Parada em frente ao armário de sapatos, Yashiro Nene está a encarar o papel em suas mãos que estão a tremer. A expressão horrorizada se mantém em sua face mesmo após algumas respiradas fundas para tentar relaxar.  

— Você vai pagar caro por isso.

Foi isso que ele disse, não foi? Apesar do envelope conter um adesivo de coração, não tem como negar que o único que poderia enviá-la uma carta e ainda com uma letra tão ruim seria o conhecido que pouco se importa com o que os outros vão pensar. O duro é, como entender o que está escrito? Ele poderia a estar ameaçando? Suspirou percebendo o quão seu sonho de receber uma carta bonita de amor foi jogada no lixo por um cara que simplesmente usa a própria vontade para perturbá-la seu cotidiano. Ao menos, queria que a letra fosse legível.

Em seu bolso do vestido, guardou a carta com o envelope rasgado e seguiu ao encontro com seu amado amigo Hanako-kun para decifrar o misterioso garrancho. Afinal, se ele não pode ler o que seu irmão escreveu, quem poderá? E quanto mais cedo descobrir o que a preciosa carta de amor significa, menos terá paranoias desnecessárias.

Ao chegar no banheiro feminino do primeiro andar, Yashiro bate na terceira cabine assim como os rumores para invocar seu amigo.

— Hanako-san, Hanako-san. Você está aí? 

Após sentir o seu ombro ser tocado, ela o segura se virando para enfrentá-lo de frente. Com a mão livre, Yashiro pega a carta e o mostra totalmente irritada.

— Consegue ler?

Hanako estranhou o comportamento de sua assistente, mas não a questionou. Só pegou a carta em sua mão e deu uma olhada breve, mas nostálgica. Um sorriso se abriu em seu rosto ao reconhecer a letra horrível de Tsukasa que só piorou nesses últimos anos sem ter continuado seus anos como estudante. Se seus pais o vissem agora, com certeza seria uma grande bronca que seu irmão escutaria e, mesmo sem ninguém dizer nada, provavelmente reconheceriam essa letra em qualquer lugar.

— O que foi? —  Yashiro o perguntou, confusa com o comportamento de Hanako.

— Não é nada. Não é nada. 

Concentrando-se em decifrar, ele lê em voz alta a partir do momento em que entende cada palavra escrita.

— Te vejo... Depois da aula? Assinado Tsukasa.

Depois? Quando seria esse depois? E onde é o local para se encontrarem? A garota suspirou, mas relevou. Poderia o encontrar em qualquer horário no período da tarde, mas não deixou de aproveitar sua rotina. Óbvio que está na expectativa de encontrá-lo, mas com o passar das horas, foi desistindo ao notar que ninguém a incomodou. Até Hanako que está a acompanhar relaxou inúmeros momentos.

Finalmente, sua última atividade do dia chegou, limpar o banheiro feminino de sempre para cumprir suas funções como assistente do sétimo mistério escolar. Já tinha pegado os baldes, luvas, panos, dois esfregões e produtos de limpeza para agilizar o serviço e ir embora o mais rápido possível. Começou pelos espelhos para depois ir a pia e assim seguir a ordem que preferir. Mas... Por que Tsukasa ainda não apareceu? Será que ele desistiu? Sua expectativa está quase nula, apesar de saber que ele apareceria em qualquer momento de acordo com sua vontade.

Após limpar de qualquer jeito todos os objetos pertencentes no banheiro, só falta o chão. Yashiro pega o esfregão mais animada por estar a finalizar o seu serviço. Achou que demoraria muito sem a ajuda do seu Kouhai, só que não foi o que aconteceu.

— Ya-shi-ro.

Ouviu seu nome pelas suas costas e foi agarrada por braços passando ao redor do seu pescoço e a puxando para próximo ao um corpo atrás do seu. Pela voz, sem dúvida aquele é Tsukasa.

— Sentiu minha falta?

Brincou o garoto se esfregando nas bochechas macias de Nene que coram com a aproximação. Seus corpos estão próximos, mas distantes o suficiente para não senti-los por completo, mas para ela, isso é próximo o suficiente para desejar que ele se afaste pelo constrangimento. Claro que para Tsukasa todo comportamento dela é só fruto do seu divertimento, principalmente quando os olhares de seu irmão o fuzilam como se o matasse em sua mente. Essa situação poderia se tornar um vício para Tsukasa.

— Yashiro tem uma pele tão gostosa. 

Elogiou para provocar ainda mais o seu irmão, só que não foi o que aconteceu. Amane ignorou totalmente os dois se focando novamente em ganhar no jogo contra os Mokkes.

— Tsukasa, eu gostaria de terminar de limpar para ir pra casa.

Pediu indiretamente com a voz manhosa e envergonhada. Seu rosto corado podia ser visto através das suas orelhas que está mais a mostra após ela virar a cabeça para a direção contraria do garoto. Ele a mordeu e puxou para mais perto dele, percebendo o corpo da garota se arrepiar todo. Tsukasa não teve experiências com garotas, talvez porque nunca se importou, e não imaginou que só um toque a faria se sentir dessa forma tão fácil.

— Me solta! — pediu novamente, tentando forçá-lo a solta-la das suas garras. Pena que sua força não é o suficiente para tal ato.

— Não quero. 

O ar brincalhão na voz de Tsukasa fez Hanako suspirar. Então ele estava prestando atenção a todo esse momento? Para Hanako está quase impossível concentrar-se em seu plano contra o Mokke e, por esse motivo e vários outros, está perdendo só que muito pior do que suas outras vezes.  Como ignorar seu irmão dando em cima descaradamente de sua amada e ainda conseguir ganhar dos Mokkes, algo que nunca aconteceu? Pode ter um ataque de ciúmes a qualquer instante e mal saberia como lidar na frente deles. Isso frustra. 

— Hanako-kun! Dá um jeito no seu irmão!

A garota o encara quase como se implorasse. Mal sabia ele do quão doloroso é para ela ser ignorada dessa forma. Como se ser paquera por outro garoto em sua frente não fosse nada. Talvez por que está com expectativas? Era pra ele se importar ou ao menos demonstrar algo? Frustrada e decepcionada ficou por seu coração estar a se quebrar. Seus sentimentos não são correspondidos no final de tudo.

— Termina de limpar — respondeu Hanako.

— Mas- — Yashiro é interrompida por um beijo na bochecha que acaba de receber por Tsukasa, o que a fez se arrepiar toda — Me deixa em paz, Tsukasa! Hanako-kun!

Ela choramingou mais uma vez como um bebê a pedir atenção dos pais. Quem sabe dramatizando ainda mais, ele a ajudaria, mas para sua decepção, nenhum músculo moveu. Talvez fosse ela a iludida que estava achando que ele a correspondia? Hanako sempre deu em cima dela com frequência e parecia muito interessado nela. Será que não foi ela a única que entendeu dessa maneira? Mesmo sua positividade de sempre, tudo parecia uma desculpa para se manter bem naquele momento.

— Te solto se você beijar o Amane — sussurrou Tsukasa em seu ouvido.

Será que ele a notou? Será que ele a entendeu? Nem tanto já que após soltar essa perola do dia, seu irmão derrubou todas as cartas de Hanafuda no chão. Provavelmente uma nova forma de provocar o seu ingênuo irmão corado a sua frente.

Hanako recolheu as cartas desengonçado. Parecia que iria fugir a qualquer momento e se fosse o Yugi Amane de quando estava vivo, provavelmente o faria. 

— Eu não...!

Yashiro tentou negar o pedido. Ela não teria coragem de o fazer. Um beijo é demais para ela naquele momento tendo suas emoções tão bagunçadas.

— Ou prefere me beijar?

Um arrepio passou por seu corpo, ela não sabia dizer se era por nojo. Ambas as opções não a agradou, mas beijar o Tsukasa seria a pior delas, na verdade, nem existia essa opção. Mas beijar o Hanako na frente dele seria constrangedor demais. Talvez por que ele não aceitaria? Ele nunca o fez até agora.

Sua mente foi preenchida com as palavras de Tsukasa quando deu-lhe um soco e isso a fez dar o seu primeiro passo. Um beijo é melhor do que qualquer consequência que ele faça contra ela. Outro passo deu e mais outro. Finalizou somente quando parou em frente do seu amado. Ela tinha até esquecido de quando Tsukasa a soltou de tão rápido que seu coração bate. Seus olhares são trocados quase como se dissessem a mesma coisa.

— Yashiro...?

Ele a chamou ainda a duvidar no que está para acontecer. Eles estão nervosos e está ainda pior quando se tem uma pessoa batendo palmas e falando alto para se beijarem como se fosse uma torcida de algum time. O clima não os ajuda, nem mesmo está para isso e eles sabiam disso. Yashiro poderia escapar, fugir de tudo sem que Tsukasa percebesse, mas com ele os observando nem tem como. Ela tomou a coragem e segurou o rosto de Hanako. O seu olhar só se direciona para o seu objetivo final mesmo que ainda com receio. Quando notou que já não tem mais escapatória, fechou os olhos. Seu coração parecia querer sair pela boca a cada batida, principalmente quando tocou levemente os lábios do seu amigo. Mas ao ouvir o grito do corredor até a porta do banheiro, seu corpo se afastou um pouco dele. Kou chegou no melhor momento para ganhar a atenção de Tsukasa, a melhor hora para a escapada de Yashiro. Ela abaixou o rosto do garoto dando lhes um beijo em sua testa.

— É minha vingança... Por ontem.

Hanako a viu se afastar, mas tudo na sua mente parou ao ponto de não processar. Mesmo seus olhos enxergou o rosto corado de Nene tentando esconder o quão afetada ficou pela situação, mesmo Kou expulsando seu irmão do banheiro feminino, é como se nada estivesse vendo. Ajeitou seu chapéu lembrando do jogo com o Mokke a sua frente, mas para o seu azar, nem conseguia lembrar sua estratégia. Ela quase o beijou, ela realmente ia o beijar. Seus lábios quase o tocaram por completo. O Mokke o bateu fazendo o lembrar da partida de novo, mas... Como se concentrar quando seu coração está tão agitado? Se ele estivesse vivo, juraria que morreria por falta de ar. Ele já tinha feito várias vezes isso com ela, mas nunca chegaram a se tocar realmente. Nunca chegou a ter suas emoções tão descontroladas. É isso que significa estar apaixonado? Sua mente roda como um replay dos olhos dela se fechando para ele, do toque dos seus lábios macios o relando brevemente.

— Hanako! — chamou Kou o balançando, provavelmente por tê-lo chamado outras vezes e não ter obtido resposta — O que você tem? Seu rosto tá todo vermelho.

— Eu...

Após olhar para o Mokke que mostra o seu conjunto de cartas com mais pontos novamente, Hanako se lembra da sua partida.

— Eu perdi!

Lamenta mais uma vez. Mas dessa vez olhou para Yashiro que ainda está tão constrangida quanto ele.