Sangue. Muito sangue. Havia ainda mais sangue do que antes. Escorrendo por todo o seu corpo, um lago carmesim formava-se aos seus pés. E, agora, com duas flechas perfurando seu peito, Shoryu só conseguia permanecer em pé por estar amparado nos braços da irmã.

— Shoryu! — questionava Huan-Li, aflita. — Por que você fez isso?!

— Você disse que eu só iria atrapalhar... — murmurou, quase sem forças. — Mas, no fim, abri caminho para a sua vitória... — completou, com um sorriso manchado de sangue.

— Idiota... — desabafava Minamoto, que não parecia estar contente com o resultado de seu ataque. — Não deveria ter se atirado na minha frente...

— Shoryu... Shoryu?! — Huan-Li tentava, sem sucesso, mantê-lo acordado. — Nós ainda não decidimos qual de nós receberá a Excalibur do papai... Por favor... — implorava, ficando, ainda que contra a vontade, com os olhos marejados.

Mas, por mais que insistisse, seu irmão já não respondia mais. Huan-Li não pode fazer nada senão repousá-lo no chão, enquanto Minamoto, aparentando respeito, aguardava pacientemente.

Abraçando o irmão, Huan-Li não conseguia entender o que ele quis dizer com “abrir caminho para a sua vitória”. Afinal, a armadilha com a qual Minamoto tentou matá-la, e da qual Shoryu a protegeu, só pode ser criada por que o próprio Cavaleiro de Dragão interferiu na luta. Porém...

— Acho que já podemos retornar à nossa luta... — quebrou o silêncio, finalmente, o sagitariano. — Apesar de que, essa interrupção... Não fez a menor diferença.

— Cale a boca — xingou a amazona, levantando-se consternada. Seus olhos, frios como o aço, afiaram-se sobre Minamoto. — Você não vai me enganar...

O sagitariano sorriu cinicamente, percebendo que não havia conseguido ocultar.

— Seu ombro direito... — apontou Huan-Li. — Shoryu o machucou naquele momento não é? Quando o atingiu com o Cólera do Dragão. E, depois, quando você forçou o ombro para puxar a corda do seu arco, você o machucou ainda mais... Com esse ombro fodido, você não conseguirá mais atirar as suas flechas normalmente.

— Você tem um bom olho clínico, garota... — começou a rir o dourado.

Deixando a sua expressão de dor transparecer, Minamoto deixou, também, de resistir à tentação de massagear o ombro machucado.

— Eu estive tentando curar o meu ombro com o cosmo, discretamente é claro, enquanto você se despedia do seu irmão... — começou a desabafar, transparecendo certa frustração, apesar do sorriso amarelo. — Porém, parece que o seu irmão conseguiu esmagar o meu ombro além do esperado...

 “Maldito Shoryu...” Deu o braço a torcer a amazona, em seus pensamentos.

Com um sorriso amarelo, Huan-Li levantou-se para lutar. Dessa vez, porém, assumiu uma postura diferente. Aproveitando a oportunidade aberta por seu irmão, a amazona lutaria, agora, com os dois braços abertos como espadas.

“Essa postura...” Notou, imediatamente, Minamoto. “Ela está se preparando para atacar como se...”

— Obrigada, irmãozinho... — sussurrou Huan-Li, para si mesma. — O seu sacrifício não será em vão — afiou os olhos.

Partindo em direção ao inimigo, Huan-Li primeiro girou seu braço esquerdo. Minamoto, como sempre, usou seu arco para se defender. Porém, logo em seguida Huan-Li continuou a girar o tronco para atingi-lo também com o seu braço direito.

“Impossível...” Pensava Minamoto, naquele milésimo de segundo que antecedia o desfecho do ataque. “Até agora ela não demonstrou ter herdado a Exacalibur no braço direito... Se ela tentar usar esse golpe, apesar disso, não irá passar de uma cópia barata... Ou uma espada sem fio! Mas, ainda assim...” Os olhos de Minamoto arregalaram-se quando ele viu; uma aura de dragão esmeralda, surgindo a serpentear ao redor do braço direito de Huan-Li, conforme ele cortava o ar em sua direção. “Mas isso não é a Excalibur... É uma espada completamente nova!”

Quando a capricorniana cruzou seu braço sobre o corpo de Minamoto, o dourado foi tomado por intensa tormenta cósmica, que arrastou seu corpo para longe.

— Dança Infinita do Dragão Celestial! — exclamou Huan-Li.

Arremessado pelos ares, Minamoto não conseguia retomar o controle de seu corpo, pois a aura daquele dragão esmeralda agora serpenteava ao seu redor, mantendo-o preso em uma intensa tormenta cósmica.

— Agora você está perdido! — exclamava a amazona, já saltando em seu encalço.

Minamoto atravessava várias colunas de mármore através da Casa de Capricórnio, voando de um lado ao outro conforme Huan-Li o golpeava incessantemente. A amazona, que perseguia-o de maneira implacável, sempre saltava para acompanhá-lo, e alternava entre retalhá-lo com a Excalibur e, com a Dança Infinita do Dragão Celestial, atordoá-lo novamente, sempre lançando-o, sem parar, em outra direção através da décima casa.

E a cada golpe recebido, Minamoto parecia ficar cada vez mais fraco. Era só questão de tempo até que ele não conseguisse mais evitar que seus pontos vitais fossem atingidos.

— Está acabado... — arfava Huan-Li, percebendo que estava prestes a desferir o golpe final.

No entanto, quando a amazona já saltava para brandir a Excalibur pela última vez, notou aquele mesmo silvo de antes a ecoar pela Casa de Capricórnio. Um riso cínico abriu-se no rosto de Minamoto, e Huan-Li percebeu que aquele era o mesmo som que precedeu a derrota de seu irmão.

Levantando uma mão ao alto e, a seguir, mirando-a na direção de Huan-Li, Minamoto exclamou, ainda que capturado pelo intenso fluxo do dragão esmeralda, a sua cartada final:

— Grande Saraivada Final!

Dezenas de flechas, rodopiando em pleno ar, e espalhadas previamente pela décima casa enquanto Minamoto era golpeado de um lado ao outro, subitamente pararam de girar, e miraram em Huan-Li, disparando à velocidade da luz.

Escapar era inevitável. Huan-Li não conseguiria mais deter ou alterar seu deslocamento em direção a Minamoto. Então, tomou a única decisão que lhe restava: mesmo que custasse a sua vida, levaria seu golpe final adiante. Voltou a forcar-se em seu alvo, e girou a sua arma o mais ferozmente que pode.

Um corte limpo pode ser ouvido. E um véu vermelho cobriu o recinto, preenchendo-o, ainda que sutilmente, com a diabólica sinfonia de gotas de sangue beijando o chão. Até que, com um baque surdo, anunciou-se um combatente caído: com o corpo de um lado, e o braço esquerdo decepado do outro, Minamoto veio ao chão.

Já Huan-Li, pouso em pé, mas alvejada por dezenas de flechas douradas, que cobriam seu tronco por todos os lados. E, enquanto a poça de sangue sob seus pés crescia, seu adversário já começava a estancar a hemorragia do membro perdido.

— Um dos irmãos inutilizou o meu braço direito... E o outro... Arrancou fora o meu braço esquerdo... — conferia Minamoto, com um sorriso amarelo. — Mas... Parece que o vencedor dessa batalha... Ainda sou eu! — afirmou, levantando-se, no mesmo instante em que Huan-Li caía de joelhos.

A amazona estava exausta. Todo aquele sangue, que juntava-se aos seus pés, não era somente devido às perfurações das flechas. Acontece que, assim como o Cólera do Dragão, o Fluxo Infinito do Dragão Celestial também trazia sérios efeitos colaterais à circulação sanguínea do usuário. Não fosse isso, Huan-Li também já teria conseguido interromper sua hemorragia.

— Agora... — continuou o dourado, que começava a mancar, com bastante dificuldade, em direção a Huan-Li. — Vamos colocar um fim nisso...

Com uma flecha na mão direita, Minamoto deu demorados passos até a amazona, que já parecia estar derrotada. Mas, quando o dourado aproximou-se o suficiente, Huan-Li surpreendeu-o com um ataque da Excalibur, mirando seu pescoço.

Foi inútil. Já prevendo o movimento, o sagitariano fintou o corpo o suficiente para que a Excalibur passasse à sua esquerda. E, não dando espaço para um novo ataque, abraçou a amazona. Huan-Li gritou em agonia, quando o dourado cravou em suas costas a flecha que carregava em sua mão direita. E, abraçando-a cada vez mais forte, enterrou o dardo ainda mais fundo.

— Sinto muito... — sussurrava o oriental, no ouvido da amazona.

Apesar de inimigos de guerra, Minamoto tentava acalmá-la em seus momentos finais, para que sua vida partisse com menos dor.

— Não... — agonizava Huan-Li, escorrendo uma lágrima. — Sou eu quem devo me desculpar!

Antes que Minamoto pudesse entender, a amazona já havia enlaçado seus dois braços à sua volta, impedindo-o de escapar.

— O quê? Espere... O que você pretende? — questionou, percebendo que o cosmo da amazona já voltava a queimar intensamente.

— Você é cheio dos truques... Mas dessa vez fui eu que te peguei em minha armadilha... — voltou a sorrir, irreverente, a amazona.

— Não seja tola... O que pode fazer nesse estado? E me abraçando desse jeito, você só está enterrando ainda mais fundo as flechas em seu corpo...

— Não importa... Para o meu último golpe, não vou mais precisar de minha vida! — determinou-se, apertando-o ainda mais forte.

— Não me diga que... Vai usar o Último Dragão?!

Após apagar por alguns minutos, Shoryu recobrava a consciência. O Cavaleiro de Bronze continuava sem forças, mas conseguia distinguir a imagem de sua irmã enlaçada em Minamoto. Agarrada ao inimigo, o cosmo dourado de Huan-Li os envolvia com a aura de um enorme dragão serpenteante.

— Não... — não quis acreditar Shoryu. — Huan-Li! Pare! Não faça isso!

Ouvindo a voz de seu irmão, Huan-Li olhou-o com um doce sorriso, que parecia não combinar com ela.

Shoryu tentou gritar mais uma vez o nome da irmã. Mas antes que terminasse, o cosmo da amazona explodiu, lançando-a, junto do inimigo, em direção aos céus. Shoryu mancou e tropeçou como pode até embaixo da cratera que fora deixada para trás, no teto da décima casa, e procurou por sua irmã. Mas já era tarde. Tudo o que o rapaz pode ver foi uma estrela cadente, queimando na estratosfera.