Maldito vizinho! escrita por Meizo


Capítulo 2
A grama do vizinho realmente é mais verde




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Foi estranho para Sanji acordar no dia seguinte e não reconhecer o quarto em que estava. A cama parecia mais macia do que estava acostumado, a mesa de cabeceira ao lado da cama era outra e havia um quadro na parede adjacente com vários recortes de jornais e revistas colados que ele não conseguiu ler devido a distância e a semiobscuridade. Ficou ainda pior quando olhou para o lado e viu o rosto adormecido de um homem bem próximo a si. Ele sentou-se de súbito na cama, o coração aos pulos. Por um instante achou que alguém havia invadido seu espaço, mas aí lembrou-se de que foi exatamente o contrário que aconteceu.

Procurou o seu celular em cima da mesa de cabeceira, constatando que era seis e meia. O celular já tinha encerrado o toque discreto do despertador e tinha sido isso o que acordara Sanji. Ele voltou a atenção para o homem ainda adormecido debaixo do cobertor grosso.

Certo, era hora de colocar em prática o início do seu treinamento.

Na outra vez que Sanji tentou acordar Zoro precisou usar água para despertá-lo, pois nem um tapa forte em sua perna tinha sido o suficiente para fazer o sujeito acordar. Mas talvez ele estivesse muito cansado e agora, depois de ter passado alguns dias acordando tarde para ir ao trabalho, Zoro tivesse recuperado um pouco da energia e o sono pesado tivesse sido substituído por um mais leve.

Tentou, então, sacudi-lo de leve com a mão em seu ombro, enquanto chamava por seu nome. Parou por alguns segundos esperando por alguma reação dele, mas nada aconteceu. Voltou a sacudi-lo, sendo dessa vez com mais intensidade e também chamando seu nome mais alto perto do ouvido. No entanto, a reação de Zoro foi simplesmente virar para o outro lado e continuar dormindo, dessa vez com o acréscimo de sonoros roncos. Uma veia saltou em sua têmpora. Aquele maldito não estava facilitando as coisas.

Irritado, Sanji o arrastou novamente para o chão e repetiu o processo envolvendo um copo d’água. E como da outra vez, Zoro acordou de repente, levando a mão a cintura de modo automático como se fosse atirar em quem tinha ousado lhe despertar.

O policial franziu o cenho custando a reconhecer o homem a sua frente, mas quando seus neurônios voltaram a funcionar, ele se levantou e marchou para o banheiro sem comentar nada.

Sanji assistiu ele se trancar no banheiro e suspirou, colocando as mãos na cintura. Pelo visto seu adestramento seria mais difícil do que estipulara.

Foi para a cozinha ver o que tinha disponível para comerem de manhã e foi com total desgosto que descobriu a despensa vazia e um único armário cheio de embalagens de comida instantânea. Seu vizinho não podia ter aquele corpo musculoso comendo apenas aquele tipo de comida, podia? Depois de mais alguma procura encontrou um recipiente de vidro com um pouco de um tenebroso café solúvel dentro. Sanji não podia admitir que alguém tomasse aquela nojeira. Sua mera existência ofendia seu paladar!

Por isso voltou ao seu próprio apartamento, tomou um bom banho e depois que fez um café de verdade na cafeteira moderna que havia comprado recentemente, retornou a cozinha bagunçada de Zoro com uma xícara para seu mais recente companheiro de quarto.

Quando Zoro apareceu já vestido com o uniforme de trabalho, que agora Sanji percebia se encaixar muito bem com a imagem dele, recebeu a xícara com um olhar meio desconfiado.

— Isso não é meu café.

Sanji estalou com a língua.

— Aquilo não pode ser chamado de café. É no máximo uma lama aguada com cheiro ruim. Isso que é café de verdade. — disse, ao final apontando para a xícara nas mãos do outro.

Zoro cheirou o café, precisando reconhecer que o cheiro era realmente bem melhor. E ao tomar um gole, constatou que o sabor era melhor também.

— E então, gostou?

A contragosto Zoro bufou e assentiu uma única vez. Sanji ergueu uma sobrancelha com a forma relutante dele concordar, mas em seguida sorriu, apontando para o prato com omelete enrolada ao estilo tamagoyaki.

— E isso é comida decente para um desjejum, não aquelas porcarias que você tem no armário.

Quando Zoro devorou todos os rolinhos de omelete depois de dar uma simples experimentada, o sorriso simples de Sanji se tornou mais largo e satisfeito.

*

Depois de uma semana sendo acordado das maneiras mais estranhas, a maioria envolvendo água ou cubos de gelo, Zoro se acostumou a presença do loiro em seu apartamento. Além disso, estava chegando pontualmente na hora talvez pela primeira vez na sua vida. Seus colegas de trabalho até se assustaram quando ele surgiu alguns minutos antes do horário bater no primeiro dia. E por estar despreocupado sobre chegar atrasado, ele estava conseguindo dormir melhor e isso refletia diretamente em seu desempenho na investigação. Seu olhar afiado e percepção estavam melhores do que nunca.

Zoro não tinha do que reclamar.

No entanto, ele ainda achava estranho conseguir dormir tão bem ao lado de um sujeito que nem conhecia. Também não gostou das liberdades tomadas por Sanji como, por exemplo, contratar uma equipe de limpeza pesada para dar uma geral no seu apartamento depois que viu um rato passar casualmente na mesa da cozinha. Ou quando Sanji o repreendeu e jogou fora todos os pratos descartáveis que vez ou outra ele reutilizava e guardava depois de passar uma água. Zoro nunca tinha dado muita importância em comprar pratos e copos de verdade. Só tinha uma xícara porque copos de plástico não costumavam aguentar o calor do café.

Mas devia admitir que agora sua casa tinha bem mais cara de lar do que antes e que se alimentar de comida de verdade em pratos de verdade não era tão desnecessário quanto achava.

De qualquer modo, fazia algum tempo que Zoro queria agradecer Sanji por tudo, principalmente agora que havia conseguido descobrir e capturar o culpado pelo crime que investigava. Ele só não sabia como fazer isso, pois não era um homem dado a expressões elaboradas de agradecimento. Por isso acabou indo pedir sugestões para Usopp, um colega de trabalho que era responsável por lidar com computadores e que parecia ser o mais sensível dentre seus companheiros de posto.

Ele parou ao lado da mesa de Usopp, coçando a nuca sem jeito. Por fim, disse depois de cruzar os braços:

— O que você faria se... quisesse agradecer alguém?

Usopp ergueu o olhar da tela do monitor e ajeitou os óculos, enquanto encarava Zoro.

— Depende de quem e pelo que eu quero agradecer. Hm... Quem é a felizarda? Ou o felizardo? — ele sorriu e balançou as sobrancelhas para cima e para baixo de modo sugestivo. — É algo romântico, é? Quer que eu seja seu cupido, Zoro?

Zoro nem se deu o trabalho de responder. Apenas deu um olhar severo para Usopp e esperou que ele prosseguisse.

— Uh, bem... — Usopp engoliu em seco. — Uma das escolhas mais comuns é recompensar levando para comer em algum lugar bacana. Todo mundo gosto de sair para comer de vez em quando.

Levando em consideração o quanto seu vizinho loiro falava sobre comida saudável e fresca, leva-lo para jantar não era uma má ideia. Inclusive, parecia ser a ideia mais lógica, nem sabia porque não tinha pensado nisso antes.

— Bem pensado, Usopp. — Zoro deu um tapa parabenizador no ombro dele e saiu num passo confiante.

*

Sanji avançava pelo corredor do prédio, pensando no que faria agora que estava sendo forçado a uma carga menor de trabalho graças à intervenção de seu chefe. Tinha sido acusado de tentar levar o mundo nas costas e de tentar arruinar a imagem da empresa ao trabalhar como um escravo, então, para evitar a má fama sem precisar despedi-lo, o proibiram de pegar horas extras e de levar trabalho para casa. Agora que teria mais tempo livre diariamente, só precisa descobrir o que fazer com ele.

Apesar de estar com o pensamento longe, logo percebeu a figura de Zoro em pé na frente de sua porta. Sanji franziu o cenho. Ainda estava cedo para já irem dormir.

— Iremos jantar fora hoje. — informou ele assim que Sanji se aproximou o suficiente e em seguida foi pra seu próprio apartamento.

Sanji ainda ficou de pé ali por alguns segundos tentando entender a abordagem súbita, mas não pensou em rejeitar o convite. Ao invés disso, quando Zoro apareceu novamente em sua porta meia hora depois, ele já estava pronto para sair. Não foram no seu carro, pois estava implícito que também beberiam. Portanto, tomaram um táxi e deixou que Zoro informasse ao motorista para onde deveria seguir.

Quando desceram numa rua movimentada e Zoro o levou até uma barraca comum de yakisoba, Sanji não pôde disfarçar a expressão de desapontamento. Zoro o encarou.

— O que foi?

— Nada não. Só não esperava por... isso. — Sanji gesticulou discretamente para o local, enquanto ocupava uma das mesinhas plásticas ao redor da barraca. — Então, qual o motivo da comemoração?

Zoro deu um meio sorriso, espelhando o movimento de Sanji e se sentando diante dele.

— O caso que eu estava trabalhando no último mês foi resolvido. — por um momento ele pareceu encabulado, mas logo chamou pela dona da barraca e pediu por duas porções de yakisoba com carne bovina. — Eu pago.

Sanji se apoiou nas costas da cadeira, observando o homem desconfortável do outro lado da mesa. Aquilo tudo parecia ser para demonstrar gratidão, mas Sanji não sabia bem pelo o que exatamente. Em tese ele estava treinando Zoro para conseguir acordar cedo sem problemas, entretanto não vinha tendo muito sucesso nisso. Ele nunca tinha visto alguém ter o sono tão pesado quanto o Roronoa! Ainda assim, ali estavam eles jantando fora — mesmo não sendo um dos lugares refinados do qual estava acostumado.

Quando as bebidas foram servidas, Sanji ergueu seu copo em uma parabenização simples pela conclusão do caso de Zoro.

Para sua segunda surpresa da noite, o jantar de rua foi mais proveitoso do que esperava. O yakisoba preparada pela senhora da barraca era realmente gostoso, o que até fazia valer a pena terem ido até ali para jantar. Além disso, descobriu que era bem fácil enveredar conversas com Zoro e também era agradável as vezes ficar em silêncio apenas saboreando a bebida forte que tinha sido servida de novo e de novo.

Voltaram para o apartamento ligeiramente alterados pelo álcool, trôpegos e apoiando-se um no outro. Dormiram sem tomar um novo banho, jogados de qualquer jeito no colchão espaçoso. No dia seguinte, quando acordassem e percebessem que estavam abraçados, evitariam conversar sobre o tema.

Mas na próxima vez que saíssem para comer fora seria Sanji a levar Zoro para jantar e não seria apenas para mostrá-lo como deveria ser um jantar mais apropriado, afinal estava começando a gostar da presença de policial em sua vida.

*

Antes que percebessem cinco meses tinham se passado naquela rotina de dormirem juntos e de Sanji ser o despertador humano de Zoro. As mudanças que ocorreram eram tão sutis que eles demoraram a perceber que algo estava diferente. Eram mudanças de fato bem pequenas como roupas tanto de Zoro quanto de Sanji em ambos os guarda-roupas, uma escova de dentes reserva para Sanji no banheiro de Zoro, o modo como o policial demorava a pegar no sono quando Sanji chegava tarde devido a alguma reunião festiva pós trabalho ou o jeito como Sanji gostava de assistir Zoro tentar moldar sushis com suas mãos grandes e calejadas.

Numa manhã, Sanji acordou sem o despertador ter tocado. Estava tão acostumado a se levantar sempre no mesmo horário que seu corpo se moveu antes mesmo do cérebro registrar pensamentos coerentes. Afastando a coberta, sentou-se sonolento na beirada da cama, mas quando pretendeu se levantar foi puxado com força para trás.

O movimento súbito lhe fez ficar mais desperto e quando se virou para o lado, viu um Zoro de olhos fechados, mas de cenho franzido.

— Não temos trabalho hoje. Durma mais — murmurou ele em um tom rouco de sono.

Sanji então lembrou-se que era sábado e os dois tinham o dia inteiro livre graças a uma coincidência de folgas. Com um grunhido ele voltou para debaixo do cobertor e se achegou ao corpo morno do Roronoa, sem parar para pensar no incomum despertar dele e no que aquilo implicava. Ao invés desses debates mentais, logo ambos estavam ressonando tranquilos enquanto partilhavam do calor um do outro.

É, eles poderiam se acostumar com essa rotina.

 


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