Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 10
08. Salva pelos rascunhos


Notas iniciais do capítulo

Oi! Tudo bem com vocês? ♥
Fico muito feliz que o capítulo anterior tenha agradado vocês! Esse capítulo está um pouco mais narrativo e com menos diálogos, mas espero que não seja incômodo. No outro já voltamos ao ritmo "muita gente escrevendo em Florença", heheheh.



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Esse pequeno erro de julgamento conseguiu ser pior do que o de ter subestimado a temperatura de um filete inofensivo. Novamente, era como se o sol me dissesse: Ninguém mandou você bancar a curiosa, mocinha.

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A sinceridade é a melhor das identidades.

Todos os dias, releio a mensagem de T. Kyrell, como um lembrete de onde falhei desde o início. Já faz alguns dias desde que a entrevista com Artemis foi lançada, e desde então venho evitando usar a internet. Por isso, a última vez que li a mensagem, havia acumulado dezenas de outras não lidas de outros leitores.

Por algum motivo que ainda não sei explicar, também ando evitando T. Kyrell. É como se ele fosse uma das poucas coisas honestas com que convivo; Então, dar a ele a brecha de conviver comigo é praticamente pedir para que minha consciência pese mais cinco quilos psicológicos. Nessas horas, penso ser patético que eu sequer consiga gritar para extravasar um pouco de frustração.

Nem mesmo Elio está me parecendo convidativo, apenas a uma porta de distância. Seu sorriso doce seria detestável a essas alturas. Até mesmo porque, com o sorriso, viria a reafirmação do que já sei: Nora finalmente aceitou sair com Reid. Assim como Nora não havia motivos para negar, Reid não tinha motivos para postergar seu convite.

Por favor, não me veja como a amiga invejosa. Eu a amo de coração e quero que ela seja feliz, independente de quais termos estejam implícitos nessa felicidade. Mas é muito, muito difícil olhar a luz no final do túnel quando tudo está escuro. Às vezes, um remédio é amargo, e nem por isso deixamos de tomá-lo.

Após certo tempo, opto por tentar canalizar toda essa energia na personalidade do agente Sullivan (meu investigador sênior finalmente ganha nome e sobrenome, apesar de eu ter minhas dúvidas quanto à patente estar correta), uma vez que é um pouco impossível não figurá-lo como o Hopper de Stranger Things.

Ao olhar ao redor noto que não trouxe meus rascunhos comigo – o que faz sentido, visto que estou tentando ter hábitos saudáveis de sono. Portanto, após um longo suspiro me obrigo a me trocar e atravessar a Università em direção ao meu escritório. Digo, ao escritório de Nora.

O ambiente é tão acolhedor que me dá vontade de chorar. Sou abraçada por meus livros do Lincoln Rhyme e minha pilha de papéis numa ordem que só eu conheço. É muito difícil resistir à tentação de me deitar no chão e encarar o teto como faço em casa.

Em casa, não. Em Vegas. Ainda não encontrei um lugar só meu para chamar de lar. Lar é onde o coração está, e não faço ideia de onde no mundo está T. Kyrell. Ou, se ele só flerta comigo esportivamente, talvez nem isso eu tenha.

Cedo à tentação, enfim. O chão está tão convidativo que faço questão de me esparramar.

Durante os próximos minutos, organizo todo o passado de Alistair Sullivan e dou a ele uma equipe. A chave de um trabalho bem-sucedido é a química, como podemos ver com o pessoal todo de estadia. Por exemplo, se Kiera e Mabel não tivessem tido uma química automática, não teríamos as interações culinárias e humorísticas. Se Sariyah e Reid não fossem tão calmos, não teríamos apaziguadores para quando Kiera e Prince começassem a se estranhar. Se Prince e Elio não fossem completos opostos, não teríamos as trocas de olhares entre Elio e Nora – sobrancelhas erguidas como quem diz “está escutando o mesmo que estou escutando?”. Se não tivéssemos Annabella como nossa líder, não contaríamos com seu entusiasmo sobrenatural.

Aparentemente, sou a única que não se encaixa em meio nenhum.

Fecho os olhos tentando ignorar a nova maré de pensamentos ruins, quando escuto batidas na porta do escritório. Minha primeira reação é o pânico, mas lembro de que também sou uma convidada ali. Portanto, deixo os papéis organizados dentro da pasta que nos foi fornecida. Tudo está protegido. Então, abro a porta e não posso deixar de ficar surpresa.

É a primeira vez que vejo Sariyah sem seu hijab. Seus longos cabelos castanhos estão soltos, sustentados por uma franja lateral que os joga para o lado esquerdo. Apesar disso, ela carrega consigo uma bolsa à tiracolo, o que me leva a deduzir que isso não durará muito tempo.

— Oi, Di! Tudo bem? A Nora está por aí? — e então, ela abre um sorriso que não queria admitir que ansiava. Sorrio de volta para ela, apesar de negar com a cabeça. Sariyah não precisa de mais do que isso para compreender. — Ah, tudo bem... Só vim dar um oi. Eu me esqueci do encontro deles, você acredita?

Ergo uma sobrancelha, abrindo mais a porta para que ela entre. E assim ela faz, rindo generosamente.

— Reid é um bobinho impressionado. Ele me pediu pelo menos quinze conselhos diferentes desde semana passada. É bem provável que tenha passado uma semana ensaiando o que dizer para ela...

Faço que sim com a cabeça, com um sorriso tão bobo quanto Reid. É claro que sim, Nora não merecia menos do que aquilo e Reid tinha plena noção disso.

— É claro que Elio não é muito melhor do que ele, nesse ponto — Sariyah se senta na cadeira que não estou usando, resgatando o hijab da bolsa. — Os dois são bobinhos, mas de jeitos diferentes.

É verdade. Meu nariz ainda dói um pouquinho da portada.

— E então, o que faz aqui? — ela pergunta casualmente, no entanto consigo ler nas entrelinhas. Pela minha cara, Sariyah apressa-se em emendar: — Não que não possa vir aqui, é claro.

Resgato a prancheta da mesa enquanto Sariyah ajeita-se com o pano. Uma das poucas partes boas em não falar é também não gaguejar, e no momento agradeço por isso. Viro a folha para que ela leia: “Nora me pediu para vir buscar uns rascunhos enquanto está fora. Depois o campus fecha.” Sariyah emite um “ah” de compreensão e solidariedade, e tenho de reprimir um suspiro de alívio.

— Entendi. Eu também vim pesquisar hoje. Está um dia bonito, não é?

Confirmo com a cabeça, ainda que um tanto aérea. Salva pelos rascunhos...

— Como a Nora está lidando com os holofotes? Ainda que seja uma fama pequena, ainda é uma fama...

Péssima. Ao invés disso, respondo: “Surpreendentemente bem. Ela parece ter sido feita para isso”.

— É mesmo — Sariyah sorri. — Fico feliz que esteja dando para suportar. Com você por perto, não tem como as coisas serem ruins, Diana.

O comentário me pega de surpresa. Em meio a um péssimo dia, um elogio sutil me quebra as pernas. Por isso, apenas sorrio e permito que ela vá após “conversarmos” sobre nossas semanas. É claro que ela tem mais a dizer, fazendo parceria com Kiera. Artes visuais e design caminham lado a lado, e estou ansiosa para ver o que elas trarão quando Florença for uma lembrança ensolarada.

Céus... Ensolarada até demais. Fico tentada a perguntar como Sariyah não cozinha com tanta roupa, no entanto pode ser desrespeitoso.

O dia melhora um pouco, então volto para o apartamento – com os rascunhos! – e tomo uma ducha bem-vinda. Quando Nora não aparece depois das nove da noite, entendo que não será hoje que retornará. Apenas para confirmar, ligo o celular na tomada e espero que as notificações carreguem com uma preguiça exagerada. O que a raposa diz?

[18:34] Foxy: “Ei, Di! Vou dormir fora hoje. Vai sobreviver sem mim?”

Opa.

[21:17] Diana Davies: “Vou, pode ficar tranquila. Tenha uma boa noite! (emoji de fogo)”

Parece-me bom, então sigo para a próxima aba. A que estou ignorando o dia inteiro.

“Ei, dona lua. Não se eclipse, por favor.”

“Sinto sua falta. Quando a Itália te der uma folga, estarei aqui...”

Sinto meus olhos marejarem. Apesar de ser uma farsa, ainda não estou sozinha e não preciso ficar se não quiser. Já passei tempo demais sozinha... Ao invés de aprender alguma coisa com isso, cá estou eu reiniciando o ciclo. É irônico, não?

Dessa vez, farei tudo certo. Consertarei tudo, aos poucos, e com ajuda.

Respiro fundo e mando a mensagem. O estopim do meu complô contra mim mesma.

“Nem mesmo um milhão de estrelas ofuscariam o brilho do sol, querido.”

“De onde paramos?”


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Notas finais do capítulo

Quanto ao hijab, existem algumas leis na Europa que restringem o uso dele em vias públicas. Na Itália, não há discussão sobre a proibição do uso do véu, já que ali, desde a década de 1970, está em vigor uma proibição generalizada de usar roupas que dificultem a identificação. (https://www.dw.com/pt-br/onde-%C3%A9-proibido-ocultar-o-rosto-na-europa/a-49849482)

A raposa, dessa vez, não disse "Ring-ding-ding-ding-dingeringeding" xD
Sariyah é um neném ♥ mas ela disse um detalhe importante e bem disfarçadinho no meio do diálogo. O que terá sido? Cheia dos segredos e confidências, hein?
Até o próximo!



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