O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 41
∾ Pois o amor é feito para aqueles que sempre tentam de novo.


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá! Como estão? Espero que preparados, pois esse é um capítulo muito especial ♥

Bem, antes gostaria de fazer um aviso prévio. Não tem nada confirmado ainda, mas é provável que eu tenha fazer uma viagem na próxima semana para resolver umas coisas e talvez isso atrase alguns capítulos. Porém, contudo, entretanto, todavia... Nada muda, a história segue apesar dos atrasos. Não se preocupem, a gente tarde mas não falha. Até porque já estamos quase na reta final!

Enquanto eu estiver fora (se de fato eu tiver de viajar), vou estar trabalhando no roteiro dos capítulos futuros e o que eles reservam pra gente. A história não para, isso eu garanto!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793402/chapter/41

Uma brisa fresca corria pelas árvores do bairro, agitando suas copas repletas de folhas novas de um verde escuro e intenso. Os últimos raios de sol estendiam-se atrás das casas simplórias, erguidas uma ao lado da outra, ao longo de toda a rua. O céu estava em tom de roxo, laranja e cinza e já era possível ver as primeiras estrelas começando a brilhar. Era um anoitecer agradável, de clima abafado e tempo limpo. Em breve, uma lua iria ornamentar todo o céu. 

Dentro de uma dessas casas, camuflada entre as demais, as paredes estavam cheias de risinhos enquanto Juno conduzia Octavia com cuidado ao manter seus olhos tapados. 

— Opa, cuidado! — Juno a segurou com delicadeza. — Cuidado com o degrau, levante o pé, isso! 

Octavia fez o que era pedido, mantendo-se apoiada na sobrinha. Tinha os olhos vendados pelas mãos delas, por isso precisava seguir suas instruções com atenção. 

— Ah, está me deixando nervosa, filha.

Juno sorriu, já adentrando na cozinha junto com ela. 

— Já estamos quase lá, não se preocupe! 

Também estava nervosa, porém um nervosismo bom, que há tanto tempo não sentia. Ter tido o árduo trabalho de mantê-la longe boa parte do dia enquanto arquitetava todo o seu plano, fez Juno se sentir como uma adolescente outra vez. Era como estar participando de uma brincadeira. E a tensão de descobrir se tinha dado certo fazia seu coração se acelerar, preenchendo-a com uma ansiedade que se expressava ao mundo como o sorriso largo em sua boca. 

Quando chegou na cozinha, segurando a tia pelo rosto, percebeu que era a hora. Diante delas, estava o grande segredo. 

— Surpresa! — Juno gritou ao mesmo tempo que descobria seus olhos. 

A mesa da cozinha estava repleta de doces. Doces feitos que a própria Juno havia feito e que levaram todo o dia para serem confeitados. Não eram muitos, como em um banquete, o suficiente para encher os olhos e a barriga. Bandejas com frutas caramelizadas, vasilhas cheias de doce de amendoim e chocolate e mais pratos com biscoitos de massa caseira. No centro, um belo bolo redondo e alto de chocolate com baunilha, decorado com flores, esperava para ser cortado e servido. 

Ansiosa, procurou o rosto de Octavia para descobrir o que estava sentindo. Ela tinha as mãos sobre os lábios, ocultando o grande “Oh” que se projetava de sua boca surpresa. Octavia piscou, passando o olhar da mesa para a sobrinha e de novo para a mesa, como se não conseguisse crer no que estava diante dela. 

Na sua falta de palavras, Juno pôs as mãos sobre seus ombros. Nunca tinha percebido que era mais alta, ainda que por poucos centímetros. 

— Feliz aniversário! — sua voz estava trêmula de excitação e quase não conseguia se manter parada no lugar. 

Era a primeira vez que fazia algo do tipo. Uma surpresa de aniversário era algo que sempre esteve longe do seu alcance. Fosse em sua própria data, fosse da data de sua mãe. No início, até houve uma comemoração ou duas, contudo, o tempo e a doença roubaram-na até isso e, no fim, já não havia mais o que comemorar. 

Entretanto, agora, tudo era um motivo a mais para ter o que festejar. Por isso, quando a data no calendário chegou, Juno inventou mil e uma desculpas para manter Octavia longe. Deu-lhe até parte de seu suado dinheiro para escolher um presente qualquer na rua, para que ela não desconfiasse de seu verdadeiro plano. Então, passou boa parte da manhã e da tarde na frente do fogão, suando e tremendo enquanto lia demasiadas receitas e torcia para que, pelo menos, não colocasse fogo na casa. Não era o tipo de surpresa que gostaria de dar no aniversário de sua amada tia. Olhando agora, vendo a mesa composta por tantos e variados doces, sentia-se orgulhosa. E nem um pouco cansada do esforço. 

— Você fez isso tudo para mim? — Octavia estava incrédula, sequer conseguia piscar direito. Aproximou-se a passos lentos da mesa, quase sem coragem de tocá-la. — Como fez tudo isso? 

— Um mágico nunca revela seus truques! — respondeu, exultante, com um sorriso a brilhar em seu rosto.

Octavia rodou a mesa, olhando cada prato e admirando o bolo. Juno percebeu que tinha as mãos com leves tremores e esperava que fosse de emoção. E desconfiava que se ela derramasse uma lágrima, não iria conter-se também. Estava tão emocionada quanto ela. 

— Espero que goste, tia — murmurou, se aproximando. — Eu não sabia o que te dar de presente e não queria dar qualquer coisa. Então, resolvi inovar. 

A tia pousou as mãos sobre o próprio peito, soltando um suspiro e olhando para a sobrinha com os olhos tão brilhantes como uma pedra preciosa. Juno manteve a postura, segurando as mãos nervosas atrás do corpo e estalando os dedos. Seus cabelos estavam tortos e bagunçados numa trança espalhafatosa. Sua roupa estava com manchas de massa e recheio, tinha até uma pétala de flor presa na gola da blusa preta. E estava descalça. Não teve tempo de se trocar quando sua tia chegou, tão afobada, e não vestia uma roupa adequada para comemoração. Octavia não pareceu se importar com seu estado. Afinal, estava estampado em cada pequena parte sua o esforço que fez para agradá-la. 

Ela se aproximou da sobrinha, segurando seus braços. Depois, tocou seu rosto e ajeitou uma mecha de seu cabelo. 

— Eu não tenho palavras para te dar, minha querida. — disse com carinho, voltando-se para olhar a mesa. — Isso tudo é... incrível! O melhor presente que eu poderia ganhar. 

— Então, está servida? — Juno indicou a mesa para que se sentassem. 

Mesmo depois de se sentar, Octavia parecia atordoada com a surpresa. Não sabia bem por onde começar ou se deveria começar. Em seus olhos, o nervosismo de estragar tudo aquilo com o mero toque seu. Juno precisou encorajá-la para dar o primeiro passo e ela não se acanhou mais. Seu primeiro alvo foi logo o bolo. Servindo-se de um pedaço generoso, Juno sorriu. Também teria sido sua primeira escolha. Todos os outros doces poderiam esperar para depois, mas seria um desperdício encher a barriga e depois não conseguir provar um pedaço que fosse do bolo. 

Ambas se serviram de pedaços generosos, entretanto, Juno preferiu esperar que Octavia fizesse as honras. Enquanto a esperava, manteve o queixo apoiado nas mãos, com os cotovelos na mesa, como uma garotinha esperando o elogio de uma mãe. O cheiro de chocolate misturado com a baunilha dominou toda a cozinha, fazendo-a arquejar. Que o sabor estivesse tão bom quanto o cheiro. 

Em silêncio, sua tia abocanhou a primeira garfada e demorou para dizer qualquer coisa. Juno já sacudia a perna esquerda em ansiedade quando Octavia passou a língua sobre os lábios e disse: 

— Sabe, bolo de chocolate nunca foi meu preferido... 

Juno arqueou as sobrancelhas, deixando a boca entreaberta. 

— Ah, não! Não me diga... — seu sorriso murchou. — Está brincando? 

— Não. — respondeu, então abanou as mãos com uma risada. — Mas este aqui acaba de me fazer mudar de ideia! 

Ela revirou os olhos, escutando a risada da tia, que se divertia com seu desespero. Sem mais delongas, acompanhou-a com as garfadas, enchendo a boca com gordos pedaços de bolo. E estava tão bom. Além do gostoso sabor do doce, a doçura também era preenchida com orgulho. Tinha feito outros bolos antes, embora nenhum como aquele. Ou com o mesmo significado. 

— Como é aquele ditado que costumam dizer para quem cozinha bem? — Octavia perguntou, limpando a boca com as costas da mão. 

Juno levantou o olhar do prato até ela, emitindo um ruído nasal. 

— Espero que não seja o que estou pensando. 

— Já pode se casar! — ela estalou os dedos assim que se lembrou, apontando para a sobrinha. — Você já pode se casar! 

— Nem ouse brincar com uma coisa dessas. — balançou a cabeça, abocanhando outra garfada de bolo. 

Octavia a observou com um olhar suspeito. 

— Não quer se casar? Pode se surpreender. 

— Bem, considerando minha última experiência de quase casamento... — fez uma careta. — Eu não teria tanta certeza. 

Elas riram, um riso nervoso, não desprovido de divertimento apesar disso. 

— Fico feliz que não tenha se casado com ele. — ela piscou em sua direção ao mesmo tempo que roubava uma fruta caramelizada. 

Juno anuiu, escolhendo pegar um doce de amendoim que estalou entre seus dentes. Talvez mais duro do que deveria. 

— De qualquer forma, assim como não tenho planos, muito menos tenho algum pretendente. 

— Ah, não diga isso. Você não sabe. — sugeriu com tom provocativo, mastigando a fruta com um semblante satisfeito. — Você não mudou quase nada, não é, mocinha? 

Juno deu um sorriso tímido, adiantando-se para outro doce na tentativa de evitar o assunto. Contudo, o assunto não a deixou passar despercebida. 

Deu por si considerando a ideia. Alguém com quem dividir um momento como aquele. Para segurar a mão, aproximar o corpo e encontrar calor. Compartilhar segredos, sorrisos e beijos. Dividir um teto e um colchão. Ter alguém com quem passar os dias até o inevitável fim. Assim como Hester e Theo encontraram um só destino em dois. A ideia não parecia tão ruim pensando dessa forma. 

Imaginou Elio. Era quase fácil imaginá-lo com seu rosto sardento, os cabelos ruivos e a barba fogosa. Os olhos azuis tão brilhantes, parecendo um profundo mar. E o seu sorriso fácil combinado com seu jeito atrapalhado. A essa altura, teria derrubado alguns doces da mesa e estaria pedindo demasiadas desculpas com sua voz gaguejada. Arrancaria os risos divertidos de sua tia, que daria palmadinhas em suas mãos, dizendo para não se preocupar. Juno até passaria a mão por seus cabelos, sentindo os fios acobreados deslizando por seus dedos. Mas todas as vezes seus cabelos tornavam-se escuros e cacheados. Todas as vezes que tentava imaginar Elio, era o rosto de Nirav que via. 

Era difícil não imaginar a cena. No fundo, adoraria que ele estivesse ali, comemorando com sua tia. Estaria sentado ao seu lado, comendo do bolo que havia preparado, provocando com algum comentário sarcástico e pedindo mais um pedaço para poder avaliar melhor. Então, conversaria com Octavia sobre o passado. E Juno saberia o quanto sua tia adorava tê-lo ali. Ela o contaria alguma coisa sobre Leo e ele completaria com uma piada interna, de algum momento que compartilharam. Juno apenas escutaria, satisfeita em desvendar um pouco mais da história dos dois. A saudade os levaria de volta até Abigail e, quem sabe, até Olivia. 

Pensar em sua mãe fez perceber que o sorriso bobo e desavisado que ocupava seus lábios tinha, de repente, desaparecido. O doce em sua língua amargou quando se lembrou dos momentos que nunca teve com ela. Viveu a sua vida inteira com alguém que nunca teve a chance de aproveitar. Eram completas estranhas uma à outra. Poucos sorrisos sorriram juntas, poucos momentos dividiram e nenhum como aquele, que agora dividia com a irmã dela. E quantas vezes desejou tê-la ainda que só por um instante a mais. Perguntou-se qual seria a sua reação a uma surpresa como aquela, se adoraria seus doces, se sujaria a boca, se comeria até enjoar, se a elogiaria, se riria... 

— O aniversário dela é daqui alguns dias... — murmurou quase sem perceber. Ao pensar sobre o assunto, tinha se recordado que o aniversário da mãe não estava tão distante. 

Não precisou explicar para que Octavia entendesse sobre quem falava, embora ela tenha demorado um bom tempo para responder. 

— Eu odiava fazer aniversário tão próximo do dela. — comentou com casualidade, fazendo uma careta ao se recostar na cadeira de madeira. Seus dedos brincavam com a toalha da mesa. — Depois que nasci, decidiram juntar as datas. E por mais que o meu viesse antes, a preferência era sempre dela por ser mais velha. 

Juno a estudou com cuidado, estudando suas palavras. Não sabia o que responder. Sua mãe nunca contava quase nada sobre a irmã, exceto sobre o rapto. Era quase estranho escutar Octavia falando agora, soava como se estivesse se intrometendo em uma história proibida, que não lhe pertencia. Mesmo assim, escutou. 

— Era como se eu não importasse tanto quanto ela. E eu tinha tanta raiva. — prosseguiu sem erguer os olhos para Juno. — Mas quando morava com meu pai, o aniversário era só meu. E os melhores momentos que tive com ele foram os aniversários, porque eram só meus. Não tinha que dividir a atenção com ninguém. — o tom da culpa banhava sua confissão, tornando sua voz afetada. Ela, enfim, ergueu os olhos de encontro aos seus. — Não posso culpar a minha imaturidade da época, só que hoje em dia é difícil não me culpar. Eu adoraria dividir o aniversário com ela, uma vez mais. 

Deu-lhe um sorriso compreensivo, carregado de conforto. Não era a única a ter arrependimentos e culpas. No fundo, sempre haveria um detalhe ou outro que alguém gostaria de mudar para adiar o inevitável, ou ao menos torná-lo menos doloroso. 

— Ela nunca quis comemorar aniversário algum — contou à tia, levando o olhar para o bolo. — Quer dizer, no início, ainda gostava de comemorar os meus. Depois nem isso. Sempre que eu tentava dar presentes, fazer qualquer celebração, ela zangava comigo. Nunca entendi, mas imagino que seja por sua causa. Agora penso que, talvez, ela não se sentia no direito de comemorar o aniversário sem você. 

— Bom, eu tenho certeza que ela adoraria ter uma surpresa como essa. Mentirosa seria se ela torcesse o nariz. — ela deu uma risadinha, batendo na mesa numa tentativa de afastar as lamentações. — Se me visse agora, como teria inveja! 

Juno soltou um riso, concordando. 

— Fico feliz que tenha gostado, tia. Queria fazer um dia especial. — como não pôde fazer para a própria mãe. 

— E conseguiu, minha querida. Conseguiu mesmo. — ela estendeu a mão através da mesa até a sua, tomando os dedos no seu. Tinha o toque nervoso, afetado pela emoção. — Quer saber uma coisa? 

Depressa, assentiu com a cabeça. Manteve os dedos nos dela, segurando com firmeza, temendo o que aconteceria caso a soltasse. Nesse instante, fez a si mesma um juramento silencioso, um juramento que guardou no fundo de seu âmago. Admirando o rosto marcado pela idade com as leves rugas a visitar os traços da pele pálida, com os longos cabelos salpicados de grisalho e fitando os olhos ainda cheios do brilho da vida, Juno jurou nunca soltar a mão de Octavia. Até o seu último dia. E que ele demorasse para chegar, por favor

— Quando conheci Abigail, eu sonhava em ter filhos. — começou dizendo, esboçando um sorriso em seus lábios. — Então, conheci o Leo e o sonho amargou até virar um verdadeiro pesadelo. — Juno não evitou uma risada ao ver a careta que a tia fez ao falar. — Mas depois veio você. E com você, bem, eu sinto que realizei o meu sonho. 

Juno sentiu que podia chorar. As lágrimas estavam ali, espreitando ardidas em seus olhos. Se ousasse piscar, rolariam por suas bochechas avermelhadas sem parar. E não era um pranto de tristeza. Não, não era mesmo. 

— Você é a filha que sempre quis ter. 

Gostaria de responder. Dizer qualquer coisa, só agradecer se fosse possível. Todas as palavras transformaram-se em um choro engasgado preso na garganta. Porém, sorriu. Um sorriso grande, exagerado, estampando seus dentes tão brancos. E seu sorriso foi o suficiente para Octavia entender. A felicidade que sentia não cabia em palavras. 

Entretanto, junto com a felicidade também veio a culpa. Octavia era como a mãe que sempre desejou ter.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Porque eu amo a trope de Found Family! ♥

Nossa, é tão bom ver a Juno encontrando a sua família aos poucos. E que ela não se sinta culpada por isso, a vida segue, tem que seguir. ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Caminho das Estações" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.