Draco não imaginou que a veria tão cedo assim.

Na noite seguinte, lá estava ela de novo no Pumpkin’s Juice. Apareceu com as mesmas roupas de sempre - como se tivesse acabado de sair do trabalho, apesar de ser sábado - e, sem nem mesmo olhar na direção dele, foi como um furacão até Ben, pegando-o pelo colarinho assim que o alcançou.

“Você não abriu o bico, abriu?”

O barista parecia suar frio.

“Eu?!” Ele gaguejou. “Não!”

Hermione suspirou, parecendo estar aliviada, e pediu uma dose de whisky. 

“Dia ruim?” Draco perguntou, aproximando-se com seu próprio copo.

“Nem comece.” Ela o observou com o canto dos olhos, parecendo não acreditar que ele realmente estivesse ali, em um bar trouxa. Contudo, não lhe perguntou nada. “Na verdade, eu lhe devo desculpas pelo outro dia. Quando estou de ressaca, eu fico um porre.”

“Literalmente, pelo jeito.”

Pela primeira vez, ela  lhe ofereceu um sorriso.

“Isso mesmo!”

“Você me rendeu um dia de dor nas costas depois de carregá-la, mas quem liga?” Ele deu de ombros, um pouco de sarcasmo escapando em seu tom de voz. “Não é como se eu fizesse muita coisa ao ponto de precisar de uma poção para melhorar.”

Aquilo pareceu chamar a atenção dela.

“O que tem feito da vida, Malfoy?”

Ele deu de ombros.

“Nada. Ou tudo, dependendo do que você acredita. Eu chamo de ficar em casa o dia inteiro e então vir para um bar trouxa no centro da cidade encontrar alunas exemplares se afogando em bebidas. Sou basicamente um excluído da sociedade, tanto bruxa quanto trouxa.”

Hermione riu.

“É, acho que você resumiu bem. As coisas mudaram um pouco.”

Ele fica tentado a perguntar, mas se segura. Sente - aliás, sabe e tem plena ciência — de que não é seu direito questioná-la quanto qualquer aspecto de sua vida - passado, presente, o que quer para o futuro ou até mesmo o que diabos a levaria a um bar trouxa caindo aos pedaços.

Mas ele não precisa perguntar. Ela mesma decide falar, após um longo suspiro.

“Bom, já que bebi um pouco e você mesmo se diz recluso... Eu, também, não ouço falar de você há anos.” Ela sorve um pouco do whisky. Na frase seguinte, Draco já nota que sua voz começa a ficar enrolada. Ele arqueia as sobrancelhas, surpreso. “Você já se sentiu como um fracasso? Sinto que a vida toda esperei estar exatamente onde estou hoje - com o emprego que sempre sonhei, no setor que sempre almejei no Ministério, com meus amigos ao meu lado... Mas, ao mesmo tempo, parece que tudo que fiz, todos esses anos atrás, tudo... Não tem sentido. Eu saio às ruas, as pessoas sorriem e me reconhecem pelo papel que tive na guerra, junto ao Harry, mas eu não sinto valor dentro de mim.” Ela faz uma pausa. “Eu estou... perdida.”

Num primeiro momento, tudo que Draco quer dizer é “pobre garota famosa...”. Mas, então, ele ouve reconhecimento na voz dela. Não teve as mesmas vivências que ela, mas a sensação de estar perdido, parado, em um mundo que se move, muda, atualiza... É isso.

Draco permanece em um silêncio pensativo ao lado de Hermione. Ela bufa e uma parte de sua franja se levanta. Ele não quer rir da cara que ela faz, mas não consegue conter um sorriso.

“Eu acho que... entendo você.”

Ela olha para ele, surpresa.

“Você me... entende?”

Draco revira os olhos.

“Acabei de falar isso, não acabei?”

“Desculpe-me, eu só... Me surpreendi. Acho que nunca concordamos em algo antes.”

“O que Weasel e Potter dizem sobre tudo isso?” Hermione apenas balança a cabeça. “Você não contou a eles o que está sentindo?” Isso o surpreende. O trio de ouro era inseparável! Às vezes, Draco chegara a crer que eles podiam ler a mente um do outro. 

“Eles estão muito ocupados... Harry e Gina estão esperando o segundo filho, e Rony e eu não... Não nos falamos muito desde... Que terminamos.” Ela cora, desajeitada por ter de admitir esse detalhe a ele. “Mas você deve saber disso... Saiu em todos os jornais.”

Draco nega.

“Não ando lendo jornais.”

O alívio no rosto de Hermione é claro. Ela não sabe o porquê, mas é exatamente isso que sente. Ela leva uma mão à orelha para colocar uma mecha de cabelo para trás, e Draco tem uma visão de seu pulso. Sangue-ruim está escrito ali, na caligrafia de sua tia. Ele desvia os olhos rapidamente.

“Enfim,” Hermione suspira. “Deve ser um saco para você ter que ouvir tudo isso de mim. Mas devo admitir que é bom falar com alguém...” mesmo que seja você, ele pôde completar em pensamento para ela. “É só... estranho, a forma como tudo aconteceu. Na semana passada, me senti tão perdida, tão sufocada com todos esses pensamentos, que, ao sair do trabalho, tudo que fiz foi andar. Andei algumas horas sem rumo, apenas acompanhada pelo som dos meus passos, tentando não pensar em nada... Aí me lembrei do Ben. Quando fui visitar meus pais outro dia, ele estava lá, conversando com eles, falando sobre o bar... E foi justamente para cá que eu vim.” Ela para, vira-se para Draco e o olha diretamente nos olhos. “E foi justamente você quem encontrei.”

 Naquele momento, há alguma coisa nos olhos dela... Algo que Draco não consegue identificar na hora. Ele reconhece, mas na hora não lhe acomete.

Mas, depois, quando ele está caminhando de volta para casa, ele percebe.

Ele se lembra que o brilho que viu nos olhos castanhos é o fogo que sempre existiu nela.

O mesmo que ela tinha quando o esbofeteou, tantos anos atrás. O mesmo sempre que ela o desafiava durante as aulas. O mesmo sempre que ela sabia a resposta para alguma pergunta ou estava pronta para defender os amigos.

Hermione Granger pode se sentir perdida, mas talvez Draco possa ajudá-la a encontrar seu caminho de volta.