O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 38
Os amigos distantes




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Chester Bennington despiu o casaco assim que chegou ao estúdio caseiro de Mike Shinoda. Queixou-se do calor que estava ali dentro, Mike recordou-lhe que era inverno e que fazia frio lá fora, tinha o aquecimento ligado, que podiam estar de manga curta e era um sinal de conforto, ao que Chester replicou que estavam na Califórnia, nunca era inverno na Califórnia comparado com o Canadá, e os dois riram-se um para o outro.

Chester sacou do seu telemóvel e atirou-se para o sofá. Mandou algumas mensagens a amigos que estavam pendentes, algumas com mais de duas semanas. Ele era conhecido por não ser muito regular nas respostas que devia aos outros. Era assíduo no telemóvel, nunca o dispensava, chegava a ser viciado no aparelho, mas não sabia gerir muito bem as prioridades e navegava nas suas obrigações a olho.

Mike disse-lhe que a nova canção estava praticamente terminada e Chester murmurou, enquanto escrevia freneticamente com os polegares sobre o teclado minúsculo do telemóvel.

— Chaz?

— Hum…

— Quando terminares, avisa. Preciso de ti comigo, não quero a tua atenção dividida.

Qualquer pedido do japonês era uma ordem, para mais quando se relacionava com trabalho e Chester largou imediatamente o telemóvel no sofá. Recostou-se. Esfregou o rosto e escamoteou um bocejo entre os dedos.

Mike rodou a cadeira para ficarem de frente um para o outro.

— Tens dormido?

— Esta noite… por acaso, dormi mal.

— Continuas com os pesadelos?

— Não.

— Chaz…

Chester admitiu.

— Sim, continuo. O fungo infeta-me e eu mato-vos a todos, a começar por ti. Em vez de vos contaminar, aperto-vos o pescoço e estrangulo-vos. O Joe é sempre o último e está a rir-se como um louco. Não gosto de me lembrar disso, Mike…

— Tens comentado os pesadelos com o teu terapeuta?

— Falei uma vez, sim… não posso estar sempre a repetir a mesma coisa, o meu terapeuta vai querer saber como fui inventar essa história de um fungo verde que vem do espaço. Por isso, vou escondendo esses sonhos. E também já sei o que ele me vai dizer. Receita-me mais comprimidos para dormir e fica tudo bem.

— Podes falar com o teu terapeuta, sem dar a indicação de que os teus sonhos são inspirados em acontecimentos reais. Não podes falar sobre… os nossos amigos distantes.

— Sei disso, Mike. Sei disso! Mas sempre fui um nerd. E já vi OVNIs, quando morava no Arizona. Contei isso numa entrevista recente, que dei para uma estação de rádio…

Mike levantou a cabeça.

— O que foi que disseste?

— Dei uma entrevista para uma estação de rádio e falei em OVNIs. Eram umas luzes no céu estranhas que não têm qualquer explicação. Já te contei essa história…

— E que mais, Chaz? – pediu Mike.

— Que mais o quê?

— Tu não te calas quando puxam por ti. Entregas o jogo todo.

— Ei!

— Chester Bennington! Nós combinámos que não ias falar de aliens nas entrevistas. Pelo menos, não nestes próximos anos. Ainda para mais, estás a ter esses pesadelos e andas claramente fragilizado com o que nos aconteceu. Está a influenciar-te e eu conheço-te. Quando encontras alguma empatia no teu interlocutor, confessas todos os teus pecados. Chegas até a descrever tudo ao detalhe, para que o perdão seja abrangente e cubra todas as tuas faltas, lavando-te a alma. Por isso, meu amigo, desembucha. Agora vais confessar-te comigo.

Encurralado, Chester engoliu em seco. Mordeu os lábios.

— A entrevista foi muito amigável – disse.

Muito amigável. Até que ponto?

— Ficou tudo bem, Spike. Contornámos o assunto para X-Files. Falei na participação do Joe num dos episódios da série. It was cool.

Mike abanou a cabeça.

— Só faltou dizeres que tens uns amigos britânicos…

— Eh…

— Chester! – gritou Mike.

— O quê? – gritou Chester.

— Tu não…

— O Tom deLonge gosta de OVNIs e dessas tretas de extraterrestres. E depois? Ninguém desconfia de que o Tom deLonge teve uma experiência mais real com extraterrestres. Porque haveriam de desconfiar de nós? De mim?

— O Tom deLonge…

— Sim, dos Blink 182!

— Eu sei quem é o Tom deLonge. O que mais contaste tu?

Chester uniu as mãos à frente, os músculos dos braços tensos.

— Não entrei em detalhes. Ouvi, depois, a entrevista que passaram na rádio e essa parte foi cortada. Talvez alguma censura, não sei… eu esforcei-me, Spike. A sério que me esf…

— Falaste no Doutor!

— Disse que era um nerd, que gostava desses temas e que as pessoas iriam julgar-me por dizer esse tipo de asneiras. O Jim, o tipo que me estava a entrevistar, disse que nunca me iriam julgar, que era uma questão comum a muitos americanos e que as pessoas compreendiam. Tapei a cara com as mãos, pus-me a pensar. Repeti para mim mesmo que devia esquecer a TARDIS, que não iria falar na TARDIS.

Arrependido por estar a ser demasiado duro com o amigo, Mike inclinou-se e tocou-lhe no joelho.

— Está tudo bem, Chaz…

— E acabei por falar na TARDIS. Time And Relative Dimension In Space. Que nome estupendo! Mencionei uma viagem através do tempo e do espaço, de um Doutor que é um escocês refilão e emproado, de perigos vários e de como tudo se resolve no fim, num golpe de magia e tecnologia. E o Jim voltou-se para mim e perguntou-me. Doctor Who?... E eu ri-me alto e respondi, precisamente! Depois introduzi o tema dos X-Files e disse-lhe que conheci o Duchovny, que ele era fã dos Linkin Park, que o Joe Hahn tinha colaborado com o pessoal dos efeitos especiais da série, antes de existir a banda. E ficou tudo cool.

— Não sei se me zangue contigo ou se te perdoo.

— Essa parte da entrevista foi cortada. Os tipos da rádio devem ter achado a conversa demasiado doida e não a incluíram no programa.

— Mas a gravação deverá existir, algures…

— Pois, estará na rádio. Não fiz nada, Mike. Ficou tudo cool. Não revelei a identidade do Doutor – gemeu Chester. Levou a mão à boca e começou a roer as unhas.

Mike sentou-se no sofá, ao lado dele.

— Acalma-te, companheiro.

— Tu estás zangado comigo.

— Ei, disse-te que não sabia se me zangava ou se… oh, vamos lá esquecer isto. Andas a ter pesadelos e não quero que fiques pior. Quero que deixes de pensar nesta bosta, num ciclo repetitivo ao ponto de te influenciar o sono. Esquece o Doutor, a TARDIS e os fungos. A aventura terminou e ficou tudo bem. Agora, temos uma canção para terminar.

— Desculpa, Mike. Prometo que não vou voltar a falar na TARDIS, nem no Doutor.

Mike sorriu-lhe.

— Também não quero isso. Quero voltar a falar no Doutor e na TARDIS… contigo, com o Brad, com o Dave, com o Rob, com o Joe… as nossas piadas internas são impagáveis! Ninguém percebe o que estamos a dizer uns aos outros. Deixa-nos mais unidos ao partilharmos segredos blindados.

Yeah… achas que o Doutor poderá aparecer, irritado porque dei com a língua nos dentes e apaga-nos a memória como retaliação? Ele nunca gostou de mim, nem eu dele.

— Nã… O Doutor anda certamente ocupado com as suas viagens… pelo tempo e pelo espaço. Nós já seremos passado, para ele.

— E para a Clara. Gostei dela.

— Eu também. – Mike corou.

— Tsc tsc tsc… Não te podias ter apaixonado. Ela tem o seu sugar daddy.

— Oh, cala-te, Chaz! Por favor. Não me apaixonei pela Clara. Se a Anna te ouve, ainda julga que é verdade. E ela anda tão suscetível, por causa da gravidez… Não me arranjes confusões! – Mike levantou-se. Foi até ao computador e carregou na barra do espaço. Apareceu uma linha melódica parcialmente terminada. – Vamos lá a trabalhar. Não nos pagam para andarmos a ter conversas inúteis sobre extraterrestres.

— Certo.

Chester também se levantou, puxou as calças para cima. Estava mais magro. Mike notou essa alteração no físico do amigo.

— Ei, Chaz?

— Sim?

— Se tiveres pesadelos… telefonas-me?

— Está bem. Posso ligar-te de madrugada? Mesmo com a Anna…?

— A qualquer hora, amigo. A qualquer hora.


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Notas finais do capítulo

Próximo e PENÚLTIMO capítulo:
O universo infinito e vasto.