Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 16
Capítulo XV


Notas iniciais do capítulo

Olá! Capítulo novinho para vocês, com algumas revelações importantes!

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789063/chapter/16

CAPÍTULO XV 

Alana dissera a si mesma repetidas vezes que a presença de Eva dentro de casa não estava influenciando em nada na grande hesitação que lhe dominava naquele momento, preferia acreditar que só estava sentindo-se de tal maneira porque depois de longos quarenta minutos vasculhando tudo o que pertencia ao seu pai, os dois... Seres celestiais finalmente encontraram algo que poderia ajudá-los. Era um caderno, no início Alana não viu nada de muito espetacular ou importante nele, a capa ainda estava nova e não tinha muitas folhas usadas, estava claro que aquele caderno era o último que seu pai começara a usar antes de morrer.  

Seus último pensamentos e estudos antes de ser morto.  

West fora até a cozinha beber um copo de água, poucas horas se passaram naquele dia, sequer estavam na metade do mesmo. A temperatura baixa parecia ter caído um pouco mais e ela percebera essa mudança, puxara a manga de sua blusa de modo que suas mãos ficassem escondidas pela mesma, uma maneira que encontrou de mantê-las aquecidas durante um tempo. Alana dava goles curtos na água, pensativa demais sobre o que tinha no caderno que Eva encontrou e sequer percebera a aproximação de Kambriel naquele cômodo.  

— Hey. — Ele a chamou com um tom baixo e gentil, fazendo-a se virar para olhá-lo. Foi instantâneo o que sentiu, a cozinha pareceu diminuir dando-lhe uma sensação que ela conhecia e já parecia mais familiarizada; era inegável que a presença de Kambriel fosse algo impossível de ser ignorado e aquela sensação era uma prova disso. Pois diferente do que sentia por ter Eva em sua casa, ela sentia-se bem com ele.  

E sabia que seu julgamento só estava sendo assim tão duro com ela porque descobrira sua real natureza e isso mudou a forma como a olhava.  

— Oi — Alana esboçou um sorriso muito breve ao olhá-lo. — Tudo bem? Quer algo? Água, suco, está com fome?  

O rapaz gesticulou negando todas as alternativas que lhe foram dadas.  

— Eu só vim para ver como está. — Diz, enfiando as duas mãos nos bolsos de sua blusa fina e nada ideal para aquele tipo de clima. — Nem consigo imaginar como deve ter ficado por saber que tínhamos que mexer nas coisas de seu pai e também sobre a questão de quem Eva é.  

A moça assente e coça a nuca como se estivesse sem jeito. Era um fato que, ter aberto as caixas e vasculhado as coisas de seu pai trouxera sim um turbilhão de sentimentos, pensamentos e lembranças antes esquecidas. Não era uma surpresa que isso iria deixá-la abalada, mas surpreendeu-se quando percebeu que, saber sobre Eva pareceu trazer a ela uma inquietação ainda maior do que mexer nas coisas de seu pai.  

— Foi um pouco estranho mexer nas coisas dele, eu sempre evitei até mesmo olhá-las desde que... — Ela não completou a frase, não por ser difícil falar que o homem estava morto, mas porque falar a palavra morto a faria recordar-se de como ele fora morto. E já bastasse que tivesse a recordação fresca de Vivian Glesser em sua mente, não queria a de seu pai também. — Mas confesso que, saber quem a Eva realmente é pareceu me fazer esquecer um pouco dessa questão dele.  

— Sobre isso... Eu ia contar a você, mas... — Kambriel começa a falar, mas logo é interrompido pela moça. 

— Está tudo bem, — Alana deu com os ombros, esboçando outro riso leve em seus lábios. — Contanto que ela não tente me matar, acho que consigo aceitar que ela é um demônio e que está bem ali, lendo anotações  do meu pai que até horas atrás eu nem sabia que poderia ser uteis para alguma coisa. 

Ele concordou. 

— Isso está sendo uma surpresa para mim também, na verdade, tudo o que vem se seguindo até agora. — Comenta enquanto encostava parte de seu corpo na parede logo atrás de si. 

— Então não era sua intenção pedir a ajuda de Eva na sua missão? — A jovem pergunta, seu cenho estava levemente franzido devido a dúvida.  

Kambriel balança a cabeça em negação.  

— Honestamente, quando desci para a terra imaginei que isso seria bem mais fácil, tinha em mente apenas encontrar o responsável encerrar tudo isso e voltar para meu lar em poucos dias — Começa a falar, as mãos escondidas nos bolsos de sua blusa pareciam agitadas e ela não sabia o motivo para isso. — Tinha mentalmente planejado cada passo que daria e pronto. Como já sabe, meus planos mudaram e muito.  

Foi a vez dela de assentir.

— Isso faz parte do mundo humano. — Ela responde com um leve tom de humor em sua voz, tirando dele o que seria um riso muito breve. — Sempre pensamos que temos o controle de tudo e isso com toda certeza é o nosso pior erro, porque quando nossos planos mudam a gente simplesmente não sabe o que fazer mais. É como se não estivéssemos prontos para sermos surpreendidos.  

Alana mentalmente riu de sua própria fala, pois passara por isso quando recebeu a notícia de que seu pai fora morto. Lembrava-se com clareza como reagiu quando teve toda a sua rotina mudada por causa do luto.  

— Eu sempre estive no controle, Alana. Quer dizer, sempre soube o que iria fazer e como o faria, já desci para a terra antes e sempre foi tudo muito fácil e rápido, mas essa minha vinda em questão... — Ele fez uma pausa e suspirou, abaixando seu olhar para o piso da cozinha durante um tempo. — Essa é a primeira vez que não tenho qualquer ideia do que vai acontecer quando eu voltar para o Céu ou do que pode acontecer enquanto estiver aqui na terra. 

Alana uniu suas sobrancelhas.  

— O que quer dizer com isso? 

— O mundo dos homens, o seu mundo, possui regras e leis... E é assim no Céu também. Assim como vocês aqui na terra, também temos nossas próprias regras e leis para serem seguidas — O moço ergue seu rosto e a encara, a distância entre os dois era pequena, mas foi o suficiente para que ela sentisse o peso de seu olhar sobre si; mas a sensação que tinha com isso era boa. — E eu estou quebrando muitas delas desde que cheguei aqui. 

Sua fala a faz sentir um estranho tipo de nervosismo que a fez sentir-se agitada. Foi necessário que ela mudasse o peso de seu corpo o jogando para outra perna. Ela bem sabia que uma das regras que Kambriel estava quebrando era por ter contado a ela quem realmente era e por estar envolvendo-a em uma missão dada de cima. Ouvi-lo dizer sobre a incerteza do que aconteceria quanto a isso a fez pensar no assunto. 

E parte de sua perspectiva quanto a situação em um todo mudou.  

Sem que percebessem ou que se dessem conta do tempo em que mantiveram seus olhares fixos no outro, ela foi a primeira a desviar seu olhar quando percebeu a presença de Eva na cozinha também. A mulher parecia olhá-los sem muito interesse, mas claro, com a mesma expressão de repulsa quando seu olhar recaía sobre West. Ela levantou a mão que segurava o caderno de seu pai e o sacudiu levemente trazendo a atenção para o objeto.  

— Acabei de encontrar algo muito interessante aqui. — Anunciou cortando o assunto entre eles, apesar da notícia parecer boa, não havia qualquer sinal de entusiasmo ou algo que denunciasse que ela estava contente por ter conseguido avançar no que estava fazendo momentos atrás. — Acho que seu pai usava esse caderno como um tipo de anotações pessoais de seu dia a dia.  

Ela tentou não olhar por muito tempo para o caderno na mão de Eva e procurou focar apenas na notícia e no que poderia estar escrito ali que seria usado para ajudar com aquele problema.  

— É muito óbvio que seu pai claramente viu uma das mortes acontecer de perto e não só deixou isso guardado em sua mente como uma lembrança, como também descreveu cada detalhe do que houve com a pessoa e mais, — A mulher hesitou antes de continuar falando e isso fez com que Alana se aproximasse alguns passos dela e parasse assim que percebeu estar numa distância que Eva poderia considerar apropriada.  

Eva continuou em silêncio durante alguns minutos, olhou para Kambriel que, estava no aguardo da continuação de sua fala e voltou o olhar para Alana, nesse momento a expressão que fazia-se presente em sua face não era do sentimento de ódio que a mulher nutriu pela raça humana e sim algo que West não conseguiu decifrar no momento, mas que a deixou intrigada mesmo se soubesse.  

— Ele falou com Eligus. — A mulher diz num tom baixo, deixando claro que sua fala foi totalmente direcionada para o arcanjo próximo a ele e não para Alana. Era como se ela estivesse ignorando momentaneamente sua presença.  

No mesmo segundo ele reagiu após ouvi-la, seus olhos se arregalaram e suas sobrancelhas se levantaram para no segundo seguinte se franzirem, havia certa confusão presente em seu rosto perfeito, apesar de ambos se mostrarem surpresos com isso. Já Alana olhava para os dois seres sem entender exatamente o que aquilo poderia significar, percebera as duas reações e compreendeu que tratava-se de algo importante, mas não entendera o motivo de eles estarem tão surpresos assim.  

— Por que o pastor falaria com ele? — A pergunta dita por Kambriel também foi diretamente direcionada para Eva, a mesma o olhava e balançava a cabeça com a mesma dúvida que ele. Era um misto de sentimentos nas duas faces, confusão, dúvida, receio... Incredulidade, como se aquilo não pudesse ser possível. 

— Espera, — Alana West interveio entre os dois, fazendo com que ambos finalmente a olhassem. — Quem é esse Eligus que estão falando?  

Ao perguntar sobre o homem ela prestou atenção na reação que veria nos rostos de Kambriel e Eva e teve quase certeza que, quem quer que fosse Eligus, causava um grande incômodo que era mutuo entre eles. Algo que eles não conseguiam sequer disfarçar dos olhos curiosos e atentos da jovem moça. 

A mulher soltou um suspiro curto, desviando durante segundos rápidos seus olhos da moça, foi notável perceber a hesitação presente na forma como ela gesticulava e passou a se comportar.  

— Ele é um demônio, o que chamaríamos de “aceso” para o submundo e o plano terreno. — A resposta veio de Eva, a mulher parecia ter mais facilidade para falar sobre o assunto, pois o rapaz se mostrava ainda impactado com o que acabara de saber sobre o pai de Alana. — Eligus é o meio termo entre o inferno e a terra, ele não é um caído como eu, mas vive aqui como se fosse um humano; isso permite que ele tenha acesso aos dois lados.  

— Okay e por que meu pai o procuraria? — West a questiona, ainda que não tivesse compreendido muito bem quem seria Eligus.  

— É uma pergunta interessante para ser feita, por que Jacob West, pastor e pai iria procurar por um demônio como Eligus? — O olhar de Eva mudou ao ser direcionado para Alana, houve um brilho muito momentâneo em que ela conseguiu perceber que a mulher parecia convencida de que a filha de Jacob pudesse ter essa resposta, pois ela avançou meio passo em sua direção e parou. O olhar estava agora mais desafiador e firme, diferente de momentos atrás.  

— O quê? Acha que eu sei sobre isso? — A jovem questiona com o cenho franzido, também fixando seu olhar na mulher a sua frente. — Saber disso é uma surpresa para mim, assim como foi para vocês dois!  

Eva solta o caderno, o deixando sobre a mesa ao seu lado e cruza os braços na altura de seu peito, forçando-os de uma maneira exagerada contra seu corpo; uma ação que a humana não compreendeu o motivo.   

— Eu não consigo acreditar nisso, — Eva avança mais um passo na direção de Alana e ela recua, tentando manter-se afastada da mulher, enquanto isso Kambriel tentou segurá-la pelo braço, mas a demônio foi mais rápida e desviou. — Jacob West era seu pai, vocês conviviam juntos nessa casa e vai me dizer que não conversavam? Que ele nunca mencionou nenhuma de suas aventuras pastorais? 

Havia um tom acusador em seu tom de voz e isso a incomodou, em seu rosto uma careta ligeira se formou diante do que fora dito por Eva, seus olhos ficaram confusos e após alguns segundos, seu rosto foi dominado por uma expressão pouco raivosa pela insinuação feita.  

— Acha mesmo que ele me contava tudo? Até dias atrás eu sequer sabia que ele tinha visto uma dessas mortes acontecer, quem dirá que ele foi procurar um demônio! — Exclama com sua voz já levemente alterada, se surpreendendo quando se deu conta de que conseguira encarar a mulher por mais do que alguns segundos.  

Os olhos se Eva se estreitaram ainda com desconfiança, estava claro que a mulher não estava acreditando nas palavras ditas por West. Alana sabia que seu pai tinha segredos, qual ser humano não os tinha? Mas saber que esses segredos envolviam demônios e uma das mortes estranhas era inesperado.  

Uma surpresa da qual ela não se preparou para receber. E a ironia nessa história era que falara sobre isso momentos atrás com Kambriel, quando ele mencionou as várias mudanças em seu plano para completar a missão que tinha recebido. Eva por outro lado pareceu decidida a tirar uma verdade inexistente naquela conversa, estava pronta para avançar quando houve a intervenção de Kambriel.  

— Eva, por favor. — O arcanjo segurou-a pelo braço, fazendo-a forçar uma parada que não aconteceria quando ela tentou avançar. Ele focou seus olhos azuis na mulher com uma firmeza estranha e incomum, algo que Alana nunca percebera existir nele e que chamara sua atenção. — O que acabou de descobrir é uma surpresa para todos nós e acho que seria sensato se, tentássemos descobrir o que o pai de Alana queria com Eligus em vez de tentar descobrir se ela sabia disso ou não. 

Eva apenas concordou, olhando para o rapaz que ainda mantinha sua mão fechada em seu braço, como se a mantivesse impossibilitada de se mover.  

—  Está me expulsando porque quase briguei com ela, Kam? — Perguntou fingindo estar surpresa, a mudança tão repentina em seu tom de voz e sua atitude quando passou a falar com Kambriel fez com que Alana imaginasse estar olhando para outra pessoa naquele momento. Era a mesma mulher, alta e com uma aparência comum para um demônio caído, mas completamente diferente da mulher que estava instigada a tirar dela algo sobre seu pai ter conversado com um demônio.  

— Claro que não, — Ele negou com rapidez, enfim soltando seu braço. — Mas você ainda tem contato com ele, o conhece melhor do que eu e nos faria ganhar tempo se falasse com ele sobre Jacob West e o que ele queria ao procura-lo.  

West então percebe o que o rapaz tentou fazer e mentalmente se viu agradecida por sua atitude, mesmo que soubesse que isso não a livraria de um futuro questionamento após a saída da mulher de sua casa. Percebeu curiosa para saber quem era esse tal de Eligus, já sabia que era um demônio, mas queria saber mais sobre o homem e o que ele poderia fazer para ter despertado em seu pai a necessidade de ter procurado por ele.  

— Sabe que vai levar horas para encontra-lo, aquele bastardo não é o tipo de demônio que se encontra assim na esquina. —  Sua fala parece soar como um lembrete para Kambriel; como se ele já soubesse de algo e provavelmente sabia. Ela então bufa. — Veja o que consegue descobrir com a humana e volte amanhã para a loja. Farei o meu melhor para tirar qualquer tipo de informação dele.  

Eva esticou de maneira forçada seus lábios, mostrando um sorriso grosseiro e até irônico. A ação não parecia ser algo que ela fazia com frequência. Dizendo isso a mulher saiu da cozinha e após alguns instante, todo o ambiente de sua casa tornou-se estranhamente mais leve, sua ausência era notável e mesmo que Alana não tivesse muita certeza se a mulher tinha realmente ido embora ou não, ela sentiu-se agradecida por não estar mais a sentindo ali.  

O caderno de seu pai continuava na mesa e Alana imediatamente o olhou, sabia que teria de lê-lo em algum momento para descobrir o que havia acontecido e o qual seria seu conteúdo completo, tinha apenas a informação que seu pai escrevera nas folhas o que viu e com quem foi falar. Um mistério para ela.  

— Está confortável com isso? — Kambriel a questionou, se movendo até ficar atrás de uma cadeira vazia. A moça imediatamente ergue seu rosto o olhando quando sentiu o peso de seu olhar sobre si. — Vamos precisar lê-lo, sabe disso, certo? 

Demorou alguns segundos para que ela assentisse e quando o fez, foi como se estivesse traindo a confiança de seu pai. Estava prestes a ler anotações pessoais dele e mesmo que fosse para acabar com um estranho mal que vinha atormentando a cidade, não conseguia deixar de sentir como se estivesse lendo um tipo de diário.  

— Vai ser estranho fazer isso, porque eu não sei nada do que está escrito nesse caderno. — O avisou, desviando brevemente seu olhar do dele, ela lentamente esticou o braço na direção da mesa e agarrou o caderno com um cuidado excessivo, seu desconforto estava claro, mas ela conseguiu escondê-lo do olhar atento de Kambriel; ao menos por enquanto. 

Ela olhou para o objeto enquanto puxava uma cadeira para sentar-se, não existia nada ali que denunciasse ou lhe desse algum tipo de aviso sobre o que iria ler quando começasse a folhear as primeiras folhas usadas e talvez tenha sido por isso que seu pai escolhera escrever nele o que escreveu. Por sua aparência simples. Antes de abri-lo Alana lança um olhar breve para o arcanjo já sentado ao seu lado, as duas cadeiras ocupadas mantinham uma distância segura entre eles, como se cada um possuísse seu próprio espaço e sentiu-se estranha ao perceber que precisava que estivesse um pouco mais perto. Talvez assim se sentisse menos péssima por ler algo tão pessoal de seu pai. 

West bufa ao abrir o caderno e se deparar com a primeira folha cheia de rabiscos estranhos, nada do que estava vendo fazia algum tipo de sentido, apenas estranhos desenhos que não tinham nenhum tipo de significado para ela. Formas geométricas dos mais diversos tamanhos e jeitos, alguns conhecidos e outros que ela nem sabia dizer se realmente eram formas reais. Passou para a próxima página e encontrou uma anotação feita ano passado, era um tipo de comentário sobre a direção que a igreja estava tomando, nada que fosse útil para o que eles queriam saber.  

Ela passou por mais cinco páginas até encontrar a anotação mencionada antes por Eva, o caso que ele presenciou acontecer. Nesse momento ela foi tomada por uma forte ansiedade, seu coração acelerou e ela sentia todo seu corpo mais tenso. Suas mãos tremelicaram quando seus olhos se fixaram na primeira frase escrita no cabeçalho e ela precisou respirar profundamente antes de prosseguir.  

—  Morgan Bennet, 30 anos e morto por algo do qual não me esquecerei tão facilmente assim. — Alana começou a ler em voz alta, esforçando-se de uma maneira espantosa para continuar com aquela loucura. — Demorei para entender o que estava acontecendo com ele e levou mais tempo para associar que isso não era um ataque cardíaco ou epilético... Poderia ser loucura minha, pensar que isso parecia com uma possessão demoníaca? Um pastor precisa estar preparado para esse tipo de coisa, mas eu não estava... 

Alana une suas sobrancelhas após fazer uma pausa muito breve em sua leitura, ela não o havia olhado, mas tinha a percepção de Kambriel a olhando. Aguardando para que ela prosseguisse e ela o fez, seguindo firme cada linha, sentindo-se familiarizada com a descrição detalhada do que houve ao ponto de sentir enjoada quando seu pai descreveu a aparência que Morgan Bennet tinha antes de falecer. Seu estômago se revirou, pois era algo semelhante que ela vira na aparência de Vivian e sentiu como se estivesse revivendo tudo novamente em sua cabeça. Ela só parou de ler quando sentiu a mão de Kambriel sobre seu braço, um toque inesperado por ela que serviu como um pedido para que ela parasse.   

A moça o encara durante um tempo e lentamente balança a cabeça, mudando a página e deixado para trás o que acabara de ler, todos os detalhes do que Jacob presenciou e sentiu ao ver acontecer o que ela também tinha visto dias atrás. A próxima página estava narrando sem muitos detalhes seu encontro misterioso com Eligus e ao ler o nome do demônio na folha, percebeu que o mesmo estava escrito de uma forma diferente das outras palavras. Havia muito espaço entre as letras, como se ele não quisesse escrevê-lo da forma correta e o nome estava grifado e circulado repetidas vezes com outra cor de caneta.    

— O nome desse demônio com quem ele conversou... Está escrito de uma forma tão estranha... Como se quisesse se lembrar disso. — Alana estrega o caderno para o rapaz ao seu lado, usando o indicador para apontar o nome escrito para que ele o olhasse. 

arcanjo encara a folha em um silêncio estranho, seus olhos azuis pareciam concentrados no que estava escrito e ela logo percebeu que ele estava na verdade, lendo tudo o que fora escrito na folha. Após uma pausa longa, a postura dele mudou e ela conseguiu perceber essa mudança.   

— Ele nunca sequer chegou a mencionar sobre ele em algum momento? — Ao questioná-la, Kambriel a encara também. Mostrando-se sério.   

Alana nega com a cabeça antes de responde-lo.   

— Não e mesmo que o tenha feito, eu me lembraria disso, seria um nome difícil de se esquecer. — Admite, olhando rapidamente para o caderno nas mãos do rapaz e depois retornando para seu rosto. — Eu sei que esse Eligus é um demônio, mas o que ele faz? Quem ele realmente é e por que meu pai iria procura-lo?  

O rapaz coça o queixo antes de responder, como se pensasse melhor nas próximas palavras que diria e, depois de um longo suspiro ele finalmente começou a falar.  

— Eligus é um demônio conhecido por fazer favores, tanto para os demônios quanto para humanos. Por isso é difícil de conseguir falar com ele ou encontrá-lo assim; é um demônio com um tipo de acesso... Restrito, não é qualquer pessoa que simplesmente consegue conversar com ele. — Ele começou a explicar, agora parecia evitar olhar para o caderno que tinha em mãos. — Por ser um demônio então não existe um limite para o tipo de pedido que fazem a ele e acredite, se soubesse o que pedem a ele ficaria surpresa.   

Ela franze o cenho de maneira pensativa. 

— Então meu pai foi procurá-lo para pedir um favor a ele? — Sua pergunta era retórica, pois estava tão óbvio o que acontece, mas Alana queria apenas uma confirmação. Sentia que precisava disso.   

— É muito provável, porque é apenas isso o que ele faz. — Supôs. —  O que foi que ele pediu? Não sabemos, ele não escreveu nada sobre isso, mas ficou claro que foi uma semana depois de ele ver a morte de Morgan acontecer.   

Alana apertou os dedos um no outro. Munida de uma curiosidade incomum para descobrir o favor que seu pai pediu a um demônio e o motivo de ele ter feito isso mesmo sendo um pastor. Não entendia e nem mesmo encontrava uma justificativa que fosse plausível para que respondesse o que havia acontecido durante uma semana inteira que o fez tomar a decisão que tomou.   

— Então pode ter alguma relação com o que houve com Morgan? — Mais uma pergunta, Alana parecia preocupada e realmente estava, afinal, acabara de descobrir que seu pai fora a procura de um demônio que realizava favores. O que mais ele tinha escondido antes de morrer? 

— Eu não sei dizer, mas com tudo o que vem acontecendo, acho difícil que ele não esteja envolvido nisso também. — Kambriel responde com pesar e certa fúria em seu tom de voz, algo que ela percebera. — E tem mais um detalhe que percebi enquanto estava lendo a página anterior e essa.  

Depois de alguns instantes em silêncio é ele quem o quebra, atraindo a atenção da moça para si outra vez.  

— Pelo que pude entender, seu pai sabia sobre... — Ele fez um gesto com a mão, um círculo no ar como se indicasse todo o ambiente ao seu redor. — Esse mundo no qual faço parte. Ele não faz citações claras, mas que deixam a entender que ele já tinha esse tipo de conhecimento bem antes de ver o ataque acontecer.  

Isso a pegou de surpresa também, como todas as outras revelações que tivera em poucas horas. Era como estar conhecendo uma pessoa diferente da que a criou durante vinte e tantos anos, uma pessoa que guardou os mais diversos tipos de segredos de sua própria filha. E por qual motivo? O que ele sabia que decidiu não contar a ela?   

Ter conhecimento disso a fez se distrair, seus pensamentos começaram a se perder nos mais diversos tipos de situações, motivos, explicações que ela tentava encontrar para justificar um pastor como Jacob querer se encontrar com um demônio. Para ela isso não fazia o menor sentido, tão pouco parecia ser algo que seu pai faria, mas percebera que não o conhecia como pensava e, isso se mostrava uma dura verdade à medida que continuava a bisbilhotar suas coisas.  

 ●●●  

Kambriel se sentia mentalmente cansado e sequer imaginava que isso fosse algo possível de se acontecer consigo mesmo. Conseguia perceber sua mente mais agitada que nunca, seus pensamentos numa velocidade incomum enquanto lutava contra toda a agitação que lhe dominava; o impedindo de fechar os olhos e finalmente dormir. Ele imaginou que a dificuldade em pegar no sono tinha a ver por estar ainda na casa de Alana, mais precisamente em sua sala. Deitado no sofá confortável onde esteve antes. Contudo ele não tinha certeza disso.  

Procurar por algum tipo de pista ou respostas nas coisas de Jacob West demorou mais do que imaginou, quando se deram conta, haviam retornado a vasculhar os outros cadernos e livros que Alana guardara nas caixas após sua morte. Uma tarefa que tomou horas, mas que não foi de todo inútil. Encontraram anotações importantes, estudos que o homem havia feito anos atrás e que revelou que, o pastor realmente sabia muito mais do que dizia.    

A desconfiança de Eva sobre isso se mostrou certeira.   

A surpresa da nova descoberta e de que o homem tinha um conhecimento além do que sempre aparentou ter foi algo inesperado por eles, Alana era quem mais parecia espantada e de certa forma, indignada por descobrir os segredos do pai somente após sua morte. Foi perceptível como isso passou a afetá-la nas horas seguintes. Kambriel percebeu a leve mudança em seu humor e na maneira como mencionava o homem também, entedia parte de sua raiva — se é que poderia chamar assim — era óbvio que não compreendia o sentimento num todo, não conseguia imaginar como seria estar em seu lugar e descobrir e passar pelo que Alana estava passando.  

O que veio depois foram horas de silêncio enquanto organizavam tudo o que encontraram e guardavam o que consideraram sem utilidade. Nisso, já era noite e, munida de uma bondade que o pegou desprevenido, a humana achou que seria melhor se ele dormisse em sua casa e ele também entendia o motivo e concordou, não gostaria de pensar na possibilidade de deixá-la uma noite sozinha quando tinha demônios atrás dela. Seria mais prudente de sua parte.    

E talvez fosse isso que também não o deixava dormir. O fato de que Alana estava em seu quarto, no andar de cima e que, a qualquer momento algo ruim poderia acontecer também se mostrava um tipo de impedimento para que seu sono viesse mais facilmente e ele tinha motivos para ter isso como uma preocupação; afinal, duas tentativas já aconteceram e, ele torcia e rezava para que não houvesse uma terceira.   

— Pai... — O chamou num sussurro extremamente baixo e pessoal. Seus olhos se fecharam lentamente enquanto sua mente se distanciava dos tantos pensamentos decorrentes daquele longo dia até que seu único foco fosse na conversa que iria iniciar. A conversa particular que teria com Ele.   

Percebia como era grande a diferença daquela conversa, estava longe de sua casa e também longe Dele e não tinha uma clara percepção de como a conversa seria até iniciá-la. Kambriel não estava esperando que a distância se mostrasse um fator tão importante assim para sua real intimidade e espantou-se em perceber como isso parecia fazer com que a simples tarefa de falar com seu pai se tornasse dificultosa.   

— Pai — O chamou novamente seguindo com o mesmo tom baixo de antes. Sua mente já completamente distante de outros pensamentos e longe de tudo o que estava cercando-o no ambiente. Estava pronto para falar, pronto para pedir forças não só para si, mas para Alana também. Até porque ela iria precisar se quisesse prosseguir o restante do caminho que decidiu tomar.    

Sua conversa, porém, foi interrompida quando seus olhos se abriram, como se despertasse de um sono ao ouvir o grito de Alana soar do andar de cima; aonde estava seu quarto. 

O som pareceu invadir sua mente de uma maneira cortante e perturbadora, dando a entender que ela estava em perigo. Foi uma reação imediata, quando percebeu estava de pé e ao piscar, já estava avançando pelos tantos degraus da escada que permitia o acesso ao andar de cima.

Seu corpo se agitou contra seu peito ao imaginar o que estaria acontecendo, em quem estaria tentando feri-la durante a noite e, mesmo que não estivesse sentindo nenhuma presença contrária ou qualquer cheiro de denunciasse a presença de um demônio, não vacilou. Depois de presenciar um demônio caído atacando um pastor dentro da igreja, não poderia vacilar. 

Como resposta para a agitação e euforia que lhe dominava enquanto se dirigia até o quarto da moça, sentiu um leve formigar em suas costas que parecia apenas acordar seu lado guerreiro, um aviso para ele e quem estivesse a machucando que estava pronto para atacar se fosse necessário.    

E sabia que o faria sem nem pensar duas vezes ou sentir algum tipo de hesitação.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Sorry terminar o capítulo desse jeito, mas eu juro que foi necessário.

~Então quer dizer que o pai da Alana além de ter visto uma morte acontecer, foi procurar um demônio e já sabia sobre tudo isso e mesmo assim não contou nada para a própria filha???? Olha...

~Eligus logo mais vai dar as caras aqui na história também, num momento que eu não vejo a hora de contar aqui hehe.

~Alana em perigo! Oh deus, até quando???



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre o Céu e o Inferno." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.