O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado
Bateram na porta do camarim. Dois toques impacientes.
— Rapazes?
Reconheceram a voz da Cammy. Mike olhou-os a todos, um por um. Era notório que queriam que ele avançasse como o seu porta-voz, que os voltasse a liderar naquela questão, como o tinha feito desde o início, quando resolvera chamar por um médico para ajudar o amigo que apresentava uma doença estranha.
— Dois minutos e vamos sair – anunciou.
— Está tudo bem? Já está tudo bem?
— Sim, querida. Dois minutos. Avisa toda a gente.
— Pareces mais calmo.
— Estamos prontos, Cammy.
— Dois minutos. Estou a contá-los, Mike Shinoda!
A mulher afastou-se da porta. Eles tinham regressado ao camarim depois dos seus outros “eu” o terem abandonado pela porta traseira. Naquele momento estariam a entrar na carrinha para saírem do perímetro do anfiteatro em direção a uma segunda TARDIS, em direção à maior aventura das suas vidas que terminava no mesmo camarim.
Brevemente iriam entrar em palco e houve uma injeção de adrenalina. Sem que fosse totalmente combinado, os seis entreolharam-se, aproximaram-se, abraçaram-se num círculo compacto, braços nas costas e nos ombros do companheiro do lado, cabeças unidas.
Mike voltou a tomar a liderança:
— Rapazes! Vamos lá a dar um show inesquecível.
Dave concordou:
— Preciso mesmo de ir tocar. Tenho demasiadas energias negativas acumuladas no meu organismo.
— De certeza que não é o fungo do Joe e do Rob? – perguntou Brad, divertido.
— O fungo não era meu, nem do Joe. Era daqueles saleiros gigantes metálicos – esclareceu Rob.
— Que saleiros gigantes metálicos? Ninguém me falou em saleiros gigantes metálicos – indignou-se Joe.
— Quero ir cantar e pular! – exclamou Chester.
— Um show inesquecível – insistiu Mike.
— A gravar para a posteridade – anuiu Brad.
— Desta vez, terei comigo a minha máquina fotográfica – afirmou Joe.
— E eu vou incendiar a plateia. Estou pronto para isso! – avisou Chester.
— Vamos fechar este dia da melhor maneira. Com música épica – disse Rob.
— Sem fungos, sem inimigos, sem medos e sem dúvidas – concluiu Dave.
Gritaram um “yeah!” a uma só voz, esticaram os braços, uniram as mãos num único punho. Desfizeram o círculo e repararam que não estavam sozinhos. Claro que sabiam que o Doutor e a Clara ainda continuavam ali, mas quando se juntavam naquele círculo motivacional antes de qualquer espetáculo, o mundo resumia-se a eles os seis, a mais ninguém. Tudo o resto se diluía. Perdia importância, consistência e até existência.
Mike pigarreou.
— Devemos ter qualquer coisa como um minuto. A Cammy está a cronometrar o tempo e não vai permitir atrasos.
— Sim. Estou pronto! – disse Chester.
— Estão todos prontos? – perguntou Dave.
Brad, Rob e Joe assentiram.
— Faltam as despedidas – lembrou-se Mike.
Olhou para o Doutor e para a Clara e tentou sorrir. Uma espécie de caroço alojou-se na sua garganta. Ele engoliu e doeu-lhe, sentiu uma dor no peito e compreendeu que dizer adeus era mais difícil do que parecera à partida. Tinha partilhado com aquele estranho alienígena e a sua companheira, que viajavam numa inusitada cabina telefónica azul, momentos irrepetíveis que, em jeito de conclusão, tinham sido fantásticos. Jamais os esqueceria.
Mais emocionado do que pretendia estar, disse, a voz embargada:
— O meu convite está mesmo fora de questão, Doutor?
— Absolutamente, Mike. Não irei tocar convosco. O palco do anfiteatro de Milton Keynes é todo vosso.
— O Jay-Z vai tocar connosco, no encerramento do nosso concerto – contou Brad. – Tu também podias tocar. Ajeitas-te muito bem com a tua guitarra Fender stratocaster. – Acrescentou, entusiasmado: – Podíamos repetir a atuação que fizemos na nave. Música clássica em guitarra elétrica. Um medley que vai deixar toda a gente espantada. E mostramos que os Linkin Park são versáteis. Teríamos o Rob a acrescentar ritmo, o Dave no baixo, o Mike em teclas. O Joe compunha tudo com uns efeitos eletrónicos e o Chester fazia a festa.
O Doutor agitou uma mão.
— Muito obrigado, rapazes. Mas irei declinar o convite, mais uma vez. Apenas queremos, eu e a Clara, assistir à vossa prestação nos bastidores do palco, em lugar privilegiado.
— Lugares VIP – completou ela, com um enorme sorriso.
Mike aceitou a recusa do Doutor que acontecia pela segunda vez. Estendeu a mão:
— Muito obrigado por tudo, Doutor.
O senhor do tempo apertou-a, num cumprimento caloroso.
— Foi um prazer salvar a Terra, mais uma vez.
Endireitou as costas, tornou-se mais sério. Observou os seis rapazes e anunciou:
— Vamos, então, concluir esta aventura.
Dave estranhou:
— Não estava concluída?
— Vocês viram demasiadas coisas… diferentes. Preciso de vos apagar a memória.
O Joe recuou horrorizado.
— Nem pensar! Ninguém me vai apagar a memória. Não tinha a minha máquina fotográfica na nave e tive de guardar recordações mentais do que vi e que, mais tarde, irei passar para o desenho. Será a única maneira de ficar com uma prova palpável do que aconteceu. Se me apagarem a memória… irei esquecer-me de tudo. Isso é uma granda merda. Nem pensar! Nem pensar!
— Acalma-te, Joe – pediu Rob.
— Não me vou nada acalmar. Ninguém mexe no meu cérebro.
Mike empalidecera.
— Doutor… será mesmo necessário? – gaguejou.
— Sim, é necessário. Vocês viram demasiado. É uma questão de precaução e será também para o vosso bem. Vamos lá! Não vai doer. Vocês são rapazes crescidos e compreendem que apagar-vos a memória é fundamental.
Clara condoeu-se ao notar o pânico que perpassava pelas expressões deles. Tocou levemente no braço do Doutor.
— Será mesmo necessário? – repetiu.
— Clara…
— Sou um músico – explicou Mike assustado. – Preciso da minha cabeça, das aptidões musicais que tenho desenvolvidas. Se me apagares a memória… poderás apagar informação sem querer, um dano colateral ou assim. Letras das músicas, canções que ainda não escrevi, a minha capacidade enquanto… criador. Um artista precisa do seu cérebro intacto e sem mazelas.
Chester replicou:
— Bem… isso não é totalmente verdade, porque o meu cérebro foi todo fodido com as drogas quando eu era um adolescente…
Perplexo, Brad exclamou, a dividir o olhar entre ele e a Clara:
— Ei, meu! Está uma senhora connosco! Olha a linguagem.
— Eu falo assim, disse alguns palavrões antes e…
— E pediram-te para parares de praguejar – censurou Dave.
Clara disse:
— Tudo bem. Estou habituada a homens que dizem palavrões. – E virou o rosto para o Doutor.
— E quando disse eu palavrões? – indignou-se ele, cruzando os braços.
— Ah… não te lembras? Quando nos infiltrámos no governo e tu foste o chefe das relações públicas. Eram palavrões e ofensas verbais gratuitas a toda a gente que se cruzava no teu caminho. Estavas bastante intratável.
— Isso nunca aconteceu, Clara. Estás a delirar.
— Se não fiz isso contigo… então foi com alguém muito parecido.
— Enfim… vamos voltar ao rapazinho – resmungou o Doutor enciumado.
Chester estalou a língua e emendou:
— Bem… tive o cérebro todo lixado com as drogas e foi assim que descobri a salvação na música. Não perdi capacidades, pelo contrário. Acho que as ganhei.
— Mas antes tiveste de te curar – disse Dave.
— Sim, tive! E depois?
— O teu argumento é falso, Chaz.
— Ahn? Porquê?
Mike juntou as mãos e implorou:
— Por favor, Doutor. Não nos apagues a memória. Nós fazemos um juramento, um pacto secreto, um contrato verificado por um notário de que nunca iremos comentar o que vimos, ouvimos e tudo o que passámos ao teu lado e ao lado da Clara. Prometemos que nos vamos esquecer, voluntariamente, da tua existência.
— Juramos sobre sangue!
— Chaz, não vamos fazer nada disso! Jurar sobre sangue – protestou Brad. – Que disparate.
— Confia em nós, Doutor – pediu Dave. – Por favor.
— Sim, nós não vamos contar a ninguém que acreditamos em extraterrestres – acrescentou Rob.
— Eu acredito! – afirmou Joe.
— E que vimos, efetivamente, extraterrestres – completou o baterista.
— Acho que a jura sobre sangue…
— Cala-te, Chester – cortou Mike. – Ninguém vai jurar sobre sangue. Temos a nossa palavra. Somos homens honrados, ora essa. Doutor?
Entreolhavam-se. E nessa pausa tudo era medido, desde a vontade, o receio, a determinação, a ansiedade e até a honra. Estavam firmes nessa disputa surda entre pessoas corajosas e, sobretudo, conscientes do seu valor e de tudo o que podiam alcançar desde que mantivessem a fé nos seus propósitos. Porque se o Doutor tinha personalidade, Mike, Dave, Brad, Chester, Rob e Joe também exibiam o estofo de heróis, à sua maneira. Clara amou-os a todos nesse pequeno silêncio.
Três pancadas brutas na porta do camarim sobressaltaram-nos. Escutou-se o vozeirão irado da Cammy:
— Os dois minutos acabaram, rapazes! Está na hora do espetáculo. E se não abrirem esta porta… juro que irei arrombá-la e arrasto-vos pessoalmente, um por um, por este chão afora até àquele maldito palco para que comecem de uma vez a tocar!
O Doutor colocou os óculos escuros e anunciou:
— Ouviram-na, rapazes. Está na hora do espetáculo.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Próximo capítulo:
O espetáculo em Milton Keynes.