O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado
Dave tentou novamente assumir o seu papel de líder daquela equipa. A princípio revelou-se tarefa ingrata quando Brad e Rob gesticulavam um para o outro, frenéticos, descontrolados e em aflição, atropelando palavras numa algazarra ininteligível. O baixista colocou-se entre os dois, abriu os braços, agitou-os e berrou que se calassem. Mesmo que os outros se tivessem posto estáticos, surpreendidos com aquela mostra de autoridade, Dave continuou a berrar:
— Calem-se! Calem-se! Calem-se!
— Ei, meu… o Joe desapareceu – disse Rob.
Dave voltou a perder a paciência.
— Calem-se! – insistiu. – Essa discussão não leva a lado nenhum. Tudo caladinho e vamos lá pensar. Precisamos de pensar, não de discutir. Está bem? Está bem?!
— Ninguém está a discutir – argumentou Brad, de olhos esbugalhados. – O que foi que te deu, Phoenix?
— Calem-se!
— Porra, para com isso! Estamos calados! O que queres?
— O Joe desapareceu – repetiu Rob.
— Nós sabemos que ele desapareceu. Isso é a única coisa que nós sabemos— disse Dave.
— E depois de sabermos isso? – provocou Brad.
— O Joe não estava em coma?
O baixista e o guitarrista olharam ao mesmo tempo para o baterista.
— Estava, mas sempre se conseguiu deslocar e ficar de pé sem ajuda – respondeu Brad, mais calmo. – Ele foi ter com o Mike ao nosso camarim e lá ficou em cima daquele tapete e depois aconteceu qualquer coisa que assustou de tal maneira o Mike…
— Foi quando o Mike gritou como uma menina – acrescentou Rob.
— Sim, isso… o Mike gritou que nem uma menina, como quando alguém lhe mexe nos vasos orientais. Nós fomos ver o que se estava a passar e o Mike trancou-nos no camarim, em pânico. Cheirava a queimado, o tapete tinha ardido, chamou-se por um médico e acabámos numa nave espacial. O Joe pode deslocar-se.
— E nós esquecemo-nos desse facto. Deixámos o Joe sozinho e ele não podia ficar sozinho – completou Dave, acariciando nervosamente a sua barba ruiva.
— O que querias fazer? Amarrá-lo à cama? – espantou-se Brad. – Ele está doente, Phoenix. Temos de o ajudar, não o podemos magoar ainda mais. – Gemeu, inquieto: – Pobre Joe…
Rob apontou para a porta da nave.
— E onde terá ele ido? Não me parece que tenha alguma coisa muito importante e inadiável a fazer numa nave estacionada no meio do espaço, num dos extremos da Via Láctea. Quando estava connosco nos bastidores do espetáculo, é compreensível ter ido à nossa procura. Foi para nos infetar e espalhar a doença. E aqui?
— Ele está a ser comandado pelo fungo e, segundo o Doutor, o fungo precisa dele para se desenvolver e eclodir. Nessa fase de eclosão, o parasita mata o seu hospedeiro. Como aquelas formigas, na Terra… O Joe está em perigo mortal! – concluiu Brad e agarrou a cabeça com as mãos. Os seus olhos lacrimejaram e quedou-se boquiaberto, com um grito entalado na glote.
Dave saltitou até à consola da TARDIS.
— O que é que estás a fazer, Phoenix? – perguntou Rob, girando o dedo da porta para a coluna ciciante que ornamentava a parte central da nave.
— Com tanto monitor e tanto botão deve haver uma maneira de descobrir onde está o Joe. Basta apontar um sensor, fazer uma varredura à estrutura da nave, solicitar uma leitura, qualquer treta dessas de filme.
— Sabes mexer nisso?
— Não deve ser difícil… o Doutor carregava em interruptores como um louco e o computador de bordo respondia.
— Um computador de bordo.
— Algum mecanismo deve ter, Bourdon! – irritou-se Dave. – Deduzo que seja um computador. Os computadores são indispensáveis, muito mais num lugar como este, de alta tecnologia!
Na verdade, não estava irritado com o amigo, mas sim com a sua inaptidão inconfessa de colocar em movimento aquele sofisticado e intricado painel que esconderia, de acordo com a lógica, um qualquer sistema informático de desenvolvimento superior, já que era alienígena. Como nos filmes e socorrendo-se mais uma vez da sua cultura cinéfila, porque nos filmes era tudo simples e com uma solução óbvia, carregou em botões ao calhas. Num primeiro momento, a consola pareceu reagir positivamente – as engrenagens da geringonça vibraram, acenderam-se luzes diferentes. Mas dois segundos e meio depois, a consola parou, emudeceu e a iluminação no interior da nave alterou-se para uma meia-luz azulada, como se tivesse entrado em modo de espera.
— O que foi que fizeste?! – perguntou Brad, aflito.
— Não fez nada, foi o que aconteceu – explicou Rob. – Julgava que podia mexer na nave do Doutor assim tão facilmente e lixou-se. Venham daí, vamos procurar o Joe. Não será difícil encontrá-lo – E explicou: – Existe um corredor principal e duas bifurcações. Se o Joe tomou a passagem da esquerda, encontra-se com o Mike e o Chester, o Doutor e a Clara. Se foi pela passagem da direita, por onde nós andámos, dá uma volta mais pequena e ou regressa à TARDIS antes de nós, ou nós apanhamo-lo no caminho.
Brad abriu os braços.
— Vês, Phoenix? O Rob está a ser razoável e tem um plano melhor do que o teu.
— Então, porque razão não mo contou antes?
— Tu não deixaste…
— Ah, calem-se os dois!
— E se estivermos calados, não podemos contar sobre os nossos planos, que são incrivelmente melhores que os teus!
Saíram da TARDIS. A porta fechou-se e nenhum dos três reparou que a lingueta da fechadura entrava no trinco e que trancava a nave. Estavam demasiado preocupados com o Joe para terem percebido esse detalhe, ou sequer escutado o pequeno clique que soou, incógnito, no silêncio gelado do corredor.
Fizeram o mesmo percurso de antes – seguiram até ao fundo do corredor, voltaram à direita e caminharam com os olhos postos mais à frente, atentos a qualquer silhueta que lhes surgisse, pois seria o Joe. Confiavam que como ele estava comatoso que se movimentaria muito devagar. Mas passados alguns minutos num silêncio ansioso, Dave comentou:
— Da primeira vez que aqui passámos, demorámos menos tempo…
— Pois foi – concordou Brad.
— Como estamos preocupados, o trajeto pode parecer mais longo – aventou Rob.
— Acho que devia acontecer o contrário – disse Dave.
Nisto, pararam diante de uma segunda bifurcação.
— Não me lembro de ter visto isto antes – murmurou Brad, assustado.
— Talvez nos tenha passado ao lado – sugeriu Rob.
— Essa tua mania de arranjar explicação para tudo está a dar-me nos nervos, Bourdon! – ameaçou Dave.
— Ei, meus! Não podemos entrar em pânico! Estou a tentar ajudar. Estarmos alterados e nervosos não vai ajudar o Joe.
— O Rob tem razão, Phoenix. Qual é a tua? Ele só está a tentar ser inteligente.
— O que queres dizer com isso, Delson? Que antes eu não era inteligente?
— Calem-se! – ordenou Dave. – Vamos por onde? Direita ou esquerda?
Brad avançou dois passos, abriu os braços.
— Olha, como estou com frio, sugiro a direita. Por ali está mais quentinho…
— Mais quentinho?
E sem responder, Brad enveredou pela passagem sugerida, trotando para abreviar a caminhada que, segundo o guitarrista, estava a tornar-se demasiado longa e nem era para contrariar o Dave. Era mesmo um facto inegável daquela excursão a pé pela nave misteriosa. Escutou o Rob a resmungar nas suas costas e o Dave a protestar que não tinha votado numa possível escolha, que isso não era assim que se fazia, ele é que era o líder do grupo. Os três estacaram de repente ao chegarem a uma sala redonda, as paredes e o teto forrados de esponja branca. O chão não se via devido a uma neblina que se acumulava num tapete baixo de rolos ondulantes. O calor tinha aumentado e tornara-se sufocante naquela sala, aliado à humidade absurda que ali se sentia.
— Definitivamente… nunca estivemos aqui! – apontou Dave num tom agudo.
Rob esticou um braço.
— Olhem!
No extremo mais afastado, encostado à parede, estacionava um vulto imóvel, de costas para eles. Estava muito direito, as pernas juntas, os braços às ilhargas. Reconheceram o amigo e arquejaram de susto.
— O que… o que estará o Joe a fazer aqui? – gaguejou Brad.
Rob engoliu em seco.
— O Doutor disse que os fungos que atacam as formigas, na Terra, precisam de lugares húmidos para se desenvolverem e eclodir… Esta sala é um lugar húmido. Significa que o Joe veio para cá para… para…
Dave não conseguiu terminar.
— O Joe não veio para cá voluntariamente. Foi o fungo que o conduziu, tal como acontece com o tal parasita na Terra – explicou Rob num murmúrio trémulo.
— Céus! Não podemos ficar parados! – gritou Brad aflito e correu.
Os outros dois chamaram-no, mas o guitarrista não queria saber de mais nada – nem de riscos potenciais, nem de comportamentos inadequados, nem que o fungo fosse contagioso. Só via o amigo em perigo mortal e quis resgatá-lo.
— Joe! Joe!
O coreano não reagia. Brad rodeou-o e assustou-se com a sua palidez, os olhos semicerrados, a expressão congelada numa apatia vazia.
— Joe…
Pequenas bolhas verdes colavam-se aos seus braços, ao seu rosto e palpitavam devagar, ao ritmo dos seus batimentos cardíacos.
— Grita, Brad! – pediu Dave aproximando-se num passo apressado. – Grita como o Chaz. Pode ser que consigamos deter o fungo, como já aconteceu.
— Estás louco? Não sei gritar como o Chaz!
— Tenta. Olha, faz assim…
Dave lançou um grito rouco. Algumas bolhas despegaram-se e perderam-se na neblina rasteira. Gritou outra vez e desatou a tossir, engasgando-se com a atmosfera tépida e saturada da sala. Brad olhou para Rob, que entendeu tratar-se de um pedido de ajuda. Abraçou Joe por detrás e puxou-o, para arrastá-lo para fora daquela sala e subtraí-lo ao ambiente húmido que era favorável ao fungo.
Numa reação inesperada, Joe desatou a estrebuchar e a guinchar e um dos pontapés atingiu Brad, que caiu.
— Merda! Ele não quer ser salvo?
— Phoenix!! Ajuda-me! – pediu Rob, mantendo o abraço fortemente apertado em redor do tronco do coreano.
Dave apanhou as pernas de Joe e ele e o baterista carregaram-no para fora da sala, com o DJ a debater-se insano, aos berros e aos coices. Brad levantou-se e foi então que percebeu que tinha as mãos sujas de lama. Olhou aparvalhado para aquela sujidade, sem perceber de onde tinha surgido.
Assim que saiu da sala, Joe calou-se. Amoleceu e adormeceu com uma prolongada expiração fatigada. Dave e Rob largaram-no, ao mesmo tempo, deitando-o no chão. Sentaram-se sem fôlego. Dave penteou o cabelo com os dedos. Disse, desolado:
— Bem, acho que ficámos contaminados depois desta.
— Não interessa. Pelo menos, salvámos o Joe. O fungo não vai eclodir no nosso turno.
— Yeah, companheiro.
Brad apareceu junto deles, mostrou as palmas das mãos enlameadas.
— Ei, malta… topem isto.
Os seus joelhos fraquejaram. O guitarrista começou a suar profusamente, revirou os olhos e caiu ao pé do Joe.
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Próximo capítulo:
Amostras de coisas importantes.