho que me perdi nos meus pensamentos..."

"Aconteceu alguma coisa?" – Sully começa a andar, agora percebo que ele está sem a bolsa de cartas.

"Não... só estava pensativa mesmo." – Ando ao lado de Sully, olhando o chão por onde piso.

"Pensativa sobre?"

"...você já se sentiu preso numa rotina?"

"Star, eu sou carteiro. Minha vida é uma rotina."

"Verdade. Mas você fica entediado? De saco cheio?"

"Alguns dias, sim. Principalmente quando o Ted resolve que é uma boa ideia mandar o Billy correr atrás de mim. Eu sei que o Billy não vai fazer nada quando chegar em mim, mas ainda dá aquele desespero, sabe?"

Acabo soltando uma leve risada, - "Mas você gosta de ser carteiro?"

"Hm... sim! Não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Por que está perguntando isso?"

"...nada."

"Nada? Star, você quase nunca está cabisbaixa! E quando está, é fome! Pode falar para mim. O que aconteceu?"

Respiro fundo. Sully sempre foi um ótimo amigo, sempre preocupado comigo. Fico feliz em saber que ele se importa, mas...

"Eu... quero fazer algo diferente."

"Como assim?"

"Algo diferente! Eu faço as mesmas coisas todos os dias: Acordo, venho entregar pão para o Frederick, ando um pouco pelo vilarejo, venho contigo passar a tarde no lago, e depois volto para a casa tarde com minha vó reclamando 'Ah, tive que comer o almoço sozinha de novo!'. Por vinte anos!"

"Mas você nunca pareceu infeliz!"

"Não estou dizendo que estou infeliz, Sully! Eu só quero algo... NOVO! Emocionante! De anos em anos alguém novo aparece em Theresa, mas enquanto isso? O que acontece de interessante nessa vila? NADA! É sempre a mesma coisa!"

"Você fala como se o incidente na mina de cobre não tivesse acontecido!"

"Isso, usa meus traumas como exemplo! Mais um motivo para eu querer SAIR DESSA VILA‼" – O brilho nos olhos de Sully parece sumir ao ouvir isso. Rapidamente desvio o olhar e continuo caminhando.

"Você quer... sair da vila?" – A voz de Sully sai trêmula.

"Talvez. Eu não sei." – Olho para ele, sua expressão como a de um cãozinho pidonho, - "Eu só quero algo novo na minha vida. Algo diferente... Só não sei se vou achar isso aqui na vila."

"A gente pode... tentar!"

"Como?"

"Vamos explorar o lago!"

"...Sully, o que um lago tem de interessante?"

"Vamos descobrir, não?" – Sully começa a caminhar mais rápido, me ultrapassando, - "Se não tiver nada, tentamos outro lugar. Até achar algo interessante, que tal?"

Solto um suspiro, e um sorriso. Quem sabe? – "Vamos!"

Voltamos a caminhar, dessa vez correndo. Não demora muito para sairmos da trilha e chegarmos ao lago. O lugar é calmo, a água é azul cristalina, a brisa é deliciosa... um lugar maravilhoso de se passar o tempo. Um bosque abraça o lago, com macieiras lindas e algumas dando até frutos! Folhas bóiam à margem do lago, e as bolhas confirmam que os peixes estão acordados. Sully caminha até o lugar que sempre deixa as varas de pesca, perto de uma das árvores.

"A gente vai pescar?" – Cruzo os braços.

"Hã? Não! É força do hábito..." – Sully dá meia volta e se aproxima, - "Então... O que quer fazer?"

"Acho que qualquer coisa que não seja pescar..." - Ficamos em silêncio, afinal, que opções temos? Nadar não, eu não trouxe roupas. Colher maçãs? Já fizemos bastante isso. Até caçamos sapo nesse lago... ah! – "Já sei!" – Sully arregala os olhos e me encara, - "Que tal a gente ver o que tem dentro do bosque?"

"Explorar o bosque? Tem certeza?" – Sully olha para o bosque, - "E se a gente encontrar algum bicho?"

"Melhor ainda!" – Dou uma leve cotovelada no braço de Sully e começo a andar em direção ao bosque, - "E se algo aparecer, você me defende, que tal?"

"Eu?" – Sully começa a me acompanhar, as árvores fazendo sombra sobre nós, - "Você que solta faísca dos dedos aqui! Não nasci com poderes."

Mostro a língua para o Sully, e continuo caminhando. O bosque é mais fundo do que eu esperava, e as árvores ficam cada vez mais densas. Apenas pequenos feixes de sol conseguem atravessar as folhas. O ar começa a ficar mais gelado, uma sensação ruim começa a subir pela minha pele. Paro imediatamente ao avistar algo que não imaginava encontrar aqui: Uma cabana. Sua madeira é escura, podre, há um buraco no telhado, e a porta está com o trinco arrebentado. Instintivamente levanto o braço para que Sully pare de andar.

"Caramba..." – Sully se aproxima de mim.

"Você nunca me disse que tinha uma cabana no bosque. Pensei que entregava cartas para a vila inteira." – Tento aliviar a tensão de encontrar uma cabana abandonada, totalmente assustadora, no meio de um bosque onde ninguém pode nos ouvir se gritarmos.

"Nunca entreguei cartas aqui... Acho que existia antes dos correios de Theresa chegarem."

"Theresa não tinha correio antes? Como as pessoas se comunicavam?"

"Não sei! Saindo de casa e conversando?! Podemos só ir embora, por favor? Eu mudei de ideia."

"Ora, ora. Não estava querendo ajudar sua amiga a ter um pouco mais de emoção na vida dela?" 

"Eu ainda quero ajudar! Mas precisa ser explorando uma casa dessas?" – Sully dá alguns passos para trás.

Começo a andar em direção a cabana. Engulo seco e preparo a mão para atacar qualquer coisa que possa pular no meu rosto quando abrir a porta. Empurro lentamente a porta, a luz fraca do bosque ilumina o cômodo vazio, salvo por uma lareira, uma poltrona despedaçada, e quadros gastos que com certeza não estão me dando ansiedade.

"E aí?!" – Sully grita, fazendo com que eu me arrepie toda. Viro imediatamente para ele.

"Não tem nada! Pelo menos parece que não..."

Sully se aproxima, todo curvado e andando devagar. Entramos na cabana juntos, a porta fazendo um rangido ensurdecedor.

"Acho que ninguém mora mais aqui..." – Sully comenta, enquanto caminha pelo cômodo. A madeira estala, parece que vai cair a qualquer momento. Ele vai até uma porta à direita, e a abre lentamente, - "Huh... banheiro."

Eu vou até uma porta à esquerda, e abro devagar. Há uma janela que ilumina o cômodo, um quarto, com uma cama de casal completamente destruída, e um berço... aparentemente intacto.

"Parece que morava uma família aqui..." – Me viro de volta para a sala, e percebo um pequeno feixe brilhante vindo de um buraco na parede ao fundo.

"Não estou gostando disso, Star... Acho melhor a gente ir embora. Já ouviu falar em casas mal-assombradas?" – Sully começa a chegar muito perto de mim, agarrando minha roupa como uma criança querendo se proteger.

"Assombrações não existem, Sully..." – Caminho até a parede em que vi o feixe, e noto que uma das várias tábuas que compõe a parede está quebrada, e levemente solta. A agarro e começo a puxar.

"E agora você está perturbando o lugar! Star, vamos embora!"

"Calma, Sully! Eu só quero ver o que é isso..." – Tento puxar com mais força, a tábua está claramente presa.

A porta atrás de nós se abre por completo, batendo na parede e fazendo muito, muito barulho. Em seguida, meu grito e o de Sully tomam conta do lugar. Enquanto eu me viro para a fonte do barulho tentando me soltar de Sully, ele me agarra com mais força ainda. Na porta, uma figura familiar está de pé, nos observando com seu nariz catarrento.

"Vocês estão fazendo SEXO?!" – Ted, e sua voz aguda, começa a entrar na cabana. Billy o acompanha.

"TED!? O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?!" – Com o coração saindo pela boca, levanto a voz mais do que o necessário. Ted não parece se importar. Espera, ele perguntou sobre sexo?

"Eu e o Billy sempre viemos aqui brincar. Vocês sempre estão pescando, então nem percebem a gente." – Ele cutuca o nariz.

"Claro... claro... Melhor lugar para passar o tempo, numa cabana dessas..." - Olho para o Sully. Ele está ofegante, sua pele está pálida. Levo minha mão até seu rosto, ele está suando frio, - "Sully? Alô?"

"O... o que?" – Sully parece sair de um transe, e ao olhar minha mão, logo a agarra, - "Star? O que houve com sua mão? Se machucou?"

Noto que minha mão está manchada de sangue. Logo limpo o sangue com minha outra mão, tentando encontrar o machucado, mas não encontro nada, - "Não... não é meu sangue...." – Olho ao redor, e vejo que a tábua que eu estava tentando arrancar está no chão, com uma pequena mancha de sangue em uma das pontas.

"Que buraco é esse?" – Ted se aproxima do buraco que acabei de abrir, mas Sully logo o agarra e o carrega no colo, - "Ei! Ei, me solta!"

"Ted, melhor a gente ir para casa. Já tá ficando tarde, né, Star?" – Sully começa a caminhar rapidamente até a porta, segurando Ted firme. Ele deve estar em choque...

Sinto cócegas na minha mão, e vejo que Billy está lambendo o sangue dela, - "Billy!" – Limpo a mão na minha roupa e acaricio Billy, - "Nojento! Vamos, seu dono está te esperando.", - Começo a andar para fora da cabana, Billy me acompanhando. Espero Billy sair, e fecho a porta. Um arrepio desce minha espinha mais uma vez. Sinto como se estivesse sendo... observada.

Depois de sair daquela cabana horripilante, eu e Sully ficamos pescando e tentando ensinar a arte da pescaria ao Ted. Infelizmente para ele, até o Billy pegou mais peixes. Quando o sol começou a se pôr, e Ted começou a bocejar, decidimos que já estava na hora de voltar. A volta à casa foi bem mais tranquila do que o esperado. Sully ficou tentando acalmar Ted até que dormisse em seu colo, depois o levou para casa. Me despedi de Sully e fui correndo colina acima.

Chegando em casa, abri calmamente a porta. Minha vó já acendeu as lanternas do corredor e da cozinha. Me aproximo da cozinha e lá estava ela, limpando tudo. Ela se vira e me vê.

"Querida!" – ela deixa a vassoura de lado e caminha até me abraçar, - "Já voltou? Cadê os peixes?"

Retribuo o abraço e caminho até a pia. Pego uma caneca, a encho de água, - "Eu não trouxe nenhum." – e começo a beber.

"Não? Quebrou a vara de pescar de novo?" – Minha vó volta a varrer.

"Não... Só não quis trazer nenhum mesmo." – Olho o céu alaranjado pela janela da cozinha.

"Que estranho... você sempre trás peixe pro jantar, finalmente enjoou?"

"É... Acho que enjoei sim." - Abro um leve sorriso, ouvir isso me deu um alívio. Quem sabe... talvez fazer um pouco diferente a cada dia vai realmente fazer minha vida mudar. Finalmente... minha vida vai começar a mudar.

 Termino minha água e dou um abraço na minha avó. Subo as escadas até meu quarto, fecho a porta e bocejo. Tiro o meu macacão, vou até o guarda-roupas e visto meu pijama. Vou até minha mesa de desenhos e me sento. Estalo os dedos e começo a desenhar o momento mais marcante do meu dia: A cabana assustadora no meio do bosque, comigo, Sully, Ted e Billy ao lado dela. Depois de desenhar, dou mais um bocejo e me deito na cama. Hoje foi... maravilhoso. Não aconteceu nada demais mas... foi diferente. O que será que o amanhã me aguarda...? Só vou saber... 

amanhã...

...

 


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