O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 17
Amostras de coisas importantes




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Mike ajoelhou-se junto a Chester e deu início aos procedimentos de reanimação. As suas mãos tremiam. Uniu-as, entrelaçando os dedos, e começou a fazer a massagem cardíaca, calcando no peito do amigo. Depois de dez pressões, inclinou-se, apertou-lhe o nariz e soprou-lhe para dentro da boca. Repetiu a série três vezes, dez pressões e um sopro, e nada de o Chester acordar. À quarta série, colou a sua boca à do amigo e soprou com todo o seu fôlego.

Teve um espasmo de medo e sentiu-se gelado. Quis chorar, mas as lágrimas não iriam mudar aquela situação. Por isso, concentrou-se e empenhou-se. Fez mais uma série e soprou outra vez para dentro da boca do amigo.

Nisto, Chester resfolegou e tossiu. Mike agarrou-o pelos braços, apoiou-o sobre o flanco direito e Chester recuperou o alento, entre vómitos e arquejos. Com um gemido prolongado amoleceu e Mike devolveu-o à posição inicial de deitado.

— Acabaste… deste-me um beijo? – perguntou Chester com a voz rouca.

O Doutor e a Clara debruçaram-se brevemente para comprovar que estava tudo bem e ela suspirou de alívio ao perceber que Chester tinha recuperado os sentidos. Mike contou, atrapalhado:

— Estava a fazer reanimação boca-a-boca! Ficaste aí sem respirar, idiota!

Chester limpou o lábio inferior dormente com a ponta dos dedos.

— Acho que senti uma língua…

— Uma língua?! – gaguejou Mike incrédulo.

— Qualquer coisa húmida.

— A reanimação boca-a-boca faz-se com… bem, faz-se com a boca que é um lugar… húmido… idiota… – À medida que ia dando a explicação, Mike sentia-se estúpido e sem energias.

O Doutor interveio:

— Quando os dois acabarem de namorar, podemos prosseguir? Isto ainda não terminou… De facto, está cada vez mais interessante.

As faces do japonês tornaram-se vermelhas quando ruborizou de forma intensa. Chester soergueu-se tonto, apoiado nos cotovelos. Reparou que a Clara o olhava preocupada. Então, realmente, tinha estado desmaiado e em risco de vida. Sem respirar e o Mike correra a salvá-lo. Isso era, de certo modo, especial. Mesmo que lhe tivesse enfiado qualquer coisa molhada na boca. Fez uma careta. Teria saliva do amigo na boca?

Mike explicou, tenso:

— Nós… nós não estávamos a… namorar. Ele… ele estava em perigo.

— Ele estava a fingir, só queria que tu o beijasses – alegou o Doutor impaciente.

Mike susteve a respiração, cheio de vergonha. Chester resmungou:

— Odeio o velho!

O Doutor virou-se para ele, as sobrancelhas movendo-se sobre os olhos azuis:

— Ei, rapazinho, cuidado com a língua!

— Já sabes que te odeio – provocou Chester. – E não sou nenhum rapazinho.

— Sou um senhor do tempo com mais de dois mil anos. Comparado comigo não passas de um infante. Por isso é uma sorte que não te chame outra coisa pior do que rapazinho… rapazinho!

— Experimenta, velho.

Clara puxou pela manga do casaco do Doutor.

— Podemos acabar com a luta de galos e continuar? – pediu zangada. Mike ajudava Chester a colocar-se de pé, segurando-o pela cintura. – Não disseste que ainda não tinha terminado, Doutor? O Chester já está recuperado e temos de compreender o que temos nesta sala. Várias incubadoras, guitarras, um sistema de alarme e proteção, som proibido e som sancionado. A partir de todos estes dados… qual o caminho a tomar? Ainda temos o Joe Hahn em coma e uma ameaça pendente sobre a Terra!

O Doutor ajeitou o casaco sobre os ombros e pigarreou. Sacou da chave de fendas sónica. Mike agitou o braço que estava livre, pois usava o outro para amparar o amigo que oscilava sobre as pernas.

— Ei, não vais usar isso, pois não? Estamos trancados dentro do viveiro desde que a usaste pela primeira vez aqui. Com uma segunda vez… o que poderá acontecer? Uma gaiola que nos vai confinar a um espaço ainda mais pequeno?

— Não temas. Se acontecer qualquer coisa imprevista… tocamos guitarra.

— Tocar guitarra engorda os fungos, não destranca o viveiro. Tens a certeza de que sabes o que estás a fazer? – indagou Mike, cético. – Doutor…

— Sempre ou de vez em quando?

— O que queres dizer?

— Nunca sei o que estou a fazer, mas há ocasiões em que os meus instintos estão certos e nunca… ouve-me bem, Mike. Nunca me enganei. Na minha cabeça desenrolam-se todas as hipóteses possíveis, o passado, o presente e o futuro. Existem tantas vias e todas estão certas. Mas há aquelas em que os danos são menores e o universo continua. Devemos sempre seguir por essas estradas e confiar nas nossas decisões.

— Não fiquei mais descansado, se queres a minha opinião – disse Chester.

O Doutor ligou a chave de fendas, repetiu-se o procedimento de segurança que protegia as caixas e os fungos em desenvolvimento. A iluminação na sala tornou-se avermelhada e ameaçadora. No entanto, um conjunto de escotilhas abriu-se na parede que ficava do seu lado direito. Mike e Chester saltaram ao mesmo tempo. O segundo exclamou:

— Que porra! Como é que ele sabia que havia aqui outras portas?

— Instinto, rapazinho! – respondeu o Doutor apontando um dedo à têmpora.

— Antes isso não aconteceu – observou Mike.

— Antes… estava longe e as vibrações da chave de fendas foram absorvidas pelo campo energético que protege o viveiro. Não me desiludas, continuo a achar que és o mais inteligente de todos eles.

— Ah…

Clara observou atentamente as escotilhas. Eram sete e tinham cada uma o seu feitio e o seu tamanho. Cruzou os braços, pensativa. O Doutor agarrou na guitarra que tinha estado a tocar e aconselhou Mike a fazer o mesmo. O japonês não quis contrariar os instintos do Doutor e obedeceu. Pelo sim, pelo não, Chester também escolheu uma guitarra para si, desta feita uma acústica. Encolheu-se, tal qual um ladrão que furtava o instrumento musical, mas como ninguém lhe pediu explicações, assumiu o gesto com um certo ar pedante.

Os três juntaram-se a Clara.

— Existem sete aberturas. Sete possíveis caminhos.

Yeah… – concordou Chester, ligeiramente confuso. A contabilidade era, de certo modo, óbvia.

— Somos quatro. Não vamos conseguir cobrir três caminhos.

— O que queres dizer, Clara?

Sem responder e sem dar tempo para que qualquer um dos homens que a acompanhavam conseguisse reagir, Clara abriu a escotilha mais baixa e enfiou-se por esta. Chester espantou-se, Mike clamou por ela, o Doutor agarrou-se ao limiar metálico da janela arredondada e gritou:

— Clara! O que pensas que estás a fazer?

Do fundo, veio a voz determinada dela:

— Eu vou por aqui. Cada um de vocês devia fazer o mesmo que eu. Escolham uma escotilha e vejam até onde vai dar. Encontramo-nos na TARDIS!

Escutou-se um raspar e ela afastou-se. O Doutor debruçou-se sobre a escotilha. Fez entrar metade do corpo, observou sumariamente a conduta, pois tratava-se efetivamente de um ducto estreito, apalpou as suas paredes, estreitou os olhos, mas a galeria curvava mais adiante e Clara já se tinha adiantado.

Endireitou-se, compôs a farpela. Colocou a guitarra a tiracolo, a sua e a de Mike estavam equipadas com uma alça larga e colorida. Disse:

— Ouviram a Clara. Escolham uma escotilha e avancem. Encontramo-nos na TARDIS. Nessa altura reportamos o que cada um descobriu. Creio que o local mais interessante desta nave abandonada será este viveiro, mas também poderei estar enganado… nesta questão tenho estado algumas vezes enganado. É fantástico! – Os seus olhos rebrilharam com a última frase.

— Vais deixar a Clara andar sozinha numa nave alienígena? – indignou-se Chester.

— Rapazinho, a Clara é uma mulher crescida e está habituada a viajar comigo. Muitas vezes, ela toma decisões sem me consultar. Não queres outra guitarra? Essa não é prática para transportar, não tem uma alça…

— Muito obrigado por te preocupares comigo e por não te preocupares com a Clara – ironizou Chester. – Levo esta guitarra.

— Muito bem.

O Doutor escolheu uma escotilha, entrou e sumiu-se, como a sua companheira.

— Ei, meu. Não te metas em apuros – avisou Mike, preocupado. – Não quero ressuscitar-te outra vez… – Chester sorriu de través. – O que foi que te deu para teres corrido para aquele campo de forças?

— O instinto. Quis fugir e a única saída estava lá à frente. Foi estúpido, eu sei, Spike… A porta estava fechada e havia o campo de forças. E ainda havia as caixas dos fungos. Uma idiotice, eu sei… eu sei.

Mike apertou-lhe o ombro.

— Ficou tudo bem. Então, não penses mais nisso.

— Não vou pensar.

— E nem repitas o feito!

— Está bem, Spike. Vai descansado.

— Boa sorte. Vemo-nos na TARDIS.

— Certo. Boa sorte também para ti, meu.

Mike abriu a escotilha mais afastada e também entrou. Chester respirou fundo.

— Bem, vamos lá.

Analisou as quatro escotilhas que restavam fechadas. Ali não havia possibilidade de fazer asneira, mas não tinha a certeza de tomar a melhor decisão. Estava mais do que entregue nas mãos do Destino e continuava a jogar aos dados com os deuses. Abriu a escotilha mais alta de todas, encavalitou-se, subiu para essa passagem superior com a ajuda de apenas uma mão, já que a outra segurava a guitarra, rebolou na entrada e caiu numa ampla galeria iluminada. Não era um ducto, como no caso da Clara. Menos mal.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A doença esquisita.