Qualquer um menos você escrita por Cherry


Capítulo 15
15 - Olhos que me ferem


Notas iniciais do capítulo

Olá, tudo bem?

Quanto tempo não é? Já estava quase terminado e não conseguia tocar mais nessa obra, mas consegui finalmente.

P.S.: Tem algumas palavras de baixo calão aqui (palavrão e sobre parte intima), já é um aviso no começo da fic, mas vim avisar aqui.

Espero que gostem e boa leitura. Obrigada por tudo.



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Capítulo quinze
      Olhos que me ferem

 “Existe um espaço
vazio e ansioso
entre a euforia
dos sentimentos bons
e a tristeza
da vida humana
faz alguns dias
que me sinto
entre um e outro
nem feliz ou eufórico
nem triste ou frustrado
mas indiferente
uma sensação de incerteza
que se confunde com vazio
não sei”
(@kaiobrunodias)

Como se ir a floricultura e ouvir a pergunta se eu era mais uma das inúmeras fãs de Daniel não fosse constrangedor o suficiente, pior foi chegar no quarto daquele hospital e ver que tinham tantas flores que mal dava de enxerga-lo. Vontade que martelava a cada segundo ali vendo seu sorriso social era de dar meia volta e ir jogar aquele buquê no lixo.

— Coloca ali na janela. — E ainda apontou para o local. Nem para me agradecer seu arrogante de merda? — Como está, Elisa? — Sua voz foi saindo mais fraca a cada silaba dita e isso me fez sentir a pior de todas por ter o xingado há meio segundo atrás.

A tacada final com toda certeza foi tossir igual a um velho fumante.

— Eu que deveria ter perguntado se está bem. — Soltei.

Apenas quando me chamou com as mãos que percebi o quão longe estava dele e queria me bater por ter o forçado a falar um pouco mais alto, mas me conhecia o bastante para saber que era tudo por medo. Medo de ver seu rosto pálido tão de perto, ou sua respiração ofegante, e dar de cara com sua doença o matando.

— Não sou eu que parece que vai chorar a qualquer momento. — Sussurrou e foi aí que percebi que estava falando de mim. Desde quando estava assim? — Mas pelo menos não está pior que o dia que vim para cá. — Isso foi para rir?

— Como assim? — Juro que quando cheguei ia conversar o mais breve possível para que não precisasse abrir a boca, porém ainda havia alguém dentro de mim que vivia para rebater tudo que ele dizia.

— Fiquei assustado, confesso. — E uma pausa foi dada antes de continuar, não sei se para recuperar o fôlego ou esperando minha reação. — Acho que foi pela sua cara feia. — Querendo dar uma de engraçadinho até nessas horas é?

Ele realmente está falando do meu estado? De como fiquei por ter sentido culpa? De todo aquele desespero? Se não estivesse doente teria enfiado a minha mão nele e ido embora, mas apenas respirei fundo e fiquei no mesmo lugar.

— Deveria estar acostumado, já que vê coisa mais horrorosa todos os dias. — Se havia uma coisa que não controlava ainda era a minha língua, porém aquela vontade de rir consegui ao ver sua expressão ir de cem a zero após um tempo.

— Está falando o que eu penso que é? — E o tom afinando significava raiva. A antiga eu com toda a certeza teria repassado essa cena na sua mente toda noite de tão feliz que estaria, agora era outra história.

— Ache como quiser, Danielzinho. — Cala a maldita boca, Elisa, por favor!

Levantou o lençol e olhou para o meio das suas pernas, mas não para que visse. Quando voltou o rosto em minha direção sabia que seu humor não era mais de brincadeira.

— Lembro que ter dito que esse é a pior maneira de apelidar um homem. — Ele estava bem sério. — Não é assim que se trata quem vai fazer trabalho contigo e diz ser fã. — E isso me fez ficar arrepiada por imaginar que poderia fazer.

— Sou sua ? Está doido é? — A última coisa que comentou me deixou curiosa ao ponto de passar por cima de sua ameaça sobre nosso projeto.

— A maluca é você de se fazer de desentendida quando trouxe Camélia. — É o quê? Dei uma volta ao meu redor e tinham muitos buquês parecidos com o meu, assim como cravos, rosas e até tulipas.

— E qual o problema? — Apenas pedi porque acho bonitas.

— Todo mundo da cidade sabe que rosas são de amor, peônia para casamento feliz e a flor que trouxe é pela admiração. — Estava com a vontade de manda-lo se foder quando veio com essa, só por que o nosso turismo é por conta do jardim botânico e ouvimos o significado de cada uma na excursão do quinto ano tenho obrigação de saber isso?

— Sério? Nossa, que enorme vacilo o meu, achei que era “fica quieto que você está internado, seu idiota” e por isso comprei. — Devolvi. 

— Está com vergonha de admitir que me ama só por que te peguei no flagra foi? — Eu? Por ele? Aquele sorriso sacana não significava que ia comentar que estava de brincadeira, longe disso, com certeza foi para me provocar.

— Quer ver que faço com esse amor todo? — Perguntei sem esperar a resposta, dando passos para trás e parando apenas quando cheguei perto da parede.

O problema é que aceitei esse maldito desafio por trás de suas palavras e peguei o buquê que havia comprado com tanta dificuldade e joguei fora pela janela, era como se todo o esforço que fiz até agora fosse em vão ao ver aquelas flores se soltando e caindo na calçada por um misero momento de raiva. E de novo lá estava aquele sentimento antigo por ele ressurgindo.

Se eu voltei o mais rápido que podia até ele e coloquei o respirador nele foi para não ouvir de sua boca que tinha vencido ao me deixar assim, porque quando vim aqui queria de tudo, menos brigar. Engano meu ao pensar que assim não me sentiria tão agoniada, só que seus olhos eram piores que ouvir sua voz. Era como se estivesse gritando que pedisse desculpa e se fazia de propósito estava dando certo.

“Aquele filme de zumbis foi ótimo, sabe de mais algum?” — Elisa.

Essa era a minha maneira de pedir perdão, não me julguem, porque ao ler essa mensagem conseguia ver um sorriso se formar em seu rosto, sua mão naquele lugar era por estar pensando e sua agitação ao digitar me deixava entender que tinha gostado do assunto. Parecia até um menino que acabou de ganhar aquele brinquedo que pediu de natal.

“Tem uma série que se chama “viva enquanto puder” e tem bastante sangue. Se ver depois me conta que achou!” — Daniel Schutz.

Sentei naquele sofá e fiquei relendo sua mensagem sem entender porque tinha me impressionado tanto ter visto essa obra-prima. O problema não era esse, sim quem tem um gosto tão parecido com o meu para gostar dele.

“Já assisti, mas obrigada.” — Elisa.

Por mim eu citaria o quanto o protagonista era burro, mas corajoso também, ou o quanto os monstros eram rápidos. Talvez até do quão realista era cada cena pelo tanto de sangue ou a indignação por quererem o cancelar por isso.

“E vai me dizer que odiou?” — Daniel Schutz.

Não o culpo quando a maioria não havia curtido pela violência. Resolvi pegar a minha postagem na rede social de três meses atrás e bati print para enviá-lo, o que é bem melhor que responder que “sim”.

“Me fala você mesmo.” — Elisa.

— Qual cena mais gostou? — Foi quando me aproximei que pude ouvir o que dizia, já que a primeira vez mal saiu de seus lábios por conta de ter tirado o tal inalador. Seus olhos brilhavam, será que os meus também estão assim?

— Quando o imbecil do Nick quase morreu. — Fui sincera.

— Por que acha isso? Só por ter jogado seu amigo como isca para os zumbis ou por ter ligado para a sua namorada e chamado atenção? — Colocava a mão no coração como se o que tinha comentado fosse a pior coisa do mundo, porém o seu jeito me fez foi rir sem que quisesse.

— Isso é o de menos, como confiar em alguém que fala em terceira pessoa toda a hora? — Claro que já que o detestava cada detalhe era o bastante para xingar toda a geração dele, mas ninguém merece ficar ouvindo esse ser falando “o Nick precisa mijar” ou qualquer outra coisa como se não fosse ele.

— Tanto faz, estava torcendo para os monstros. — Tem um ponto.

Meu braço estava encostado na cama e minha cabeça deitada ali, mas os meus pés não paravam de se mexer pelo tanto que queria falar sobre essa série. Não é que Alisson não fosse boa companhia, mas quem prefere filmes de romance e ficou com medo de filme de terror com péssimos efeitos especiais dos anos 70, jamais vai desejar assistir algo assim.

— Vai me dizer que não chorou quando a Mandy faleceu? — Perguntei mesmo o vendo ficar um pouco mais pálido e até cansado, dessa vez Daniel que colocou de volta o aparelho e pegou o celular.

“Sim, mas com certeza não pelo mesmo motivo que o seu (eu acho).” — Daniel Schutz.

Essa sua frase entre parênteses me incomodou tanto que preferi ficar no assento para que minha mão não escorresse e desse um tapa nele, sem querer claro.

“Como assim eu acho?”— Elisa.

Seu sorriso de agora nem era mais tão fofo para mim, sim demoníaco, que cada digitada me dava calafrios pelo que ia responder. Se antes chorava era por pena, se continuasse assim seria por raiva.

“Eu fiquei chateado foi por não poder mais vê-la aproveitando qualquer momento para ficar de sutiã ou correndo por aí em câmera lenta.” — Daniel Schutz.

— E o que te faz pensar que gosto de ver cenas tão nojentas assim? — Já me tirou do sério de novo para nem conseguir mais digitar de tão nervosa.

“Você que me diz Senhora-que-me-chamou-de-Danielzinho!” — Daniel Schutz.

Era só juntar A+B como matemática para compreender que estava querendo me alfinetar por causa do que falaram naquele grupo sobre eu preferir o sexo oposto, isso era jogar baixo mesmo para quem estava internado em um hospital.

— Ofendi o pica de mel foi? — E me olhou como se tivesse dito uma barbaridade, o que me fez querer continuar. — Nem sabia que decidia quem era lésbica dando para você, quem te rejeita só pode detestar homem não é mesmo? — Foi quando a enfermeira que passava avisou que era um hospital que entendi a forma como me encarava, me sentindo envergonhada por ter agido assim aqui, jamais pelo Daniel.

Sua risada enquanto mexia no telefone era fraca e falhada, porém foi o bastante para ficar mais vermelha ainda. Mais preocupante para mim foi por um idiota feito ele achar graça do que disse.

“Não lembro de ter perguntado se queria fazer sexo contigo.” — Daniel Schutz.

— Só não queria te ofender falando sobre o quanto sua coisa é feia e torta. — E dessa vez não disse para todo mundo ouvir, apenas fiquei mais próxima dele ao ponto de quase encostar minha boca no seu ouvido e conseguir sussurrar lindas palavras como essas.

— Coisa? Não entendi. — Vai se ferrar.

— Seu órgão masculino, falo, membro, jeba ou o que preferir. — Achou que era uma covarde que ia fugir dessa? Pensou errado.

Provavelmente teríamos uma batalha de rap ali mesmo por mensagens, mas eu nunca saberei porque vi um número desconhecido me ligando, pelo jeito era fixo e da cidade. Quando atendi preferia mil vezes que fosse um golpista falando que minha filha Roberta tinha sido sequestrada a essa voz.

— Elisa? — Nada menos que uma mãe que parecia irritada, decepcionada, até desesperada, não tinha um pingo de carinho na sua pergunta.

— Fala. — Me senti como aquela criança que tremia ao vê-la brava em casa.

— Está frequentando as terapias? — Com aquela psicóloga que recomendou e ia te contar tudo que falei para você depois? Não, obrigada.

— Até parece que não sabe a resposta. — Isso me irritava mais que tudo.

— Pois precisa ir urgente, se não vai continuar a mesma. — Parecia uma inimiga falando assim, o que me doí cada vez que deixa claro o quanto detesta meu jeito.

Quando procurei refugio em algum lugar o que vi foi uns olhos em minha direção que pareciam saber cada parte de mim, como se tivesse a certeza do quanto me sentia sufocada pela maneira que me encolhia, ou a vontade que tinha de sumir dali pela maneira que apertava meus dedos naquele sofá ao ponto da unha doer. E uma mudança em seu olhar me deixou agoniada e virar para a janela.

— Sim, senhora. — Percebi a garganta seca e a minha voz sair embargada, era a certeza de que me chateou como queria. — Seria maravilhoso se eu fosse que nem você, não é? Uma mulher que prefere qualquer um a sua própria filha. — E sabia que estava gritando nessa hora um estúpido “me ame” bem grande a ela.

— De uma filha que só me traz decepção não quero mesmo. — Nem precisava vê-la para entender como estaria. — Achei que o máximo que faria para se vingar fosse ignorar as mensagens que mando, mas preferiu jogar sujo comigo feito uma criança mimada. Quando vai crescer e superar, Elisa?

Não aguentava mais sentir meus olhos arderem e ligar para qualquer coisa que essa mulher fala, qualquer mínima frase que seja já me fazia chorar. Ela não me deixava esquecer do quanto sou uma pessoa horrível a cada conversa nossa.

— Não estou entendendo, posso desligar? Estou ocupada agora. — Escapar era o melhor do que ter de ouvir qual era o motivo dessa vez para me xingar.

— Fazendo o quê? — A preocupação nem existia aqui.

Minha respiração era ofegante e tentava respirar fundo, só que era como se o ar mal entrasse em meus pulmões e me sentisse sufocada. Se não tivesse sentada em um sofá talvez tivesse desmaiado por todas as lembranças que vinham dela sem avisar.

— Visitando um colega no hospital, por quê? — Depois de eu soltar o que queria saber feito um cachorrinho, ouvi um barulho tão alto que meus ouvidos chegaram a doer. Certeza que tinha feito a mesa ou a parede de vítimas como sempre.

— Certo. — No fundo uma outra voz se sobressaiu antes de desligar sem nem me dar um “tchau”, o que fez pular da cadeira de medo, muito medo

Peguei a minha bolsa e passei pelo Daniel apenas acenando e fui para fora dali o mais rápido que pude, porque se ficasse ali e abrisse a boca tenho certeza que voltaria meu pior lado para ele de novo. Infelizmente o joelho não queria cooperar comigo e parecia uma eternidade chegar à porta, mas eu consegui. E até passei pelo corredor e já podia ver que faltava pouco para sair daquele hospital, se não tivessem me parado ao me pegar pelo braço.


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Notas finais do capítulo

Que acharam? Quem é? Vamos ver.

O gif não é meu e caso tenha algum erro de português me avise, também sugestão. Fico feliz por me acompanharem.

Espero poder continuar.



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