Tempo de Escolha escrita por Val Rodrigues


Capítulo 1
Capítulo Um


Notas iniciais do capítulo

Bora lá ao primeiro capitulo...



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“Disse-lhe Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá; João 11:25

O medico caminhava com passos cansados, porem firme. Sentadas nas frias cadeiras do hospital, Lorena e sua mãe Rute, que aguardavam angustiadas se levantaram.

— Doutor. Rute falou esperando a resposta do medico. _ Como ele esta? Eu posso vê-lo agora? Ela pediu ansiosa.

— Eu sinto muito Rute. O câncer atingiu grande parte do cérebro do Miguel e ele entrou em coma.

— Não. Ela murmurou desesperada. _ Não pode ser. Negou colocando o rosto nas mãos. Lorena amparou a mãe voltando a senta-la na cadeira desconfortável.

— Sei que é uma noticia difícil. O medico continuou e Lorena ergueu a cabeça para olha-lo.

— Precisa fazer alguma coisa. Por favor. Um tratamento novo ou um remédio, a cirurgia, eu não sei, qualquer coisa. Precisa fazer alguma coisa. Por favor. Rute falou se desvencilhando do abraço da filha e se agarrando as mãos do medico, ela implorou chorando dolorosamente.

— Mãe. Lorena falou incapaz de continuar. O que poderia dizer? Se perguntou também chorando.

Pacientemente, o medico sentou na cadeira ao lado ajudando Lorena a acomodar sua mãe. Com um suspiro cansado, ele encarou a mulher aflita a sua frente.

— Infelizmente não há nada que a medicina possa fazer. Tudo o que podemos fazer é medica-lo e deixa-lo o mais confortável possível ate que o momento chegue.

— Nós podemos vê-lo doutor? Lorena perguntou já que sua mãe não conseguia parar de chorar.

— Sim, claro. Gentilmente ele respondeu se colocando de pé. _ Vou pedir para uma das enfermeiras vir busca-las daqui a pouco.

— Obrigada. Lorena agradeceu com a voz embargada. Com um aceno, ele se retirou.

— Mãe, por favor, tente se acalmar. Ela pediu baixo.

Rute ergueu o olhar e a dor refletida ali, fez o coração dolorido de Lorena perder uma batida.

— Eu não vou conseguir Lorena. Ela murmurou em meio as lagrimas. Abraçando apertado sua mãe ela chorou, por seu pai, por sua mãe e por ela mesma. Finalmente a ficha caindo. Seu pai, um homem bom e honesto, estava perdendo a luta para um câncer agressivo, a qual lutara durante meses.

A enfermeira chegou um momento depois, e elas foram conduzidas ao quarto onde seu pai estava sobre a cama, pálido, com os aparelhos ligados ao seu corpo e uma maquina a apitar constantemente.

Rute logo se colocou ao lado dele segurando em sua mão.

— Meu amor. Ela murmurou. Lorena aproximou a poltrona que estava no canto da parede fazendo com que ela sentasse. _ Volte para mim Miguel. Você não pode me deixar. Ela pediu encostando a testa sobre a mão gelada do marido. Tocando as costas da mãe, Lorena tentou passar a ela uma força que não existia dentro de si.

Três dias depois, em uma madrugada fria e chuvosa, o medico desligava os aparelhos que estavam no corpo de Miguel. Ele falecera com uma parada cardíaca. Com gritos desesperados, Rute precisou de atendimento. Foi medicada e dormia a base de remédios em outro quarto do hospital.

Lorena deixou seu corpo cair sobre a poltrona. As lagrimas agora rolavam livremente, sua dor era quase palpável e lhe tirava o fôlego. Longos minutos se passaram ate que ela ouviu um murmúrio de sua mãe e tentou se recompor.

— Lorena. O que aconteceu? Rute perguntou com a voz ainda grogue devido ao medicamento.

— Mãe, a senhora desmaiou. Lorena explicou.

— Eu tive um pesadelo horrível. Continuou esfregando um rosto. Em um sobressalto a mulher sentou-se na cama. _ Não foi um pesadelo, não é? Meu Deus, não. Miguel. Chamou sentindo a realidade atingi-la. _ Lorena, me diz.

— Não mãe. O papai faleceu. Lorena concluiu com a voz embargada. A dor nos olhos da filha fez com Rute a abraçasse.  E mais uma vez as duas choraram juntas.

O dia já amanhecia quando Rute foi liberada. Mecanicamente, mãe e filha começaram a tomar as providencias do funeral que seria no fim da tarde.

Em casa Lorena jogou-se na cama ao sair do banho. Uma batida na porta a fez levantar a cabeça.

— Eu fiz um caldo querida. Coma um pouco. Sua tia, Marli, pediu carinhosamente.

— Obrigada tia. Não estou com fome.

Com um suspiro, sua tia depositou a pequena bandeja na mesinha de cabeceira e segurou em suas mãos.

— Precisa se alimentar querida. Você esta há horas sem comer. Continuou com a voz calma. Lorena olhou para a mulher a sua frente. Sempre forte e gentil, a mulher parecia não se abalar.

— Não sente nada ao perde-lo? Ela perguntou com uma dose de irritação na voz, mesmo que não fosse intencional.

— É claro que sim. É meu irmão e eu o amo. Marli disse a olhando. Instantaneamente Lorena se envergonhou de suas palavras. Sua tia sempre estivera presente durante a doença do seu pai. Sempre tentando ajudar, confortar.

— Me desculpe. Ela pediu envergonhada por sua pequena explosão.

— Sei que esta sofrendo. Todos nós estamos. Mas precisamos nos unir mais do que nunca, só assim seremos fortes o suficiente par passar por isso. Lorena abraçou a tia que retribuiu afagando gentilmente suas costas. _ Vai melhorar querida. Vai melhorar. 

.............

Pessoas passavam por ela a abraçando. Algumas delas lhe diziam palavras que ela não compreendia muito bem. Mas ela não se importava realmente. Educadamente retribuía, por vezes com um gesto ou um aceno de cabeça quando ficava difícil par falar. Palavras como “meus sentimentos, meus pêsames, sinto muito e vai ficar tudo bem”, eram repetidas inúmeras vezes, mas nada daquilo amenizava sua dor.

Preocupada, ela virou o rosto observando sua mãe ser amparada mais uma vez e silenciosamente pediu forças para que ela suportasse passar por isso sem desmoronar.

— Ola. Ela ouviu uma voz próximo a ela e virou o rosto. Surpresa ela o reconheceu. _ Sinto muito Lorena. Ele disse. Desta vez as palavras não soaram vazias aos seus ouvidos, era como se ele realmente sentisse pela perda dela.

— Obrigada Rafael. Ela disse baixo com a voz rouca. Abraçando-a ela permaneceu imóvel fechando os olhos e deixando as lagrimas rolarem. Não iria parar nunca?

— Beba um pouco. Ele pediu erguendo a garrafa para ela quando a crise de choro diminuiu. Sem forças para negar, ela aceitou. _ Me diga se tiver alguma coisa que eu posso fazer por você, qualquer coisa. Sua voz gentil transmitia conforto.

— Obrigada. Como soube? Ela perguntou lhe devolvendo a garrafa pela metade.

— O hospital avisou ao nosso departamento.

— Claro. Ela disse baixando o olhar. Rafael fazia parte de uma equipe de Capelães que visitavam pessoas doentes no hospital. Foi assim que se conheceram. Nos meses de idas e vindas do seu pai de casa para o hospital eles se encontraram varias vezes la dentro.

— O restante do pessoal também veio. Ele avisou.

Olhando ao redor, ela percebeu a equipe conversando e abraçando a família. Uma mulher conversava com Rute logo ao lado deles. Ela se virou encontrando os olhos de Lorena no caminho. Com um abraço apertado, ela cumprimentou Lorena. Abraços apertados deve ser coisa de família, ela pensou ainda nos braços da mulher.

— Já disse a sua mãe e repito. Se precisar de qualquer coisa não exite em pedir.

— Obrigada, dona Carmem.

— Eu vou ficar um pouco com a sua mãe. Ela disse se afastando. Outros do departamento de Capelania que Lorena já conhecia se aproximaram para cumprimenta-la. Eles iam e vinham, mas Rafael permaneceu ao seu lado.

Ele a abraçou quando o momento da despedida final chegou. Lorena pensou que a dor em seu coração iria esmagar o seu peito. Mesmo quando as pessoas começaram a partir ele ficou ali.

— Rafael, o pessoal esta indo. Ana, uma das garotas que também fazia parte do grupo, o chamou.

— Eu já vou. Ele disse a ela se voltando mais uma vez para Lorena e lhe entregou um papel.

— O que é isso? Ela perguntou.

— Meu telefone. Me ligue a qualquer momento que precisar. Ele pediu e ela ficou a encara-lo sem resposta. Relutante ele se afastou dela se juntando ao grupo.

.......................

Lorena suspirou. Tudo nela doía. A cabeça latejava, o corpo protestava, os olhos inchados e vermelhos ardiam cansados, mas o pior era o sentimento de vazio em seu ser. Parece que uma parte dela havia ficado naquele cemitério no dia que enterrara seu pai há alguns dias atras.

A campainha tocou fazendo sua cabeça latejar mais uma vez.

— Tia. Ela disse surpresa ao vê-la ali novamente.

— Oi querida. Como estão as coisas por aqui?

Marli adentrou a casa indo direta para a cozinha depositando na mesa algumas sacolas de mercado.

— Na mesma. Lorena respondeu começando a preparar um café.  

— Sua mãe ainda não levantou? Com um gesto de cabeça, ela negou. _ Tudo bem, eu vou chama-la. Com um olhar determinado ela começou a subir as escadas.

Lorena estava preocupada com sua mãe. Desde o funeral ela passava a maior parte do tempo no quarto, quase não comia e varias vezes podia ouvir o choro de sua mãe, para encontra-la agarrada a algum objeto do seu pai em prantos.

Encarando as escadas, torceu para que sua tia conseguisse anima-la, pelos menos um pouco. Ansiosa voltou sua atenção ao café da manha que preparava. Enquanto via o gotejar da cafeteira, Lorena recordou-se de como sua vida estava diferente no ano anterior. Estava no meio da faculdade quando recebeu a noticia sobre o estado de seu pai e voltou para casa imediatamente abandonando os estudos e o emprego que conseguira para ajudar a pagar os estudos.

Passos na escada a fizeram retornar ao presente.

— Ela vai descer daqui a pouco. Foi tomar um banho.

— Eu estou preocupada com ela. Lorena revelou quando sua tia desceu o ultimo degrau.

— Eu também. Mas acho que tive uma ideia que acho que vai ajuda-la a lidar com isso.

— Qual? Ela perguntou curiosa.

— Pensei que ela poderia trabalhar no ateliê comigo, ocupar a mente, talvez ajude.

— Acho que tem razão tia. Pode ser bom para ela.

— Sim. Vou conversar com ela sobre isso. E você? Como esta?

— Bem, na medida do possível.

— Não pensa em voltar para a Faculdade? Sua tia questionou sentando-se na cadeira.

— Ainda não. Mas eu pensei em me transferir para cá. É muito cedo para deixa-la sozinha aqui.

— Miguel ficaria orgulhoso de ver a filha formada. Ela comentou com um leve sorriso no rosto.

— Acho que sim. Murmurou tomando um gole da bebida quente.

...............

Lorena fechou os olhos sentindo a brisa suave tocar seu rosto.

Conforme conversara com a tia pela manhã, resolveu ir a Faculdade pedir a transferência. Precisava voltar o mais rápido possível para não perder o semestre.

— Lorena. A voz dele a chamou e ela abriu os olhos encontrando Rafael que a olhava surpreso. _ Que surpresa te encontrar aqui. Ele disse e ela deu um leve sorriso surgiu em seus lábios.

— Oi. Ela disse igualmente surpresa.

— Como você esta? Ele perguntou se aproximando.

— Bem. Estou indo. E você?

— Bem. Falou e o silencio pairou sobre eles por alguns momentos. _ Eu realmente esperei uma ligação sua. Ele revelou pegando-a de surpresa.

— Eu não quis incomodar. Disse baixando o olhar.

— Não era incomodo. Ele garantiu. Respirando fundo ele a olhou. _ Fiquei preocupado.

Os dois ficaram em um silencio conturbado mais uma vez. Cada um com seus pensamentos, lado a lado, enquanto observavam as ondas baterem um pouco mais a frente e voltarem  em movimento incansável.

— O que você acha que acontece quando uma pessoa morre? Ela perguntou e Rafael surpreso pela mudança brusca do assunto a olhou.

— Acho que vamos finalmente descansar e viver o que não conseguimos aqui.

— No céu? Perguntou inquieta e descrente.

— Sim. No céu. Uma vida sem dor, sem tristeza, doenças, nem raiva, magoa, nada. Uma vida feliz de verdade.

Ela piscou tentando impedir as lagrimas que já se formavam.

— Eu ainda acordo pensando que ele esta aqui. Revelou. _ Depois de alguns minutos é que consigo lembrar que ele partiu.

— Vem cá. Ele pediu envolvendo-a em um abraço. _ Vai melhorar, ela vai diminuir aos poucos.

Lorena não conseguiu mais segurar. Soluços brotavam do seu peito enquanto Rafael a abraçava apertado querendo diminuir a dor que ela sentia. 

— Eu sou órfã. Lorena disse como se a ficha começasse a cair naquele momento. Sua voz era embargada pelo choro convulsivo e os soluços que brotavam do seu peito. _ Eu não tenho mais um pai, Rafael. Não tenho mais. Repetiu.

Sem palavras para responde-la, Rafael continuou a abraça-la tentando conforta-la ate que ela se acalmasse.

— Esta melhor? Ele perguntou longos minutos depois.

— Desculpa. Ela pediu secando o rosto.

— Não se desculpe. Ele pediu a olhando com carinho. _ Eu falei serio quando disse que podia contar comigo Lorena. Para qualquer coisa. Garantiu e ela pequeno sorriso nasceu nos lábios dela.

— Obrigada Rafael. Por tudo o que fez. As visitas de vocês trouxeram animo aos meus pais nos momentos difíceis. E agora também.

— Não precisa agradecer. 

— É melhor eu ir embora. Esta ficando tarde.

— Eu levo você. Se ofereceu.

— Não precisa. O ponto de ônibus é perto daqui. Negou.

— Não. Insistiu. _ O carro esta logo ali. Vamos.

— Esta bem, obrigada.  Os dois seguiram conversando enquanto Rafael dirigia.

— Foi bom te ver. Ele disse parando o carro em frente a casa dela.

— Eu também gostei. Ate outro dia então.

— Tchau Lorena. 


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