O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 63
∾ Esse amor nunca esteve quebrado, apenas silenciado.


Notas iniciais do capítulo

Oioi, meus amores! Sinto muito pela demora e dessa vez sei que demorei pra valer... As coisas no serviço estão bem puxadas e, nossa, quando você trabalha na frente do computador de segunda à sábado, acaba que fica muito cansativo mexer em computador quando se está em casa mesmo que seja pra fazer o que a gente gosta.

Bem, mas aqui está: antes tarde do que nunca ♥



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Era o tipo de dia em que tudo parecia estar dando errado. 

O dia havia sido tão estressante quanto longo no trabalho. As horas pareciam se estender além do necessário, mantendo Nirav preso no escritório pelo que pareceu uma eternidade. Seu único respiro fora, quando após a pausa para o café, receber uma mensagem inesperada de Juno no celular, direcionando um link para uma música que, segundo ela, a fazia lembrar dele. 

“Achei sem querer e me faz pensar em você”, a mensagem dizia seguida de um rostinho sorridente. “Espero que goste.” 

Ele gostou antes mesmo de ouvir, apenas pelo simples fato de fazê-la lembrar dele. E quando teve a oportunidade de ouvir o som, não fez outra coisa além de escutar a mesma música até o fim do expediente. Era simples, com um ritmo popular e cativante, uma batida empolgante e letras que descreviam um encontro em um fim de tarde em que nenhum dos dois personagens principais queriam ir embora. E assim como a música lembrava Juno de Nirav, também passou a lembrar Nirav de Juno. 

No fim do expediente, Nirav já conseguia cantarolar o refrão da música usando apenas a memória enquanto murmurava a melodia com sons nasais, irritando seus colegas de trabalho com a infinita repetição. 

Era tarde quando conseguiu se livrar do trabalho. Ao chegar no estacionamento da empresa, ele checou o relógio de pulso só para confirmar o que já desconfiava: estava atrasado. Logo que encontrou seu carro, também encontrou com Alice andando tão apressada quanto ele. 

— Boa noite — ela se despediu dos demais colegas, assim como dele. 

— Está indo para o jantar? Posso te dar uma carona, estamos nós dois atrasados, para variar.

Alice suspirou, meneando ao passar a mão sobre a franja na testa. 

— Eu adoraria ir, mas tenho que encontrar com minha mãe. É aniversário do meu pai. — Alice respondeu e uma recordação estalou em sua memória, confirmando a informação. — Infelizmente, uma mensagem de despedidas vai ter que bastar para Lou. 

— Ela vai entender, eu sei que vai — ele sorriu. — Mande os parabéns para o seu pai. 

— Eu agradeço! Dê minhas desculpas sinceras a Louise. E divirta-se. 

Com um aceno de cabeça obediente que a fez rir, ele entrou no carro. Conforme o tempo passava, as coisas encontravam seu rumo naturalmente. E agora já não parecia mais haver conflitos entre ele e Alice, eram apenas colegas de trabalho que, de quando em quando, participavam das festas da firma e de bebedeiras pós-expediente. E era o suficiente. 

Logo que chegou em casa, depois do que pareceu uma eternidade, arrancou todas as roupas de serviço e, deixando-as pelo chão, correu para o banheiro tomar seu banho. Nada melhor do a sensação da água gelada escorrendo desde sua cabeça até seus pés para aliviar a tensão e o cansaço. Mas, ao permitir-se levar no conforto do banho, quase esqueceu-se da hora. Saindo do banho, após vestir a kurta azul-marinho e calças beges com sapatos leves, percebeu quão atrasado estava. Recuperando as chaves do carro junto com o celular, ele apagou as luzes como se fosse o suficiente para fazer a bagunça sumir. Espero que Juno não repare na bagunça, pensou. Mas ela nunca reparou, não de verdade. 

A noite começava a cobrir Florencia de uma ponta a outra. A lua erguia no céu junto com suas fiéis companheiras, as estrelas. E o horário de pico parecia ter se estendido por toda a noite. Nada mais andava, o tráfego simples de Florencia tornara-se um longo corredor de engarrafamento. Todo mundo e a mãe deles resolveram sair mais tarde do serviço, pensou Nirav. E como não podia fazer nada, além de esperar, recorreu ao som do carro onde conectou o celular para tocar a música que escutou o dia inteiro. 

Tamborilando os dedos no volante, antes de seguir o fluxo interminável de carro, Nirav notou na silhueta familiar que tentava se arriscar a atravessar de qualquer forma no meio dos carros engarrafados. Tão atrasada quanto perdida, Juno entrelaçava os carros em um labirinto confuso e apressado, tentando chegar do outro lado da avenida no centro da cidade. Tinha acabado de sair do serviço e ainda trajava as roupas sociais costumeiras de seu serviço com os cabelos comportadamente presos. 

Conseguiu adiantar o carro até onde ela estava parada, entre uma moto e uma camionete, e buzinou alto de propósito. Juno pulou de susto, fazendo-o rir. 

— A moça não devia ficar no meio da rua assim — advertiu-a com uma voz forçada ao abrir a janela do carro. 

Juno estava preparada para xingá-lo com seu melhor palavrão, quando reconheceu seu rosto apontando do lado de fora. Um sorriso de alívio cresceu em seu rosto e ela veio correndo ao seu encontro, recebendo outras buzinadas pela imprudência. 

— Idiota! 

— Sai da rua, sua doida — ela o obedeceu com pressa, adentrando no carro logo em seguida. 

O beijo veio como uma adorável surpresa, roubando-lhe o fôlego por um instante. 

— Você ainda vai me matar de susto... — logo que começou a dizer, percebeu que ambos estavam em situações bem parecidas. — Já está na hora, não é? 

Nirav olhou o relógio. 

— Na verdade, já está na hora há uma hora e meia atrás. Achei que já estivesse lá. 

— Estava tentando chegar lá, mas não sei se vou conseguir... — deu um suspiro cansado, então reparou na música. — É a música que te mandei! Você realmente ouviu e... gostou? 

Por algum motivo, ela parecia quase abobada com aquilo. Seus olhos cor de avelã brilharam em sua direção. 

— Não fiz outra coisa o dia inteiro. 

Juno sorriu ao fingir uma careta. Quando a fila de carros retomou sua lenta marcha, ela suspirou: 

— Minha nossa, já estão todos lá esperando! E eu nem tive tempo de ir em casa. Precisava me arrumar... 

— Sabe que não vai dar tempo. 

— E quer que eu vá assim? — assim que ele abriu a boca para argumentar, ela ergueu um dedo prevendo o que iria falar. — Não me diga que estou bonita assim, não conta! 

Rindo, ele a olhou rapidamente, sem perder atenção no trânsito - embora fosse difícil tirar os olhos dela. 

— Qual é, Juno, ninguém vai reparar que não tomou banho. 

— Olhe só para você, está como um príncipe e tão cheiroso! — ela apontou para suas roupas e seu cabelo lavado. — E eu parecendo um trapo! E não, não tomei banho mesmo. Imagina chegar lá fedendo? 

— Deixe eu checar. 

Aproximando-se, ela revelou o pescoço para ele, que roçou a ponta do nariz em sua pele, sentindo seu cheiro. E o cheiro dela era bom. O cheiro de shampoo impregnado nos cabelos de sua nuca, o resquício do perfume que usava pela manhã e o cheiro característico de sua pele que o fazia lembrar de um jardim florescido na primavera. 

Uma pena estarem em trânsito, pois tê-la assim tão perto sem poder nada fazer era uma espécie de tortura. Mesmo com a buzinada do carro anterior por ter diminuído a velocidade, Nirav tomou um tempo para roubar-lhe um beijo no pescoço que a deixou arrepiada. 

— Eu posso ser suspeito de dizer, mas eu realmente gosto do seu cheiro. 

Com os dedos sobre o local de seu beijo, ela sorriu sem jeito. 

— Vou acreditar em você dessa vez — embora ela acreditasse toda vez. — Será que consigo fazer algum milagre? 

— Ainda temos um bom caminho. E o trânsito não ajuda. Estou preso há um bom tempo e você está presa comigo. 

— Não me parece um cenário tão ruim assim — abriu um sorriso malicioso. 

Abrindo o protetor de luz solar do carro, ela se encarou no pequeno espelho disposto, revezando com o retrovisor. Então, soltou os cabelos daquele nó apertado, desembaraçando e alinhando com as pontas dos dedos ágeis. As ondulações escorreram por seus ombros, cobrindo-os com o tom castanho brilhante. Jogou-os de um lado para o outro, dando movimentos aos fios que passaram o dia todo imóveis. 

Enquanto ela se arrumava, exibindo toda a sua beleza, era difícil manter seus olhos atentos ao trânsito. Juno emanava uma luz da qual era difícil desviar a atenção, por mais cegante que pudesse parecer. Cada parte dela era um apelativo as suas próprias partes e sentia uma necessidade extrema de admirá-la como se um quadro fosse, sem sequer piscar, para não perder detalhe algum de sua beleza. 

Ela dobrou as mangas da blusa social até os cotovelos, abriu dois botões revelando mais o colo de seu decote e enfiou a blusa parcialmente para dentro da calça, a qual dobrou até os tornozelos. Um riso bobo escapou de seus lábios ao vê-la se contorcendo no assento do carona. 

— Precisa de ajuda? 

— Uma mãozinha seria ótima! — brincou com deboche. 

— Eu tenho duas. 

— Que estão ocupadas. — ela acertou um tapa em seu braço de brincadeira. 

— Bem ocupadas, muito bem. 

Eles riram e, de propósito, ela ajeitou o sutiã só para provocá-lo. Mordendo o lábio, ele manteve o foco na estrada em sua frente. Estavam quase chegando, mas torcia que demorasse um pouquinho mais. Só mais um pouquinho. 

— Já é um bom começo, não acha? — piscou em sua direção com um sorriso zombeteiro. — Mas parece que ainda falta alguma coisa. 

— Vocês nunca estão satisfeitas — implicando, ele abriu o porta-luvas para ela. — Procure aí dentro, tem algum batom da Alice perdido por aí, acredito. 

Com uma exclamação contente, Juno fez o que lhe foi sugerido. Depois de remexer todos os papéis do carro, ela encontrou uma pequena cápsula preta e a destampou, revelando um vermelho vivo feito sangue. 

— Uau! — ela riu, admirando a cor. — Nunca imaginei Alice usando um tom desse. 

— Ah, é só mais um de centenas que ela comprava e nunca usava. 

Juno contornou os lábios com aquele vermelho vibrante e, de repente, tornou-se ainda mais irresistível. Olhando a si mesma no espelho, deu-se por satisfeita. 

— Quando eu pensei que não pudesse amar mais você... — ela murmurou, abrindo um largo sorriso com sua boca vermelha. — E então? 

Nirav a olhou. E a olhou como deveria ser olhada. Admirou-a intensamente. Os cabelos ondulados soltos sobre os ombros. O batom vermelho colorindo sua boca grande, combinando com seu desejoso decote. Uma visão de tirar o fôlego. 

— O que foi? — perguntou diante do seu silêncio. 

— Você está linda. — então, sorriu com maldade. — Está linda, mas tem batom nos seus dentes. 

— Ah não! — franziu o cenho, retornando ao pequeno espelho, inspecionando-se sem parar. — Sério? Aonde? 

Nirav não aguentou e riu, entregando-se. 

— Está tirando com a minha cara? É isso? 

— Não, é sério! — apontou para a boca de Juno. — Bem aí, no lado esquerdo, pode ver! 

— Não estou vendo nada. 

— Olhe direito. 

— Nirav! 

Ela o empurrou, percebendo enfim a brincadeira. Ele gargalhava. 

— Eu vou te bagunçar toda de novo — avisou-a. 

— Nem ouse. 

Mantendo uma das mãos no volante, a outra levou até Juno, que tentou se defender, encolhendo-se no assento. Nirav fingiu bagunçar seus cabelos, escutando-a arfar com a brincadeira, afastando sua mão enquanto dava risadas. Por fim, ela segurou seus dedos e entrelaçou com os próprios, mantendo sua mão ocupada com a dela. 

Quando chegaram, conseguiram uma boa vaga no estacionamento do restaurante. A noite já avançava e o movimento se intensificava. Saindo do carro, após trancá-lo, ela estendeu-lhe a mão para que fossem de mãos dadas. Ele a puxou ao seu encontro, de repente. 

— O que está fazendo? Estamos atrasados. 

— Não sabe o quanto quero borrar esse batom. 

Sem deixá-la respirar, beijou sua boca com intensidade. Sentir os lábios dela contra os seus era um vício que não se importava de ter. Jamais se cansaria daqueles beijos, daqueles suspiros, daqueles sabores. 

Assim que ela se recompôs do beijo, seguiram de mãos dadas para o restaurante, onde seus amigos esperavam desde cedo. E não adiantou argumentar sobre o trânsito ou serviço, ao ver a boca avermelhada de Juno a resposta para o atraso virou motivo de piada. 

 

 

 

Era estranho uma reunião como aquela sem Hester e Theo, muito embora soubesse que ambos continuavam aproveitando a lua de mel. Mesmo assim, a mesa pareceu um pouco vazia durante toda a noite, estando somente Juno, Nirav, Helena, Sarah e Louise. Ou talvez fosse apenas a sensação de se despedir de mais uma amiga. 

Conforme a hora foi passando, o assunto ia morrendo aos poucos, já sabiam que era o momento da despedida final. Juntos, caminharam pela cidade até a rodoviária de onde o último ônibus no último horário partiria em alguns minutos. Louise até recusou a companhia, disse que iria sozinha, mas todos insistiram. Não só pela necessidade de gastar as calorias consumidas pelo macarrão com molho branco e camarão, também porque queriam aproveitar até o último instante antes do último adeus. 

Era por oito meses, ou seja, apenas por alguns meses. Assim que dessem conta, Louise estaria de volta cheia de novas receitas, uma ampla experiência e um cargo de chefe. Valia a pena sentir a saudade amargando no peito e doendo na alma. Juno estava orgulhosa da amiga, do quão longe tinha chegado, porém, parte sua queria se agarrar a ela e dizer “fica, só mais um pouco, fica”. Não teve coragem, no entanto, pois sabia que ela ficaria caso pedissem. 

Enquanto esperavam junto com ela pelo ônibus que a levaria até a cidade vizinha, onde havia o avião que a levaria para o intercâmbio, Sarah e Helena desenrolaram um pequeno presente. Todos eles, exceto Lou, tentaram descobrir algo que pudessem dar a amiga que a fizesse sempre se lembrar deles e que “não fosse muito brega”, segundo Helena. E parecem ter acertado. 

Uma pequena ampulheta presa a um cordão. Não era usável como adereço, apenas um objeto a ser guardado como uma relíquia. Um lembrete. Conforme os grãos caíam, iam traçar o período dos oito meses em que Louise estaria fora. E quando os grãos terminassem de cair, seria a hora de voltar. 

Esperaram até que o ônibus chegasse e, assim que Louise subiu no primeiro degrau, Helena virou a ampulheta de ponta cabeça para que o tempo começasse a correr. 

— Não vale virar de volta, está bem? — disse a amiga, um tanto emocionada. 

— Você nunca vai saber! 

— Eu vou, Louise! Eu vou, na minha alma, lá dentro, eu vou saber! 

Com risadas misturadas em lágrimas, eles se abraçaram e, por fim, despediram-se de Louise. Enquanto o ônibus partia, deixando os quatro para trás, Helena encostou a cabeça nos ombros de Juno, que a abraçou com força. 

— Espero que ninguém mais esteja planejando partir... — resmungou Helena, rabugenta pela despedida. 

— Estamos aqui — Juno murmurou, ainda abraçada a ela. — E vamos ficar. 

Mais tarde, decidiram afogar a mágoa da despedida em um bar perto da rodoviária. A bebida era cara e amarga, mas era o suficiente para deixá-los animados. Após convencerem Nirav a deixar o carro dele para trás, como se mero objeto fosse, ergueram os copos cheios de um drink azulado e fizeram um brinde em nome daqueles que partiram. E outro em nome daqueles que ficaram. 

— Um brinde a nós quarto — exclamou Helena. — Os últimos românticos de Florencia! 


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Notas finais do capítulo

Ai, acho uma delícia trazer esses capítulos dos dois se curtindo, mas não nego que me bate uma invejinha.... afinal, quem não queria estar assim não é mesmo? ♥



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