Interativa - Enquanto As Estrelas Brilharem escrita por Allyssa aka Nard


Capítulo 61
Memórias Reprimidas


Notas iniciais do capítulo

Cá estou, com mais um capítulo de EAEB! Dessa vez, analisando o passado da única personagem que faltava, enquanto nos direcionamos pra reta final. Espero que gostem!



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P.O.V Aylee

 

“Ela tá blefando”, disse Nick

“Como você sabe?”, interviu Eve

“Eu jogo truco desde quando posso ser considerado gente. Eu sei dizer quando alguém tá blefando”

“E se ela estiver falando a verdade? Você vai arriscar a vida dos campistas e o bem-estar da Hipólita por que você joga muito truco?!”, Aurora questionou, incrédula

“Bom, ela falou pra gente esperar ela, e eu duvido muito que seria enganada a cair em uma armadilha”, Viren retrucou

“Ainda sim, não sou muito fã de testar a sorte”

“Aylee, você é a estrategista, o que a gente deveria fazer?”, Maggie rebateu, me pegando de surpresa. Eu ainda estava em um estado de choque do encontro com a Empusa: eu nunca havia me sentido tão vulnerável, tão impotente como aquele momento há muito tempo. Mesmo com tudo o que passamos, eu pelo menos conseguia lutar, me defender, fazer qualquer coisa, e quando a Empusa apareceu no quarto, eu congelei. Era como eu estivesse cercada, revivendo o que havia acontecido. E agora com essa pergunta inesperada, toda vez que eu pensava em responder, meu cérebro parecia um macaco batendo pratos. Abri a boca para falar, mas só consegui balbuciar coisas indistintas, e comecei a tremer, como se estivesse com frio.

Tudo ao meu redor começou a esmaecer, como se eu estivesse no fundo do oceano, e quando percebi, apenas Nick havia sobrado no quarto. Ele provavelmente mandou os outros saírem, mas eu só consegui agarrar meus braços em uma posição como se eu estivesse me abraçando e não consegui verbalizar um agradecimento. Pensei que ele fosse tentar falar algo para me acalmar, como ele tentou ajudar nos últimos dias, mas ele estava inesperadamente quieto, e a única coisa que ele fez foi me ajudar a sentar na cama. Ele sentou-se do meu lado em silêncio e segurou minha mão delicadamente, e não pude evitar me apoiar nos ombros dele.

Na minha situação tremida, coloquei tudo para fora: lágrimas derramaram como uma barragem rompida, senti meu rosto queimar e comecei a soluçar incontroladamente, como se toda a angústia dos meus últimos 6 anos viesse toda de uma vez. Nick não disse nada enquanto eu encharcava o braço dele, e fiquei contente que ele somente me deu um abraço lateral durante esse momento de vulnerabilidade. Solucei, solucei como nunca havia antes, jogando para fora dias, meses, anos de mágoa reprimida.

Eu me sentia com frio, sufocada, e a presença dele era como um cobertor, uma fonte de ar, uma luz no fim do túnel. Depois de terminar de lacrimejar, abracei-o fortemente, e murmurei um “obrigada”.Eu havia passado tanto tempo tentando fugir da ajuda dele, tanto tempo desviando o assunto que comecei a me sentir um pouco envergonhada da idiotice que era. Depois de nos separarmos, tentei limpar meu rosto e respirar fundo, me preparando para falar com ele. Depois disso, acho que ele merecia saber.

“No barco, quando você me falou sobre o que aconteceu com a sua mãe, você me falou que também estava sempre disponível caso eu quisesse compartilhar a minha história. Bom, acho  que esse dia chegou”, comecei, analisando sua reação. Ele só fez um aceno de cabeça compreensivo incentivando que eu continuasse.

“Quando eu tinha 9 anos, eu já começava a me sentir, sei lá, diferente. Eu não sabia explicar direito, mas era como se algo tivesse errado. Eu nunca me sentia confortável sendo um menino e isso foi agravando. E como na escola eu não conseguia fazer amigos, porque ninguém queria ficar com o esquisito que brincava de panelinha quando era criança, mesmo aquilo sendo anos antes, as pessoas me evitavam, e isso foi piorando quando comecei a deixar o cabelo crescer e usar roupas mais neutras. Nessa época, eu estava começando a experimentar, prendendo o cabelo em casa e pedindo pra minha mãe adotiva se eu podia usar roupas que não cabiam mais nela, e como ela era super aberta e agradável, ela não se importava. E cara, eu nunca me senti tão bem. Era bizarro, era como se eu pudesse ser eu pela primeira vez, sabe? Tipo, realmente ser quem eu era”.

Respirei fundo, me preparando mentalmente para relembrar o que eu tentava esquecer.

“Eventualmente, não sei como, algum filho da puta conseguiu descobrir e fazer a caridade de espalhar pra escola inteira. Se eu já era vista como uma pessoa estranha, depois disso então o tártaro correu solto: fofocas, risadas e comentários pelas minhas costas me acompanhavam, e depois da aula os moleques mais velhos ficavam me cercando, me empurrando, e… Enfim, eles me xingavam de tudo que se pode imaginar, e os professores não faziam muito pra ajudar. Eu tentava fingir que eu estava bem para não preocupar com os meus pais, mas óbvio que eles tinham suas dúvidas. Chegou em um ponto que os babacas da escola começaram a bater em mim, e passei meu aniversário de 12 anos sendo empurrada em uma parede enquanto eles repetiam as mesmas palavras odiosas. Um belo dia, minha mãe descobriu meus hematomas e foi, furiosa, falar com a direção. Os meninos foram expulsos, mas aquilo não resolveu tudo. Embora algumas pessoas já conseguissem tentar puxar amizade comigo, especialmente outros excluídos, já que não havia mais o medo dos mais velhos, meus problemas não acabaram ali”. Tive que parar para tomar fôlego, processando tudo que eu estava relembrando.

“Um dia, enquanto eu estava saindo da escola, os meninos apareceram de novo. Ao invés do sorriso escroto de quando me atormentavam, eles estavam com um rosto de raiva. E tinham pedaços de cano na mão. Tentei correr, mas eu não tinha muito fôlego na época e eles acabaram me alcançando perto de um beco. Enraivecidos, me culparam por sua expulsão e me bombardearam com ainda mais xingamentos. E então começaram a usar os canos. Acertaram principalmente minhas costelas, enquanto eu me encolhia e tentava me defender com os braços. Bateram em minhas pernas, em minhas costelas, alguns até na minha cabeça. O mundo era uma onda de dor e eu pensei que fosse morrer ali. E eu provavelmente iria, caso Atena não tivesse aparecido. Eu não estava completamente consciente, então não me lembro perfeitamente, mas ela espantou-os e tentou me explicar quem era, e como eu havia vindo à existência. Surpreendentemente me chamou por meu nome verdadeiro e disse que me aceitava como eu era, e algumas outras coisas que não me lembro bem. Quando isso ocorreu, eu não conseguia mais andar, e mal me mexia. Saía sangue da minha cabeça, eu tinha pelo menos umas 5 costelas quebradas, ferraram com minhas pernas e parecia que eu tinha lâminas em meu pulmão. Eu apaguei, e lembro de já acordar no acampamento, com pedaços de ambrosia”.

Vi que agora quem começava a chorar era ele, enquanto apertava minha mão. Nunca pensei que fosse ver um senso empático tão forte vindo de um filho de Ares, mas era bem vindo o reconhecimento do que eu passei. Ele continuou segurando minha mão enquanto eu continuava a história.

“Mesmo no Acampamento, eu não confiava nas pessoas. Todos que eu via eram uma ameaça em potencial, e fiquei muito fechada, com medo de que se eu contasse quem eu realmente era, que algo pudesse ocorrer de novo. Infelizmente, nem ambrosia conseguiu consertar completamente minhas costelas, e acabou que fiquei com esse problema de dor até hoje. Por alguns meses lá, tive até um problema de automutilação, fazendo cortes na minha perna e não vendo muito o futuro. Foi Quíron quem me ajudou, ele sabia do meu ‘segredo’ e depois de um tempo me convenceu que todos do acampamento eram acolhedores e não se importavam com minha identidade. Mesmo assim, eu não era muito confiante: eu não sou exatamente o pínaco da beleza e geralmente as pessoas só realmente reconhecem as pessoas que ‘passam’ bem na transição. Mas eventualmente ele me convenceu, e felizmente tudo deu certo. E o resto você já sabe, saí do armário pra todo mundo, comecei a fazer amizades e cá estou”

“Cara, isso é… Muita coisa. Por quê você nunca nos disse nada?”, Nick perguntou, finalmente quebrando seu silêncio

“Sei lá… Tanta gente aqui tem histórias muita mais fortes: pais abusivos, perda de membros, o Mevans até… Bom, você sabe. Nunca pensei que a minha fosse realmente muito válida, porque em grande parte a culpa foi minha”

“Olha, não sei o que você tá pensando, mas vou te deixar uma coisa bem clara: NÃO é culpa sua. Você não pode se culpar por algo que você não tem controle sobre e muito menos achar que você tem alguma culpa no cartório por causa de uns hijos de puta que te maltrataram. Você é a mulher mais bonita, inteligente e cabeçuda que eu já conheci, e não deixe que ninguém, e eu tô falando sério, ninguém, te dizer ao contrário”

O abracei novamente, um abraço de gratidão. Era uma sensação quente e agradável, e jogar tudo pra fora era como se um peso de 300 toneladas tivesse sido retirado das minhas costas

“Obrigada Nick, de verdade. É realmente uma sensação boa conseguir falar”

Me levantei da cama e respirei fundo. Abri a porta da lateral, dando de cara com todos rapidamente tentando fingir que faziam outra coisa, embora obviamente estivessem ouvindo a conversa. Olhei para o grupo, contente de ter companhia na loucura que era essa missão. Subitamente, era como se a presença letárgica da Empusa não fosse mais que uma coceira no meu nariz. Levantei meus ombros, melhorei minha compostura e disse:

“Eu tenho um plano”





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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Até a próxima :3



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