Sete-Estrelo escrita por sabrinavilanova, Nathymaki


Capítulo 7
Capítulo Sete - Highway to Hell




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Hernest Crumble estava morto. 

Foi devorado por uma das maiores baleias vistas em todos os sete mares, enquanto seus marinheiros seguravam-se com força em cordas e em pedaços de madeira jogados ao mar, eles observavam o seu fim com as gargantas secas e os olhos arregalados. Crumble, o Capitão, a quem todos reservavam temor e gratidão, havia sido derrotado em sua última investida. 

Ao contrário de Ahab, não perdeu apenas um membro, mas todo o seu corpo. Ao contrário de Ahab, não buscava vingança, mas sustento. Ao contrário de Ahab, não tentou lutar, apenas se perdeu no movimento das ondas no oceano. Deixando todos os outros para trás. Porque não adiantava lutar se não tinha nada a perder. 

Essa era uma das únicas histórias que havia ficado cravada em sua cabeça de todas aquelas que sua mãe o contava para dormir. Talvez porque entendesse o peso que tinha. Talvez porque houvesse sentido a mesma coisa. Desde o momento em que ele saiu a navegar, em seu barco de pesca, nem muito grande, nem muito pequeno; até o momento em que Hernest encontrou Ahab de algum modo e viu em seus olhos as chamas inflamadas que faziam seu corpo querer estremecer ― mesmo que aquela não fosse uma opção viável para uma pessoa como ele. 

E como o velho e barbudo Crumble, ele agora se encontrava em frente àquele cujo olhar transmitia-lhe um sentimento de temor. Talvez o único que pudesse fazer isso com o passar dos anos. Porém Izuku não abaixou a cabeça, muito pelo contrário, um sorriso fino despontou de seus lábios, mostrando que sua presença não era tão digna de atenção e o sabre foi deslizando vagarosamente para fora da bainha, enquanto Deku sentia o olhar negro penetrar o seu. 

一 Então, você  ainda está vivo? Acho que nem mesmo o mar deseja o seu corpo sendo jogado nele, hm.

Endireitou a postura, sentindo a ardência em seu ombro lhe lançar um aviso. Há muito que a cicatriz ali marcada por um ferro quente não lhe incomodava e fazê-lo agora não podia ser um bom sinal, ele não queria revisitar aquelas memórias, aquelas sensações que haviam sido responsáveis por levar consigo uma parte do seu jovem coração 一 a mesma que um dia acreditara na pureza daquele sentimento, que envolvia-lhe o peito, traçando os diversos caminhos até as estrelas no céu, aquele amor que sua mãe o ensinara a ter e no destino glorioso que poderia envolver duas pessoas. Mas agora, essa parte estava morta e o causador de sua dor encontrava-se à sua frente, fitando-o com aqueles olhos negros e fundos, que mais lhe pareciam dois redemoinhos.

一 Vejam só quem criou uma língua afiada. Talvez eu devesse tê-la cortado ao invés de marcá-lo. A marca da marinha imperial não é digna de lixos traidores e muito menos de assassinos. 一 O homem afastou os cabelos negros e avançou dois passos em direção dele, fazendo-o recuar. 一 Agora, passe o que você achou para cá e ninguém se machuca.

Era obviamente uma mentira. Izuku sabia que não importava o que fizesse, aquele homem jamais o deixaria em paz. Então, fez a única coisa que poderia ser feita naquele momento: puxou o saco do bolso interno do casaco e o depositou nas mãos de Kirishima, empurrando-o para trás com um olhar duro.

一 Tire isso daqui 一 ordenou. 一 E vocês, protejam-no com as suas vidas miseráveis ou eu tratarei de tirá-las. 

Viu Eijirou olhá-lo atentamente, esperando algum gesto de hesitação de Izuku, mesmo que soubesse que este nunca iria vir. E então assentiu com a cabeça, apertando o saco em mãos, enquanto o Capitão virava a sua para o outro lado, observando os outros dois que estavam paralisados à sua direita. A intenção não era colocá-los em risco naquela missão, por isso apenas sussurrou para que Kirishima os levasse para fora dali, indicando o túnel pelo qual havia chegado e explicando que Dabi estaria esperando-os. 

Apertou a empunhadura, cerrando os dentes de raiva e frustração, enquanto empurrava o ombro de Shouto, mais próximo a si, para que este se libertasse logo da paralisia que o tomava e se movesse.

一 Vão, agora!

Os olhos verdes voltaram a se fixar no homem a sua frente, que apenas observava a cena com um olhar entediado. Sentiu a raiva crua e pura percorrer suas veias, impulsionando-lhe para a frente, rumo ao primeiro golpe. A espada subiu em um arco elegante, que teria sido fatal se acertasse o seu pescoço, mas que foi desviada com nada além de um passo. Os pés do oponente deslizavam no chão como se estes nem mesmo o tocassem.

一 Nunca pensei que veria o dia em que você se importaria com seus subordinados 一 comentou com tranquilidade, inclinando o corpo para trás e desviando de mais um golpe. 一 Na última vez que conferi, você ainda os considerava descartáveis.

一 Eu não sou mais o mesmo de antes 一 Izuku rebateu, erguendo o pé e o chutando no peito, mandando-o em direção a uma das colunas de pedra que sustentavam aquela caverna. 一 E você está perdendo a prática.

O homem riu, uma risada seca e desprovida de qualquer resquício de humor. Izuku avançou, a espada em riste, um golpe certeiro que o perfuraria no coração. Houve um leve movimento para o lado, e logo a ponta da lâmina se encontrava cravada na rocha e seu pescoço bem seguro entre o aperto esmagador de seus dedos.

一 Disse alguma coisa? 一 Izuku tossiu quando o corpo foi girado e chocado contra a coluna, o ar saindo de seus pulmões, e os dedos apertando inutilmente a mão que o prendia. A lâmina negra de seu sabre, descansava ao lado de sua cabeça, refletindo as piscinas azuis do ambiente.

一 Aizawa! 一 Midoriya cuspiu, como se aquele nome condensasse todas as maldições em uma só palavra. 一 Ainda perseguindo sua vingança, Shouta?

一 Não me entenda mal, meu caro, mas você é um pirata e isso por si só lhe tira o direito ao ar que respira. Ter sido o responsável pela morte do meu filho é apenas um adicional que me trará prazer em fazê-lo. 一 Ele sorriu, a cicatriz que lhe atravessava o olho se destacando com o gesto. 一 E pode apostar que vou adorar cada segundo.

Izuku travou a respiração e aproveitou-se da distração dele por tê-lo capturado para apoiar as botas na coluna impulsionar seu corpo para a frente, jogando-se sobre Aizawa, que acabou por largar o agarre. Os dois rolaram pelo chão, mãos e pés travando uma batalha acirrada pelo domínio. O Capitão do Plus Ultra acertou um soco na barriga do oponente e logo sua cabeça foi de encontro ao queixo deste, empurrando-o pelos últimos metros que faltavam para que ele caísse em um dos aglomerados de água sagrada. Izuku levantou-se e caminhou até a borda, um olhar superior e um sorriso nos lábios cortados. Que ele se banhasse naquela água dos mortos, não era nada além do que merecia. 

O chapinhar afobado preencheu o ambiente enquanto Aizawa tentava se manter na superfície daquela água que parecia desejar arrastá-lo para baixo, até o fundo de onde nunca mais retornaria. Midoriya retornou até a coluna e dela recuperou a espada, apontando-a para a garganta do outro quando este conseguiu desviar dos rochedos que se infiltravam na água clara, mesmo que seus movimentos estivessem limitados pelo peso da roupa molhada. 

一 Vai me matar? 一 o sorriso que cortava o rosto molhado era horrível, revivia-lhe memórias indesejáveis de dor e culpa, lágrimas e sangue derramado, e um único tiro que havia posto um fim em tudo. 一 Você vai me matar como o matou?

一 Que eu me lembre 一 Izuku apertou os lábios, contendo um rosnar que implorava por sair, as palavras passando por eles com o mínimo de movimento. 一, a bala partiu de você. E pelo que vejo, ainda mantém a pistola responsável pelo disparo. 一 Chutou a arma que despontava em seu cinto com desgosto, para demonstrar. 

一 Claro. Curioso com o porquê? 一 Os olhos escuros pareceram afundar, duas poças de escuridão e ódio impenetráveis. Izuku não se importou, apertou mais a empunhadura esculpida, a figura familiar da Deusa se moldando a seus dedos, e empurrou-a por mais alguns centímetros, tirando uma gota de sangue que pingou rubra nas vestes imperiais. Aizawa não se incomodou, o ferimento era por demais supérfluo e a dor insignificante demais para que sequer pudesse atingi-lo. Quando se já experimentou a maior perda de todas, todo o resto não passava de um mero aborrecimento. 一 Só há uma bala nela 一 prosseguiu sem se importar. 一, uma gravada com um nome que há muito desejo matar. Consegue me dizer, Capitão, a quem ela está destinada?

Mais um golpe foi desferido ao mesmo tempo em que Shouta desviou, subindo nas rochas para sair da água sagrada. Midoriya viu-o levantar-se aos poucos, colocando a mão sobre a ferida em seu braço e, com um sorriso sádico no rosto, voltou a olhá-lo, preparando-se para atacar. No entanto, antes que conseguisse movimentar-se para fazê-lo, Izuku chutou um de seus joelhos e o homem de cabelos negros foi ao chão. 

Respirando profundamente, ele deixou que a espada tocasse a superfície ao lado do corpo, apoiando-se nesta enquanto via o outro homem engolir o próprio ar, com o mesmo olhar sórdido com que o observava em diversas situações, normalmente com as posições trocadas. 

一 O destino de seu filho não tem nada a ver com o meu 一 murmurou, com uma expressão entediada. 一 Shinsou procurava pela liberdade que você tomou dele. Não pense que vou ser afetado por esse discurso moralista de pai superprotetor. 

Pressionou a lâmina com força sobre a ferida já aberta em um dos braços, arrancando um gemido doloroso e, de repente, puxou a espada para cima, levando a ponta da arma ao pescoço novamente. 

一 Eu deveria degolá-lo 一 ameaçou, em um tom sóbrio. 一 Mas devo ser benevolente, não acha?  一 E retirou o sabre do lugar anterior, jogando-o ao lado do corpo deitado no chão. 一 Devo matá-lo da mesma forma como você tirou a vida dele. Parece ser a coisa mais caridosa a se fazer, não acha? 一 Lambeu os lábios, pensativo. 一 Eu poderia desejar que o encontrasse onde quer que ele esteja, mas tenho certeza que o lugar para onde você vai, Shinsou jamais estaria nele.

Midoriya deixou que seus joelhos cedessem e o corpo foi ao chão, fazendo com que ele se postasse acima do outro com uma das mãos em seu pescoço em um aperto deixava Aizawa a beira da inconsciência. No entanto, o Capitão não deixou que acontecesse, antes disso, rastejou sobre a superfície rochosa, procurando pelo objeto que jogara por ali há pouco. E, ao som do tossir de seu oponente, ele se colocou de pé novamente, segurando o revólver com mais força do que deveria, ao ponto de deixar os dedos de sua mão direita formigando. Lambeu os lábios, sentindo o gosto do suor que lhe banhava a face, e seguiu imóvel ao ouvir o penúltimo barulho dentro daquela caverna. O grunhido que saiu da garganta daquele deitado à sua frente deu fim àquela cena. Mas o homem de cabelos esverdeados continuou a observá-lo pacificamente, como se nada houvesse acontecido. 

Como se a bala prateada não houvesse saído da arma em sua mão. Como se não escutasse o ruído que a mesma fazia ao cair no chão.

Ele não engoliu em seco, não tremeu, não sentiu as lágrimas arderem em seus olhos. Pois não foi a mesma coisa, não sentiu o mesmo ao ver o sangue navegar pelas rochas até a água. E não gritou, não como fez quando o jovem de olhar acinzentado deu seu último suspiro, com a mão ainda agarrada a sua, com a boca em formato de “o” e os olhos ainda abertos que não foram fechados, não por seus dedos.

Midoriya não lamentou daquela vez. Porque ele não merecia. 

E, sem lançar um último olhar para o corpo esparramado no chão, Izuku se dirigiu a saída da caverna, deixando para trás os últimos resquícios de seu passado.

⚙⚙⚙

O ranger das grades se abrindo o trouxe de volta à realidade. Preso nos próprios pensamentos desesperançosos e sombrios, ele não havia notado o caminho traçado pelos raios solares que começavam a aparecer no horizonte através do céu, mas agora, com escassos feixes a se filtrar pelas janelas embaçadas, esta incidia sobre o seu salvador coroando seus cabelos com uma auréola quase arroxeada. A língua seca traçou o caminho dos lábios, os olhos fixos na figura que tão bem conhecia sem no entanto compreender o que acontecia.

一 Venha, é hora de ir 一 repetiu ante a paralisia do outro, que apenas o encarava sem se mover com aqueles olhos verdes tão vívidos que o prescrutavam a alma. Lançou outro olhar sobre o ombro para se assegurar de que o caminho ainda estava livre e não havia aparecido ninguém para impedi-los, atraído até ali pelo tilintar das chaves em seu cinto. 

O prisioneiro permaneceu parado, atordoado demais, maltratado demais, cansado demais de tudo para sequer se mover. No escuro de sua grosseira prisão, ele pensara no consolo que seria ouvir a voz da Deusa a lhe chamar e seus braços se tornarem sua morada final. Ele cogitara os passos, pesara o alívio na balança perguntando-se se sua alma manchada pelas sombras de algo valeria em troca de um lugar no descanso eterno dos marinheiros. Ele ousara sonhar com um futuro, com algo bom e verdadeiro, e onde isso o trouxera? A uma cela imunda, marcado na pele como a própria encarnação do demônio.

E mesmo assim, contra todos os devaneios e expectativas atiradas ao mar, ali estava ele com as olheiras bem marcadas na pele clara, com o mesmo tique nervoso que o fazia encolher os ombros quando esperava o pior. Mesmo que o olhar de seu salvador tentasse lhe mostrar o contrário, ao oferecer uma mão para que segurasse. Ao oferecer um novo destino para que pudesse ter esperança. E, conhecendo aqueles olhos, o som da sua voz, o bagunçado das roupas e dos cabelos; ele apoiou os mãos nas grades e deu um passo após o outro, no desejo eterno de ser acolhido por aqueles braços. E ele foi. Quando o rapaz com a roupa imperial o puxou pela mão, atada a sua, em um abraço singelo. 

Suas mãos passearam vagarosamente por suas costas em segundos que pareciam horas. E o prisioneiro desejou que eles não passassem. Os dedos tocaram a bochecha sardenta, suja pelos dias sem o mínimo cuidado. E o homem sorriu, triste, apertando uma de suas mãos e o levando para fora dali. 

一 Venha, precisamos ser rápidos. Meu pai não tardará em acordar. 一 O navio, atracado ao porto, partiria dali a algumas horas, era aquilo que ele queria dizer. Tinham que se apressar ou enfrentar graves consequências com uma tentativa de fuga falha. E eles não podia falhar, não daquela vez. Era sua última chance. 

Eles rastejaram pela escuridão, atravessaram a porta da cabine inferior e saíram para o convés em companhia da estrela d’alva, que enfim atingia seu brilho máximo, e com a brisa fresca da maresia a salpicar a pele. O prisioneiro gastou um instante para saborear no ar o gosto da liberdade, a sensação de estar novamente no controle. A queimadura em seu ombro doía, espalhando suas raízes de fogo pela extensão de suas costas. Mas o que era essa dor em comparação ao conjunto completo? Não passava de um mero incômodo no canto ínfimo de seu cérebro já cheio de assuntos mais urgentes. Seu companheiro o tomou pela mão, temendo pela sua segurança e o incitou a prosseguir. Atravessaram o convés, passos ligeiros e sombras estendidas conforme as nuvens se acumulavam no céu, lançando para longe quaisquer resquícios de calor, e, por um instante ele se permitiu ser tomado pela esperança. Eles haviam conseguido. Estavam livres.

Pela primeira vez na vida, ele sentiu o seu coração bater dolorido com o som da esperança, o rugido do mar ficava mais próximo a cada passo. Respirar doía e o toque leve em suas costas não se perdia. Ali, ele viu que não estava sozinho. O seu olhar voltou para trás e ele viu o sorriso bonito e o olhar esperançoso. Um sentimento que veio de dentro lhe tomou os lábios, ele quis sorrir, quis devolver toda aquela sensação que o outro causava. 

E então veio o estampido agudo. O cheiro acre de pólvora a se espalhar pelo ar. Os segundos se arrastaram, as imagens passando lentamente por seus olhos enquanto ele sentia um corpo se jogar sobre o seu. Houve apenas o calor de um toque macio, um último olhar que gritava um adeus solitário e mais nada. O corpo tocou o chão com um baque oco, sem nenhuma delicadeza e tudo parou, sentiu seus próprios movimentos se esvaírem com o som da água começando a tocar o chão. 

As gotas se arrastaram por sua face, os olhos mal piscavam e ele não conseguia se mover. Não ao ver o outro corpo se arrastando sobre a suas pernas, como se ainda tentasse salvá-lo, como se ele lhe fosse mais caro que sua própria vida. Os olhos verdes arregalaram-se enquanto a esperança era completamente estilhaçada à sua frente. A cabeça do caído se ergueu fraca, em seus suspiros finais, e a mão ensanguentada tremeu ao apontar, traçando na madeira um caminho, incitando-o a partir.

O arrepio tomou sua nuca quando a outra delas segurou a camisa de material fino que usava, agora encharcada pela chuva. O som rouco em formato de ganido chegou aos seus ouvidos, ele sentiu a garganta travar, os olhos marejaram e o lábio inferior passou a tremer. E foi com aquele último olhar que ele escutou, fraco e esganiçado. 

一 Vá 一 ele falou. 一 Vá 一 foi tudo o que disse.

E ele foi, deixando para trás os gritos de um pai. Com os dedos travados em punhos. E o rufar incessante do seu coração.

⚙⚙⚙

Do lado de fora da caverna, em meio a um matagal cercado por um conjunto bastante intimidador de rochedos, o ar parecia quase puro. Izuku sentiu parte de seus demônios o abandonarem naquela caverna junto ao corpo do homem que lhe jurara vingança. Ele se perguntava, entre os murmúrios de seus pensamentos inquietos, se Shinsou finalmente alcançaria sua paz. 

Seus olhos semicerrados observavam as poucas árvores que se espalhavam por ali, trilhando mentalmente o caminho até o navio. Desconfiava da quietude naquele ponto, o cricrilar dos grilos entrava por seus ouvidos, acompanhando o pulsar de sua cabeça dolorida. Mas foi o som do disparo de um canhão que o alertou para o possível combate que ocorria na enseada.

 Ele confiava em Ochako o suficiente para saber que ela não facilitaria para os grandes navios da marinha imperial, na verdade chegava até a ter pena daqueles que ousassem tentar, sequer saberiam o que os haviam atingido. Porém, desconfiava que eles fossem o menor dos problemas que teriam até ali. O Sol estava perigosamente baixo no céu e a raiva o atingiu pelo atraso em seus planos que fora o embate com o Capitão da Marinha. Eles deveriam ter zarpado antes que os navios fechassem o cerco ao redor do Plus Ultra, mas agora não havia escolha senão lutar.

Acelerou o ritmo dos passos, prendendo a respiração ao passar pelo trecho mais íngreme do percurso, as costas coladas à parede de modo que sentia a protuberância de cada rocha a lhe cutucar as escápulas. Se ainda havia um mínimo de consolo, os dois idiotas atrapalhados e Kirishima já deviam estar próximos ao navio agora e a relíquia a salvo. Dabi se asseguraria disso. 

Os pés voaram pela mata esverdeada, o ar entrando e saindo de seus pulmões com velocidade. A mão agarrava firme o cabo da espada, a lâmina negra reluzindo com o brilho dos últimos raios de Sol. Precaução era necessária, nunca se sabia quais inimigos poderiam estar rondando as matas, e muito menos que amigos. Midoriya já tivera experiência o suficiente com traidores em seu próprio meio para saber que mesmo os considerados amigos não eram confiáveis.

Daquela distância já podia ver o esvoaçar das velas negras e o bater dos tambores de batalha pareciam se infiltrar pelo solo e se tornarem o ecoar da própria terra. As botas deslizaram em um trecho úmido e ele foi obrigado a cravar seu sabre no chão enlameado, na tentativa de não cair. As folhas ao seu redor se moveram, tocando um aviso para os seus sentidos ficarem alertas. Haviam passos, pisadas duras demais para aqueles que haviam vivido suas vidas em péssimas condições. 

Qualquer um poderia diferenciar um homem pelo som de seus passos, um ladrão sempre tem o andar macio e os pés leves, um assassino transmite confiança em suas passadas e as usa para enganar aqueles ao seu redor de que é um deles; já a nata da sociedade, os abandonados e espertos o bastante para sobreviver, tinham pés ligeiros, especialmente programados para a fuga. Passos duros só se ouviam em exércitos, onde os indivíduos treinavam arduamente e em conjunto, sendo obrigados a manter uma postura e sincronia impecáveis.

Izuku puxou a espada do chão e se preparou para o combate. O uniforme azul-marinho e branco se fez visível e o primeiro a adentrar o espaço cuidadosamente aberto arregalou os olhos ao vê-lo a espera, e teve a iniciativa de gritar para o demais:

一 Achamos ele! É o Capitão! 一 Foi o seu grande erro baixar a guarda assim tão próximo e um completo desperdício de suas últimas palavras antes que Midoriya avançasse e o fio negro da lâmina encontrasse certeiro o pescoço. A cabeça degolada rolou pela grama até alcançar os pés dos companheiros que lutavam para aproximar-se. Homens de cidade e suas nobrezas nunca teriam chance contra a natureza viva dos lugares inexplorados.

Os demais invasores avançaram pelo trecho da mata. Eles se reuniram ao seu redor, dez, doze, segurando sabres finos em mãos trêmulas. Izuku podia rir ao ver o medo em seus olhos enquanto o avaliavam, a sua postura, e o corpo estendido aos seus pés. Eles conheciam as lendas, é claro, os rumores e sussurros, a imagem construída de um temível Capitão e sua crueldade, e agora estavam presenciando-a com os próprios olhos. Ele sorriu, deliciando-se com a visão, lealdade alguma mantinha homens assustados na linha.

一 Alguém mais quer tentar? 一 sussurrou, provocativo, sabendo bem que o mínimo que dissesse já seria suficiente para fazer aflorar o instinto de ataque. Lutar ou fugir. Às vezes o corpo podia tomar decisões muito idiotas em horas especialmente ruins.

Como o esperado, eles avançaram aos poucos, em grupos de dois ou três, como se a agregação de pessoas lhes passasse mais confiança. No céu, o crepúsculo findava e as primeiras estrelas contrastavam com o fundo azul. Era chegada a hora. 

Izuku já estava acostumado com a mudança àquela altura. Não havia luzes ou brilho mágico, apenas a transição suave dos traços, a leveza dos passos enquanto o corpo se tornava mais leve e veloz, e o cabelo a cair em ondas sobre seus ombros. Os homens recuaram, confusos e assustados, a dúvida e os sussurros sobre bruxaria espalhando-se entre os que haviam se mantido em suas posições. Haviam sido inteligentes, autopreservação antes de tudo, porém não o bastante para sobreviverem ao fim.

Midoriya aproveitou-se do caos e avançou, deslizando no solo enlameado, cortando e desviando dos ataques com uma agilidade invejável. Eles não usavam armaduras, o que tornava sua missão muito mais fácil, afinal um inimigo ferido era mais útil do que um inimigo morto. Havia uma pureza em um golpe bem dado, no som das lâminas se chocando, no encarar da morte a cada avanço. Ela sorria, descontando a raiva e a frustração acumuladas, devolvendo a dor dos músculos forçados com a dor de cortes. 

Logo, boa parte daqueles que haviam avançado para o ataque jaziam no chão gemendo pelos ferimentos, o carmim misturando-se ao marrom-lama e formando uma poça interligando os corpos. A adrenalina ainda estava bem viva em suas veias, a espada cantando em sua dança ritmada enquanto ela a girava para apontá-la para os recém-chegados.

一 Somos nós 一 Kirishima ergueu a mão, como se esperasse aparar o golpe com nada além dos punhos.

Midoriya suspirou, aliviada, mas não abaixou sua arma. Apenas observou todos os seis integrantes daquele grupo dispersos pelo lugar. Bakugou observava o lugar de onde havia chegado, com sua espada apoiada no ombro. Seu olhar concentrado a preocupava, Katsuki estava muito quieto, o que a fazia pensar que havia algo errado. Algo que ela saberia depois. 

Ela voltou o olhar para os outros, encontrando um olhar curioso do marujo de cabelos loiros, que se encontrava apoiado em uma das árvores. 

 一 Ah, agora fez sentido 一 ele falou, jogando a cabeça para o lado. Izuku não lhe deu atenção. 

一 O que fazem aqui? Eu os mandei voltar para o navio! 一 rosnou, parando o ataque e recuando a espada. Os cabelos longos passaram a grudar em seu rosto pelo suor e a Capitão levou os dedos ao rosto para tirá-los com impaciência. 

一 Ele se perdeu! 一 Shouto resmungou, apontando para Dabi que se mantinha ao fundo do grupo. Izuku ignorou o longo olhar que ele lhe lançou, preferindo guardar a oportunidade de provocá-lo ou quem sabe ameaçá-lo 一 dependendo do seu humor 一 para depois que a luta houvesse findado.

一 E não é hilário que logo o Mestre Navegador tenha se perdido? 一 Kaminari comentou, nunca perdendo a chance de encaixar uma boa zombaria.

一 Tem algo de errado com essa floresta 一 Dabi se pronunciou com indignação o suficiente no tom frio para dar a entender que ele estava irritado com a provocação. 一 Nada permanece no mesmo lugar e os caminhos mudam como se tivessem vontade própria. Há magia agindo aqui. 一 Ele trocou um olhar significativo com a Capitão, os olhos azuis lhe pareciam mais cansados que o normal, Midoriya podia ver um dos joelhos tremerem, mesmo que Dabi não quisesse se fazer notar. 

一 Vamos, mexam-se, precisamos chegar ao navio rápido 一 comandou, limpando o sangue que pingava da lâmina em um dos moribundos e a embainhando em um movimento fluído. 一 E se algum de vocês for atacado, trate de morrer fora do meu caminho.

Todos assentiram e passaram a se mover por um dos caminhos. Mas antes que Midoriya pudesse se mexer, uma mão segurou seu braço e, ao olhar para trás, viu nos olhos castanho-claros de seu marujo o mais profundo desespero. Queria não saber o que aquilo significava.

一 Izuku 一 Bakugou sussurrou, enquanto os outros se retiravam. Ela o olhou de canto, não tirando a atenção dos outros. 

一 O quê?

一 Você estava certa. 一 Engoliu em seco. 一 Ele está aqui. 

⚙⚙⚙

O ruído das folhas pisadas não tirou os olhos acastanhados do movimento marinho. O vento fazia com que os fios voassem livres pelo ar e as botas, cravadas no chão, já não mais se encontravam sujas. O chiar ao longe chamou sua atenção, mas ele não desviou o olhar. E um sorriso despontou dos lábios finos, como se soubesse o que estava por vir. Como se soubesse o que havia acontecido. 

Ela se arrastava pelo chão, tentando inutilmente se segurar em algum lugar, mas a mudança corporal deu-lhe mais impulso e a criatura foi atirada para frente. Sussurrou um pedido de ajuda, mas o seu mestre continuou imóvel. Um ganido dolorido saiu por sua garganta, antes que suas pernas fossem transformadas. Seu corpo, agora, tinha um aspecto humano. No entanto, algo parecia incompleto. 

A mulher tentou se apoiar para ficar em pé, mas seus braços cederam e seu rosto grudou no chão novamente. Suas mãos ainda não estavam ali. E, por isso, ela murmurava algo quase inaudível. Tentando recuperar o foco. Tentando voltar a sua forma natural. 

一 Diga-me, Toga 一 seu mestre falou. 一 O que eu disse que fizesse? 

Ela não respondeu, ainda sussurrava palavras em outra língua, de forma desesperada. Um dos marujos caminhou até seu corpo, jogando um lençol sobre o mesmo para cobri-lo. Toga voltou a se contorcer, sentindo uma dor aguda em seu ventre, sangue desceu por entre suas coxas e a coluna estalou, arrancando um grunhido de sua garganta. 

一 Responda.

Ela choramingou, com as lágrimas se formando nos cantos dos olhos.

一 Segui-los, meu senhor 一 gaguejou, fechando os olhos com força. 

一 Então, responda-me, minha querida. 一 Exigiu. Uma das botas foi a garganta da mulher deitada, enquanto ele aplicava certa força naquela tarefa. 一 Em que parte eu falei para ferir algum deles? 

Viu-a respirar pesadamente, tentando puxar o ar como se fosse a única coisa que pudesse fazer. Ele suspirou, tirando a bota e apertou uma mão contra outra em suas costas. 

一 Não me leve a mal, minha cara. Tudo o que mais quero é arrancar suas cabeças imundas 一 explicou. 一 Mas de nada adianta fazê-lo se eles não conseguirem achar todos os objetos. Então… 

Ele parou por alguns segundos, antes de sorrir novamente. 

一 Eu quero que você apenas os observe 一 falou, risonho. 一 E, aí sim, nós o faremos. Entendeu? 

一 Sim, meu senhor 一 ela arquejou, erguendo a cabeça. Seus olhos dourados brilhavam em uma mistura liquefeita de ouro e puro poder, hipnóticos e sedutores, perigosos. 一 Que seja feito o seu desejo.


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Notas finais do capítulo

Olá, majuros :#

Então, o que acharam do capítulo? Nós vimos que vocês estão com algumas dúvidas, espero que esse aqui tenha tirado algumas delas.

Então, mudando de assunto, vocês já assistiram Shrek? Espero que sim, hein :3

Espero que tenham gostado do capítulo, nos vemos em quinze dias.

Até lá.



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