Maresia escrita por Cinderela Modernizada


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

“E o riso dela? Era algo absolutamente dominador. Ninguém tinha a menor chance diante dele.” — A Menina que Roubava Livros



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CALEB

Sete e quarenta e cinco o despertador tocou. Levantei da cama, fiz minha higiene matinal e troquei a cueca samba canção pela roupa de corrida. Na cozinha, fiz um café da manhã rápido e proteico para me dar energia: ovos mexidos, torradas e suco de laranja.

Começar o dia correndo me dava energia para suportar o restante. Fiz 15 quilômetros pela borda da praia em uma hora. Voltei para casa, tomei banho e me arrumei para mais um dia de trabalho.

 - Bom Dia subdelegado. – Júnior me cumprimentou assim que passei pela porta da frente. 

 - Oi Júnior. – Dei um aceno com a cabeça. Dos estagiários, ele era o mais dedicado. Confesso que não coloquei muita fé quando ele chegou aqui com seu corpo magrelo e rosto cheio de espinhas, mas o garoto era esforçado e sempre pronto para ajudar. – Júnior? – O garoto olhou para mim quando me viu voltando em sua direção.  – Lembra da Merlia? A mulher que estava aqui comigo ontem? – Perguntei me apoiando no balcão.

 - A morena bonita? – Perguntou com um sorriso animado demais para o meu gosto. Fechei a cara e ele desfez automaticamente o sorriso. – Sei sim. – Dessa vez, disse bem mais sério.

 - O que vocês estavam falando ontem? – Perguntei tentando não soar tão sério, talvez assim ele abrisse a boca mais facilmente.

 - Ela só perguntou algumas coisas sobre a delegacia, queria apenas passar o tempo. – Disse evitando me olhar e dando um sorriso no fim.

 - Só isso? – Aquilo não fazia sentido. Júnior assentiu, me olhando. 

 - Ela vai voltar mais vezes? Gostei do jeito dela. Me tratou como se fossemos iguais e não como estagiário. - Ele disse sorridente. 

 - Talvez. Qualquer coisa aqui me avisa, beleza?

            Fui para minha sala, liguei o computador e repassei os relatórios da Merlia. Da mesma forma que ela tinha que fazer os seus, eu tinha que revisar os dela e mandar para o Tenente Drian que, desde ontem, estava no meu pé querendo saber de todos os detalhes daquela semana.

 Acho que ele estava um pouco hesitante com o progresso feito pela Merlia.

            Para mim ela estava se saindo extremamente bem, não que eu fosse dizer isso para ela e ter que aguentar sua cara de presunçosa e o sorriso de sabe tudo que sempre fazia quando achava que estava certa. 

Era simplesmente insuportável.

 - Rindo à toa? – Marcela perguntou entrando na minha sala, me despertando de ficar pensando em um certo alguém.

Imediatamente, mesmo que ela não pudesse saber do que estava pensando, fiquei constrangido.

 - Me lembrando de uma coisa. – Respondi desfazendo o sorriso.

 - Trouxe os autos de prisão em flagrante que estão com o prazo vencendo. – Ela colocou uma pilha de pastas na minha frente.

 - Tudo isso? Não tem ninguém verificando? – Se não remetêssemos ao juiz em até 24 horas, a prisão em flagrante de tornava ilegal e poderia ser relaxada, uma coisa inadmissível de acontecer.

 - Só faltam a assinatura. – Ela disse com um sorriso.

 - Entendi. – Disse mais calmo, pegando uma caneta e começando a assinar meu nome nas linhas pontilhadas.

 - E eu estava pensando ... – Marcela disse quase sussurrando e, só pela sua voz que ficou rouca, eu já sabia onde aquela conversa iria acabar. - ... faz um tempinho que não nos encontramos. – Ela se inclinou na medida certa para que seu decote ficasse bem mais avantajado.

 - Faz? – Me fiz de desentendido.

            Eu não queria confessar à Merlia ontem, mas Marcela e eu dormimos juntos bem mais do que duas vezes. Na verdade, tínhamos uma coisa, nada sério, só um lance casual e sem compromisso. 

Nós dois já éramos adultos e sabíamos lidar com isso, pelo menos foi o que eu pensei até que ela começou a se envolver demais. 

            Que a Marcela era afim de mim, eu já tinha percebido. Os olhares furtivos, o jeito que ela sempre sorria quando eu chegava perto e todos aqueles toques. Resisti por um tempo, dormir com alguém do trabalho nunca dava certo, até que um dia, depois de que eu aceitei ir em um Happy Hour com os cadetes, dormimos juntos. Depois, toda vez que um de nós dois estava livre ou com vontade, acabávamos relembrando aquela noite.

 - Que tal nos encontrarmos hoje à noite? Na minha casa? Posso fazer alguma coisa para comermos. – Ela ofereceu enquanto passava os dedos pelo meu braço.

 - Na verdade, eu tenho um compromisso hoje. – Disse terminando de assinar as pastas e me afastando do seu toque gentilmente.

 - Compromisso? Em uma segunda? – Perguntou com suspeita, levantando a sobrancelha. Apenas assenti.

Merlia e eu tínhamos combinado de assistir séries nas segundas-feiras. Não queria confessar, mas estava animado com a ideia. Merlia não calava a boca e tinha uma animação fora do normal, era simplesmente impossível não rir das besteiras que ela falava. 

Já falei que ela conversa demais?

 - É. – Vi sua cara de frustração por eu não ter revelado mais detalhes.

— Quinn? – O delegado entrou no escritório e Marcela imediatamente se afastou. – Marcela?

 - Oi tio. – Ah, contei que ela era sobrinha do meu chefe? – Trouxe os autos de prisão em flagrante para o subdelegado assinar.

 - E aqui estão. – Entreguei as pastas para ela que saiu em seguida. – Algum problema? – O delegado sentou na poltrona e olhou ao redor.

 - Vou aposentar assim que o seu caso federal acabar. – Ele disse sem rodeio. 

Ainda bem que estava sentado, porque aquela informação me pegou de surpresa. Fazia mais de ano que a aposentadoria do Delegado Maxuel tinha saído, mas ele disse que ainda não estava pronto para deixar o cargo, me deixando na geladeira.

 - Por quê? – Eu não iria me animar antes da hora, ele podia mudar de ideia a qualquer momento. Era um velho cheio de reviravoltas. 

 - Decidi que é hora de aproveitar meus netos, viajar com a  Beth e talvez construir uma varanda. – Dei um sorriso calmo no final, como se aquilo estivesse mais do que decidido. –  Bom, eu só queria te avisar sobre a decisão. – Ele ficou de pé.

 - Muito obrigado delegado. – Estava segurando minha empolgação para não sair pulando pela delegacia igual uma criancinha.

 - Quero festa de despedida. – Ele disse com um sorriso e uma piscadinha, antes de sair. – Com donuts recheados. - Ressaltou. 

 - Pode deixar. – Assenti com a cabeça. Se ele realmente saísse e deixasse aquele cargo para mim, eu lhe entregaria todos os donuts com recheio de goiabada que eu achasse na cidade.

            Não tinha como aquele dia ficar melhor. Trabalhei com mais afinco, sabendo que em poucos meses eu seria o delegado chefe daquela delegacia. 

Por volta das nove horas da manhã, recebi uma mensagem da Merlia.

“Vou passar o dia com a Callie. Te mantenho informado”.

Do jeito que ela estava lidando com as coisas, me tornaria delegado interino muito mais rápido do que havia pensado. Ela tinha jogado bem em se aproximar da irmã do Castiel, parece que tinham virado amigas, o que serviria de uma ótima âncora.

No fim do dia, terminei meu serviço e passei na pizzaria que eu mais gostava na cidade, pedi uma pizza grande e reforcei o pedido de não ter nada de frutos do mar. 

Estacionei na frente da casa da Merlia quando já estava escuro, cerca de oito da noite. Como eu tinha a chave, entrei pelos fundos e a encontrei perto da porta fazendo uma dancinha ridícula.

 - O que foi isso que eu acabei de ver? – Perguntei e ela se virou rapidamente na minha direção, assustada. 

Ela tentou disfarçar, mas não deu muito certo, aquilo ficaria na minha cabeça para sempre e faria questão de jogar na cara dela pelo mesmo tempo.

— Espera aí, qual é a da pizza? – Perguntou olhando para a minha mão e a caixa quadrada que eu segurava.

Será que ela não queria pizza? Devia ter trago salgadinhos ou coisa do tipo? Talvez hambúrgueres. 

 - Hoje é segunda! – Minha empolgação saiu na minha voz, mesmo que eu não quisesse. Estava determinado a provar que a minha série era melhor.

 Ok, era um pouco competitivo. 

Merlia continuou a me olhar com o V que formava entre suas sobrancelhas quando não entedia algo. 

  – Íamos assistir série? - A olhei atentamente e entendi o que tinha acontecido. - Você esqueceu! – Constatei já percebendo que ter vindo aqui era um erro.

 - Não esqueci. – Ela disse rapidamente. - Eu só achei que ia dar tempo de tomar um banho antes, espera? – Será que ela estava falando a verdade? Seus olhos de culpada diziam o contrário, mas mesmo assim assenti.  – Por que não esquenta a pizza enquanto isso? – Ela gritou enquanto subia as escadas e me deixava sozinho plantado na sala de TV.

            Merda, eu sabia que não deveria ter me empolgado em uma mera noite de séries. Com toda certeza estava fazendo papel de idiota de ter aparecido com uma pizza sem ao menos avisar. 

Só que eu realmente achei que o convite que ela tinha feito era para valer. Devia ter ligado ou mandado uma mensagem antes? Provavelmente.

            Relutante se devia ficar ali ou fingir que tinha acontecido alguma coisa para poder ir embora, fui à cozinha. Literalmente abri todos os armários para tentar achar uma forma, até que encontrei uma e coloquei a pizza. O queijo não estava tão derretido quanto eu queria, esquentar daria um jeito.

            Coloquei o forno em fogo médio e o timer para apitar em 20 minutos. Acho que combinaria com o tempo para que ela voltasse. Voltei à sala e me joguei no sofá, pegando meu celular para passar o tempo. Tinha uma mensagem da Marcela.

“Estou livre, se seu compromisso der errado 

Sutil que nem um coice. Deixei a mensagem de lado e dei um suspiro fundo, deitando a cabeça no encosto do sofá. 

 - Que merda. – Exclamei baixinho, até que, pela primeira vez que tinha entrado na casa, percebi algo que não estava ali antes.

Um cachorro com pelo brilhante estava deitado na poltrona, dormindo. De onde ele tinha saído? Será que Merlia sabia que ele estava ali? Será que era bravo?

 - Voltei, tudo pronto? – Merlia perguntou descendo as escadas.

 - De onde isso saiu? – Perguntei ainda olhando para o cachorro. Seu olhar foi na mesma direção.

 - O Paçoca? – Ela perguntou despreocupada, indo até o animal e passando a mão na sua cabeça carinhosamente, dando um grande sorriso quando o cachorro acordou e a lambeu. – O Castiel me deu. 

 - Quando? – O cara tinha dado um cachorro para ela? Uau, as coisas estavam indo bem assim?

 - Hoje à tarde. – O cachorro me olhou com curiosidade, como se estivesse ponderando se eu era amigável ou não.

 - Paçoca? – Ela deu um sorriso maior do que o anterior e só naquele momento reparei em quanto estava bonita com os cabelos molhados, pele sem maquiagem que deixava pequenas olheiras a mostra e com um pijama com estampas de Lhamas. 

Gostava da ideia de que ela se sentia confortável o suficiente para ser ela mesma na minha frente. Sem roupas elaboradas, cara cheia de reboco ou tentando ser alguém que não era. Aquilo que ela tinha me dito no carro esses dias sobre poder ser ela de verdade quando estava comigo tinha me marcado e me deixado com um formigamento estranho perto do peito. 

Será que eu estava perto de ter um derrame? 

— Não é a cara dele? – Perguntou fazendo aquela voz que usamos para falar com cachorros e com bebês, apertando o rosto do cachorro com as mãos como uma psicopata, de um jeito meigo, claro. – Quem é o meu amigão? Quem é? – O cachorro abanou o rabo loucamente para mostrar que ele era o amigão.

            O forno apitou bem mais alto do que eu estava esperando. Já tinham passado 20 minutos?

 - O que foi isso? – Merlia perguntou olhando para os lados.

 - O forno. – Respondi indo de volta à cozinha, pegando o pano de prato para não me queimar.

 - O cheiro tá tão bom! Acho que faz um tempão que não como pizza! – Peguei a forma e  a coloquei em cima da bancada.

            Tinha escolhido um sabor não tão exótico, não sabia do que ela gostava. Peguei uma tradicional de bacon com batatas gratinadas. O queijo tinha derretido bem e as bordas estavam bem assadas exatamente como eu gostava. (X)

 - São batatas? – Merlia olhou para a pizza como se estivesse examinando um alienígena.

 - São. – Batatas cortadas em rodelas com um creme de queijo extraordinário. – É uma das pizzas mais tradicionais de Maresia. – Eu já morava a tanto tempo na cidade que nem tinha me tocado que não era comum colocarem aquele ingrediente na pizza.

 - Que estranho! – Ela deu de ombros. – Então, por qual série vamos começar? – Perguntou abrindo o armário e pegando dois copos.

 - Pela minha, é lógico. – Ela revirou os olhos.

 - Tá com medo de começar a assistir Friends e viciar, não é? Eu entendo! – E ela deu aquele sorriso presunçoso enquanto pegava os guardanapos. – Não vem? – Perguntou quando já estava na metade do caminho para a sala.

 - Vou deixar você e sua presunção se sentarem, ocupam muito lugar. – Minha voz tinha saído paqueradora? Não, claro que não.

            Merlia deu uma gargalhada antes de me mostrar a língua. Peguei a pizza e me sentei ao seu lado no sofá. Paçoca se sentou do outro, parece que ele tinha realmente gostado da nova dona, já que não saia de perto dela. 

 - Ok, vamos decidir isso como adultos. – Merlia disse enquanto pegava uma fatia da pizza. – Vamos tirar impar ou par. - Não me contive e dei uma risada. 

 - Esse é seu jeito adulto de resolver as coisas? – Também peguei um pedaço da pizza.

 - Lógico, é justo. – Afirmou convencida.

 - Impar. – Disse antes de dar uma bela mordida na ponta da pizza, puxando o queijo.

 - Par. - Ela disse e revirou os olhos. - Não sei por que temos que dizer isso, se uma já escolheu um, só resta o outro, não é? - Perguntou falando sozinha. 

 - Você quer jogar ou discutir como essa brincadeira é ridícula? – Perguntei. 

Ela contou até três e fizemos nossas apostas.

 - Ganhei! Trouxa! – Sua empolgação era que nem de uma criança de cinco anos que consegue fazer o pai deixar de assistir jogo para colocar o desenho.

            Merlia colocou no começo de Friends.

 - Por que ela está com um vestido de noiva em uma cafeteria? – Perguntei depois de alguns minutos. 

 - Por que você não assiste? - Ela respondeu sem me olhar. 

 - E não é estranho que ela simplesmente apareça no lugar que a antiga amiga mora? – Perguntei minutos depois. - Ninguém achou suspeito?

 - Quer calar a boca e assistir? – Ela disse perdendo a paciência, me fazendo decidir ficar calado.

            Mesmo estando um calor de 30 graus, Merlia pegou um cobertor e se cobriu, se aconchegando ao meu lado de um jeito que não estava nem tão longe nem tão perto. Lá pelo segundo episódio, ela chegou mais perto, deitando a cabeça no meu ombro. Quando fez isso, senti meu corpo todo se ascender que nem uma árvore de natal. 

Vamos lá Caleb, respira fundo. 

 Ela ria da série como se fosse a coisa mais incrível do mundo e, antes de começar alguma cena que gostava, mandava eu prestar atenção.

Assistimos uns seis episódios, já que eram bem pequenos. E quando ia começar o sétimo, percebi que Merlia tinha se calado a muito tempo. O que era extremamente estranho já que ela era a própria maritraca. 

 - Merlia? – A chamei e não tive resposta. Me mexi um pouco e vi que estava dormindo.  - Eu disse que a série era chata. – Resmunguei para o Paçoca, pegando o controle e desligando a TV.

            Depois sair do sofá tomando o maior cuidado para não a acordar, a coloquei no colo e, com um pouco de medo de cair na escada, a levei até o seu quarto. 

Merlia resmungou alguma coisa quando a coloquei na cama, mas não acordou. A cobri e desci novamente. Arrumei a bagunça que fizemos, joguei os guardanapos no lixo, coloquei os copos na lava louças e a pizza na geladeira. Tranquei as portas e voltei para casa desejando por mais dias daqueles.


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