Sete-Estrelo escrita por sabrinavilanova, Nathymaki


Capítulo 8
Capítulo Oito - Murder Song




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As botas deslizavam na lama enquanto eles corriam em direção ao navio. De tal distância já era possível ouvir o urrar dos homens e o clangor das lâminas em batalha. O ar tinha aquele cheiro carregado de pólvora, o estrondoso ruído dos canhões em falta enquanto ambos os lados os recarregavam. Não ia demorar muito agora, a Marinha dispunha de homens e força, mas eram eles que tinham o vigor, a sede de vitória que representava a diferença. Os marujos não ligavam para as honras ou as glórias da batalha, para eles aquilo era sobre sobreviver e, no final, a única coisa que importava era que o último de pé a ficar vivo saia vitorioso. Izuku cerrou os dentes e avançou sabendo que o Plus Ultra aguentaria, a espada em sua bainha tremia a cada investida e seu coração acompanhava o rufar retumbante dos tambores. Ainda sentia o sangue quente pelo pequeno embate, no entanto sua concentração se esvaía grão a grão, levada pela notícia trazida por seu raivoso companheiro.

Ouvir de Bakugou que estava certa não havia lhe propiciado aquele gosto exultante de vitória, pelo contrário, apenas servira para instalar em sua língua um amargor de medo e raiva que não desejava sentir naquele momento. Como se já não bastasse a cicatriz queimando em suas costas para lhe lembrar dos erros do passado, tinha agora os fantasmas da memória a lhe perseguir em terra. Pensar em encará-lo assim, tão cedo, fazia os pelos do seu corpo se arrepiarem. Não era um bom momento, as peças ainda não estavam em sua posse e ela não podia se arriscar a perder tudo naquele momento.

Um canhão soou. 

Perto. Eles estavam perto. Ela lidaria com essa questão assim que fizesse aqueles bastardos imperiais pararem de atacar seu navio. Isso, um passo de cada vez, depois de resolver aquele infortúnio, Midoriya conseguiria pensar melhor sobre o que fazer a seguir. O barulho do pisotear das folhas secas no chão se misturava com seus próprios batimentos cardíacos e o cheiro de sangue ficava cada vez mais agudo em suas narinas. Um confronto não era um bom presságio àquele momento. 

O navio da Marinha Imperial Portuguesa sempre foi motivo de temor para alguns piratas. Para Izuku, que já havia visto uma esquadra, não era o maior de seus problemas. A real barreira que deveriam enfrentar era quem estava ali, sobre as águas, comandando a próxima investida, observando a próxima jogada de seu adversário. Midoriya sentiu a pontada de dor em sua espinha, sabendo o que tudo aquilo significava. 

Shouta Aizawa estava naquela ilha, aquele homem estava naquela ilha. O que diabos estava acontecendo? Essa pergunta usurpava a mente de seus companheiros, porém Deku não tremeu. Estendeu a mão para Kirishima, um pedido mudo para que lhe entregasse o que haviam vindo buscar ali. Eijirou não hesitou em devolver o pequeno saco de seda e Izuku não fingiu surpresa ao notar as amarras da pequena bolsa, o pequeno fitilho de ouro que se estendia pela pela borda. Olhou para Hawks, perguntando silenciosamente o que merda era aquilo. 

一 Eu te disse que aqui tinha um bom rum 一 ele falou, dando de ombros. 一 O quê? Eu tive um tempinho enquanto o Sr. Eu-sei-onde-estou choramingava por ter cortado a perna em algum arbusto espinhoso. 

Izuku notou que seu Contra-mestre mancava e ergueu as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa, recebendo um aceno vago em troca. Muito bem, como não era uma questão de imediata urgência, ela podia varrê-la para longe de seu pensamento e se concentrar no que estava diante de si naquele momento.

A vegetação começou a rarear e logo o grupo deixou os caminhos úmidos da floresta para trás, passando a tropeçar na areia quente e sentir novamente o sopro do mar em seus rostos. Eles correram pelas dunas, permitindo-se apenas de um rápido instante para avaliar a situação. O Plus Ultra se destacava a sua frente, uma confusão de corpos e gritos em seu convés. Grossas cordas faziam seu percurso sobre as ondas interligando o navio pirata ao imperial, sendo o palco principal para que vários marinheiros e suas lâminas finas atravessassem a distância e invadissem. Kirishima e Bakugou afastaram a cobertura com que haviam escondido os botes por precaução e trataram de empurrá-los para a água, os braços fortes se retesando sobre as camisas molhadas e, enquanto Dabi e Hawks dividiam os remos, Denki trabalhou nas cordas. 

A cada bater dos remos na água, Izuku se sentia cada vez mais ansiosa para estar de volta ao convés, não que não confiasse em Ochako, isso era indiscutível e parte do motivo para ela ter ficado para trás. Mas apenas saber que aqueles desgraçados estavam profanando seu lar, fazia seu sangue correr com mais ferocidade. Kirishima foi o primeiro a agarrar as cordas e puxá-los contra a madeira, mas foi Midoriya a primeira a subir. Os gritos de Ochako a atingiram previamente, enquanto as mãos se enroscavam na escada de corda dependurada pela lateral do casco.

一 Vamos logo, seus vermes, mostrem a eles do que são feitos! Vocês são piratas ou não?

O urro se ergueu entre os sitiados e logo eles retomaram a luta com uma ferocidade dobrada. Nessas horas, Izuku agradecia a Deusa por tê-la encontrado em sua vida, sem Ochako mantendo-os na linha com pulso firme era mais do que certo que muitos deles já teriam se rendido ou no mínimo, entregado seus segredos em troca do reluzir dourado do ouro. Piratas, afinal, não eram os seres mais espertos do mundo, tampouco os mais leais. As mãos encontraram a amurada e ela se puxou para cima, chutando um dos patifes da marinha para fora do caminho no processo. Mal as botas tocaram o chão de madeira e sua espada já se encontrava fora da bainha, erguida no alto tanto como um farol de esperança quanto um sinal de alerta para os que duelavam. A Capitão regressava ao seu território.

一 O que estão esperando? Não ouviram sua imediata? Ponham todos esses ratos para fora do meu navio!

Lâminas se encontraram e foram desviadas e ela riu ao perceber que imediatamente se tornara o novo alvo preferido dos invasores. Pobre homens que se deixavam levar por sua aparência, mal sabiam eles o aço frio que habitava sua alma e a experiência acumulada ao longo dos anos que a fazia tão mortal quanto um bote bem dado. Lançou-se entre eles cortando seu caminho em direção a Ochako que continha outros dois, impedindo-os de descer ao convés inferior e aos seus suprimentos. O sangue cantava nas veias na mesma medida em que sua espada espalhava sua canção de morte em suas mãos. Os pés moviam-se com agilidade, ora chutando as partes desprevenidas de seus inimigos, ora agachando-se para lhe passar uma bem aplicada rasteira, e no giro seguinte, era ela a aparar o golpe que teria acertado o ombro da imediata. 

一 O que está fazendo aqui? 一 ela resmungou, girando o pulso para acertar os olhos do segundo que combatia e o enviar cambaleando para trás.

 一 Salvando a sua vida 一 Midoriya respondeu, com um sorriso prepotente nos lábios. 一 Me diga, Ochako, está pronta para chutar algumas bunda imundas? 

E a imediata sorriu ao ver o brilho desafiador nos olhos esverdeados de sua Capitão. Ela desferiu um golpe contra o sabre enegrecido de Midoriya, rodopiando para acertar em cheio o pescoço do oficial que se aproximava por trás. Seu sorriso cresceu quando se voltou novamente para Izuku, dessa vez deixando que o próprio chapéu caísse no chão, com apenas a bandana preta a vista. 

一 Eu sempre estou pronta, querida 一 ela respondeu. E Midoriya se afastou dançando entre os oponentes à sua volta. Logo, elas estavam com as costas voltadas uma para a outra. 一 Por favor, não me diga que algum daqueles idiotas morreu no meio caminho. 

Izuku não respondeu. Não se deu o trabalho de explicar o que estava acontecendo, Ochako não precisaria saber, a Capitão lhe contaria caso fosse necessário. Todas as peças do jogo estavam bem posicionadas. Ela havia pensado bem antes de realmente executar cada ação, cada jogada. E tudo dependia daquele pequeno detalhe. 

一 Cinco. 一 A imediata deixou escapar pelos lábios. A contagem de corpos crescia gradativamente. Midoriya não pôde deixar de rir com aquilo. 一 Oito. 

一 Estamos em uma competição? 

一 Diga-me você.

一 Deveríamos? Se for esse o caso, devo dizer que as matas escondem muitos segredos e números em meu favor.

Ochako deixou uma careta escapar, as duas com as costas coladas repeliam o que pareciam ser os últimos atacantes. Porém, antes que uma delas pudesse dar o golpe de misericórdia, um tiro soou no ar e a cabeça do marinheiro se tornou uma chuva de miolos. O cheiro acre de pele queimada e pólvora subiu e ambas recuaram, expondo o desagrado que tomava suas faces.

一 Katsuki, docinho, não sabia que cavalheirismo fazia parte dos seus dotes 一 Ochako disse, erguendo a sobrancelha para o loiro que acabava de surgir. 

一 Não podia deixá-las ficar com todo o crédito, não é mesmo? Que Deusa me livre de passar por aquele inferno novamente! Foram meses com as duas se bicando como duas gaivotas pela contagem de mortos. 

Uraraka parecia saber que algo estava deixando Bakugou nervoso e que discutir era a melhor maneira para ele liberar o estresse. A Capitão os deixou naquela conversa acalorada e transferiu sua atenção para seus marujos trabalhando ao redor do convés e cortando as cordas que os conectavam com a escória portuguesa. Sua mente computava os danos feitos e a munição perdida, enquanto os olhos afiados acompanhavam a Caravela inimiga se reagrupar e passar ao plano seguinte. Por sorte, planos eram exatamente o que Izuku fazia de melhor, com notáveis exceções, claro, e desconsiderando todo o possível risco de morte. Apoiou o pé no gradeado e gritou de modo que todos a escutassem:

一 Navegar a bombordo! 一 ela ordenou, observando Dabi girar o timão ao cumprir sua ordem de forma expressa. 一 Toda força em direção aos rochedos. Eijirou, veja no convés inferior se ainda nos restaram algumas bolas de canhão e leve um grupo para ajudá-lo a carregar os canhões da popa. Quero todos apontados para as falésias quando passarmos. Dabi, conto com você para não nos deixar afundar, só teremos uma chance. E o resto, bom, segurem onde puderem e tentem não morrer. 

Lamparinas foram acesas por todo o navio, iluminando, ainda que porcamente, o desenrolar das velas negras e seu ondular suave a brisa que soprava. Ela sabia que o vento não a deixaria na mão naquela noite e que por mais suicida que seu plano parecesse, iria funcionar. Às vezes, confiança é tudo que se precisa para se manter vivo. 

Puxou a luneta de um dos marujos que passava e observou a Caravela começar a se mover. Boa sorte, pensou. Como se uma reles galé pudesse ter alguma chance contra um navio como o Plus Ultra, como se qualquer outro tivesse. Girou a lente para o intimidador penhasco que estava marcado no mapa, estudou sua ponta afiada e inclinada para o oceano revolto abaixo e contou os segundos, o tempo era crucial para tudo aquilo funcionar, quando o voz da imediata algumas oitavas mais aguda lhe trouxe de volta ao que acontecia ao seu redor.

一 Ela fez o quê?

Não houve tempo para se defender. Ela já se encaminhava até si a passos duros, fúria emanando por cada poro do seu corpo. Ochako não hesitou antes de socar a face pontilhada de Izuku, não refreando a força de sua mão. O som abafado se alastrou pelo espaço, agora silencioso, do convés. Os olhos estreitos transpareciam o sentimento de culpa e irritação que murmurava constantemente que não deveria ter aceitado aquela proposta de merda! A expressão de Midoriya não mudou, muito menos o sorriso ladino que esbanjava em sua face. 

Deixou a cabeça cair para o lado, investigando com o olhar a forma como sua imediata se portava. Havia esquecido como um soco dela ardia, mas não se moveu, não era hora para irritá-la ainda mais. O rochedo se aproximava e Izuku precisava de todos inteiros para sair dali. 

一 Você fez de novo 一 ela acusou. 一 Fez exatamente o que eu pedi para não fazer. Onde ele está? 

A Capitão girou os calcanhares, ignorando o tom rançoso na voz da mulher, e caminhou em direção às escadas de madeira avermelhada. Ela subiu degrau a degrau com lentidão, apreciando o brilho da Lua cheia que se mostrava de forma imperiosa no céu noturno da Ilha de São Mateus. Eles se afastavam da baía cada vez mais, enquanto se aproximavam dos costões rochosos que se estendiam por toda a borda daquela superfície. Midoriya mal podia esperar para o que aconteceria. Ela tocou no corrimão com leveza, arrastando os dedos sem pressa à medida que subia para fazer companhia a Dabi. E parou quando chegou ao último degrau, volvendo o corpo para que pudesse olhar sua tripulação. 

一 Não se preocupe, minha cara 一 ela falou, de forma baixa, quase sussurrada. 一 Tudo está em seu devido lugar.

⚙⚙⚙

Midoriya se perguntava se algum dia Dabi havia se arrependido por ter sido ela a salvá-lo. Talvez em momentos como aquele em que lhe pedia que fizesse o impossível, alguma ponta de reconsideração ou mesmo de desgosto pudesse chegar a atingi-lo. Caso assim fosse, ele deveria ser algum mestre em dominar suas expressões, pois mesmo enquanto desviavam das rochas que surgiam das águas como assassinas ferozes, ansiando por furar e naufragar cada navio que por ali passava, nada indicava que aquela era uma tarefa complicada. Nem mesmo a menor ponta de aborrecimento por ser forçado a navegar por um campo minado que poderia culminar em seu fim. Por isso Izuku o respeitava, por isso mantinha-o por perto e confiava a ele sua vida e a de todos os seus marujos. Frieza de espírito era necessária para aquele trabalho, e Dabi dominava todas as nuances de sua arte.

Ela puxou o mapa das dobras do casaco e o estudou com atenção, os dedos traçando as bordas afiadas das escarpas, o rosto franzido em concentração. Com o vento a lhe impulsionar, não demoraria muito para que chegassem.

一 Mantenha o curso próximo ao paredões. 

Os olhos azuis gélidos a estudaram por um instante antes de se voltarem para o horizonte. Ele não perguntou. Midoriya não explicou. A Caravela continuava a segui-los, a distância aumentando a cada nó percorrido. Embora fosse um barco relativamente rápido, o Plus Ultra demonstrava agora toda a sua supremacia. Se a Deusa fosse bondosa, eles poderiam fugir mesmo sem pôr seu plano em prática. No entanto, as coisas não aconteciam como bem desejavam e logo as comportas laterais se abriram e remos foram descidos até a água. Izuku sorriu de lado com a constatação de que alguns marinheiros não estavam tendo o dia que esperavam. 

一 Preparar canhões! 一 comandou.

 Três, dois, um, ela contou ao mesmo tempo que o Plus Ultra se livrava daquele campo minado e adentrava na parte sul da ilha. No horizonte, um conjunto novo de formações rochosas se ergueu, três fileiras de arcos esculpidos, frutos da erosão daqueles rochedos em pleno mar, elevavam-se a alguns quilômetros da costa.

一 Oh 一 Dabi resfolegou, apertando com mais firmeza o timão, o suor descia lento pelo rosto, enquanto as bolsas sob os olhos ficavam mais proeminentes, Midoriya notou. Assim como o brilho que tomava seus olhos lhe dizia que ele havia compreendido. 

 一 Prepare-se, vai ficar turbulento muito em breve.

Dedicando-lhe um último aceno e confiante que ele não a deixaria na mão, Izuku desceu as escadas até o convés e caminhou a passos largos em direção a popa onde Kirishima supervisionava os canhões serem alinhados. Ao seu lado, Ochako ainda a olhava com evidente irritação. Ela entenderia em breve que aquilo fora um mal necessário. 

O primeiro arco se aproximou. Izuku conferiu se a embarcação ainda os seguia e constatou com satisfação que ela se mantinha em seu curso, rompendo pelas águas e impulsionada pela força do trabalho braçal. Havia se aproximado vários metros agora, mas era isso que ela desejava. Enquanto seus inimigos acreditassem que tudo aquilo não passava de um jogo de gato e rato 一 em que eles eram o roedor assustado procurando fugir para o mais longe possível 一, teriam a vantagem. Seus olhos se fixaram nas rochas e a Capitão acenou para os seus homens.

一 Em suas posições, mirem na base da coluna e disparem ao meu sinal! Ainda não... Esperem… Agora!

Foi como um raio tocando o chão a sua frente. Assim que o galeão atravessou o primeiro dos arcos, um som tão alto quanto o de um relâmpago chegou aos seus ouvidos e, em um piscar de olhos, as paredes do arco estavam desabando. Viu o casco da Caravela raspar um dos rochedos antes de os pedaços caírem sobre o convés, fazendo com que um dos mastros desabassem sobre a parede de pedra. 

一 Preparar para mais um disparo! 一 gritou ao ver que o perseguidor ainda permanecia em sua rota. 一 Fogo!

O segundo arco desabou em uma chuva graciosa de pedregulhos com milhares de toneladas. O Plus Ultra estremeceu quando a lateral do casco arranhou perigosamente próximo a um, pó chovendo sobre eles enquanto escapavam por entre a abertura mínima que se formava entre o local onde estivera a coluna e a queda dos destroços. O som era realmente algo e a visão de estar deixando para trás uma avalanche faminta e destruidora não poderia ser mais bela. Havia uma barreira entre eles agora e Izuku sabia que nem mesmo o bravejar irado de seu comandante seria capaz de fazê-los atravessar. 

Quando as chamas explodiram em um estrondo sinfônico de pólvora voando, a Capitão sorriu, mas não deixou isso transparecer em sua face. Os gritos foram escutados ao longe, quando o galeão não mais estava numa encruzilhada. Ele havia conseguido, o objetivo fora cumprido.

 一 Espero que esteja satisfeita com seu resultado. 一 Ochako caminhou até onde Midoriya estava parada, apreciando as chamas subirem conforme se distanciavam. 一 E que o preço não tenha sido alto demais.

Izuku deu de ombros, pouco impressionada.

一 Apenas fiz o que tinha de ser feito.

⚙⚙⚙

Quando os pés de Shouto cruzaram aquele convés, traçando o caminho direto até as escadas para o convés inferior, os raios solares já tomavam espaço em meio às nuvens brancas do céu diurno. Todos os seus membros doíam, a respiração falha ficava cada vez mais alta e a tontura fazia-o tropeçar nos próprios pés. Ele estava cansado, admitia. A coluna parecia ter sido estraçalhada e a dor se alastrava por suas costelas uma a uma. Até sua boca doía! Pulsante, o lábio inferior ainda estava coberto por sangue seco. A visão turva não ajudava e Todoroki sabia que poderia cair a qualquer momento. Por isso, se apressava para chegar à cabine em que os tripulantes costumavam dormir. 

Entretanto, antes que pudesse chegar àquela maldita porta, seus pés desviaram o caminho. Não, não despropositadamente, seu corpo não o comandava, mas sabia que, se desse mais um passo, iria cair com a cara no chão. E não estava com muita vontade de se machucar ainda mais. Porque, sinceramente, não sabia exatamente qual era o padrão de ajuda daqueles caras. Os três socos e quatro chutes — dados por Monoma no navio da marinha — não lhe pareciam o ideal de ajuda pelo qual ansiava. Todavia não poderia reclamar àquela hora, estava de volta ao Plus Ultra como prometido, não exatamente são e salvo, mas ainda assim estava ali. Aquilo tinha de ser o bastante no momento.

Segurou com firmeza a própria camisa molhada, desgrudando-a do abdome, ainda se perguntando o porquê de ter sido logo ele a desempenhar aquele papel. Quer dizer, por que não Denki? Kaminari conseguiria desempenhar bem o objetivo. Sempre achando frestas escondidas que poderiam ajudá-los a qualquer momento. No entanto, fora Shouto o designado para aquela missão. Ainda se perguntava sobre tudo o que havia acontecido naquele navio. Do momento em que a Capitão Midoriya pôs os olhos sobre si ainda na ilha, quando ela o chamou para conversar longe do olhar dos outros, enquanto Dabi disfarçava o leve mancar; até o momento em que a viu, em uma das celas, com os olhos fechados como se aquele fosse o lugar mais confortável para dormir.

Talvez se não houvesse sido interrompido, poderia interpretar o que estava acontecendo ali. Shouto sabia que a vira, fosse miragem ou não, estava diante de seus olhos, e ele tinha certeza que aquilo poderia responder todas as perguntas se no segundo seguinte não tivesse sumido. Todoroki ainda se perguntava como os cabelos de alguém poderiam refletir de modo tão puro a luz do luar. E, engolindo em seco, ele enterrou aquela visão no fundo de sua mente. Focado em cumprir o que lhe havia sido ordenado.

Só não esperava encontrar um rosto tão conhecido, mais uma pedra em seu caminho. As pontas dos dedos encontraram as palmas, cerrando as mãos em punhos. Neito Monoma estava ali, em sua frente, parado, com aquele sorriso debochado despontando de seus lábios. Uma visão nada incomum, considerando que era daquele homem que estava falando. Monoma descruzou os braços, observou as escadas por alguns segundos antes de caminhar sem pressa até Todoroki, que estremeceu ao vê-lo tocar seu ombro. O que ele estava fazendo ali?

— Capitão Midoriya arrumou um bom uso para você, hein, garoto. — Shouto bufou, afastando-se daquele patife. — Quais são as ordens?

Ele não respondeu, olhando por sobre o ombro do homem loiro, que acompanhou o seu olhar. As botas polidas que desciam as escadas fizeram com que Neito arregalasse os olhos. Ele ficou estático, tentando encontrar caminhos para resolver aquela situação. E, em questão de milésimos de segundos, Shouto já estava sendo arrastado pelo oficial até a base da escada.  

Todoroki viu primeiro os pés, as botas em marrom tão lustradas que poderiam refletir o seu próprio rosto. Depois, a empunhadura da espada que resguardava em sua bainha. Com elipses em verde e vermelho, característica própria das espadas de pessoas com alto escalão no governo. Shouto não pôde deixar de levar os olhos até o rosto, assim como não pôde evitar a surpresa que o atingiu quando viu tamanha semelhança entre aquele homem e outro alguém. O rapaz de cabelos ruivos o confrontou com o olhar, esperando as palavras virem. Monoma continuava estático ao seu lado, esperando a próxima ordem, o próximo movimento que poderia ou não deixá-los vivos.

— Ora, o que temos aqui? — A voz era tão dura quanto a de Endeavor, ou até mais. — Um peixinho fora d'água?

Viu o ondular dos lábios, uma tentativa de sorriso, coisa que ele não quis ver. A tensão que se instaurou naquele ambiente tirou o ar de seus pulmões e Neito apertou ainda mais o braço que segurava. Shouto não deu muita atenção às ordens daquele homem para o companheiro de olhos azuis. Apenas deixou que um suspiro entediado saísse por sua boca. Isso até Monoma socar-lhe o rosto. E fazer todo o estrago que continuava em seu corpo até mesmo depois de voltar para o Plus Ultra.

Depois daquilo, foi chutado para uma daquelas celas imundas e esperou tempo demais para que Neito voltasse com as chaves. As costelas doíam quando ele levantou de novo, mas preferiu ignorar aquele fato e concluir a sua própria missão. No entanto, não esqueceu de gravar as palavras que Neito havia sussurrado em seu ouvido quando terminou de realocar a pólvora que seria responsável para desestabilizar o navio:

Aquele... — ele murmurou, desgostoso. — Aquele era o pai do Bakugou.

Todoroki continuaria pensando sobre aquelas palavras por muito mais tempo, ainda sentado na escadaria do Plus Ultra. O Sol já podia ser visto em sua grandeza no horizonte e, com aquela visão, o peito de Shouto finalmente se acalmou. Estava de volta, vivo. Sem entender o que havia acontecido, certamente, mas ainda assim vivo. Puxou o lábio inferior com os dentes, sentindo o gosto metálico do sangue. Ele definitivamente descontaria aqueles socos em alguma hora. Não ficaria barato.

— Então, você chegou — uma voz atrás de si proclamou. O tom seco que em nada se igualava com aquele usado para dar ameaças discretas. Não, era mais morno que aquilo, mesmo que a frieza ainda fosse evidente. — Fez um bom trabalho com a pólvora.

— Preferia que eu tivesse explodido com ela? — Shouto respondeu, finalmente voltando-se para trás, apenas para ver o Capitão em sua aparência usual. Os cabelos verdes e curtos estavam escondidos dentro de uma bandana cinza, deixando apenas uma parte dos fios à vista. Ele o mirava como se estivesse procurando algo em seu rosto, uma ranhura, uma marca — de preferência, que não estivesse ali antes de ir em sua missão.

— Se eu quisesse você morto, eu mesmo o teria feito, garoto — respondeu, simplesmente, volvendo o olhar para o horizonte. A face inexpressiva ficava mais cálida com o toque dos raios solares. Shouto fingiu não estar curioso com todos os mistérios que envolviam o seu Capitão.

Oh, Capitão! Fechou os olhos, respirando com calma, apenas para se levantar enquanto sentia cada osso de seu corpo estalar. Meu Capitão. Esperou que o outro se movesse e então subiu mais um degrau. O que há de tão misterioso em você? A pergunta pairou em sua mente. Shouto a segurou e a esmagou, antes que ela saísse sem que quisesse.

— O que viu lá? — ele perguntou, ainda com os olhos desfocados. — Sei que viu algo, não esconda. Ou eu mesmo cortarei a sua língua.

E assim os pensamentos de Todoroki foram afastados. Trocou o peso de um pé para o outro e tateou a calça atrás do papel em seu bolso. Quando achou, foi rápido em entregá-lo para o Capitão.

— O marquês estava lá — Engoliu em seco e segurou no corrimão, buscando segurança. Sentiu o estômago revirar, antes de ajustar a própria postura.

— Estou ciente disso — respondeu, com certa arrogância. — Estou cansada, seja mais rápido.

— Não, não é isso, é que... — começou, com o joelho cedendo uma hora ou outra. — O marquês pediu para que eu avisasse ao filho dele que ele não poderia fugir para sempre.

Os olhos de Midoriya foram semicerrados. E Shouto jurou que ela havia falado alguma coisa. Porém, antes que pudesse ouvir, o corpo desabou para a frente. Logo tudo ficou escuro e ele não pôde mais enxergar. Sentiu algo quente tocar sua pele antes que perdesse os sentidos. E tudo virou um zunido em seu ouvido esquerdo.

É, talvez ele estivesse são, mas não tão a salvo assim.  

⚙⚙⚙

O ambiente todo cheirava a ervas. Fragrâncias exóticas embalavam o sono daquela encolhida na cama, presa sobre camadas de lençóis e compressas úmidas. Havia uma friagem no ar que fazia o suor gélido escorrer pela pele clara da garota, uma brisa suspensa que pertencia a outro lugar, a outro momento que não aquele e que não era ali. Sob as pálpebras cerradas, ela podia ver o interior de um navio, o teto baixo, as grades enferrujadas afixadas nas paredes. Correntes tilintavam sobre sua cabeça, movendo-se com fortes solavancos enquanto avançavam para onde quer que fosse.

Em seu estado sonolento, ela se viu deitada em um ninho de cordas. A luz da lua invadindo o aposento como uma tábua de salvação, chamando-a para longe. Ela resistiu, havia algo naquele lugar que ela buscava, algo que fazia seu pequeno coração saltar no peito e implorar para que aguentasse um pouco mais. Era importante. O luar a atingiu, partículas de poeira giravam pelo ar, dançando ao redor dos fios tão pálidos quanto a luz. Ela estava ali, etérea e translúcida, ao mesmo tempo em que seu espírito a alertava para partir. 

O ruído de passos se aproximou, alertando-a.

Os cílios tremeram em sua tentativa de se erguer, pesados e imateriais. Ela os forçou. Era importante presenciar. Com as pálpebras semicerradas, viu olhos díspares a encararem de volta. Eram belas cores, ela refletiu. Surpresa tomou as íris bicolores e o estranho ergueu a mão em sua direção.

— Quem é você? — ele perguntou em uma voz sussurrante que ecoou pelas camadas daquele sonho. 

Sou seu destino, ela quis responder. Porém, as cordas que a envolviam puxavam-na para longe. Ela já havia visto o que precisava, as peças enfim encaminhavam-se para sua colisão. A visão desvaneceu, trazendo-a de volta para o leito onde um homem velava seu dormitar. Os olhos dourados se abriram, brilhantes e muito sábios. Como se todo o ambiente esperasse por aquele momento, ela falou com uma certeza quase dolorosa:

— Eles estão vindo.


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Notas finais do capítulo

Hello, marujos! Como vão vocês?

O que acharam do capítulo? O nosso Shoutinho indo em uma missão só, o que isso poderia significar? E nossas bonitas metendo pau em gente? O que acham do senhor Marquês? Será que há algo importante em relação a ele?

Teorias, teorias? Nos digam se tiverem.

Espero que tenham curtido a leitura e a música!!!

Nos vemos na próxima!



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