Tempos de Caos escrita por Bianca NNL


Capítulo 1
Capítulo 1 — Nova Pênia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789751/chapter/1

Nova Pênia representava bem o nome que carregava. Era um lugar pobre, em todos os aspectos — de saúde, de dinheiro e de valores —, com o característico odor de sangue e fumaça entranhado no ar e nas ruas. Os sons mais ouvidos eram os gritos, muitas vezes acompanhados de gemidos, que transmitiam um misto de dor e prazer, deixando difícil dizer quando era o quê. E Nora amava aquilo, aquela depravação. O brilho das luzes neons dos prédios se confundia com o brilho de excitação nos olhos dela. Ela simplesmente amava demais aquele caos.

A garota conseguia observar quase toda a cidade de onde estava. Nora, ao olhar para baixo, conseguia ver o asfalto sob seus pés, e ter um vislumbre de um amontanhado de carne, sangue e ossos quebrados, seu corpo esmagado caso se descuidasse um pouco, mas ela não se importava muito, havia algo mais interessante para se prender. Então, ela se segurou na grade, onde estava sentada, e inclinou o corpo totalmente para frente, querendo observar o desenrolar da perseguição que acabava de começar alguns andares abaixo.

Joana corria, sem saber muito bem para onde ir. Seu cabelo negro tremulava no ar, enquanto tentava fugir de três estranhos muito maiores que ela. Nem precisava olhar para trás para saber que eles já apontavam algo na sua direção, e que eles carregavam as piores intenções possíveis. Mesmo longe, Nora conseguia perceber isso só pelo cheiro deles.

— Será que ela vai morrer? Ou vão só estuprá-la? — Nora pensou alto.

— Qual é a graça de ver pessoas morrendo? — uma voz estrondosa soou na sua cabeça.

— Vê-los sofrer, oras! Precisa de mais? É a coisa mais fascinante que existe na mortalidade. A certeza da morte brilhando no olhar, e a incerteza de quando. O medo em volta disso é fascinante e delicioso de saborear — seu sorriso evoluiu para uma gargalhada barulhenta quando os homens finalmente alcançaram Joana, e começaram a desferir vários golpes contra a mulher, a voz apenas suspirou, fazendo Nora revirar os olhos, irritada — Você é muito chato, deveria tentar aproveitar um pouco mais.

— Às vezes, você me surpreende com tamanha frieza — a voz foi ficando distante.

O visor de Nora desceu, e a garota se jogou para trás, caindo dentro do terraço do apartamento.

Enquanto isso, com as mãos feridas, Joana tentava proteger seu rosto, e esconder as lágrimas, sem se importar de já terem rasgado toda a roupa que vestia, a deixando nua e com frio, apenas não queria que a vissem chorar, não dar o gosto do seu sofrimento. Um dos homens puxou violentamente o cabelo dela, enquanto o outro segurou suas mãos, fazendo a olhar para cima. Por um momento, ela achou ter visto alguém, mas o movimento foi rápido demais para ter qualquer certeza. Talvez se gritasse alguém a ajudaria, já que estava em frente ao maior prédio da cidade, pensava que a probabilidade de ter pessoas ali dentro era grande, ela apenas precisava de alguém corajoso o suficiente. Mas ao abrir a boca, percebeu que a voz não saía, deixando o questionamento do porquê aquilo acontecia com ela, o que a mulher havia feito para merecer tamanha violência e abuso.

Algo quente perfurou a coxa direita dela, num primeiro momento não houve dor, apenas quando seus olhos castanhos rolaram para baixo que pode ver o estrago. O golpe foi tão doloroso, que Joana puxava o ar e nada vinha, e deixou tudo mais brilhante e embaçado. As pernas fraquejaram, mas nem tombar no chão ela poderia, ficando suspensa pelas mãos, e encarando a forte luz que penetrou a sua carne. Agora, estava apontada para o rosto, e sem chance de escapatória.

Com a trilha sonora de risadas, ela se debateu, e ainda pensava num jeito de pedir ajuda. A dor queimava mais do que qualquer outra coisa que ela poderia lembrar. Ela tinha muito o que viver ainda, não poderia morrer ali tão fácil, não daquele jeito.

A luz piscou, e qualquer esperança se desfez tão rápido quanto se fez, apenas poderia aceitar o calor que começou a sentir na bochecha. Foi quando a mão que segurava seus braços afrouxou. Ela bateu os joelhos no chão, e os seus braços tombaram do lado do corpo. Olhando ao redor, ela viu os três homens caídos no chão. Poças de sangue começaram a se formar ao redor dela, e o alívio sobrepôs o pânico de ver aqueles corpos sem vida.

— Você está bem? — alguém atrás de Joana perguntou.

Passando o braço sobre os seios, Joana virou o pescoço até conseguir ver a figura do homem encapuzado segurando algum tipo de arma. A luz da ponta ainda estava ligada, e mirando nela. Um gosto ácido subiu pela garganta e o mundo pareceu girar por alguns instantes. Ela olhou para o buraco em sua coxa direita e o sangue jorrando, talvez ainda tivesse alguns segundos de consciência. Tremendo, ela se jogou sobre o corpo de um dos mortos, procurando o laser usado nela antes.

— Garota, calma… — o novo homem começou a falar, mas ela ignorou o resto da frase, apenas sentindo uma pressão nos ouvidos, como se estivesse embaixo da água. Ela continuou procurando desesperadamente, com a visão embaçando.

Seu corpo nu já estava coberto de sangue, tanto dela, quanto dos seus algozes. Joana sentiu o desejo de correr, mas já não conseguia mais se apoiar na perna direita, apenas podia enfiar suas mãos em meio ao amontoado de carne em sua busca desesperada. Quando percebeu alguém a segurar por trás e puxar pra longe, sentiu a náusea em ver a trilha de sangue formada.

— Por favor, não me mate — o choro já não era contido mais, mantendo os olhos fechados. A cabeça da garota tombava para trás e um suspiro fraco saiu da sua boca — Faça qualquer coisa comigo, mas não me mate.

O homem virou Joana para ele. Os seios da garota estavam escondidos pelo longo cabelo. Ela tinha um belo corpo, ele queria tocar, sentir-la, mas, ao olhar o rosto negro molhado e contorcido de medo, apenas repeliu o impulso. Ele baixou o capuz e tirou o casaco, jogando por cima dos ombros dela.

Sentindo o pano colar na pele dela, Joana abriu os olhos e viu o rosto do homem. Ele sorria com os olhos tristes. Os mais tristes que ela já havia visto na vida.

— Eu não vou te machucar. — ela ouviu o desconhecido falar antes de perder a consciência.

Talvez, Nova Pênia não fosse tão pobre assim, Nora pensou desgostosa com a cena.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tempos de Caos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.