Interativa - Enquanto As Estrelas Brilharem escrita por Allyssa aka Nard


Capítulo 48
Vista Turva


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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P.O.V Sophie

 

Acordar era algo muito estranho. Não dava para saber se eu estava consciente ou simplesmente dormindo em um sono profundo. Era uma sensação quase intoxicante, como se eu tentasse tocar a realidade, mas cada vez que eu chegava perto, ela ficava mais longe. Tentar separar sonho e realidade era como tentar cortar uma barra de metal com uma faca cega. Meus olhos ardiam, mesmo depois de todo o tempo que passou, e tentei inutilmente esfregá-los para que a dor passasse.

Ao contrário do que eu imaginava, quando eu percebi que eu estaria cega, eu não passei a ver um borrão preto como eu imaginava que pessoas cegas viam. Eu simplesmente não via nada: não havia preto, branco ou qualquer cor, era simplesmente a ausência de qualquer coisa visual. É algo difícil de explicar, algo que você sabe que está ali, ao mesmo tempo que entende que não vê nada.

Me sentei na cama macia da enfermaria, onde eu havia passado a maior parte dos meus dias. Tentei andar por conta própria algumas vezes, mas acabei esbarrando em várias coisas, muitas das quais eram indesejadas, como estantes de remédio. Eu tentava constantemente mostrar para os outros, principalmente Nard, que vinha me visitar todos os dias, que eu ainda conseguia fazer as coisas sozinha. Eu queria que percebessem que não era porque eu era cega que eu era indefesa ou dependente de outros. E mesmo assim, eu precisava de ajuda para tomar sopa sem colocar a mão no caldo quente, ou para cortar carne. Era irritante, para dizer no mínimo.

Coloquei minhas mãos na cabeça e respirei fundo, como se eu ainda precisasse de uma confirmação que eu não estava dormindo. Tateei a cama até achar a quina, e rodei minhas pernas para o lado, deixando meus pés flutuando. Com um impulso com as mãos, tentei me levantar, e depois de algumas falhas tentativas, finalmente consegui. Entrelacei minhas mãos e estiquei meus braços para cima, me espreguiçando, e tentei andar, apoiando minha mão na parede à minha esquerda. Eu mal havia dado um passo quando ouvi passos se aproximando, seguidos pelo barulho da cortina do leito se abrindo.

“Quer ajuda aí?”, ouvi Flower perguntar, e quase tropecei de susto. Pelo menos ela não era tão “overpreocupada” quanto Nard, já que ele provavelmente estaria me bombardeando de perguntas se estivesse aqui. “Não, eu tô bem”, respondi, e ela ficou quieta por alguns segundos, já que ela deveria estar franzindo a sobrancelha ou concordando com a cabeça. Novamente, era muito agoniante não saber a reação de alguém, e eventualmente ela segurou minha mão, me dando um susto. “O Nard pediu pra uns moleques de Hefesto fazerem isso pra tu”, ela disse, colocando um objeto na minha mão.

Pelo que pude sentir ao tatear a coisa, julguei que fosse algum tipo de barra metálica, fina e longa. Não demorou muito para eu entender que aquilo era uma bengala para me ajudar a não bater em objetos quando eu andava. Apreciei o gesto, embora eu ainda achasse que fosse fruto de uma preocupação excessiva da parte dele. Agradeci Flower e tentei andar para fora do leito, falhando miseravelmente. Tropecei pelo menos quinze vezes até conseguir me acostumar com a bengala, e mais umas 7 para sincronizar meu andar com perceber obstáculos no caminho. Flower ficou só me ajudando a levantar, algo que agradeci, já que a última coisa que eu queria era ter que ficar apoiando em alguém para andar, e ela parecia saber disso. Andei com passos trôpegos até o que parecia ser a porta da enfermaria. 

Flower abriu a porta, e imediatamente senti a luz do sol no meu rosto. Era uma sensação muito estranha, já que fechar os olhos para proteger do sol quase não fazia diferença. Demorei uns 30 segundos pra me acostumar com a luz, e comecei a andar na grama irregular do Acampamento. Ao invés de estar seca e fria como o chão da enfermaria, a grama estava úmida e morna. As pequenas lâminas verdes invadiam os espaços entre os dedos do meu pé descalço, fazendo cócegas. Consegui evitar três pedras com a bengala antes de tropeçar de novo. Era irritante, era como se eu fosse um bebê tentando aprender a andar. Além de sentir o chão melhor, eu também passei a ouvir muitos sons que antes passavam despercebidos: passos de outras pessoas, o farfalhar das árvores, os sons de pequenos animais na floresta e o cantar de pássaros.

“Pra onde tu quer ir?”, perguntou Flower, que pela proximidade de sua voz, julguei que ela estava bem do meu lado. “Campo de Treino”, respondi, sem precisar pensar duas vezes. “Eu talvez não consiga mais ser boa em arremessar facas, mas ainda tenho minhas duas espadas”, completei. Ela ficou em um silêncio rapidamente, o que julguei ser ela dando de ombros, e logo depois disse “Tu que manda. Quer uma ajuda pra chegar lá, só até tu se acostumar a andar no Acampamentos?”. Eu estava prestes a recusar, mas depois parei para pensar, e decidi que um pouco de ajuda não ia doer. “Sim, por favor. Mas se tu pedir pra eu colocar minha mão nas suas costas e ficar andando, eu vou te socar”, respondi, no que ela respondeu dando uma leve risada. “Pode deixar, atlas humano”, ela respondeu, e mesmo sem poder vê-la, dava para saber que ela estava sorrindo com a própria piada. 

Passaram-se alguns minutos até que chegássemos lá, e o cheiro de suor misturado com o barulho de impacto em madeira ou metal eram inconfundíveis. “Cadê o Nard? Faz tempo que eu não vou uma 2 espadas vs 2 duas espadas”, perguntei, talvez com um pouco mais de arrogância na voz do que eu planejava. “Quem ousa dizer meu santo nome em vão?”, respondeu Nard, me pegando de surpresa. Só o fato de ele ter feito uma piada ao invés de oferecer ajuda já era assustador o suficiente, mas o jeito que ele pareceu se materializar do ar quase me fez pular. “Ótimo”, respondi um pouco sem jeito. Me recompus, e disse “Vamos primeiro com as espadas não afiadas, eu não quero perder outro sentido. Só tenho quatro sobrando agora, e prefiro continuar assim”, o que causou ele dar um riso que era um misto de incredulidade e felicidade.

Usei a bengala até eu achar uma cabana de suprimentos, onde tateei os objetos até achar duas espadas sem lâmina. Elas eram um pouco mais leves do que eu estava acostumada, mas rapidamente me adaptei com o peso. Fui para o centro do gramado, e ouvi o farfalhar de folhas enquanto Nard se aproximava. Andei em círculos, diretamente em frente a ele, pronta para que ele atacasse. Ao invés disso, ele só continuou andando em círculos, como se tivesse medo de me atacar. “Amigo, se for pra só ficar andando em círculos a gente pode sair pra dançar tango. Então por favor para de ter dó só porque eu sou cega e ataca”, eu disse, ao mesmo tempo que tentei dar um golpe lateral em sua direção. Ele bloqueou o ataque quase instantaneamente, e usou a outra espada para dar um golpe no meu braço esticado. “Ai!”, eu disse, com o impacto. “Bem melhor agora, obrigada”, eu disse, feliz que agora realmente começamos uma luta. 

Tentei atacar várias vezes, mas falhei miseravelmente em todas, enquanto eu tentava defender os constantes golpes dele. Eu mordia o lábio toda vez que eu era atingida, mas continuei em frente, já que eu queria melhorar. Ele deu o quinquagésimo golpe no meu braço, que provavelmente devia estar vermelho, e usei minha outra espada para tentar acertá-lo. Embora ele tivesse defendido, ele demorou um pouco mais que o normal, o que me deu um pouco mais de confiança. Andei para trás instintivamente, e ouvi dois golpes que teriam me acertado se eu ficasse parada, e logo depois ouvi o vento sendo cortado por uma das espadas de Nard, parecendo em câmera lenta. Por puro reflexo, levantei minhas espadas, as cruzando e ouvi o clink de metal batendo em metal. Eu finalmente havia defendido um golpe.


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Notas finais do capítulo

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