Foco.

Essa palavra se tornou uma espécie de mantra para o mestre Jedi nos últimos dias, desde que voltara a ativa. Pequena, mas com um grande significado para ele. Não era por menos que essa palavra lhe estava sendo tão importante naquele momento, pois mais do que nunca, ele precisava de foco. Sua mente se tornou tão instável e distraída que meditar, outrora uma atividade extremamente simples e até agradável para ele, tornou-se árdua e penosa de ser realizada, mesmo nos momentos mais tranquilos.

Isso o deixou inquieto e arredio. Começou a afastar todos ao seu redor. Não queria que mais ninguém, além dele mesmo, sofresse por causa de seus erros. Ele era responsável pelo que estava passando, então só ele poderia lidar com isso. Ao menos, era o que esperava. Sabia que superar o trauma levaria tempo e seria necessária muita, muita paciência.

Por isso, preferiu-se manter-se afastado de todos, até mesmo de Anakin e Ahsoka. Achou que fazendo isso, conseguiria acelerar o processo de cura. Mas depois de quase três semanas desde o ocorrido, percebeu que aquela ferida aberta nunca cicatrizaria totalmente. Assim como a morte de Qui-Gon, a perda de Satine deixou uma marca em seu coração que nunca mais poderia ser preenchida.

Foco, Obi Wan.

Sem conseguir se concentrar, não havia meditação. Sem meditação, não havia como alcançar o equilíbrio. Sem equilíbrio, não havia paz. Existia Apenas o remorso. A dor. A culpa. Apesar de tudo isso, Obi Wan não podia simplesmente se dar ao luxo de se manter afastado de suas obrigações. Não que ele quisesse. Pelo contrario, Sentia que se voltasse ao campo de batalha, ao lado de seus homens, ao lado de seus amigos, talvez conseguisse superar sua perda mais rápido. Já que sua abordagem anterior não dera muito resultado, talvez funcionasse dessa vez.

Seus homens precisam de você.

Com esse pensamento em mente, ele avançou em direção ao calor da batalha que se desenrolava sob o crepúsculo. Explosões ecoavam por todos os lados, produzindo o som peculiar da guerra. O som de morte e destruição. Não demorou para localizar seu comandante logo a frente, apesar das pouca visibilidade que tinha devido a fumaça. Cody se encontrava escondido atrás de um monte de sucata, o qual Obi Wan rapidamente reconheceu como sendo os restos de uma das naves de Assalto que usaram para chegar até a batalha.

— Situação, Comandante.  — Questinou Kenobi, juntando-se ao clone junto ao chão.

— Estamos sendo encurralados, General. — gritou Cody, torcendo para que o ruivo o ouvisse apesar dos tiros de blaster que eram disparados contra eles. — O flanco direito foi dominado pelos droides de batalha. Estamos tentando manter nossa posição atual, mas é questão de tempo até que sejamos obrigados a recuar até o ponto inicial. — Se movendo rapidamente, Cody levantou-se e efetuou alguns disparos, derrubando quatro droides que haviam ultrapassado o cerco. — Não consigo contatar os outros senhor. Provavelmente foram dominados também.

Obi Wan ouviu tudo atentamente. Embora sua expressão fosse serena e pensativa, por dentro ele estava se segurando para não gritar a plenos pulmões.

Maldição!

— Certo. — Disse ele, enquanto arriscava uma rápida olhada por cima do escudo improvisado. O risco valeu a pena. Empoleirado em cima de um canhão há alguns metros de distancia, estava o droide tático, responsável por liderar as tropas. O Jedi não avistou qualquer tipo de segurança ao seu redor e isso lhe deu uma ideia. — Estou vendo o droide tático. Se eu conseguir alcança-lo, talvez...

Ele não precisou completar seu raciocínio. Cody captou instantaneamente o que seu general estava pensando.

— Isso é loucura General. — Mesmo tendo o rosto coberto por um capacete, Obi Wan pode identificar a expressão de desagrado do Clone com uma ajudinha da força. — Não vai conseguir passar por todos aqueles droides sem ser atingido.

— É por isso que você vai me dar cobertura, Cody. — O Jedi esboçou um sorriso, o que lhe causou uma pontada de dor em seu coração.

Como poderia sorrir, depois de tudo? Como poderia sorrir, enquanto seus homens morriam na batalha?

— General...

— Vai dar certo. — Disse Obi Wan tentando soar confiante, enquanto se preparava para saltar  sobre a carcaça da nave republicana. — Cuide da minha retaguarda que eu cuidarei do resto. Já perdemos vidas demais hoje.

Quando Kenobi adotava aquela postura audaciosa e imprudente – cujo nome os clones carinhosamente e discretamente apelidaram de postura Skywalker, Cody sabia que nada o impedira de continuar. Assim como Anakin, Obi Wan só teria sossego quando atingisse seu objetivo.

O problema era que geralmente, essa sua abordagem mais direta e agressiva nunca tinha bons resultados. Afinal, Obi Wan era do tipo mais cauteloso e diplomático, agindo sempre com paciência e organização. Por isso, quando ele optava por deixar suas táticas conservadoras  de lado para se inspirar na ousadia de seu antigo Padawan, era quase certo que daria errado e o ruivo teria que arcar com as consequências de seus atos inconsequentes.

E ele tinha ciência disso. Entretanto, não estava se importando muito com os impasses que poderia surgir ao investir contra um adversário fortemente armado e protegido naquela situação. Sua mente conturbada o impedia de enxergar as coisas com clareza.

São apenas latas... Eu posso derruba-las.

Com um salto, ele voou e planou no ar por alguns segundos antes de descer em direção ao solo, rodopiando. Aterrissou e rolou pelo chão. Com o movimento, aproveitou para cortar com o sabre de luz alguns pares de pernas dos droides de batalha, que caíram no chão como soldadinhos de papel.

Não demorou para se erguer do chão. Com o sabre empunhado em sua mão direita, ele avançou contra o mar de maquinas que marchavam em sua direção com um único proposito em seus circuitos: Exterminar.

Obi Wan primeiramente se defendeu de alguns disparos, fazendo que ricocheteassem na brilhante e mortal lamina azul. Os disparos então retornaram e acertaram os droides que os haviam efetuado, destruindo-os instantaneamente. Com alguns giros, degolou outros duas duzias droides de batalha que se aproximavam pela sua esquerda.

Uma sensação inebriante de prazer então envolveu o Jedi por completo e ele se deixou levar pelo calor do momento. Obi Wan estava satisfeito por poder descontar toda a sua dor naquelas maquinas desprovidas de qualquer tipo de sentimento. Isso, exatamente isso. Aqueles droides não podiam sentir o que ele estava sentindo, então ele faria questão de destruí-los com mais empenho ainda, na esperança de amenizar seus sentimentos conflitantes.

São latas... Não sentem nada... Como seria não sentir nada?

Seu devaneio durou apenas alguns segundos. Um grito agudo, acompanhado do som de uma explosão ecoou atrás do ruivo e ao se virar, Kenboi assistiu horrorizado um desfalecido Cody voar pelos ares e cair de bruços no chão empoeirado. A base improvisada onde ele estava havia sido atingido por um único e certeiro disparo do inimigo.

Maldição!

— Cody!  — O gritou fez com que sua garganta ardesse por conta do ar carregado de fuligem.

Seus pés automaticamente começaram a correr em direção ao comandante caído. Ele não se importou com os disparos que voavam ao seu redor, alguns passando a centímetros de seu rosto. Tudo o que lhe importava naquele momento era salvar Cody.

Aguente firme, meu amigo... Por favor, não me deixe também!

Um nó se formou em sua garganta quando ele parou derrapando ao lado do clone desmaiado. No impacto, o capacete sairá de sua cabeça e voara para longe, deixando o rosto de Cody amostra. Sangue escorria por seu nariz, boca e orelhas e seus olhos estavam fechados e sem movimento.

— Cody!  — Chamou Obi Wan ao se agachar para checar os sinais vitais do comandante. Para seu alivio, ele ainda estava respirando e os batimentos cardíacos estavam normais. — Cody, acorde! Acorde.

Não havia muita coisa que o Jedi podia fazer. Estavam no meio do fogo cruzado e tirar Cody dali, sem ajuda, seria muito difícil e arriscado. Os soldados remanescentes estavam se esforçando para manter as tropas inimigas longe, mas não aguentariam por muito tempo.

Mantenha o Foco... Mantenha o foco...

Seu mantra não estava funcionado. Sua mente estava confusa, não conseguia raciocinar direito. Só conseguia pensar em como havia sido imprudente e irresponsável ao abandonar seu comandante.

— Você também a abandonou.

A voz familiar lhe causou arrepios. De repente, uma outra sensação, ainda mais estranha do que o prazer que sentira ao destruir os droides surgiu de mansinho em seu coração, fazendo com seus batimentos cardíacos acelerassem. Era medo.

— Você a deixou morrer.

Um Suor frio começou a escorrer pela sua testa quando Obi Wan percebeu que a voz vinha do meio das chamas crepitantes a sua frente. Um vulto preto apareceu no meio do fogo e avançou em sua direção, andando como se as chamas ao seu redor não lhe fizessem mal algum, como se fizesse parte delas.

Não pode ser ele... Não pode ser...

— Você falhou com ela... Falhou com seu mestre... E falhará com todos ao seu redor. — O vulto continuava a se aproximar, enquanto sua voz se elevava  sobre o som da batalha que acontecia ao redor.- Você falhou Kenobi.

— Não. — murmurou o jedi atônito, encarando boquiaberto o vulto se materializar em meio ao fogo. — Você não está aqui...

— Estou sim, Kenobi. —  A figura envolta em chamas sorriu. Um sorriso sádico. — Venha me pegar, Mestre Jedi.

Lá estava Maul, exatamente do mesmo jeito que Obi Wan o vira da ultima vez quando o enfrentou em Sundari, capital de Mandalore. Quando o Sith matou a sangue frio sua amada Duquesa, apunhalando-a como fez com seu mestre, há muito tempo atrás. Coincidência ou não, era doloroso pensar que os dois, que lhe eram tão queridos, haviam sido mortos da mesma forma brutal e pior ainda, pela mesma pessoa.

Maul portava o sabre de luz negro e o girava de forma ameaçadora ao redor do corpo, como se estivesse convidando Obi Wan para uma dança.

Foco... Foco... Foco...

— Isso não vai salvar seus amigos. Disse Maul de forma atrevida.—  Nada poderá salva-los Kenobi... Nada.

— Não. Você não é real. — Obi Wan repetiu para si mesmo, de olhos fechados, inspirando e expirando rapidamente. — Não é real. E apenas fruto da minha imaginação.

— Real ou não, você já perdeu. Kenobi... — O Sith avançou, brandindo sua espada negra flamejante.

Não houve tempo para reagir. No ultimo instante, Obi Wan arregalou os olhos e se jogou para longe de Cody. O sabre de luz negro desceu no lugar em que instantes antes estava seu ombro direito. Arfando, o ruivo ativou seu sabre de luz e se colocou em posição defensiva.

Um. Dois. Três golpes seguidos. Todos defendidos graças a agilidade do Mestre Jedi, Mas ao precipitar-se para se defender do quarto golpe, ele foi pego desprevenido por um soco em sua boca. Maul soltou uma risada contida e inflou o peito, orgulhoso de seu golpe.

— Eu disse. Você já perdeu.

Obi Wan recuou alguns passos, atordoado por causa do soco. Sentiu o sangue morno começar a escorrer pelo corte recém aberto em seu lábio inferior. Nada que o impedisse de continuar lutando, se estivesse em boas condições. Mas o ruivo não estava bem. Soube disso no momento em que ergueu os olhos e fitou a figura ameaçadora a sua frente e percebeu que realmente, era apenas fruto de sua imaginação. Maul nunca esteve ali.

O Sith desaparecera, assim como o sabre de luz negro. Em seu lugar, um MagnaGuard IG-100 portando um bastão Electristaff encarava Obi Wan, pronto para atacar novamente.

Não era ele...

E então, o duelo recomeçou. Novamente o droide avançou contra Obi Wan, girando seu bastão tão rápido quanto uma hélice de motor. O ruivo se manteve distante e atento a cada sutil mudança no padrão de ataque do droide. Pelo menos minha capacidade de prever os movimentos do inimigo não me deixou na mão, pensou o Jedi.

O bastão foi lançado em sua direção e se ele esquivou para a direita. Aquela era a sua chance. Segurando o cabo cilíndrico de seu sabre de luz com força, Obi Wan movimentou-se como um jogador ao rebater uma tacada, desferindo um golpe horizontal no corpo mecânico do droide. A parte de cima e a parte de baixo caíram no chão, se contorcendo. Logo, os circuitos queimaram e sensor vermelho do droide MagnaGuard se apagou definitivamente.

Mas Obi Wan ainda não estava satisfeito. Fora fácil e rápido demais. Maul nunca teria sido derrotado daquele jeito patético.

Talvez ele simplesmente não pudesse ser morto.

Ofegante, o jedi então desferiu um ultimo golpe contra o droide partido ao meio. A lamina atravessara o peito blindado do droide, mas ao invés de desativa-la, encerrando por completo sua luta contra, Obi Wan se manteve naquela posição, inclinado sobre o que restara de seu adversário mecânico, de olhos fechados, meditando enfim...

Ouvi dizer uma vez que em uma guerra, Não há tempo para tristeza...

Não há tempo para o luto...

Não há tempo para arrependimentos...

Eu concordo. O tempo é um bem precioso demais.

Ouvi dizer também que no campo de batalha, O coração para de sentir.

A mente para de lembrar...

Mas isso é mentira...

Você nunca esquece e nunca vai deixar de sentir...

Vai se lembrar para sempre de todos os seus fracassos, de todas as suas perdas... Todos os dias.