O Passado do Lobisomem escrita por Heringer II


Capítulo 23
Capítulo final


Notas iniciais do capítulo

Chegamos, enfim, ao desfecho tão esperado... Vocês vão se surpreender!



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Quando as viaturas da polícia militar e da polícia federal chegaram, encontraram Tiberius amarrado na cadeira. Aldo, Jeanne, Denis e eu pensamos em ir embora, mas decidimos ficar lá para testemunhar o que o prefeito tinha planejado.

— Toda essa história de lobisomem foi um plano do prefeito Tiberius para espalhar uma lenda pela cidade. – disse Jeanne, após mostrar o áudio para o capitão. – Com a história de que havia um lobisomem pela cidade, ele conseguia atrair a atenção de turistas de várias outras cidades e até de outros estados!

Depois de ouvir o relato de Jeanne, eu olhei para Tiberius. Ele estava com a cabeça baixa, só escutando o que falavam a respeito dele. Decidi me aproximar do prefeito.

— Não havia outra forma mais lógica de conseguir aumentar o turismo na cidade?

— Menina, se você ainda acha que culturas locais e belas paisagens naturais atraem mais do que histórias sem pé nem cabeça, então quem precisa analisar a situação de forma lógica é você.

— Bom, você está preso agora.

— É, eu estou.

— E continua tranquilo assim?

— Me desesperar não vai adiantar de nada.

— Você é o responsável pelo assassinato de vários fazendeiros. Vai pegar uns bons anos de cadeia.

— Você que pensa.

Um policial interrompeu nosso diálogo.

— Vamos lá, Tiberius, direto pra delegacia. – disse o policial, soltando Tiberius da cadeira e levando-o para a viatura.

Em seguida, o capitão que estava conversando com Jeanne pediu para conversar com nós quatro.

— O que vocês fizeram também é crime. – disse.

— Como é? – perguntou Denis.

— Vocês mataram muitas pessoas também.

— Mas eles tinham me sequestrado! – disse Jeanne. – Isso não se enquadra em legítima defesa?

— Pra falar a verdade, sim. Mas vocês podiam ter ligado para a gente o quanto antes, em vez de vir até aqui com a intenção de fazer uma chacina. Por causa disso, eu terei que levá-los presos.

Aldo levantou seu rifle e apontou para o capitão.

— O que é isso? – perguntou o policial.

— Repete de novo o que você disse?

— Desculpe-me?

— Não, não desculpo, não.

— Tem a noção de que está ameaçando matar um capitão de polícia, senhor Aldo?

— Tem a noção de que está ameaçando prender um ex-cangaceiro do bando de Lampião, capitão?

— Você foi do bando de Lampião?

— Quer que eu prove?

— Não, eu já acredito. Isso explica sua habilidade com rifle mesmo tendo já certa idade.

— Sabe quantos policiais o nosso bando matou naquela época, capitão?

— Não, não sei.

— Eu também não. Perdi a conta.

— Eu posso aumentar o seu tempo na cadeia por isso, senhor Aldo.

— Duvido. Todos os crimes que eu cometi no cangaço já prescreveram. Não tente me enganar, capitão.

— Não estou me referindo aos tempos do cangaço, senhor Aldo. Estou falando do crime que está cometendo agora, de ameaçar um capitão de polícia.

— É, mas você não vai relatar isso.

— Como tem tanta certeza?

— Porque eu garanto que, se não nos deixar ir, você não vai viver a tempo de relatar. Vamos lá, capitão. Você sabe que nossas motivações foram justas.

O policial para e pensa um pouco.

— Ok. Vou deixá-los ir. Mas com uma condição: nunca mais matem ninguém. Nem se envolvam em situações como essa novamente. Além disso, eu vou precisar de mais uma coisa de vocês. O celular da jovem.

— Como é? – perguntou Jeanne.

— O seu celular. Eu preciso deles. É a única prova concreta que temos contra o Tiberius. Ou vocês acham que só a palavra de um capitão de polícia é suficiente para condenar um político?

— Nem pense que eu vou...

— Garota! – Aldo interrompeu Jeanne. – Entregue o celular para ele.

— Mas...

— O capitão tem razão, Jeanne. – falei.

Sem muita vontade, Jeanne tirou o celular do bolso e entregou nas mãos do policial.

— É bom que você não perca meu celular, nem apague os meus toques.

— Escuta! – disse Aldo, ao policial. – Se você perder o celular da garota ou apagar os toques dela, eu e meu rifle vamos fazer uma visitinha para você.

O capitão riu brevemente e se despediu de nós.

Depois daquilo, voltamos todos para nossas casas. Denis foi recebido com muitas broncas do pai dele. Os pais de Jeanne a receberam felizes e aliviados, porque ela estava desaparecida o dia todo. Jeanne contou sobre o sequestro, mas sem dar muitos detalhes do que aconteceu. Aldo entrou no seu quarto no asilo, ligou seu aparelho VHS e assistiu a um filme antigo. Eu, cheguei em casa e, pra variar, meus pais não falaram nada comigo. Subi as escadas e fui para meu quarto.

Eu já estava ligando o meu MP3 quando ouvi um barulho de alguém batendo na porta.

— Pode entrar.

Minha mãe entrou, como sempre, me olhando com uma calmaria nos olhos e um sorriso fraquinho na boca.

— Oi, mãe. – a cumprimentei, sem olhar nos olhos dela.

— Você parece cansada.

— Talvez eu esteja.

— Só talvez?

— Por que você finge que se importa?

— Filha, por que você diz isso?

— Pensa que eu não escuto o que você fala para as visitas, mãe? O quanto você está decepcionada comigo? O quanto você queria que eu fosse uma filha melhor?

— Evelyn, eu...

— Não. Você não precisa falar nada, mãe. Eu nunca quis te decepcionar, eu só... Não quero ser o que você quer que eu seja.

— Evelyn, eu quero que você seja feliz! Independente das expectativas que eu alimento sobre você. Eu não estou nem aí se você não vai ser alguém que se dedique totalmente a sua vida acadêmica. Eu quero que você seja feliz, só isso. Mas como você vai ser feliz se sempre se coloca em situações de risco como aquela manifestação? Olha o que aquilo trouxe, você tem que passar noites num asilo, cuidando de um idoso, chegando tarde da noite para ir cedo para a escola no dia seguinte. Como consequência você fica cansada, estressada. Eu não quero isso pra você, Evelyn. Eu gostaria que você analisasse melhor sua vida, e considerasse deixar de lado aquilo que te faz mal. Só isso.

Eu me emocionei muito com aquilo, pressionei meus lábios um contra o outro, e comecei a chorar. Minha mãe me abraçou logo em seguida e eu me entreguei totalmente àquele abraço. Eu chorava como nunca chorei antes. Me despedacei em lágrimas. Os braços da minha mãe nunca foram tão confortáveis para mim antes.

*

No dia seguinte, na saída da escola, Denis nos trouxe mais um jornal. Agora, na primeira capa dizia: “FARSA DESMENTIDA: PREFEITO TIBERIUS INVENTOU HISTÓRIA DO LOBISOMEM”.

— Parece que finalmente a história do lobisomem chegou ao fim. – comentei.

— Vejam aqui em baixo. – disse Denis, em seguida lendo: - “O prefeito Tiberius foi considerado culpado e a liderança municipal será passada para o vice-prefeito”.

— Espero que o vice-prefeito seja melhor, então. – Jeanne falou. – Além disso, aqui só diz que conseguirem incriminar o prefeito devido a uma gravação, mas não dizem que fui eu que fiz a gravação. Chateada.

— Acredite. – falei – É melhor assim.

Jeanne, Denis e eu saímos da escola, ainda comentando sobre o ocorrido, até dar a hora de ir embora.

— Eu vou visitar Aldo.

— Pensei que você só ia à noite. – Denis falou.

— É, mas... Sei lá... Estou com vontade de visitar o velho.

Jeanne e Denis acenaram afirmativamente com a cabeça, sorrindo, e nos despedimos.

*

Fui até o asilo, cumprimentei as pessoas da recepção, que se surpreenderam ao me verem ali tão cedo.

Quando abri a porta do quarto de Aldo, me deparei com ele apontando uma arma para si mesmo.

Imediatamente, ele olhou para mim. Eu não falei nada, apenas fechei a porta e encostei-me a ela.

— Me pegou no flagra de novo.

Permaneci calada.

— E então? Não vai fazer nada? Não vai se jogar na minha frente e gritar feito louca?

— Não. Eu sei que você não vai ter coragem de faze isso.

— Você me viu atirar em várias pessoas, e duvida que eu faça isso comigo mesmo?

— Sim, eu duvido.

— Sabe, quando dizem que duvidam que eu faça alguma coisa, eu sinto mais vontade de fazer...

— É... Mas eu acho que esse não vai ser o caso.

— E o que faz você ter tanta convicção disso?

— Não sei, apenas... Te conheço o suficiente para saber que você não fará isso.

Aldo parou por alguns instantes, olhando a sua arma. Logo depois, a guardou.

— Sabe de uma coisa, garota? Se Lampião tivesse metade da inteligência que você tem, ele não teria morrido naquela noite.

Eu não compreendi muito bem o que Aldo queria dizer, mas tomei aquilo como um elogio e sorri.

— Eu passei anos da minha vida esperando a minha morte. Eu não tinha objetivo. De repente, de uns meses pra cá, eu enxerguei um propósito: derrotar a quadrilha. Agora que ela foi derrotada, estou de volta à estaca zero.

— Não pense assim. Sua vida não depende só de matar um monte de bandidos.

— Talvez você não me conheça tão bem quanto pensa que conhece.

— Talvez... Mas sei que você deve ter um propósito a mais...

Parei um tempo para pensar.

— E quanto àquela garota?

Aldo olhou para mim, curioso.

— Sabe... A filha do seu antigo patrão.

— Ora, eu já contei essa história. Eu não sei onde ela está, não faço ideia. Seria tolice depois de velho procurar uma paixão dos tempos de juventude.

— Pelo menos me diga o nome dela! Sei lá, vai que eu já tenha ouvido falar... Se ela mora mesmo por aqui, talvez eu a conheça.

Aldo respirou fundo, como se dizer aquele nome exigisse dele um esforço descomunal.

— O nome dela era tão lindo quanto ela mesma... Eulídia.

Naquele momento, eu senti como se fosse um choque.

— Eulídia?

— Sim.

— Aldo... Me espere aqui!

— Aonde você vai?

— Me espera! Eu volto já!

Abri a porta do quarto de Aldo e saí correndo o mais rápido que pude até a minha rua. Passei direto pela minha casa, nem a olhei, fui correndo para a casa da minha vizinha... A dona Eulídia! Bati tão forte na porta que provavelmente devo ter assustado a velhinha lá dentro. Quando ela abriu a porta, imediatamente deu de cara comigo.

— Dona Eulídia! Não dá tempo de explicar, você precisa vir comigo!

*

O mais rápido que pude, a levei para o asilo onde Aldo estava. Todos na recepção me olhavam curiosos para saber quem era aquele velhinha que eu levava comigo. Eles queriam me falar algo, mas eu os ignorava.

Entrei no quarto de Aldo e dei de cara com uma mancha vermelha na cama dele. Aldo não estava no quarto. Comecei a ficar assustada.

Dona Eulídia, ainda sem entender nada, olhou para trás e viu Aldo. Eu não o tinha visto, porque estava muito assustada olhando aquela mancha vermelha.

Aldo entrou no quarto, trazendo consigo uma lata que tinha acabado de lavar. Era uma lata de tinta vermelha que ele acidentalmente tinha derramado na sua cama. Quando eu finalmente olhei para trás, vi Aldo encarando incrédulo a Dona Eulídia, que também o encarava sem acreditar no que estava vendo.

Aldo se aproximou dela e segurou suas mãos.

— Você está tão linda quanto a primeira vez que a vi.

Os dois velhinhos sorriram. Eu também sorri, mas o meu sorriso veio acompanhado de lágrimas.

*

Eu ainda fiquei cerca de quatro meses com Aldo depois de tudo isso. Durante esses 120 dias, vivemos algumas outras aventuras emocionantes, que não convém muito contar agora. Talvez, um dia, eu as conte para vocês.

10 anos depois, a vida está muito diferente de como estava naquele tempo em que acreditava estar diante de um lobisomem. Hoje, eu não moro mais naquela pequena cidade, moro no Rio de Janeiro, onde exerço a minha atual profissão. Por causa disso, dificilmente vejo os velhos amigos de sempre. Faz um bom tempo que não conversamos pessoalmente, pra falar a verdade; até porque, cada um de nós seguiu um caminho diferente.

Naquele mesmo ano, Jeanne se dedicou ao vestibular, e no ano seguinte, conseguiu entrar na faculdade de direito. Hoje, ela é uma das advogadas mais conhecidas no país, não só pelos seus casos, que raramente são perdidos, mas também pelos livros que escreve. São livros tão influentes, que são usadas até hoje em diversas faculdades de direito espalhadas pelo Brasil.

Denis, após terminar o ensino médio, se dedicou a uma nova onde que estava surgindo na internet, e começou a fazer vídeos para um site que estava se popularizando muito naquele tempo. Naquela época, o nome disso era vlogger, hoje se chama youtuber. Denis começou gravando vídeos fazendo gameplays e comentando jogos que eram lançados, dando sua opinião. Hoje em dia, os vídeos dele chegam a alcançar milhões de visualizações, e Denis se tornou uma verdadeira web-celebridade. Ontem mesmo, eu assisti ao vídeo mais recente dele, e ele continua com a mesma comicidade e carisma que sempre teve.

Com relação a Aldo e Eulídia, bom... Esses estão envoltos em mistério. Desde que saí da minha antiga cidade, nunca mais os vi. Sempre que vou visitar minha terra natal, passo pelo asilo onde eu fiquei várias noites com Aldo, e pergunto se alguém tem notícias dele, mas todos me respondem a mesma coisa: que Aldo saiu do asilo, e ninguém sabe onde ele está. Quando eu vou visitar meus pais, aproveito e passo na casa vizinha, onde Dona Eulídia morava. Mas os novos moradores de lá dizem não saber onde ela mora agora.

Devido a isso, passei muitos anos achando que eles tinham falecido, justamente por ninguém dar notícias dele. Até que, poucos anos atrás, recebi notícias de moradores da antiga cidade onde eu morava dizendo que Aldo e Dona Eulídia haviam sido vistos pela cidade, indo ao shopping, lanchando em lanchonetes, fazendo caminhadas nas praças públicas, enfim... Vivendo uma vida normal de casal. No entanto, quando eu vou à minha cidade antiga, nunca tenho o privilégio de os ver.

Quanto a mim... Bem, depois que o ensino médio acabou, eu decidi vir até o Rio de Janeiro para fazer o concurso da polícia militar do estado. Entrei para o batalhão de choque, onde servi por três anos. Após esse tempo, eu decidi evoluir e entrei para o Batalhão de Operações Especiais, o BOPE (sim, aquele mesmo do Tropa de Elite). Foi difícil, eu fui uma das primeiras mulheres a entrar no esquadrão. Tem muito homem lá dentro que não queria me ver lá, eles pensavam que o BOPE não tinha espaço para integrantes femininas.

Hoje, eu sou capitã de um dos pelotões do Batalhão de Operações Especiais. As minhas missões favoritas são aquelas em que trabalhamos em conjunto com a Federal para investigar políticos corruptos. Digamos que... Meu passado me deu motivação para atuar em missões desse tipo.

Nesta manhã, eu cheguei para o meu batalhão, e os convoquei para uma importantíssima missão.

— Senhores! A partir de agora, damos uma início a uma missão que terá como objetivo investigar os crimes cometidos na área sul da Rocinha. A Federal nos enviou um relatório, que indica que existe uma possível ligação desses crimes com um plano superior do governador do estado. O BOPE é chamado ao combate. Vá e vença, que por vencido não os conheça!

— Operações Especiais! – gritaram em sincronia os homens do meu batalhão.

E lá estava eu, à frente daqueles 50 homens, todos marchando em conjunto para iniciar uma nova missão.

E assim, meus amigos, eu encerro esse meu relato.

E pensar que toda essa mudança na minha vida começou graças a um... Lobisomem... Que um dia, resolveu se abrir comigo, e me falar sobre seu passado.


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Notas finais do capítulo

Pois é, pessoal! Chegamos ao final dessa fanfic.
Quero agradecer a todos os que tiraram um pouco de seu tempo para ler essa fic, independente de terem chegado ao final, ou não.

Eu espero que todos vocês tenham gostado! Se quiserem, podem deixar críticas ou sugestões para o futuro.

Um abração a todos! ^^ ♥