O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 27
Num refúgio




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Mike trancou a única porta que dava acesso à enfermaria – após uma curta avaliação do lugar resolveu que aquela sala seria, de facto, uma enfermaria. Indicou uma das macas e pediu ao Dave e ao Chester que deitassem aí o guitarrista. Aproximou-se de uma mesa que se situava no centro da sala e estendeu as mãos sobre o tampo. Deixou-as a pairar durante algum tempo e logo apareceu um painel com vários botões digitais e um menu com diversas escolhas. Tudo surpreendentemente escrito em inglês. Sorriu. Assim acontecia porque ele queria que acontecesse. Se não era um feiticeiro do espaço, andava lá perto… Bem, com um pouco de ajuda da tecnologia buondabuonda que derivava da tecnologia dos senhores do tempo e ele fazia milagres.

Levantou os olhos e notou que Joe e Rob estacionavam à frente da porta fechada que, depois de trancada, se disfarçava de tal maneira na parede que ocultava que ali existia uma saída. Os dois infetados pelo fungo parasita continuavam a respeitar a sua autoridade, fixando um olhar opaco e tenebroso na guitarra elétrica que ele carregava, o símbolo maior dessa autoridade.

Navegou brevemente pelo menu que se lhe apresentava naquela mesa digital com touchscreen— uma cena bastante avançada que o deixava excitado e curioso. Ele sempre tinha adorado os avanços tecnológicos e as engenhocas novas!

Respirou fundo, aplacando essa alegria que ficaria muito deslocada ali.

Carregou numa barra. Digitou um código numérico que lhe apareceu numa pequena janela. Apareceu uma plataforma ao seu lado esquerdo – do lado direito ficavam as macas. Estalou os dedos e fez um gesto assertivo com o braço. Joe e Rob obedeceram e subiram para a plataforma. Mike carregou numa segunda barra, que piscava a vermelho. Dois tubos de vidro transparente cresceram do chão, acoplaram-se ao teto e envolveram os dois. Um jato esbranquiçado encheu a pequena câmara redonda de gás e Joe e Rob adormeceram. Ficaram de pé, com a cabeça pendurada, a roçar no vidro.

— Porra! Como é que tu consegues fazer essas coisas?! – admirou-se Chester. – Tu és o Mike, não és? Tu és o nosso Mike… o Shinoda? Certo?

Mike deixou a mesa.

— Agora vamos tratar do Brad. Sim, sou o Mike. Pareço-te assim tão diferente?

— O problema é que estás igualzinho e podemos estar a ser enganados.

Dave interveio:

— Não vais fazer tudo a partir daquela mesa? Pelos vistos, parece ser uma ferramenta útil que comanda, a bem dizer, esta sala e o que está aqui dentro. Até poderás conseguir medicamentos. As surpresas nunca acabam, hum?...

— Se forem necessários medicamentos, irei até à mesa. Talvez consiga arranjar os comprimidos ideais para curar o Brad. Vamos primeiro lavar-lhe as mãos, tirar-lhe esta camada dura de terra seca, a ver o que acontece. Para começar, usei a mesa para encontrar uma solução para conter o Joe e o Rob. Eles podem fazer-nos mal e contaminar-nos, ainda que, se estivessem no seu pleno juízo, nunca o fizessem. E também os meti ali dentro para aliviá-los… eles estão a sofrer, sabem?

— Merda… – murmurou Chester. Aproximou-se dos tubos de vidro e observou os dois amigos suspensos num sono imposto. Franziu a testa. – E agora? Eles já não sofrem?

— Acredito que não, Chaz. A mesa confirmou-me que dormem e que estão melhor nesse estado de inconsciência. Não sentem nada. Logo, não estão a sofrer.

— Está bem. Boa… meu.

Dave estava com uma bacia metálica nas mãos cheia de água. Nos braços trazia toalhas penduradas. Chester assobiou.

— Ei, meu… onde foste arranjar isso?

— Ali atrás está uma bancada equipada com uma pia e torneiras. Nas prateleiras encontrei recipientes e toalhas, panos, ligaduras, desinfetante, pensos rápidos, tesouras e tudo o que se precisa para prestar os primeiros socorros. Foste tu que fizeste aparecer tudo isso também, Mike? – Piscou o olho.

— Não, acho que a bancada já aí estava.

— Também há uns lavabos, ao lado da bancada.

— Para uma dor de barriga de emergência? – riu-se Chester, esfregando o abdómen.

— Não, para despejar um estômago avariado – retorquiu Dave. – Ligação a um sistema de esgotos onde podemos descartar a porcaria que limparmos das mãos do Brad.

— Queres ir à privada, Chaz? – troçou Mike, com um meio sorriso.

— Não. Com todas estas emoções da última hora, nem vontade de mijar tenho… mas fome… já comia qualquer coisa. Faz lá a tua magia e convoca uma tigela de fruta, Mike.

— Ou chocolates – acrescentou Dave.

— Sim, qualquer coisa doce e calórica. Devemos ter os níveis de açúcar em baixo.

— Se procurares, vais encontrar o que queres. Não sou eu que faço a magia. Tu também a podes fazer, segundo a explicação do Doutor. Estamos refugiados nesta sala e, a partir desse facto, a sala… obedece-nos.

Mike agarrou numa toalha e molhou-a na água da bacia que Dave, entretanto, tinha pousado num carrinho cromado, em tudo similar àqueles usados nas melhores clínicas privadas americanas. Naquele estágio, já ninguém perguntava como iam surgindo os acessórios, os instrumentos, qualquer coisa indispensável, da mesma forma que ninguém perguntou onde o Chester tinha arranjado a maçã verde que trincava com vontade, acrescentando, com a boca cheia do fruto sumarento que o estava a deliciar, que também havia os chocolates pedidos pelo baixista.

Com cuidado para não tocarem na estranha sujidade, Mike e Dave lavaram cada um, as mãos do Brad. Removeram as crostas, utilizando as toalhas húmidas, depositando-as, assim que eram usadas, numa segunda bacia que Chester fora buscar à bancada. A respiração do guitarrista era irregular, ele continuava com uma temperatura alta e suava copiosamente. No entanto, assim que Mike e Dave lhe secaram as mãos com uma última toalha, expirou prolongadamente e acalmou os gemidos.

Chester atirou a maçã meio roída para a bacia dos desperdícios.

— Ele está a melhorar… não acham? – disse, ansioso.

— Sim, Chaz – concordou Dave. – Olhem, está a recuperar a cor no rosto.

Mike também se debruçou sobre o paciente. Chamou:

— Brad? Estás a ouvir-nos? Como te sentes?

Num gesto instintivo, fez-lhe uma carícia na testa peganhenta da transpiração.

— Brad?

— Tenho uma sede do caraças… – sussurrou o guitarrista, num registo rouco e cansado.

 Chester regressou com um copo e uma garrafa de água mineral. Encolheu os ombros ao ser interpelado pela dúvida muda de Dave, que lhe arregalava os olhos e lhe indagava de onde tinha ele sacado aquilo. E apontou para uma mesa grande onde se viam as tigelas de fruta, tabuleiros forrados de chocolates e uma fileira de garrafas de água, acompanhadas de uma pirâmide de copos de vidro.

Foi Mike que deu a água a Brad, amparando-lhe a cabeça e levando-lhe o copo cheio aos lábios. Dave apoiou os punhos na maca.

— Ei, meu. O que contas?

— Porra… estive mal – admitiu o guitarrista. – Parecia que estava a arder.

— Tiveste um febrão.

— Como foi que adoeci?

— Não te lembras do que aconteceu antes?

— Hum… – Brad fechou os olhos. – Fomos buscar o Joe. Eu, tu e o Rob. Eu caí. Sujei as mãos. E depois… não me lembro de mais nada.

— Essa merda está contaminada! – indicou Chester em pânico. – É melhor livrarmo-nos dessa lama que estava nas mãos do Brad! Mike, livra-te desse lixo.

Mike agarrou na bacia e pediu:

— Acalma-te, Chester. Desde que não toques nesta porcaria, nada te acontece. Eu e o Dave estivemos a limpar isto do Brad e estamos bem.

— Oh… estão aqui o Mike e o Chester – notou Brad. – E onde estão a Clara e o Doutor? – Sentou-se sobre a maca e hesitou, por causa de uma tontura.

— Não faças esforços se não estás totalmente recuperado – recomendou Dave, apoiando-lhe as costas com uma mão.

O guitarrista negou com a cabeça.

— Isto já passa… Sinto-me bastante melhor. Onde estamos? Ah!!

Gritou ao ver o Joe e o Rob dentro dos tubos, adormecidos e infetados com o fungo. Deduziu esse facto por causa dos capacetes verdes que lhes cobriam parte do cabelo. Fixou Dave e exigiu:

— Vamos lá a contar o que foi que aconteceu durante o período em que estive doente e apagado.

O baixista pigarreou.

— Bem, o Joe está na mesma, o Rob foi infetado, eu andei a carregar-te, o Chester quase que foi desintegrado e o Mike transformou-se num feiticeiro. Estive contigo, com o Rob e com o Joe fechados numa caixa que, se apareceu do nada, para o nada foi e assim fugimos, perseguidos pelo Joe e pelo Rob. O Doutor e a Clara foram-se embora e levaram a TARDIS. E esta nave está a ser comandada por uns saleiros gigantes assassinos.

Chester acrescentou:

— Mas temos lavabos, chocolates e fruta. E não vamos morrer de sede.

Brad pestanejou, confuso.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Voltando ao início.