Maldito vizinho! escrita por Meizo


Capítulo 1
Quem nunca odiou seu vizinho que atire a 1ª pedra




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Sanji era como qualquer trabalhador competente vivendo na realidade capitalista conturbada: prezava tanto suas poucas horas de sono que as considerava sagradas. Seu horário de trabalho geralmente ia somente das 9 as 17 horas, mas muitas vezes ultrapassava desse horário para fazer hora extra e ainda levava parte do trabalho para ser feito em casa. Nesse ritmo, ele ia dormir por volta da meia-noite e acordava as seis e meia da manhã para não correr o risco de se atrasar.

A bem verdade, era um maldito viciado em trabalho e sem vida pessoal. Nisso ele não podia responsabilizar alguém, já que era unicamente culpa sua. O problema era que seu vizinho, que só tinha visto algumas vezes pelos corredores e uma vez durante uma celebração de aniversário do síndico, possuía um costume terrível de ouvir música estrondosa durante a madrugada. Sanji tentou não se importar e até comprou tampões de ouvido, mas parecia que a frequência melódica estrondosa ignorava os tampões e ia direto para o cérebro tamanha era sua intensidade.

Tudo começava as 4 da manhã, quando uma cantora de ópera iniciava seu cântico estridente e gritava num tom tão agudo que era impossível não despertar. A música era tocada por completo, em seus longos e infernais 4 minutos e 30 segundos, depois tudo silenciava.

O inferno recomeçava as 5 horas quando um black metal com vozes guturais e notas distorcidas de guitarras ecoava através da parede que dividia com o quarto do apartamento ao lado. Os sons dessa música eram tão grotescos e indistintos que ele mal conseguia entender a letra. Os cantores poderiam muito bem estar cantando sobre invocações demoníacas ou sobre a vida de uma vaca no pasto e Sanji nunca saberia.

O último, mas não menos insuportável, começava as 6 em ponto e era uma cacofonia de sons da natureza que poderia ser chamado de tudo menos de pacífico. Era uma junção de grasnados de aves, uivo de lobos, barridos de elefantes, guinchos de macacos, cacarejos de galinhas, entre outros sons, tudo ao mesmo tempo.

Como Sanji estava se esforçando para evitar problemas e ser um bom vizinho — tinha saído de seu apartamento anterior devido a intrigas e sabotagens, e um caso que envolveu a polícia — quando suas olheiras ficaram mais escuras do que tinham sido por toda sua vida, ele apenas escreveu uma carta bastante insatisfeita e jogou por debaixo da porta do seu vizinho. Isso não deu o menor resultado, mesmo depois das outras quatro cartas que jogou depois.

Ele então resolveu denunciá-lo para o síndico, pois havia certas regras no prédio que deveriam ser respeitadas. Porém, para sua infelicidade, descobriu que o síndico e o dono do prédio eram amigos desse tal vizinho e nada foi feito. O síndico ainda deu a ideia de Sanji mudar de andar ou até mesmo de prédio — o dono daquele prédio tinha um outro e facilitaria a mudança.

Foi por pura pirraça que Sanji permaneceu onde estava. Se por acaso acatasse isso, sentiria como se tivesse fraquejado diante a primeira dificuldade que apareceu em sua nova moradia. Sentimento esse que fora alimentado pelos anos de competitividade com quatro irmãos e que acabara por se tornar parte de sua personalidade.

Se tinham sugerido que Sanji fosse embora, então ele faria exatamente o contrário. Iria ficar cara a cara com seu vizinho para resolver a situação.

Como não sabia o horário que o dito cujo chegava em casa, optou por ficar atrás da porta e esperar alguma manifestação sonora vinda do corredor. Quando chegou do trabalho, largou a pasta com os documentos que revisaria mais tarde, comeu um jantar rápido e ficou de guarda do lado de dentro da porta, atento a qualquer barulho.

Sua oportunidade surgiu por volta das 23 horas. Cochilava com a cabeça tombando para a frente quando ouviu o ruído metálico de um molho de chaves passar diante sua porta. Em seguida ouviu a porta do apartamento ao lado batendo.

Era a hora! Saiu rápido e correu para bater na porta do apartamento 704 já que não havia sinal de campainha em parte alguma.

A porta se abriu quase de imediato, talvez ele estivesse próximo ainda, e Sanji viu de perto pela primeira vez o vizinho que tanto o irritava. Tinham praticamente a mesma altura, só que o outro aparentava ter músculos mais definidos e uma cara de sono de quem não dormia bem a semanas. Em seu rosto, uma expressão entre sonolência e irritação.

— O que quer?

Sanji deu um sorriso forçado.

— Zoro, certo? Eu sou Sanji, morador do apartamento ao lado, caso não saiba. — deu uma pausa para ver se Zoro o cumprimentaria, mas ele não fez o menor sinal de qualquer gesto amistoso. — Bem, vou ser sucinto. Suas músicas durante a madrugada estão sendo um terrível problema para mim. Poderia encontrar um horário melhor para escutá-las?

Por um instante Sanji sentiu que Zoro não entendeu do que ele estava falando, pois não havia o menor rastro de entendimento em sua feição.

— Música? Como ass... Está falando dos despertadores?

Sanji abriu a boca, mas não conseguiu proferir um comentário inteligível. Aquela barulheira toda era por causa de despertadores?! Como era possível isso?

— Creio que sim...? — respondeu depois de alguns segundos. — Eles não me deixam dormir.

Agora sim havia uma certa compreensão nos traços de Zoro. Parecia como se tivesse identificado um companheiro com problemas de sono desregulado. Devia ser algo similar ao que acontecia com pessoas em grupos de Alcoólicos Anônimos ao partilharem problemas em comum.

— Hm, certo. Resolverei isso. — respondeu ele dando um bocejo. A porta foi fechada depois disso, sem despedidas.

Sanji, que tinha ido preparado para brigar se necessário, sentiu que tudo se resolveu fácil demais, mas voltou para seu próprio apartamento. Naquela madrugada não ouviu a barulheira irritante que era capaz até de levantar um morto. O silêncio foi tão pleno e absoluto que quase perdeu a hora de se levantar. Saiu para trabalhar renovado.

Foi assim durante os três dias seguintes. O bom humor de Sanji contagiava a todos com quem conversava, até seu ritmo no trabalho estava melhor do que antes.

Porém, no quarto dia a barulheira voltou com tudo. Talvez até pior do que antes, já que as paredes pareciam tremer devido a altura do som. Ele acordou tão de súbito que seu coração bateu nervoso contra suas costelas. A alma quase saindo do corpo.

Que merda era aquela?!

Levantou-se e saiu de pijama mesmo para bater na porta de Zoro. Bateu por insistentes minutos, mas ninguém veio atender. Então, respirou fundo e deu um chute na porta, abrindo-a com facilidade. Ou seria melhor dizer “arrombando-a”? De qualquer modo, com a passagem livre entrou no apartamento alheio sem fazer cerimônia.

Para seu desgosto, deparou-se com o lugar extremamente bagunçado, como se o outro mal vivesse ali ou sequer se desse o trabalho de organizar o ambiente para uso comum. Havia roupas jogadas por cima do sofá, sapatos cheios de terra na entrada da cozinha e encontrou até as cartas que tinha mandado a ele no chão, ainda perto da porta.

Deixando-se ser consumido pelo pela raiva, ele seguiu pisando duro em direção da origem do som que ainda berrava. A música da cantora de ópera estava quase chegando ao fim quando alcançou o quarto. Esparramado sobre uma cama King Size estava o corpo de Zoro tão imóvel quanto um defunto. Ao se aproximar para conferir se estava vivo, Sanji percebeu que seu peito se movia suavemente para cima e para baixo, num sono profundo. Zoro estava jogado de qualquer jeito acima das cobertas quadriculadas, sem nem ter chegado a se cobrir com o edredom.

Ao redor do quarto, também uma enorme bagunça, notou despertadores com formato de mini caixas de som estrategicamente localizados longe da cama.

Sanji olhou para o despertador certo na bendita hora que a primeira música acabou. Como aquele brucutu conseguia continuar dormindo daquele jeito quando uma mulher estridente ficou cantando no volume máximo por mais de 4 minutos? Não conseguia entender. Ele não podia ter um sono tão profundo assim, podia?

Para testar deu um tapão na perna do sujeito, mas ele apenas se remexeu um pouco, murmurando algo sobre pizza.

— Difícil de acordar, hein.

Sanji puxou o corpo dele para o chão de um jeito não muito gentil e foi na cozinha buscar um copo cheio d’água. Quando a água fria caiu no rosto de Zoro, ele abriu os olhos de súbitos e se sentou muito desperto. Olhou confuso ao redor, preparado para atacar quem estivesse lhe atacando quando percebeu Sanji de pé ali perto.

— O quê...?

— Bom dia, Bela Adormecida. — disse Sanji num tom irritado. — Posso saber o motivo de você voltar a ligar esses malditos despertadores?

Zoro se sentou na beirada da cama, sacudindo a cabeça pra afastar o excesso de água do mesmo jeito que um cão faria.

— Estou dormindo pouco e tenho dificuldade de acordar cedo. Nos últimos três dias cheguei muito atrasado e estamos investigando um caso importante então... — respondeu numa voz grogue de sono, mas de repente parou como se só agora tivesse se dado conta de que estava dando uma resposta longa demais para alguém que nem conhecia direito. — E o que isso tem a ver com você? A porra dos despertadores são meus. E o que você está fazendo aqui?

Então seu vizinho com problemas para acordar era policial? Devia ter percebido pela cara de poucos amigos e pelo uniforme que trajava no dia que foi falar com ele pela primeira vez. Interessante.

Ignorando a pergunta dele, Sanji andou tranquilamente até cada despertador, desligando-os um a um com mais suavidade do que eles mereciam.

— De nada por ter te acordado a tempo. — virou-se para ir embora com um sorriso satisfeito nos lábios. — Ah, e você vai precisar de uma fechadura nova.

— A tempo...? — Zoro olhou para o relógio percebendo que ainda eram 4 e meia da manhã. — Ainda são quatro horas?! Seu loiro desgraçado!

Enquanto voltava para seu próprio apartamento Sanji já organizava um plano onde os dois poderiam sair ganhando. Mais tarde naquele mesmo dia, quando novamente esperou pela chegada de Zoro — embora dessa vez tenha esperado dentro do apartamento dele já que a porta continuava quebrada —, já estava com as palavras na ponta da língua. Então quando o outro entrou fadigado pelo dia infrutífero no trabalho, perguntou-lhe de imediato:

— Você precisa chegar no trabalho de que horas?

Zoro estancou na porta com a mão pairando sobre o cabo da arma. Olhou surpreso para o invasor em seu apartamento, tentando entender o que ele estava fazendo ali. Mas apesar da suspeita, logo Zoro se viu respondendo:

— Oito horas.

— Uma hora antes de mim. Certo. Vamos fazer um acordo já que temos um problema em comum: você não usa mais esses despertadores infernais e eu te ajudo a se acostumar a acordar na hora certa.

Zoro arqueou uma sobrancelha. A proposta não era ruim, apesar de parecer impossível de dar certo. E Zoro estava tão cansado que nem pensou muito nas partes problemáticas que aquilo poderia gerar. Quando ambos trocaram um aperto de mão ele provavelmente não considerava a possibilidade de estar aceitando virar colega de quarto do loiro petulante que morava ao lado. Só começou a perceber algo estranho quando viu que o outro vestia um pijama azul e levava um travesseiro debaixo do braço.

— Espere aí. Você vai dormir aqui?

Sanji arqueou uma das sobrancelhas encaracoladas e seu olhar deixava claro que estava achando a pergunta absurda.

— Como você espera que eu te treine pra acordar cedo? Tenho que estar aqui para ver sua rotina.

— Treinar? Eu sou um cão por acaso?

Sanji revirou os olhos, indo em direção ao quarto. Mas antes que pudesse entrar no cômodo, Zoro segurou seu braço.

— Então deixo você dormir no sofá.

Uma risada sem humor escapou pelos lábios de Sanji.

— Seu sofá está cheio de poeira e não parece confortável. Estou aqui pra te ajudar, não vou passar a noite dormindo mal enquanto você dorme num colchão macio. — disse o óbvio, livrando-se de sua mão e entrando no quarto de vez. — Além do mais, eu já arrumei sua cama. E ela é grande o suficiente para nós dois.

Zoro resmungou algo inaudível, com uma expressão entre sono e irritação, e entrou no banheiro anexo ao quarto, deixando Sanji se acomodar onde bem quisesse.

Enquanto tomava banho e escovava os dentes, Zoro não parava de pensar no quão maluco estava pra ter topado uma ideia daquelas. Dormir na mesma cama com o desconhecido que morava no apartamento ao lado? Que tipo de policial mixuruca ele era pra se permitir tal risco? Duvidava que sequer conseguisse cochilar com o outro do lado, seus instintos policiais não o deixariam sossegar.

Porém, contrariando a expectativa de ambos, os dois adormeceram com bastante facilidade pouco depois que se deitaram. Talvez aquela ideia realmente desse certo, afinal.

 


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