Ponto de Vista escrita por Mrs Ridgeway


Capítulo 8
07. A noite da observação


Notas iniciais do capítulo

"Luto complicado" é o termo utilizado para designar o processo de luto prolongado. Geralmente acontece com pessoas que perderam entes queridos de maneira abrupta, como em acidentes e tragédias. O enlutado crônico pode levar anos para se recuperar e seguir adiante. Porém, um dia a dor se vai. Ela tem início, meio e fim.

Assim como tudo na vida.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791846/chapter/8

 

 

Nós somos, cada um de nós, um pequeno universo. (Neil deGrasse Tyson, 2014).

 

 

Sexta-feira, 18h58

 

Sentados no chão da sala de estar, uma família marcada enfim conversava sobre o seu passado.

— Eu me senti uma pessoa horrível... – disse Rose.

Ela ainda soluçava. Hermione acariciou os cabelos da filha e puxou alguns que fios estavam colados no rosto desde a hora que a garota parou de chorar.

— Era um vazio tão grande no meu peito que, às vezes, me fazia achar que eu não amava mais ninguém. Que eu não amava mais vocês, não amava a nossa família... nem mesmo os meus amigos... – Rose fitou os pais. – Eu acreditei que nunca mais teria direito de ser feliz como antes.

Ron apertou gentilmente a mão da garota.

— Nós nunca a culpamos, Rosie. – ele disse com sinceridade. – Você é tudo o que nos restou desde daquele dia.

A dor sempre iria existir. Depois da morte de Hugo, Ronald nunca mais foi o mesmo. Hermione se tornou uma mãe quebrada. Ambos sofriam pela ausência da sua criança.

Ainda assim, o casal optou por seguir a vida a diante. Precisavam continuar a caminhada.

— Me desculpem. – pediu Rose em um gemido.

Pai e mãe abraçaram a menina.

— Não tem porque você se desculpar, meu amor. – falou Hermione.

— Tem sim. – Rose insistiu. – Eu afastei vocês dois de mim. – disse.

— Eu só queria poder trazer as pessoas de volta.

— Foi por isso que você decidiu pela medicina?

— Sim.

— É o que você realmente quer?

Rose já não sabia mais. Hermione a encarou.

— Rosie... – a mulher fechou os olhos. – Eu sei que às vezes parece que eu exijo o extremo de você. Principalmente depois que o seu irmão se foi. – ela engoliu a saliva. – Na verdade, eu sempre tive muito medo de te perder. Medo de que você se afastasse mais de mim. Esse excesso de proteção fez com que eu tomasse atitudes que me levaram ao arrependimento.

— Tipo o dia da festa do James. – Ronald tocou na perna da esposa com o indicador com uma expressão divertida. Hermione semicerrou os olhos castanhos para ele.

A ruiva sorriu da graça dos pais.

— Eu não deveria ter ido te buscar daquela forma. – completou a mãe. – Ainda que você tenha saído escondido, mocinha.

Rose sentia vergonha pelo dia referido, porém, não mais arrependimento. Agora sabia que fora o dia do início da mudança dentro dela.

— Prometo não fazer mais isso.

— Promete também que vai voltar a visitar a dra. Jones?

Haviam anos que a ruiva não voltava ao consultório da psicóloga. Ela assentiu com a cabeça. Retomaria o acompanhamento.

— E sobre a sua carreira... – Ron abordou. – Você é livre para prestar o GCSE para o curso que quiser, Rose. A escolha é sua.

— Na realidade, eu não sei bem o que eu quero cursar. – contou.

— Eu acho que talvez adiar essa escolha seja uma boa ideia então. – a sugestão viera de Hermione. Ela parecia pensativa. – Não use a nota agora. Espere um ano.

— É uma boa sugestão.

Ron concordou com a proposta da esposa. – E, se te interessar, você poderia tentar um estágio ou um emprego de meio-período. Isso faria você conhecer um pouco mais do mundo que você tanto evitou ver.

O homem provocou cócegas na ponta do nariz de Rose, assim como fazia quando ela era criança. A ruiva sentiu-se mais leve. Já não experimentava aquilo há muito. No chamego do abraço dos pais, Rose vivenciou outra vez a sensação de pertencimento a algum lugar.

O estômago de Ronald, no entanto, roncou estragando todo o clima amoroso.

— Podemos pedir a pizza agora? – ele perguntou.

Rose soltou uma gargalhada gostosa.

 

...

 

O jantar havia terminado num clima bem mais leve do que começara. Rose se despediu dos pais e subiu as escadas. Precisava de um banho e de relaxar um pouco antes de recomeçar as suas observações estelares.

A garota entrou no sótão e admirou o seu quarto com um cuidado que não costumava ter nos outros dias. Sentia-se engraçada estando ali acordada. Era estranho não ver tanta luz ou um espaço tão aberto. Imaginou se um dia conseguiria manter o quarto tão limpo quanto no faz de conta dos seus sonhos.

Sua mãe, com certeza, iria se orgulhar muito disso.

A ruiva riu quando sentou-se no sofá surrado. Ela passou a mão pelo tecido macio com certo carinho.

Havia sido um dia e tanto.

Absolutamente louco.

Rose não se lembrava de ter cochilado tanto em um dia. Também não se lembrava de ter falado tanto em um dia depois do acidente. Ou, de ter sorrido tanto ao longo de doze horas.

Foi uma redescoberta de sensações. A ruiva não sabia se estava preparada para aquilo novamente em tão curto espaço de tempo. Não estava curada da dor e nem sabia se um dia estaria bem por completo. No entanto isso não a limitou de se sentir um pouco animada. Retomar os laços lhe faria bem.

E por falar nos laços, Rose viu o celular piscar em cima da mesa de centro. Ela esticou-se para alcançá-lo.

Era uma mensagem de Albus.

“Soube que você falou com o Jay. Não insistirei mais até que você esteja pronta.”

Rose leu a mensagem pensativa. Levou alguns minutos até que ela mandasse uma resposta.

“Eu vou.” – enviou.

Não demorou nem trinta segundos para uma resposta do primo.

“Caralho, isso é sério?” – Al questionou incrédulo.

Rose riu.

“Sim, eu vou ao seu aniversário amanhã. Me mande o endereço depois.”

“Te mando agora.” – Albus enviou a localização.

 

Os dois se despediram. Assim que jogou o celular novamente em um dos cantos qualquer, a garota se levantou. Rose andou até a escrivaninha e abriu a última gaveta. De lá, ela tirou um embrulho enrolado em um papel escuro.

Rose desenfaixou o volume lentamente. Aos poucos, partes de resina sintética vermelha, ainda lustrosa, foram revelando-se a luz difusa do quarto. A lancheira do homem de ferro que um dia pertencera a Hugo Weasley permanecia resistente a ação do tempo.

Seu irmão estaria orgulhoso se a visse intacta daquela forma.

A ruiva passou os dedos sobre o objeto, pensativa. Se o paraíso realmente existia, era lá que Hugo estaria agora. Não conhecera no mundo alguém tão doce e devoto a quem amava quanto o pequeno ruivinho.

Ela pôs a lancheira sobre a cômoda, ao lado da foto de Jia Li.

— Esse agora será o seu lugar. Ao lado dela. – disse baixinho a peça, tal qual se a lancheira pudesse escuta-la.

Eles, um dia, também foram donos dos seus melhores momentos. Rose não precisava esquecê-los.

 

...

 

Sábado, 01h07

 

Rose admirava a vista apoiada na divisão do telhado. De fato, a noite estava linda. Realmente perfeita para observações estelares. A garota passou horas a fazer anotações importantes sobre os astros.

Os olhos da ruiva deslizaram-se da imensidão do céu enegrecido até a casa rosa na rua oposta. A construção estava totalmente apagada e de cortinas fechadas. Bem podia, pelo horário todos já deveriam estar dormindo.

Scorpius estaria a achando uma louca, a garota pensou. Passara tanto tempo afastada para depois de anos, em um dia qualquer, atacá-lo com um beijo bem no meio da aula. Na frente de todos. Não sabia o que era pior: isso ou e sair correndo no final.

Rose riu de si mesma enquanto retornava para perto do telescópio. Ela encaixou o globo ocular na lente do objeto em busca de novas informações que lhe agradassem.

Achou que não encontraria mais nada, contudo, num momento de distração, a ruiva reparou que vésper mostrava movimento contrário ao do último ano, quando a garota fizera as mesmas observações.

Ela sorriu outra vez. Por um instante desejou que Dominique estivesse ali. A loira diria que Vênus retrógrado em alguma das suas doze casas era o provável responsável pela explosão afetiva na vida de Rose.

Os pensamentos foram interrompidos pelo barulho de passos que atroaram perto de onde ela estava. Rose pôs-se em alerta. Haviam alguns materiais de ajustes e outras ferramentas velhas do seu pai encostados num dos cantos do telhado. Foi para lá que a ruiva correu.

Ela segurou com força uma barra de ferro.

— Quem está aí? – gritou, embora soubesse que era uma pergunta idiota.

Dedos compridos impulsionaram-se sobre o muro da construção. Scorpius Malfoy pulou para dentro do telhado. Ele ergueu as mãos ao ver que Rose estava armada.

— Por favor, Weasley, diga que você não tem habilidades de lançar barras a distância.

Rose suspirou aliviada. Ela jogou o pedaço de ferro no chão novamente. O metal tilintou.

— Você me assustou. – disse enquanto retornava para perto do telescópio. – Achei que era um ladrão.

— Com certeza ele ficaria com medo. – o loiro retrucou com sarcasmo.

Rose rolou os olhos, mas sorriu em seguida.

— Não está tarde para você estar pulando telhados alheios, Malfoy? – ela perguntou retoricamente.

— Um pouco, admito. – ele se aproximou. – Mas eu não estava conseguindo dormir.

— E o que você veio fazer aqui?

— Devolver uma coisa.

A ruiva franziu a testa.

— Que coisa?

— Essa.

O olhar de Scorpius seguiu em direção a boca de Rose e não demorou nem mesmo um segundo até que ele avançasse para os seus lábios. O garoto a rodeou com os braços fortes em sua cintura, tão apertados que quase tirou a garota do chão.

Rose fincou os dedos nos cabelos claros e se manteve entregue beijo. As novas sensações que a tomava eram boas. Seu coração batia acelerado e o seu corpo pedia por mais toque. Ela devolveu as carícias com o mesmo entusiasmo.

Lá de cima, apenas o céu estrelado assistia a cena.

O mundo era dos dois adolescentes.

Minutos depois os lábios separaram-se devagar. A voz de Rose soou baixinho, um pouco rouca.

— Eu... me desculpe por-

Ela teria dito mais, se Malfoy não a interrompesse com outro beijo singelo. As testas colaram-se logo após.

— Eu sempre acreditei que você iria voltar. – ele confessou.

Scorpius fez uma pausa, a escolher as palavras com cuidado.

— Os anos foram se passando... você foi se afastando cada vez mais... – ele fechou os olhos momentaneamente. – O Al e o Jay pareciam ter perdido as esperanças em alguns momentos... – disse. – Mas eu nunca deixei de acreditar.

Rose afagou o rosto do loiro.

— Eu não sou mais a mesma, Scor.

— Ninguém mais foi o mesmo, Rosie. Todos nós mudamos depois daquele dia.

Todas as pessoas que estiveram dentro daquele ônibus escolar no dia do acidente teriam as suas memórias marcadas para sempre.

Scorpius puxou a ruiva até a amurada antes de abraçá-la novamente e envolvê-la com mais um beijo. Quando a brisa da madrugada arrepiou a sua nuca, Rose enganchou-se ainda mais o corpo de Malfoy, sentindo o cheiro bom de logo cedo se espalhar novamente pela suas narinas.

Permaneceram assim pelo tempo que preferiram não contar. Eles já estavam atrasados para aquele encontro há alguns anos.

Quando afastaram os rostos um do outro, Scorpius fez uma careta engraçada.

— O que foi aquilo no ginásio mais cedo?! – o questionamento do século enfim chegou.

Rose soltou uma gargalhada.

— Eu tive um sonho. Quem sabe um dia eu te conto.

— Preciso te avisar que o Albus ainda está abalado.

— Foi o que eu imaginei.

— Ele veio te procurar como disse que faria?

— Não. – a ruiva negou – Mais cedo eu aceitei ir a festa de aniversário. – contou.

Malfoy sorriu contente e afagou as suas bochechas. Rose aproveitou o breve silêncio e de novo olhou para o céu. Na imensidão da abóbada celeste, Pegasus se destacava. A constelação brilhava forte. Ela sentiu-se viajar para o passado novamente.

A ruiva apontou para cima.

— Pegasus. – falou. – Era a preferida da Li.

— Sinto falta dela. – o loiro assumiu.

— Jia Li tinha luz própria. Ela só retornou para o céu.

E deixará a face do céu tão bela que o mundo inteiro se apaixonará pela noite.

Rose sorriu tão como fez da primeira vez que o escutou usar as referências. – Shakespeare a essa hora, Malfoy?

— Sempre funciona.

Ela jogou os braços ao redor do pescoço de Scorpius, que não havia se desgrudado do abraço. Os adolescentes se encararam, ambos com os olhos cheios de questionamentos.

— Você voltará amanha?

— Sim. – Malfoy respondeu de imediato.

O coração da ruiva batia forte, descompassado pela dúvida.

— E... – engoliu a saliva. – E se eu acordar completamente... diferente de hoje?

O loiro deu de ombros.

— Todo dia é um recomeço, não?

De fato.

Todo dia era um recomeço.

Apesar disso, no instante que Rose beijou Scorpius outra vez, ela soube que repetiria aquele passo até que o universo ditasse novos caminhos.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, meus amores, chegamos ao fim de Ponto de Vista. Espero que vocês tenham gostado. Como a vida atualmente tem andado tão difícil e complicada, eu quis passar uma nota de realidade com um pouco mais de leveza e que trouxesse esperança no final.

Já foi dito antes, mas vou reforçar que PdV foi a minha história para o Junho Scorose. Me sinto muito feliz por ter participado desse projeto e conhecido outras escritoras incríveis. Foi realmente muito especial ♥

Nos vemos em breve. Seja em novas histórias, seja nas antigas, seja nessa aqui mesmo. Foi um prazer tê-los aqui!

Bjks e obrigada! ♥