Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 26
Capítulo XXV


Notas iniciais do capítulo

Oie pessoas! Eu voltei depois de tempinho, estava apenas reescrevendo algumas coisas do capítulo e por isso o atraso em postá-lo, mas aqui estamos. Depois de um capítulo fofinho trago um mais sério e com alguns questionamentos importantes entre Kam e Alana, até porque, depois do que aconteceu capítulo passado é até necessário mesmo e também vamos finalmente ver a primeira parte do encontro entre Kam, Alana e Baltazar! Segurem os cintos, porque vai vir muita coisa pela frente!!
Boa leitura!



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CAPÍTULO XXV 

No momento em que Alana deitou-se na grande cama do quarto luxuoso, ela sentiu que seu corpo se encontrava estranhamente leve, como se ele não pesasse mais do que uma simples folha de papel. Ela não sentia suas pernas como antes — firmes e fortes — mas, as sentia falhas e moles; tomadas pela sensação de que se estivesse caminhando, teria caído a qualquer momento. Foi estranho quando se viu deitada, encarando o teto do quarto no mais completo e absoluto silêncio, os pensamentos agitados e tomados por uma euforia descomunal e inédita para ela.  

Aquele não fora o primeiro beijo que dera em sua vida, mas o que sentiu com ele foi... Era uma sensação arrebatadora. Estaria sendo exagerada? Talvez. Mas essa era a única palavra que conseguia fazer jus ao sentimento que lhe dominou quando deixou-se levar pelo calor do momento; e também era a única que conseguia descrever com precisão tudo o que sentiu quando o beijou. Quando ele a beijou.  

Seu coração disparou forte contra seu peito, batidas aceleradas demais que lhe davam a impressão de que estava sofrendo de algum tipo de ataque cardíaco e talvez tivesse acreditado nesse pensamento se não estivesse sentindo-se tão viva como naquele momento. Era uma sensação nova para ela, como se conseguisse sentir um tipo diferente de vida correr por todo seu corpo; isso veio dele, ela tinha total certeza. Pensar naquele beijo trouxe de volta à tona tudo o que sentiu no segundo em que teve seus lábios unidos aos dele, o calor de seu toque assim como de sua boca eram sensações que correram por toda a extensão de seu corpo, a queimando forte.  

Ela pensou em sua reação, quer dizer, na resposta ao beijo. A retribuição do ato. Não seria mentirosa em negar a verdade, retribuiu ao beijo por vontade própria, porque fora dominada por um sentimento estranho ao ouvi-lo falar sobre os próprios sentimentos. Porque talvez, ela também tivesse sentindo-se da mesma maneira, com uma experiência completamente diferente da relatada por ele; mas ainda semelhante. E mesmo que aquilo parecesse uma completa loucura, ela não se arrependera do que fizera, não voltaria atrás para apagar aquela cena e esquecê-la, se pudesse voltar no tempo, voltaria para aquele exato momento e reviveria tudo outra vez, iria se deixar levar pelo turbilhão de sentimentos e sensações que fizeram dela uma pessoa viva.  

— Não... — Murmurou a negação baixo demais, erguendo-se da cama quando pensamentos mais racionais e lógicos fizeram-se presente. Sobressaindo aos outros pensamentos, deixando para trás qualquer ponto de alegria que existia nela ao fazê-la recordar de quem Kambriel realmente era.  

Um arcanjo.  

Foi imediato, o arrependimento que a dominou quando se deu conta do que fizera. Do que deixou que ele fizesse e colocasse em risco sua vida e quem ele era. A regra que ele quebrara por sua causa e que, teria consequências. Como pudera ser tão imprudente? O que sentiu não era culpa, sabia que isso viria depois quando soubesse que acontecera com ele o mesmo que houve com Eva; ele perderia suas asas e tudo o que tinha no céu. O pensamento a deixou aflita, mais nervosa do que queria e imaginava que ficaria, dessa vez seu coração bateu mais forte de novo, mas por outro motivo.  

Como seguiria sua vida sabendo que Kambriel poderia perder tudo por causa dela?  

Alana West cogitou a ideia de ir até o quarto de Kambriel para que conversassem sobre o ocorrido, colocaria em evidência todos os contras para que aquilo não tornasse a acontecer pela segunda vez e, por um momento ela se viu tentada em sair da cama e ir até lá. Mas parou quando se deu conta de que fazer isso não tinha o menor sentido e não era realmente o que queria fazer. Sua intenção era boa, afinal estaria protegendo-o de uma condenação a vida humana ou algo pior, mas o pensamento se perdeu quando ela percebeu uma leve tristeza em seu interior ao simplesmente relembrar de que, ele não pertencia à terra e que iria embora quando cumprisse sua missão.  

Caso resolvido então? Perguntou a si mesma confusa.  

Talvez o beijo fosse apenas um acaso e não se repetiria, uma ação inesperada tomada pelo calor do momento de ambos. Talvez ele até já tivesse se esquecido disso... Isso era mentira, uma da qual ela tentou se agarrar e não conseguiu, não quando as palavras ditas pelo arcanjo continuavam a ressoar em sua cabeça, aquela confissão secreta que ele fizera a ela antes de beijá-la e mudar o rumo de tudo. Como poderia acreditar numa mentira que ela mesma inventara quando tinha argumentos que refutavam com extrema facilidade seus próprios pensamentos enganosos?  

A moça jogou o corpo de volta para a cama, caindo sobre o jogo de cama macio e claramente rico enquanto continuava com seus questionamentos, às vezes sorrindo sem perceber quando recordava-se momentaneamente do beijo de Kambriel, de como seus lábios se uniram sem nem hesitar aos deles; de como se sentiu. E então, com a mesma rapidez mudava seu humor, tensa quando se dava conta de que aquilo era errado não apenas para ela, mas para ele também. Foi com tantos pensamentos confusos e — de certa forma — alegres que dormiu e naquela noite não teve pesadelos como temia.  

Seu sonho foi bem diferente de todos que já tivera, foi calmo, tranquilo e tão agradável. Sua respiração era tranquila, assim como as batidas — agora ritmadas — de seu coração. Alana não acordou gritando durante a madrugada, nem despertou de supetão ao ser perseguida pela mesma besta que sempre via, não houve nada disso. Apenas uma noite muito tranquila de sono.  

 

 ●●●

 

Eva tinha um olhar pesado sobre Alana e mesmo que ela tentasse ao máximo disfarçar, a tarefa tão simples mostrou-se trabalhosa quando Kambriel lançou um olhar duvidoso para a mulher; como se perguntasse o que ela estava olhando tanto para a humana. Eva cruzou os braços e deu com os ombros, mas então não demorou para que o mesmo olhar que era lançado para Alana fosse direcionado para ele, era como se ela estivesse procurando por algo, pois parecia perceber que existia algo de diferente entre eles. Algo do qual eles não estavam conseguindo esconder.  

Perceber isso o deixou em estado de alerta, mas não totalmente. Era uma dádiva que ele estivesse conseguindo esconder a mudança do olhar atento e esperto da mulher, mas seus pensamentos se voltavam para a moça do outro lado. Kambriel sabia como lidar com Eva e seus olhares, mas isso não se aplicava a Alana, uma vez que ela parecia sempre se sentir um tanto... Intimidada com Eva sempre que seus olhos recaíam sobre ela.  

— O que houve entre vocês dois para que estejam agindo tão estranho? — Ao se colocar ao seu lado a pergunta veio certeira, estava mais do que claro que a mulher percebera algo, mas não sabia exatamente o que era. E ele esperava que continuasse assim.  

— Nada — O arcanjo respondeu sem olhá-la, porque sabia que no momento em que a olhasse de volta, Eva provavelmente conseguiria decifrar esse algo. — Ficamos procurando por você ontem, estamos apenas cansados. Só isso.  

Respondeu com falsa indiferença em sua voz, apesar de estar mentindo em suas palavras, existia uma pequena verdade ali. Sim, eles procuraram por Eva pela cidade na tarde anterior, o que acabou ocupando quase todo o dia livre que teriam, mas cansados? Não era nada disso e a mentira estava aí. Depois do beijo eles não falaram sobre o assunto, na verdade, cada um foi para seu quarto e deram a noite por encerrada. Ainda que estivessem se falando como se nada tivesse acontecido naquela manhã, Kambriel sabia que não conseguiria manter aquela aparência por tanto tempo e que mais cedo ou mais tarde, teriam de conversar sobre o que fizeram. 

Sobre o que ele fez.  

Sobre sua atitude tomada sem pensar, sobre o quão irresponsável ele foi com Alana, sem pensar em como ela ficaria com tudo aquilo e no que aconteceria depois. Arrependimento? Não, ele não se via arrependido pela decisão que tomou de mudar absolutamente tudo entre eles, talvez existisse apenas um pouco de temor de sua parte, afinal quebrara uma regra importante e, as consequências não viriam apenas para si, mas para a humana também; mesmo que toda a culpa fosse sua.  

No momento em que a beijou, ele não pensou em nada além do que sentiu ao fazê-lo, da doçura dos lábios da humana nos seus e do toque suave de seus dedos sobre seu rosto; mesmo que fosse um toque já conhecido, foi diferente a sensação que ganhou ao recebê-lo. O rapaz não conseguiria simplesmente esquecer-se daquilo, do sentimento e da sensação ao beijá-la, era uma tarefa difícil, ele bem sabia disso e tinha total ciência e na realidade, ele não queria esquecer.  

Mas depois, só quando deitou-se na cama macia e gigantesca de seu quarto, Kambriel finalmente percebera o que tinha feito. Na escolha que tomou e nas consequências de seu ato irresponsável. O resultado veio uma noite ausente de sono, apesar das constantes tentativas em fechar os olhos e relaxar o corpo, existia uma excitação diferente a dominar seu corpo o que tornou impossível que ele dormisse ou sequer conseguisse relaxar totalmente.  

Passou a noite acordado, ligado às preces alheias que escutou e claro, atento ao sono da humana no quarto ao lado. Ele se perguntou como ela conseguira dormir, talvez isso tivesse sido bem mais fácil para ela do que foi para ele, mas a dúvida pairou por sua mente durante toda a madrugada; até assistir o nascer do sol. Ele não pôde deixar de se perguntar como ela estava depois de tudo aquilo, o que estaria se passando em sua mente, se ela tinha seus questionamentos ou se tudo aquilo não passou de algo sem muita importância para ela.  

Houve um momento muito breve em que ele pensou em conversar com ela sobre o beijo e perguntar o que ela achava daquilo, se eles continuariam seguindo com suas vidas como se nada tivesse acontecido entre eles ou se, algo realmente mudara. Mas quando o pensamento ganhou mais forma em sua mente isso pareceu tão absurdo e sem sentido que, Kambriel decidiu simplesmente deixar isso de lado e tentaria esquecer-se do fez. Seria mais fácil assim.  

— Isso me faz lembrar, aonde esteve durante todo o dia? — A mudança tão brusca de assunto era um escape que ele encontrou para mudar a direção daquela conversa, afinal, ele não queria ser o centro dos pensamentos ligeiros e astutos de Eva.  

— Resolvendo algumas coisas. — A mulher foi evasiva em sua resposta, o que não o espantou, pois conhecia a mulher tão bem que já esperava aquele tipo de resposta. Algo que não explicasse com palavras exatas o que ela esteve fazendo e que suprisse, parcialmente a curiosidade inexistente do arcanjo; que queria apenas mudar a atenção da mulher.  

Kambriel e Eva trocaram olhares demorados e naquela conversa silenciosa entre eles, cada um parecia tentar se desviar da curiosidade do outro. Não demorou para que ambos decidisse dar o assunto por encerrado, uma vez que aquele dia em questão seria longo e, eles precisavam se concentrar em Baltazar. Para o arcanjo isso seria um pouco mais complicado, uma vez que ele ainda sentia sua mente humana em colapso com o que houve na noite anterior e para se encontrar com o demônio ele precisava de sua total concentração para que não deixasse nenhuma brecha aparecer durante aquele que seria um encontro e tanto. A mulher torceu os lábios num gesto rápido e automático, girou pelos calcanhares e com o andar alvoroçado, ela se aproximou de Alana.  

Ele se viu ansioso quando a cena aconteceu, imaginou que Eva fosse tentar tirar alguma resposta de Alana, mas para sua surpresa isso não aconteceu e ele pôde respirar aliviado. Ver a mulher tão próxima assim da humana o surpreendeu, pois Eva tinha uma missão particular de evitar ao máximo qualquer aproximação dos humanos por razões óbvias.  

— Está pronta? — Perguntou curiosa, olhando para West com olhar fuzilante, apesar de demonstrar uma estranha calma. Alana mexeu no próprio cabelo como se o ajeitasse e assentiu, dando um sorriso nervoso como resposta. Ele não percebera, mas ficou tempo demais olhando para a moça, Alana vestia uma roupa comum para o clima daquele dia. Las Vegas amanheceu alguns poucos graus menos quente, o que a fez escolher uma calça jeans simples e uma blusa com manga curta; nada que já não fosse normal que ela usasse em seu dia a dia.  

— Você? — A pergunta foi direcionada para Kambriel que, também assentiu em resposta, também um tanto ansioso pelo encontro com Baltazar. Sua desconfiança no demônio não o deixou, ele continuava a imaginar que ele estivesse esperando por algo em troca durante a conversa e querendo ou não aceitar que isso era uma possibilidade, mentalmente o rapaz já tentava pensar em algo. No que dizer caso ele viesse com essas palavras e em como iria agir, caso ele tentasse conseguir a força esse algo em troca.  

Foi inevitável não pensar em Alana nesse momento, Baltazar era um demônio e eles estavam com um interesse incomum na humana e agora com a ameaça de ela ser levada para o inferno, era esperado que ele tentasse conseguir essa troca usando a vida da humana como moeda. Ele precisaria se preparar para isso também.  

— Ótimo, vou levá-los até Baltazar, mas já devem saber que não ficarei por perto, — A mulher virou-se para Alana. — Se lembra da regra de não deixar que um demônio a toque? Isso vale agora também, não deixe que ele toque em você e nem chegue perto demais dele.  

A humana concordou lentamente.  

— Não vai ter medalhão dessa vez? — West perguntou com meio sorriso, algo que forçou a esboçar para tentar esconder seu claro nervosismo com a situação.  

— Dessa vez não, mas estará com Kambriel que é ainda melhor do que usar um medalhão pesado e horrível; a presença dele já é uma proteção e tanto. — Respondeu em uma afirmação que o fez estremecer levemente. Sim, não havia a menor dúvida de que ele iria mantê-la protegida do que quer que aparecesse, mas não foi isso o que causou aquele leve tremor em seu corpo e sim na entonação carregada de certeza que veio de Eva. Como se ela já soubesse disso. 

Diferente do encontro com Eligus, Eva não daria a Alana um medalhão para defendê-la e nem muitas instruções sobre o demônio com quem iriam se encontrar, não foi necessário pedir e tão pouco precisou de palavras, Kambriel sabia que teria de fazer isso durante o caminho até Baltazar. Já que a mulher tentava evitar e o faria ao máximo, tocar em qualquer tipo de assunto que o envolvia. E ele o faria, mesmo que já a tivesse alertado sobre algumas coisas na noite anterior.  

— Então, vamos logo com isso! — A mulher exclamou com firmeza, caminhando para a porta do quarto. Logo, os três seguiram para fora do enorme quarto em total silêncio e nesse momento, o arcanjo soube que não tinham mais como voltar. Sua intenção era trancar Alana dentro daquele enorme quarto e ir sozinho se encontrar com Baltazar, porém ele sabia que não passaria da porta se estivesse só. De certa forma — uma da qual ele não gostava — a presença de Alana para aquele encontro, era algo necessário e ele queria, como queria, que não fosse.  

Dentro do elevador, ele não tentou se manter distante da humana e ela também não pareceu fazer menção disso, apesar de estarem em uma distância segura do outro, nenhum dos dois agia com estranheza para com o outro; apesar de estar claro que algo pairava sobre a mente de West; assim como na dele. Questionamentos que, eles precisariam sanar quando estivessem livres de preocupações.  

O trajeto curto até o carro foi ocupado por uma conversa rápida e uma instrução de última hora, na verdade, um aviso de Eva para Kambriel.  

— Tenha cuidado com ele, o bastardo não é nada confiável. Não pense que só por ele estar aqui em Las Vegas que ele não saiba o que acontece no mundo dos homens, ele é esperto e infelizmente muito astuto para provocações. — Sua voz era pesada e seguia o mesmo tom raivoso de sua expressão. O alerta dado pareceu acordá-lo, o arcanjo sabia que no segundo em que estivesse no território de Baltazar, teria de agir como quem realmente era; um arcanjo. Mesmo que estivesse num corpo humano ele teria de ignorar suas limitações e deixar que seu verdadeiro eu se sobressaísse ali.  

— Não dê brechas a ele, e isso vale para vocês dois! — Sua fala agora fora direcionada para os dois. —  E você, aja como se não estivesse em um corpo transfigurado. Ele sabe que um arcanjo vai estar presente com a humana então terá que agir como se isso fosse um encontro entre arcanjo e demônio, ou seja, pode se exibir a vontade. 

Ele temia que agir com seu eu verdadeiro pudesse de alguma maneira assustar Alana, uma vez que ela tivera apenas breves vislumbres de sua real natureza; uma vez quando a senhora Glesser estava sendo usada por um demônio e quase a atacou e a outra dias atrás, quando Zarael fizera uma visita indesejada.  

— Tudo bem. — Respondeu um tanto hesitante, torcendo para que não houvesse necessidade de expor a humana a uma cena como a narrada por Eva; afinal ele não sabia como ela poderia reagir se o visse como ele realmente era quando encontrava com demônios. Na verdade, desde que descera para a terra ele tentava evitar deixar esse seu lado transparecer, mas bem sabia que teria de usá-lo quando encontrasse o responsável pelos ataques em Grória.  

Acompanhar de perto a tensão de Eva conforme avançavam era algo que ele não esperava presenciar, a mulher estava ao volante do carro de Alana e apertava o volante com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos. Uma veia na lateral de sua testa estava saltada e sua respiração aos poucos tornou-se pesada; ela nem fazia questão de esconder o ódio que sentia e ele se perguntou se isso aconteceu enquanto ela procurava por Baltazar. No banco de trás, Alana também acompanhava a mudança clara de humor e feição da mulher, o olhar agora mais empático já que, tinha conhecimento do motivo de ela agir assim com o demônio. Kambriel percebeu quando ela fez menção de se mover, mas parou no mesmo instante quando pareceu se distrair com algo que viu passar do lado de fora, seu rosto seguiu o algo desconhecido até ela voltar a face para frente. Voltando seu olhar na direção da mulher que acelerava o carro com fúria.  

— Quem vai falar com ele enquanto estivermos lá? — Alana perguntou baixo, para que somente Kambriel a escutasse; mesmo que parecesse saber que a mulher na frente tinha escutado sua voz.  

— Tentarei conversar com ele, mas se houver recusa de sua parte então você faz as perguntas até tirar alguma informação dele. — Disse um tanto pensativo. Kambriel realmente não fazia ideia se Baltazar iria manter um diálogo direto com ele, uma vez que da última vez em que se encontraram por muito pouco não começaram uma briga. Demônios e enviados do céu não se encontravam, mesmo que ele tivesse certo contato com Eva, sua relação com os demais demônios era a mesma de seus irmãos; hostilidade.  

Alana West assentiu devagar, virando o rosto para frente e parecendo concentrar-se em seus próprios pensamentos, ele percebeu o corpo humano dela se mostrar tenso e sua respiração pareceu levemente descontrolada; estava ansiosa isso é óbvio e compreensível.  

Chegaram depois de dez minutos, o pneu do carro cantou quando Eva brecou de maneira brusca, tanto Alana quanto o arcanjo tiveram seus corpos jogados para frente e depois para trás por causa do baque. A mulher não pareceu se importar muito com isso, pois mantinha o olhar fixo para frente, sequer se movia no banco, decidida a sair dali o quanto antes e Kambriel entendeu o recado. Deixou o carro com pressa e percebeu que Alana o imitou também.  

— Vão achá-lo no quadragésimo nono andar. — Foi tudo o que ela disse desde que deixaram o hotel, sua voz era cortante, grosseira e ríspida. Qualquer pessoa que não estivesse ciente da situação poderia chamá-la de ignorante ou arrogante, mas Eva estava apenas tentando não deixar transparecer toda a sua raiva.  

Dois segundos depois ela já havia desaparecido e Kambriel retornou para sua real tarefa ali. Alana estava ao seu lado, próxima dele, mas mantendo certa distância, algo que era normal entre eles e que já acontecia desde antes o ocorrido da noite passada. O prédio era alto, talvez o único ali na cidade de tamanha magnitude e luxo excessivo, o lado de fora era todo espelhado, o sol refletia nos espelhos e causavam um brilho alto, ofuscando sua visão. Entraram. 

Para ele, passar pela porta de vidro fora normal, mas para Alana foi diferente. Ela parou quando sentiu o cheiro mais predominante de enxofre do lugar, sua expressão era rígida e ela parecia tentar controlar o enjoo que sentia, as duas mãos foram diretamente para sua barriga e ela pareceu apertá-la durante um tempo. 

— Melhorei. — Ela disse com a voz calma, não conseguindo esconder a careta que fez ao respirar fundo. Levou alguns segundos até que ela estivesse mais acostumada com o odor característico do interior do lugar.  

Os dois seguiram em linha reta até serem barrados por um demônio, o ser era de uma altura mediana, porém largo; com uma aparência semelhante aos seguranças que ele viu no cassino no dia anterior. Sua aparência era algo preocupante e grotesca, a pele morta e podre em sua face e corpo se escondia por baixo do manto escuro que ele usava; deixando visível apenas sua cabeça e braços.  

— O que fazem aqui? — Questionou com pressa, encarando a dupla com olhar julgador; principalmente a Kambriel, pois ele sabia quem ele era.  

— Baltazar está nos esperando. — Respondeu ele, olhando fixamente para o ser na sua frente sem nem piscar. Em menos de dois segundos, o ser afastou-se e deu passagem para que passassem e pudessem seguir, novamente seguiram em linha reta até o elevador, ao entrarem ele notou que Alana parecia estar tensa. Isso se intensificou quando Kambriel apertou o botão que indicava o quadragésimo nono andar.  

— É estranho que eu esteja com mais medo agora do que quando desci ao inferno? — Ela perguntou de repente, olhando para o visor digital que exibia a mudança de andares. O arcanjo virou o rosto para ela, pôde ver melhor sua tensão estampada em sua face.  

— Não muito, mas é um pouco fora do comum já que, você está em sua zona de conforto, diferente de quando desceu no inferno estava em um lugar completamente desconhecido. — Disse com leveza, aquela era a primeira conversa que estavam tendo desde a noite passada e, para a surpresa de Kambriel, não foi estranho como ficou imaginando; era como se nada entre eles tivesse acontecido.  

West então suspirou e abaixou o rosto, olhando para os próprios pés durante um tempo, ela estava agitada, inquieta como nunca esteve antes; nem mesmo quando estava se preparando para descer ao inferno ele a viu daquela maneira. O rapaz então verificou o visor digital que indicava o andar em que estavam e pareceu mais aliviado — apesar de também um tanto tenso — por estarem a menos de dez andarem de distância de Baltazar. Conforme se aproximavam, o odor do demônio se intensificava, tornando-se algo quase insuportável para qualquer nariz humano e ele percebeu que Alana se controlava ao seu lado para não demonstrar o incômodo que aquele cheiro causava nela.  

O elevador parou de repente, o visor mostrava o número quarenta e nove em sua tela e as portas logo se abriram, revelando um andar bem diferente do qual estavam quando entraram no prédio. Kambriel deu o primeiro passo para que pudesse sair e então ele parou, virou seu corpo parcialmente na direção da humana e esticou a mão para ela, em um convite silencioso. West o olhou e sem nada dizer, segurou sua mão com força, apertando sua palma, mostrando que sua tensão era algo que ela não estava conseguindo controlar muito bem. Imediatamente seu corpo foi invadido pela sensação quente que vinha dela, um calor correu por seus músculos e ele pareceu ser dominado por uma estranha força que veio dela.  

Saíram juntos de dentro do elevador, encontrando um corredor vazio e tomado por um estranho silêncio. As paredes do andar, mesmo que estivessem distantes das outras de modo a deixar claro que o espaço do andar era grande, davam-lhe uma sensação claustrofóbica devido às cores usadas. Os tons escuros em poucas diferenças davam-lhe uma impressão que o andar era escuro, apesar da ótima iluminação presente.  

O cheiro era algo já conhecido, presente por todo o lugar de maneira predominante, como uma praga. Kambriel avistou uma única porta e sabia que era lá que Baltazar estava. Segurando mais firmemente a mão de Alana, eles prosseguiram, os passos cautelosos sobre o carpete macio e grosso do lugar, impedia que eles ouvissem o som de seus próprios passos ali.  

Tudo era tomado por um silêncio. Nem mesmo o som natural de um ambiente existia ali, a luz, apesar de estar presente para iluminar pontos estratégicos do andar, era tão artificial que, mesmo sabendo que era dia do lado de fora, o arcanjo sabia que se não fosse por sua existência ali, estariam cercados pela escuridão ofuscada. À medida que ficavam mais próximos da porta, o aperto da mão de Alana sobre a sua se intensificava, ele notou que ela estava assustada, provavelmente por causa da atual situação aonde estava com uma ameaça nas costas e ele compreendia esse temor. 

— Espera. — Alana parou de repente, forçando-o a parar também.  

— O que foi? — Ele perguntou um pouco aflito, imaginando que acontecera algo com ela.  

— Eu estou com um pouco de medo... Dele. — Ela confessa, olhando-o com clara ansiedade em sua face. — Aquilo que Eva disse no carro, sobre deixar brechas... E se eu acabar deixando escapar uma brecha e estragar tudo? Não vamos conseguir nada e aí vamos voltar à estaca zero e... 

— Calma, Alana. — O rapaz colocou-se na sua frente. Segurou suas duas mãos dando um aperto leve nelas, sentindo que todo seu corpo era dominado pelo nervosismo daquele encontro. — Eu confio em você, sei que irá conseguir fazer o que tem que fazer e mesmo que aconteça de uma brecha, isso não tem importância. Ele não vai poder feri-la e nem fazer nada com você. Eu prometo!

A face da moça aos poucos adquire uma expressão levemente mais tranquila, ela une os lábios com força e então balança a cabeça de forma positiva, respirou profundamente como se apanhasse em seu interior a coragem que ela deixou claro que lhe faltava.  

— Vamos logo com isso. — Ela diz com firmeza em sua voz, lançando para o arcanjo um olhar mais confiante. 

Ele por sua vez, demorou a reagir, precisou também recuperar sua coragem e deixar que seu verdadeiro eu viesse à tona. Sentia que esse encontro poderia não seguir como sua mente planejou e precisava se preparar para qualquer surpresa, mas também apenas deixou-se dominar pelo arcanjo guerreiro porque estava com Alana ao seu lado; a humana que ele prometeu proteger e ele faria isso e não pensaria duas vezes.  

Decidido ele esticou a mão, fazendo menção de segurar a maçaneta de ouro da porta, sentindo-se estranho com a expectativa que sentia em imaginar o que aconteceria assim que passassem pela porta. Parte de si esperava pelo pior, afinal, era de Baltazar que ele estava falando, o demônio que conseguiu fazer com que Eva perdesse tudo no inferno; era de se esperar que apenas caos viesse nos próximos instantes. Mas a outra parte de si — talvez a parte humana — parecia confiante de que eles conseguiriam ter uma conversa civilizada.  

Seus pensamentos pararam no mesmo instante em que a porta simplesmente se abriu, sem mesmo que ele a tivesse tocado ou a empurrado, o convite silencioso era claro; eles poderiam entrar. E assim o fizeram. A sala era semelhante ao andar aonde estavam momentos atrás, a iluminação do lugar se limitava apenas em uma lareira mais adiante, a junção de cores das chamas a dançar sobre as toras queimadas e a cor escura das paredes deixavam a ambientação da sala com um aspecto sombrio. 

Todos os seus pensamentos naquele momento se voltaram para Alana e em como ela estava se sentindo, Kambriel entendeu seu receio e o medo que a fizera parar, pois ali, dentro da sala de Baltazar, ele passou a se sentir da mesma maneira.  

— Sejam bem-vindos, meus queridos visitantes. — A voz áspera e cortante de Baltazar pareceu preencher todo o ambiente, sendo ali o único som existente. O demônio estava sentado à mesa, diante um banquete exageradamente rico, seu prato, porém, continha apenas pedaços grandes de carne crua; o qual ele comia com fervor. — Confesso que não via a hora de finalmente nos encontrarmos.  

Ele retornou a comer, mastigando como se fosse um animal descontrolado o pedaço de carne cru enquanto olhava para os dois visitantes.  

— É bom vê-lo de novo, Baltazar. — Kambriel respondeu de maneira cortês, apesar de seu tom, a forma como seu rosto ficou tenso ao encarar o outro deixava claro que não havia qualquer sinal de felicidade naquele encontro. 

Lentamente, o demônio colocou-se de pé deixando de escanteio a carne que comia com muita calma começou a se aproximar deles. Seus passos eram pesados e muito bem controlados, hesitantes por causa da presença do arcanjo e levemente descontraído por causa da presença da humana. Baltazar era um demônio diferente dos outros, por fazer parte da alta hierarquia sua aparência era o que atraía olhares humanos, como um tipo de beleza incomum; característica que apenas os originais possuíam e que ele apenas conquistou por causa de Eva.  

Seu rosto era quadrado com um queixo pontudo e um pouco longo, o nariz fino demais deixava claro que sua fisionomia não era algo humano e tão pouco comum. O cabelo estava na altura de seus ombros e eram brancos, ao ponto de brilharem mesmo em meio a pouca claridade ali. Seus olhos eram estreitos e pequenos, mas o tom avermelhado e tão vivo ganhava destaque diante de todas as outras características presentes em sua face. Baltazar usava roupas semelhantes à de seus irmãos, o terno escuro e apertado em seu corpo mostrava o corpo magro e esculpido, os poucos músculos que possuía não ganhavam muito destaque, porém eram perceptíveis. Existia nas peças detalhes dourados que se assemelhavam a centenas de garras; como se elas estivessem puxando o tecido.   

— Fiquei animado quando soube que um arcanjo e uma humana queriam me ver, não é sempre que isso acontece. — O demônio parou, gesticulou a mão para a direita mostrando duas cadeiras vazias junto a mesa. Kambriel avistou dois pratos vazios. — Venham, sentem-se, ao que parece, temos muito o que conversar, não é mesmo? E podemos fazer isso enquanto nos alimentamos, sempre dizem que só come à mesa aquele que é amigo e bem, vocês são meus amigos do dia. 

Kambriel tomou a frente, mantendo o aperto de sua mão sobre a de Alana conforme seus passos cortavam a distância entre eles dois e Baltazar. Ao sentarem-se o demônio também sentou, voltando rápido demais para sua poltrona, novamente ele gesticulou para os visitantes mostrando os pratos vazios. 

— Fiquem à vontade para comerem o que quiserem. — Mostrou o banquete, as frutas estavam apodrecidas e o enorme pernil localizado no centro da mesa estava ainda cru, coberto de sangue; fora uma morte recente.  

— Não obrigada, estamos bem. — Kambriel respondeu, lançando para Alana um olhar simples, percebendo que ela olhava assustada e ao mesmo tempo enojada com o conteúdo da mesa. Claro que jamais deixaria que ela se alimentasse com aquele tipo de comida.  

Com um movimento leve com seus ombros, Baltazar pareceu não dar tanta importância assim para a recusa do arcanjo, agarrou o pedaço de carne que rasgava antes e voltou a comê-lo. A forma selvagem na maneira como ele abocanhava o alimento e o puxava como se realmente fosse um animal era uma visão grotesca e quase atormentadora de ser assistida, o som que ele fazia enquanto mastigava deixava claro que, aquela conversa não seria muito amigável como ele imaginava. O que não era nada surpreendente.  

— Então, o que queriam falar comigo? — Perguntou com a boca cheia, alguns resquícios de carne saltando para fora de sua boca. A cena embrulhou o estômago do rapaz. — Eva fez um mistério e tanto sobre esse encontro, fiquei muito curioso.  

Ao mesmo tempo, Kambriel e Alana olharam para o outro, uma troca muito breve de olhares que, pareceu deixar claro que aquele era o momento para que fizessem o que vieram fazer. Fora o arcanjo quem tomou a frente da conversa. 

— Queremos informações. 


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Notas finais do capítulo

~O capítulo ficou muito longo e por isso tive que dividi-lo em duas partes, mas relaxam porque o próximo não vai demorar para sair!

~E agora hein????



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