Evanescência escrita por Little Alice


Capítulo 2
Everybody's Fool


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente, tudo bem? Como prometido, o capítulo da semana.

A música deste capítulo é Everybody's Fool do Evanescence:
https://www.youtube.com/watch?v=jhC1pI76Rqo&ab_channel=EvanescenceVEVO



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Perfeita por natureza
Ícone das próprias indulgências
Justamente tudo o que precisamos
Mais mentiras num mundo que
Nunca foi perfeito e nunca vai ser
Você não tem vergonha? Você não me vê?
Você sabe que engana todo mundo

Um fato não muito curioso sobre Astoria Greengrass era que a jovem de quase vinte anos não se sentia particularmente feliz com a própria vida. De um modo geral, era comum que a filha mais nova do Sr. e da Sra. Greengrass experimentasse momentos de profundo tédio, misturados ao leve desespero de estar se deixando levar pelos acontecimentos com uma passividade bastante assustadora. Àquela altura, entretanto, não achava que alguém no mundo pudesse ser considerado verdadeiramente realizado, embora talvez houvesse graus de satisfação maiores. E em uma escala de zero a dez, ela se encontrava muito perto do negativo.

A música já nem a ajudava tanto. Na realidade, aquilo que Astoria mais amava havia se tornado a razão maior de suas angústias; e o que começou apenas como uma distração insensata e não premeditada se transformava, cada vez mais, em um tipo inesperado de apoio. Era estranho como só conseguia se sentir em paz consigo mesma quando estava com Draco Malfoy. Todos os dias, ansiava por aqueles encontros furtivos na antiga loja de música do Beco Diagonal. Draco a observava em um silêncio contemplativo, enquanto, por pura diversão, Astoria tocava peças que a mãe considerava de má qualidade. E todas as noites, após os recitais exaustivos a que era obrigada a participar, ela desejava encontrá-lo em algum quarto suspeito de hotel para dar vasão a todas as suas frustrações.

As lembranças da última noite ainda dançavam suavemente em sua mente agitada, causando-lhe uma série de arrepios agradáveis, e a garota mal podia disfarçar o sorriso torto quando sua mãe bateu na porta. Astoria estudava, com um interesse desmedido, um pergaminho com o brasão azul da Orquestra Sinfônica Bruxa, mas precisou escondê-lo na gaveta da penteadeira ao ver a figura esbelta de Clarissa Greengrass entrar, com Dafne em seus calcanhares. Pelo reflexo do espelho, pôde ver que a mãe não parecia exatamente contente. Pelo contrário.

— Por que ainda não se arrumou? — acusou-a, com os lábios franzidos em uma linha ríspida. Clarissa andou com passos firmes e pegou o vestido que estava pendurado em um cabideiro, próximo à cama da filha. — Eu disse que tínhamos um almoço importante com a gravadora hoje. Onde passou a noite?

Ela abriu a boca, mais uma vez pronta para assumir que esteve com Draco — um nome que vinha assombrando o Sr. e a Sra. Greengrass há quase três meses e que eles esperavam que fosse apenas um aborrecimento passageiro, um capricho sem grande valor da filha mais nova —, mas fechou ao ver a expressão de súplica no rosto de Dafne. Ela balançava a cabeça, pedindo silenciosamente para que a irmã não começasse algo que desencadearia em uma discussão. Astoria suspirou, levantando-se e pegando o vestido das mãos de Clarissa.

— Quer saber? — a mãe continuou, massageando as têmporas. — Não interessa... desde que isso não comprometa o nosso trabalho. Já que resolveu não me respeitar mais, ao menos deveria respeitar a sua irmã.

— Eu respeito — retrucou, indignada. Se não fosse por Dafne, talvez tivesse desistido de tudo aquilo anos atrás. De toda aquela farsa medonha que viviam. Então, sim, ela valorizava o trabalho da irmã mais velha o suficiente para se comprometer com todos os ensaios, os almoços de negócios, as entrevistas na rádio e os recitais. A questão era que, nos últimos meses, Dafne já não se mostrava tão disposta a continuar. Assim como Astoria.

A mãe, contudo, parecia incapaz de enxergar as filhas. Pa­ra Clarissa Greengrass, as duas meninas não eram mais do que uma extensão de si própria: uma nobre e famosa musicista, que teve uma brilhante carreira no passado — mas amargamente interrompida após uma grave e irreparável lesão na mão direita. De resto, Dafne e Astoria deveriam ser perfeitos exemplares da alta sociedade bruxa. Ambas possuíam uma beleza clássica e uma educação refinada, além de um gosto bastante sofisticado e habilidades extraordinárias. Eram espécimes imaculados de encanto. Sem defeitos e acima de qualquer recriminação. A síntese de tudo o que era amado, venerado e invejado.

Só que, na verdade, não eram.

Apenas fingiam... e fingiam muito bem.


Veja ela chegando
Curve-se e a encare com admiração
Como amamos você
Não existe defeitos quando se está fingindo
De alguma forma, você engana todo mundo

 

Mas Astoria estava cansada de viver tantas mentiras. Ela precisava de algo real e verdadeiro. Precisava ser ela mesma, ainda que isso significasse deixar todos os seus erros expostos ao julgamento de um mundo hipócrita. Durante algum tempo, aquele dueto musical ao qual fazia parte, junto de Dafne, significou algo para ela. Algo bom. Mas à medida que ele crescia, o peso que o envolvia aumentou de maneira vertiginosa, quase esmagadora. O grupo, que nasceu despretensiosamente, se tornou a vida de Clarissa e a mãe passou a controlar a carreira das filhas com mãos de ferro e olhos de lince.

Doía assistir a sua antiga paixão morrer diante dos seus olhos. A música era tudo o que sempre teve e tudo o que sempre amou. Agora, no entanto, não era mais nada. Era só uma obrigação fastidiosa. Dafne era uma violinista talentosa e o reconhecimento lhe caía bem. Mas, há algum tempo, suas prioridades também haviam mudado, provavelmente porque aquele nunca foi o seu sonho duradouro. Ela queria se mudar para os Estados Unidos e queria se casar com Edward Goldstein, um historiador americano com quem vinha se correspondendo há um ano, e não sair em uma turnê pela Europa, como a mãe ansiava.

Apesar disso, a irmã mais velha era certinha demais, obediente ao extremo, e estava acostumada ao posto de filha perfeita. Nunca faria nada por si mesma, nada que os pais desaprovassem. Cabia à Astoria aquele papel.

Cabia à Astoria ter a coragem de decepcioná-los. 

— Não é o que parece. Esse seu relacionamento com... esse garoto Malfoy... não nos trouxe nada além de dores de cabeça. — A jovem quis rir da expressão de desgosto que se formou no rosto da mãe. Os pais se achavam muito superiores à família de Draco, embora não fossem tão diferentes assim. Pura hipocrisia. — E, por favor, Astoria, não use esse tipo de maquiagem vulgar — Clarissa abanou a mão. — Faz você parecer uma vadia qualquer. Já não basta esse corte de cabelo ridículo?

Astoria olhou a própria imagem no espelho. Os seus cabelos castanhos haviam sido cortados abaixo da linha do queixo. Além disso, a jovem ostentava uma franja reta e cheia. Ela gostava de como se parecia agora. Do mesmo modo como gostava daquela tatuagem, no formato de um coração humano, que fora desenhada há duas semanas em seu peito esquerdo. Sua mãe sequer podia sonhar com aquilo. Sentindo o rosto esquentar de raiva, Astoria se virou na direção de Clarissa. Ela não podia mais. Não aguentava mais... E sabia o que precisava ser feito.

— Então tudo bem ser uma vadia, desde que não me pareça com uma? — riu, sarcástica. Ela abriu a gaveta da penteadeira e pegou o pergaminho que havia deixado ali, guardando-o no bolso da calça. Iria aceitar o convite da Orquestra Sinfônica Bruxa. Era sua chance de liberdade. A mãe revirou os olhos, mas a filha não tinha terminado ainda: — Porque estou sendo uma grande vadia no momento e digamos que não estou muito disposta a parar de ser. — Dafne, que observava a tudo impassível, precisou conter um risinho. — E esse garoto é o meu namorado. É melhor você e o papai se acostumarem com isso.

— Aonde pensa que vai? — perguntou Clarissa, quando percebeu que a caçula vestia um casaco por cima das roupas casuais.

— Encontrar o meu namorado.

A verdade é que Draco não era nada dela. O que eles tinham era uma coisa quase que puramente física, confusa e sem nome. Claro, havia os encontros na loja de música, mas ainda assim... Astoria não sabia determinar o que significavam um para o outro. Desde que se conheceram apropriadamente naquele recital, durante o solstício de inverno, e os dois dividiram um cigarro e um beijo rápido, muitas coisas tinham mudado, inclusive dentro dela.

Talvez estivesse se apaixonando. Mas o quão perigoso era aquilo? Os seus pais tinham certa razão, no final das contas. O que poderia esperar de Draco, além de encontros casuais, sorrisos presunçosos e um psicológico fragilizado? Astoria tentava se convencer disso, embora soubesse que aqueles argumentos não passavam de um subterfúgio para não ter que encarar a realidade que os cercava. Ele poderia lhe oferecer muitas coisas, coisas que queria de verdade, e estaria apenas enganando a si mesma se negasse aquilo. Se negasse a verdade que habitava em seu coração. 

Enquanto saia do quarto e descia as escadas da Mansão Greengrass, não olhou para trás. No entanto, assim que chegou ao salão de entrada, não soube muito bem o que fazer. Iria mesmo encontrá-lo assim? Sem aviso algum? Sem um motivo realmente claro? No meio da manhã? Seria uma grande loucura, sabia disso. Porém, não havia outro lugar. Estar com Draco, naquele momento, era o que ela queria. Com um suspiro, Astoria aparatou no quarto dele. O cômodo estava à meia luz, como sempre. Com as cortinas eternamente cerradas para o sol. 

Sentando em uma elegante poltrona vitoriana, o rapaz de cabelos muito loiros e semblante monótono lia um livro de aspecto antigo. Ao ouvi-la, Draco ergueu os olhos acinzentados em sua direção, mas a confusão que estamparam logo foi substituída por um brilho malicioso.  

— Greengrass? — questionou. Como Astoria não respondeu, Draco deixou o livro de lado e se aproximou dela. Os dois se encararam longamente. Ele parecia querer sondá-la e Astoria se sentiu despida de repente, mas não necessariamente desconfortável. Por algum motivo, era como se Draco pudesse enxergar tudo: a sua raiva e a sua decisão. Ela tirou o próprio casaco e o beijou com força. Antes que pudesse guiá-lo até a cama, Malfoy a interrompeu: — Você vai aceitar a proposta da Orquestra Sinfônica Bruxa, é o que isso significa?

Astoria assentiu. Não havia mais volta. Ela iria aceitar o emprego. Draco a olhou com uma admiração desconcertante. Era o mesmo olhar que viu durante o recital, quando tocou aquela canção trouxa. Mas, dessa vez, continha um milhão de significados ocultos.

Significados que ela gostaria de desvendar.

 

Sem essa máscara
Onde você vai se esconder?
Você não consegue se encontrar
Está perdida na própria mentira
Mas eu conheço a verdade
Eu sei quem você é


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?

Eu não fiquei exatamente satisfeita com esse capítulo, mudei várias vezes, mas, bom, era isso ou nada. É um capítulo mais introdutório, mais chatinho, sobre a Astoria. Acho que inclusive essa é a primeira vez que faço ela como alguém mais obediente e que vivia de aparências, mas isso foi necessário por causa da música, eu precisava encaixá-la de algum modo. E de qualquer forma, mesmo ela sendo assim, já havia nela uma centelha de rebeldia que finalmente aflorou de vez. Também é a primeira vez que penso nela tendo um relacionamento até que bastante tranquilo com a irmã, o grande problema da Astoria é mesmo a mãe narcisista que tenta realizar nas filhas o sonho frustrado dela. Ah, outra coisa é que essa história passa por muitos saltos temporais, então algumas coisas ficam apenas subentendidas mesmo.

A tatuagem da Astoria seria algo parecido com isso: https://br.pinterest.com/pin/103090278959080381/?nic_v2=1anDPibfI



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