As Quatro Fases da Lua escrita por Siaht


Capítulo 3
III. lua cheia




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III

{lua cheia}

— fade into you (mazzy star) —

BLACK

Os corpos dos dois formavam uma linha sinuosa, enquanto se entrelaçavam. Era uma noite fria e estrelada. Havia um cobertor velho no chão, uma garrafa de whisky de fogo pela metade, roupas largadas por todo o cômodo. E Sirius Black e Remus Lupin estavam enrolados um ao outro. Aquilo era um erro. Os dois sabiam disso. Ainda assim, a certeza do pecado, nunca os impedira de pecar.

Remus havia adormecido há alguns minutos, a cabeça apoiada no peito de Sirius que, conhecendo o sono leve do rapaz, mal ousava respirar. Não queria despertá-lo. Não após a semana miserável que tivera. Não com a lua cheia tendo deixado o céu há apenas três dias. Os machucados ainda estavam frescos na pele pálida do garoto. Hematomas recentes se misturando em roxo, verde e amarelo ao bege pálido de velhas cicatrizes. Sirius sabia que um toque errado seria suficiente para adicionar o escarlate do sangue àquela pintura tão deprimente. O corpo de Remus era a aquarela de sua agonia. E o Black daria tudo o que tinha para poder tingi-lo com outras cores.

Sirius nunca havia sido delicado. Fora criado entre arestas e ângulos tortuosos. Era oblíquo e áspero. Bruto e rude. Overdose de whisky de fogo e café amargo na manhã seguinte. Mas Remus o fazia desejar ser doce, ser bom, ser suave. Então, ele segurava o amigo – que não era apenas um amigo há muito tempo – e sentia que jamais teria algo tão precioso em seus braços. E implorava a um Deus, no qual não acreditava, que o ajudasse a fazer algo certo uma única vez em sua maldita vida.

Sirius fora feito para quebrar. Nascera para destruir. A mãe lhe dissera isso incontáveis vezes. O pai também. Assim como seu irmão e qualquer um naquele circo de horrores que o rapaz um dia chamou de família. Não era uma mentira. Ele fora enviado ao mundo para estilhaçar tudo o que encontrasse pela frente e deixar que os cacos de vidro se espalhassem, causando ainda mais dor e ruína. Mas já estava cansado de ser assim. Exausto de destroçar tudo o que tocava.

Acima de tudo, não queria machucar Remus. Não queria destruir aquela coisa sem nome, porém tão sublime que havia entre os dois. Porque deitado naquele cobertor velho, entrelaçado a um lobisomem cheio de cicatrizes, ele finalmente sentia paz, ele finalmente entendia o amor. Havia luz em sua vida, afinal. E Sirius Black não queria perdê-la.

LUPIN

Aquilo era insanidade. A mais pura e visceral insanidade. E, mesmo assim, ele não conseguia se convencer a parar. Remus Lupin conseguia ver o fim, enquanto aquele relacionamento começava. E o fim era sempre uma tragédia. Mas ali estava ele novamente. Um viciado que voltava todas as noites para mais uma dose da droga que iria destruí-lo.

Sirius Black era um vício. Uma infecção. Um pecado mortal. O rapaz sabia disso. No entanto, nada disso parecia importar quando os dois estavam juntos. Não importava, quando se sentavam lado a lado e dividiam um cigarro em silêncio absoluto. Não importava quando conversavam por horas sobre a vida, o universo e tudo mais. E definitivamente não importava quando se despiam de qualquer defesa e se tornavam um único emaranhado de pele, suor e traumas.

Enquanto estavam juntos, a rotação da Terra parecia parar, o tempo congelava, todos os seres humanos desapareciam e não havia nada além dos dois e dos instantes mágicos que compartilhavam. Bastava se separem, contudo, para que as dúvidas voltassem a se infiltrar na mente de Remus. Bastava se encontrarem em um cômodo lotado, para que Lupin soubesse que estavam condenados. Destinados a quebrar que não havia nada que pudesse ser feito sobre isso.

Porque eles vinham de mundos diferentes e, por isso, viam o mundo de formas diferentes. Sirius era aquela estrela brilhante e incendiária que consumia tudo ao seu redor e Remus sabia que, se permitisse, o rapaz o consumiria também. Era o que acontecia sempre que estavam juntos, afinal. Bastava um toque do Black para que ele se perdesse. Para que se deixasse queimar.

Às vezes Lupin achava que Sirius só o amava, porque ele era quebrado. Uma criatura de lamentos, hematomas e cicatrizes. Algo frágil, despedaçado e além do reparo. Um reflexo de tudo o que o próprio Sirius era por dentro. O Black jamais admitiria algo assim em voz alta, mas Remus sabia. Sabia, porque, embora odiasse que essa fosse a verdade, se sentia de forma muito semelhante.

Via em Sirius um reflexo de sua própria insanidade. Toda a impulsividade, a loucura, o desejo, o ódio e a destruição que ele tentava reprimir diariamente. O monstro contra o qual lutava todos os dias. E que, ainda assim, ganhava vida toda lua cheia, para um anoitecer de dor e desespero, mas também de liberdade, prazer e júbilo que ele odiava sentir, mas sentia.

Sirius Black tinha o dom único de fazer com que Remus Lupin sentisse que toda noite era noite de lua cheia.


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