As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 25
— Final: A grande unificação de reinos




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— A grande unificação de reinos

 Arashi removeu do corpo de seu oponente a lança de gelo que usou para matá-lo, pacientemente a desfez e, de pé, encarou o cadáver que repousava gélido no solo branco azulejado onde o enfrentou. Não gostava dessa parte de seu trabalho. Achava que seus pais teriam hesitado em entregar as vidas por ele se fizessem uma ideia de quantos homens ele mataria um dia. Sua irmã com certeza ficaria horrorizada. Ela sabia de sua fama pelos reinos do mundo, sabia como ele era temido, mas não podia sequer imaginar os sangrentos pormenores da vida que lhe rendeu esse renome. Ele desejava que ela continuasse assim. 

 Yue, a poucos passos de distância dele, já se acostumara. Ela entendia. Alguns inimigos nunca vão mudar, sempre vão causar problemas, portanto não era mais exatamente contra a execução de certos homens. Pelo menos não tanto quanto na primeira vez que viu um ser executado. Mas, ali, não podia condenar Arashi. 

— Naomi deve estar com problemas, vá atrás dela, Yue. — Disse. Durante a perseguição aos invasores, no calor do momento, a francesa acabou ficando para trás. — Daqui eu vou para a Fronteira do Norte guiar as pessoas e protegê-las. 

Séria, a garota mexeu a cabeça em concordância e foi. Faltavam menos de seis horas para o reino explodir, milhares de pessoas já haviam saído, mas muitas mais permaneciam lá. Arashi sabia que mais da metade dos moradores de Órion não conseguiria sair a tempo, que a quantidade de pessoas que conseguiram deslocar em tão poucos minutos já fora por si mesma impressionante, mas precisavam fazer alguma coisa pelos que ficariam. Se não pensassem em nada, morreriam com eles. 

 Kin e Erika estavam com Haru, Hayate e Sora nos portões abertos da Fronteira do Leste. Os cinco conversavam sobre as informações que Sora arrecadou, mas depois de muita discussão, Kin obteve de Hayate a tão pedida permissão de ir até a espaçonave do homem por trás de tudo aquilo. No entanto, Haru teria que ir com ela. Só o ruivo sabia onde o cara estava, como chegar lá e, para que Kin não fosse sozinha, ele não disse uma só palavra envolvendo a localização da espaçonave. Ela não tinha outra opção além de levá-lo junto. 

Ficava muito irritada quando seu irmão a passava para trás daquela forma. 

— Sejam cuidadosos. Se precisarem de ajuda, não hesitem em me chamar. — Foi a ordem de Hayate.

Kin exibiu um meio sorriso, fez um carinho grosseiro nos cabelos de Haru e, entredentes, em um nada sutil tom passivo-agressivo, exclamou:

— Não se preocupem com o meu irmão aqui, ele não vai ficar lá por muito tempo!

Sora meteu as mãos dentro dos bolsos da calça, sorriu quando os dois abriram as asas e acompanhou com os olhos parte do percurso deles rumo ao espaço sideral. Suspirou com sensação de dever cumprido quando sentiu os ventos balançarem seus cabelos e os tufos de grama espalhados pelo dourado solo arenoso da ampla fronteira. Seu trabalho acabava por ali, finalmente poderia ir para casa descansar. Se a Terra explodisse enquanto ele estava dormindo, pelo menos não sentiria dor alguma. 

Hayate enxergou algo especial em Sora logo que bateu os olhos nele. Sabia que Santsuki e ele eram parentes, que Sora dizia não se importar com nada, conheceu vários jovens parecidos com ele em sua jornada, mas o olhar de nenhum deles detinha um brilho igual ao que vislumbrou no dele. Teve uma intuição que o fez crer que aquele Raikyuu tinha um futuro sublime. No momento, contudo, estava curioso, tanto sobre essa intuição quanto sobre o que o garoto faria. Prestaria atenção nele. 

— Bom, eu vou pra minha casa dormir! — Sorridente, satisfeito, Sora avisou ao ministro e à detetive que estava indo, não por respeito, por achar que devia algo aos dois ou a alguém daquele reino, mas para eles saberem que fez tudo por capricho. — Conto com vocês pra Terra não explodir. Até mais! — Acrescentou, bateu em retirada e em menos de um minuto, correndo, se afastou do campo de visão de Hayate e Erika.

 — Até que ele ficou bastante tempo. — Erika comentou com Hayate. Naquele dia mais cedo, poderia apostar com qualquer um que Sora iria embora umas quatro horas antes do que acabou indo. 

O fascínio do líder do Reino de Órion por Sora não diminuiu. Aliás, diferente de todos, ele acreditava que o veria muitas vezes mais naquele mesmo dia. Pensando melhor, teve uma sensação semelhante sobre Arashi quando o conheceu, seu coração reservou, enquanto todos questionavam a índole do guerreiro glacial, uma fé inexplicável de que ele se revelaria um retalhador valoroso, então vai ver era pura confiança na habilidade de Haru e Kin de se cercar de boas amizades. Eles eram o futuro da Terra de Áries. 

Falando no futuro da Terra de Áries, Yue e Naomi, duas garotas que também podiam ser chamadas assim, enfrentavam juntas um inimigo escorregadio. No último golpe que elas desferiram nele, Yue o atacou de frente e Naomi, por trás, mas seus punhos perpassaram o peito dele como se ele fosse uma nuvem de poeira e colidiram bruscamente, o impacto foi tão potente que fez toda a arena tremer. Aquele que era para ser a vítima delas riu, as duas, calmas e sérias, trocaram olhares e um aceno de cabeça em sinal de mútua concordância com algo. 

Os olhos e as pontas dos dedos de Naomi fulguraram com uma chama violeta escura, o corpo do inimigo delas explodiu repentinamente. As duas recuaram correndo para longe dele. A francesa, com os punhos envoltos naquele mesmo fogo que usou para livrar ela mesma e sua aliada das garras do homem que as digladiava, avançou sobre seu alvo como uma fera e lhe esmurrou no peito, fazendo eclodir outra daquela explosão de luz roxa que veio a tona quando ela se libertou das presas dele.

O homem, sem entender porquê, não conseguia mais converter o corpo em poeira, Yue o socou tão forte no rosto que ele rodopiou, bateu na parede verde da residência que cercava a rua da luta deles, a estilhaçou e caiu desnorteado. Elas não permitiriam que ele perdesse a consciência. Tinham perguntas a lhe fazer. Naomi o pegou pela gola da camisa social azul, o alçou para próximo de seu rosto e fez os olhos e as mãos resplandecerem novamente. Ele estava tendo a energia roubada. Quanto mais poder perdia, mais seus olhos verdes claros ficavam opacos, embora mais se enchessem de medo. 

O bronzeado natural do rosto do sujeito dava lugar a um pálido sem vida, seus cabelos castanhos escuros, lisos, penteados para trás, esbranquiçavam-se. A barba que crescia em sua face caía. Era por causa da morte cruel que seus adversários sofriam em suas mãos quando usava sua essência que Naomi não gostava de usá-la. 

— Você vai dizer como nós paramos a explosão do Reino de Órion! — Naomi o sacudiu e, furiosa, ordenou, em tom de ameaça.

— Parar a explosão? Vocês acham que há uma maneira de... São muito idiotas... Não há como parar... — O moribundo riu e se gabou. Estava na cara dele que ele não se importava com a morte, nem com o modo como morreria. Vieram prontos para isso. — Pode me matar!

A francesa riu e objetou:

— Te matar? Você é muito idiota. Se não nos contar a verdade, eu vou te transformar num velho de centenas de anos e você vai se aproximar da morte bem lentamente, mas quando estiver quase morrendo, eu vou te rejuvenescer e voltar ao início. Depois vou repetir esse processo dezenas de vezes. O que acha? 

O sujeito acabou contando tudo o que sabia, até Yue, que os assistia de longe, quase falou junto com ele. Nunca pensou que Naomi assustava tanto. A verdade era que existia, sim, uma maneira de parar a explosão remota, ele consistia em rastrear cada um dos membros daquela organização, coletar os números tingidos na parte de trás do dente canino deles e digitá-lo no monitor da bomba — escondida, aliás, a alguns quilômetros dali. O difícil seria achar cada um dos oponentes que mataram naquela manhã.

A habilidade sensorial de Yue só rastreava seres vivos, Haru não estava na Terra e seu poder, agora, também não seria de muita ajuda. Só restava recorrer à Erika — não que estivessem reclamando, Yue, ao contrário, ficou muito feliz quando soube que se reuniriam com ela de novo e fez questão de chamá-la pessoalmente pelo comunicador. Quando marcaram o ponto de encontro, foi toda empolgada. Pediria os conselhos de moda que não teve a chance de pedir mais cedo. 

 Mahina, Shin e Kenichi estavam com Arashi na Fronteira do Norte. Os rapazes guiavam as pessoas para fora do reino, cerca de cinco mil, as mostravam o caminho que deviam seguir, Mahina, parada nos portões, contava quantos se foram e rapidamente os checava para ter certeza de que não haviam inimigos entre eles. Tudo, até o presente minuto, seguia na mais completa normalidade. Arashi ficou mudo de surpresa quando chegou no Rio Izanagi com a primeira multidão que guiou para lá naquela manhã e se deparou com cinco navios mais do que disseram que os aguardavam lá.  

Kenichi, vindo logo atrás, contou o que ouviu:

— São todos do Reino de Ácamar. Por alguma razão, quiseram ajudar. 

Arashi sorriu. Sabia das razões deles. Há mais ou menos uns seis anos, junto com Kin, escoltou com sucesso a filha do rei deles e os salvou da aniquilação. "Conheci uma pessoa que dizia que se quisermos unir todos os reinos da Terra de Áries, temos que tornar nossos os problemas de todos", recordou feliz, letra por letra, a frase com a qual justificou a um bravo soldado de lá seus motivos para arriscarem suas vidas para ajudá-los. Seu peito foi devorado por um calor inexpugnável. Yume mais uma vez estava certa. 

— Por aqui, pessoal. — Gritou para todos, após recuperar o controle sobre as próprias emoções.

Estava mesmo vivendo para ver a concretização dos ideais da melhor chefe que já teve? Havia um lado seu o impedindo de acreditar nisso. O lado que viu, após a guerra que dividiu a galáxia, todas as Doze Terras Gêmeas voltarem a se tratar como inimigas, exatamente do jeito que se viam antes. Pelo histórico dele, ninguém podia culpá-lo por ser cético com relação aos homens. 

Depois de invadir a espaçonave, Haru usou seus poderes de manipulação visual para se transformar numa moça que viu conversar com o canalha que arquitetou a destruição da Terra de Áries. Kin, invisível, estava logo atrás dele. Os dois passaram por vários tripulantes no caminho e nenhum deles desconfiou de algo. Seu destino era a sala na qual viu a mulher alta, negra, magra e muito, muito bonita, pela qual estava se fazendo passar, falando com o líder dela. 

Se sua memória não lhe pregou uma peça, ela vestia uma saia negra que ia até um pouco depois dos joelhos, uma camisa social azul clara com as mangas arregaçadas e estava com os cabelos presos, os olhos dela eram cor de mel. Se ninguém desconfiou de nada, nem lhe parou para fazer alguma pergunta, com certeza era porque pelo menos acertara no geral. Kin não atacou a nave de lá da Terra porque tinha a esperança de extorquir deles algum dispositivo capaz de parar a destruição do planeta. 

Fazia muito frio nos corredores daquela nave. Eles eram estreitos, o piso, as paredes e o teto foram compostos com metal e a luz das lâmpadas era tão poderosa que irritava até as retinas de Kin. Ela queria dar o fora dali o mais depressa possível. O plano deles era entrar na sala, enfiar uma espada no coração do chefão, assumir o lugar dele usando os poderes de Haru e coletar informações. Foi proposto que Haru se passasse logo por ele, mas haviam câmeras na nave e o sujeito muito provavelmente estava de olho nelas, ele se ver andando por ali não seria nada bom. 

É aqui. Haru ficou de frente para a porta de aço que viu quando estava lá na Terra. Antes de bater, para se certificar de que a moça na qual se transformara não estava lá dentro, usou seus poderes e viu o interior da sala através das paredes. Tudo certo. Deu dois toques leves na porta, limpou a garganta, alinhou a coluna e esperou alguém abri-la. O inimigo em pessoa veio. Kin o reconheceu na mesma hora. Era o tal do Kurama por quem quase foi derrotada quando estava no Reino de Ácamar protegendo a princesa Mai. 

A retalhadora de elite, nem um pouco afim de perder tempo, ativou a espada de luz e teria destroçado o coração do infeliz com ela se ele não tivesse sentido seu movimento e, por reflexo, desviado a lâmina para baixo por alguns centímetros. Ela ficou visível novamente. Haru reassumiu sua forma verdadeira, agarrou o pescoço do oponente com a mão mas levou um cruzado de direita na cara tão forte que voou de costas para a parede do outro lado do corredor.

— Retalhadora de Elite Kin! É um prazer revê-la! — Exclamou, ao mesmo tempo que, sorridente, tossia sangue. 

Kin sorriu, apontou a palma da mão livre para a cara dele, mergulhou-a numa forte energia dourada e retorquiu:

— Digo o mesmo! Mas tchauzinho! 

Seu irmão, ainda caído, ouviu um estrondo assustador, seguido de uma luz que o cegou por vários segundos. Uma calma e um silêncio apavorante o impeliram a levantar-se para saber o que ocorrera, quando recobrou a visão, o que viu foi sua irmã caída, envolta em fumaça, e o oponente de pé, encostado na parede removendo a espada dela do corpo. Investiu sobre Kurama, atacou-o com um soco, ele conseguiu se esquivar, então acabou acertando a parede e a atravessando com seu punho. 

Kurama correu para o lado, retirou a arma de Kin do corpo e teria assassinado o irmão da loira com a espada dela se ela não tivesse segurado seu braço e o socado no rosto. Chutou Kin mas o melhor que conseguiu com o golpe foi afastá-la, pois a retalhadora se escudou usando os braços. Haru livrou a mão da cratera em que a meteu e desferiu socos contra o rosto de Kurama, ele habilmente desviou a face de um por um e ao fim deles esmurrou o ruivo no estômago. O garoto transmutou as mãos em luz, enfiou-as dentro do braço de Kurama, fez elas voltarem a ser matéria e o destruiu inteiro diante dos olhos dele, que, naturalmente, gritou de dor.

 A guerreira de elite, até então só olhando, construiu mais uma espada com sua mana dourada e tentou apunhalar Kurama na cabeça. Kurama moveu-se para trás, ela atingiu a parede, ele a puxou pelo pulso, a empurrou, jogou em cima do irmão dela e, usando a mão que era mais do que uma massa de carne e sangue desfigurada, estalou os dedos, provocando uma explosão que devastou metade da espaçonave e a abriu para os rigores do espaço sideral. Vários dos tripulantes da nave do vilão foram sugados para o vácuo e morreram de uma só vez. 

Tanto Haru como Kin permaneciam vivos e intactos, graças a Haru. Antes de ir para o espaço, os dois acoplaram no pescoço um dispositivo que os envolvia numa bolha de oxigênio e permitia que trocassem palavras. 

— Você tá bem? — Perguntou à Kin. Ela, com a cabeça, de boca fechada, respondeu que sim. Os dois olharam juntos na direção onde a nave ficava e entre a poeira, a fumaça e os destroços, avistaram seu adversário. 

Kurama voou pelo espaço na direção dos irmãos, ergueu a mão que lhe sobrou e disse: 

— Eu ia esperar pra destruir o Reino de Órion no tempo que agendei, só pra não estragar o nosso jogo. Mas, por que não fazer isso agora? Tô tão ansioso pra ver a cara de vocês. 

Se Kin estava correta, as explosões dele só aconteciam com a condição de que ele concentrasse uma determinada quantidade de energia na mão que usou para marcar seu alvo. Franziu as sobrancelhas. O que precisavam fazer para salvar o reino, portanto, era evitar de todos os jeitos que ele conseguisse isso. Além disso, matando Kurama, salvavam a Terra. Esticou o braço direito para o lado, fez uma nova espada dourada surgir na palma da mão e a apontou para o meio do rosto do inimigo. Aquela era a luta da sua vida

— Não deixa ele concentrar chikara na mão. — Ela advertiu Haru, depois foi à luta. Antes de segui-la, o ruivo se livrou da camiseta que trajava. Ela estava toda suja com o sangue e pedaços do braço de Kurama. 

 Na Terra, Arashi escutou o som dos impactos dos golpes da batalha que se desenrolava no espaço, parou o que estava fazendo e olhou para o alto. Conhecia Kin, sabia que ela tinha dado um jeito de convencer Hayate e que ela estava lá. A preocupação que morava em seu coração dobrou de tamanho. Queria estar com ela. Voltou correndo para a fronteira, desviando-se das pessoas pelo caminho, queria perguntar algo à Mahina. 

Ela estava distraída olhando para cima. Provavelmente também escutou o começo da batalha espacial. Quando notou que Arashi estava vindo, olhou para ele.

— Quantos conseguimos tirar em todas as fronteiras até agora? — A questionou. 

— Um pouco mais de quatro milhões. — Respondeu, empregando um deprimente tom pessimista na fala. 

Nada bom, achou justificável a decepção de Mahina, deixou as mãos na cintura, respirou fundo e olhou para o céu. Quase duzentos milhões de pessoas moravam no Reino de Órion. Tudo dependia de Naomi, Yue e Erika localizarem os números nos dentes dos retalhadores que derrotaram naquela manhã e desativarem a bomba. Por falar nelas, resolveu ligar para verificar como as três estavam se saindo e fez isso no caminho de volta para o Rio Izanagi. 

 Elas compreensivelmente demoraram mas atenderam sua chamada. 

— "Erika falando!"

— E aí, como estão indo? 

— "Hum... o cara que a Naomi derrotou hoje cedo disse que eles estavam em seis aqui na Terra." — Explicou a detetive. — "Nós pegamos o número que estava no dente dele, localizamos os dois que o Sora e o Haru derrotaram, os dois que você e a Yue derrotaram e agora só falta um, mas já estamos quase achando esse."

Saber disso removeu uma enorme carga de seus ombros. 

— Obrigado, Erika.

— "De nada, gato." — Ela se despediu. 

Sua maior preocupação passou a ser Kin. Em cada segundo que passasse ali em baixo, independentemente da tarefa que estivesse exercendo, estaria pensando nela, rezando para que ela voltasse bem. O que mais poderia fazer? Se soubesse onde ela estava, largaria tudo e iria pra lá correndo. Fez dupla com Kin por tantos anos que era estranho saber que ela estava enfrentando alguém sozinha — não que eles nunca tivessem lutado separados, mas sempre ao menos estavam no mesmo lugar e em condições de ir ajudar o outro quando ele precisasse.

Mesmo atacando Kurama com a companhia de seu irmão, Kin não descreveria aquela batalha como fácil. Estavam em igualdade de condições. Isso significava, no mínimo, que se tivesse ido pra lá sozinha, estaria em sérios apuros. Mas as coisas não podiam continuar do jeito que estavam. Precisavam vencer Kurama logo ou, no menor descuido, ele explodiria o Reino de Órion com milhões de pessoas e todos os seus amigos dentro. Nenhum dos dois conseguia sequer imaginar a tragédia que isso constituiria. 

Num determinado ponto do confronto, Haru conseguiu agarrar-se ao braço do inimigo e imobilizá-lo, mas ele o girou e atirou para o alto. Kin veio logo após, desferiu vários cortes contra o rosto de Kurama, o pulha esquivou-se de todos, quase foi apunhalado no peito, desviou dando um salto mortal sobre a loira e a atacou pelas costas, o irmão dela entrou na frente, segurou seu punho e, com muito esforço, abriu sua mão. Kurama o esmurrou no queixo, Kin veio por cima, direcionou a ponta da espada para baixo e, dessa forma, tentou matar o adversário, mas ele se moveu para trás, a chutou para cima de Haru e os arremessou longe. 

Tinham certeza de que sem uma estratégia estavam condenados. Haru foi o primeiro a pensar em algo.

 — Tive uma ideia. — Sussurrou. — Dispara um dos seus raios de luz nele. 

— Ele conhece o meu poder, gênio, não vai deixar eu atirar! — A loira, mal humorada, replicou. 

— Só dispara, vai por mim. — Reiterou. 

Kin, sem ver razão na teimosia de Haru, mirou no peitoral de Kurama, recheou a mão de chikara e disparou. Na mosca. Explodiu o inimigo quase que por completo. Nem ela, a princípio, entendeu exatamente o que foi que houve, mas o que aconteceu, na realidade, foi que Haru usou seus poderes de manipulação visual para disfarçar a verdadeira posição do braço de Kin no instante do disparo e ocultar a luz até ela chegar nele. Infalível, o garoto comemorou, inebriado pela sensação da vitória.

Mas ainda restava vida no corpo destroçado de Kurama. Como seu último ato, o vilão aproveitou-se da distração dos irmãos, carregou a mão de poder e acionou a destruição daquilo pelo que os dois tanto lutaram. Arashi sentiu a terra sob seus pés vibrarem e na hora notou que algo não estava certo. Correu até Shin, gritou algo para ele e os dois, assim como o Reino de Órion inteiro, foram ofuscados por uma luz esverdeada tão poderosa que podia ser vista de fora da Terra. Proveniente da detonação, um ruído aterrador atingiu o planeta nos seus cantos mais recônditos.

 A onda de destruição levou segundos para varrer todo o reino e não deixou estrutura alguma de pé, o reduziu a escombros, poeira e a uma imensa nuvem de cogumelo branca que alcançou inacreditáveis sete quilômetros de altura. Os terremotos provocados pelo ato de Kurama abrangeram o mundo todo, levando curiosos de todas as partes a se perguntarem o que estava havendo e saírem de suas casas para olhar a grande nuvem. A confusão se espalhou feito incêndio pelo globo. 

O cenário no Reino de Órion era desolador. Apocalíptico. No entanto, por incrível que pareça, nenhum habitante dele pereceu. Um único se feriu gravemente: aquele que salvou a todos. Arashi. Envolveu todos os moradores do reino em armaduras de gelo e, com a ajuda de Shin, fortaleceu-as o suficiente para suportar a explosão. Desse modo, todos sobreviveram. Ele, contudo, não foi capaz de proteger a si mesmo, e padecia, caído, das dores de seus machucados. Estava às portas da morte. 

O levaram, às pressas, ao melhor hospital do Reino de Ácamar, mas o dia virou noite e os médicos permaneciam em cirurgia tentando salvá-lo. Ele estava muito ferido e não respondia de maneira nenhuma a qualquer das alternativas às quais seus cuidadores lançavam mão para mantê-lo vivo. Parecia não haver esperanças de salvação para Arashi. Em dado momento, após oito horas desde que começaram, os cirurgiões pararam tudo e se puseram a pensar, como se já tivessem tentado de tudo e estivessem prontos para desistir. 

Sua irmã e sua namorada estavam absolutamente inconsoláveis. As duas, junto com todos os seus amigos mais próximos, aguardavam notícias na ala de espera, uma pequena sala com paredes azuis, contornos brancos, pisos amarelados e seis cadeiras negras. Shiori chorava o tempo inteiro, ia de cá para lá, de lá para cá com um lenço rosa na mão, Kin, de pé na entrada, abraçada a Hayate, bebia água, pois desmaiou no meio da tarde e estava pálida. Chegando na recepção do hospital, ficou histérica, Haru a abraçou e tentou confortá-la, mas ela só se acalmou após perder a consciência. Ninguém nunca a tinha visto daquele jeito. 

Uma das primeiras coisas que Kin gritou ao entrar no hospital foi que não sobreviveria caso ele morresse, todos estavam começando a crer que não foi coisa de momento, que ela falou com propriedade. Haru e as garotas não sabiam com quem se preocupar mais: se com ela ou com Arashi. Para a surpresa de todos — mas não para a de Hayate —, Sora chegou e lhes fez companhia. Por ser o único que estava com dinheiro trocado, lhe pediram que ele fosse com Yue até a cantina do hospital buscar algo para Saori comer. Os dois obedeceram sem pestanejar. 

A ida toda foram quietos. Na volta, conversaram sobre os eventos daquela tarde. Yue em especial ficou tocada quando acidentalmente mencionaram Arashi. Ela encostou na máquina preta de doces, cruzou os braços e, visivelmente deprimida, abaixou a cabeça. 

 — Anda, diz o que tá sentindo. — Sora a encorajou. Yue permaneceu quieta, então ele a leu em voz alta: — Você não quer que todos saiam vivos dessa só porque tem bom coração. Já considera todos eles seus amigos. Admite, vai. Prometo que não vou te achar uma boba. 

— Só se você admitir primeiro. — O acusou de sentir o mesmo que ela.

— Ah, qual é! — Sora riu e, em negação, virou o rosto. 

— "Qual é". Você não me engana, Raikyuu. Se eu estivesse errada, você não estaria aqui. Também os considera seus amigos. — Foi a réplica de Yue.

Sora pensou um pouquinho, abaixou a cabeça, meteu as mãos nos bolsos, deu um pontapé no nada e fez uma concessão:

— Só alguns. 

A madrugada cobriu o Reino de Ácamar e os médicos não vieram dar notícias sobre o estado de saúde de Arashi, ninguém sabia dizer se isso era bom ou ruim. Todos também estavam indecisos sobre o que achar da retalhadora de elite ter parado de chorar. Ela sentou calada, no chão, de costas com a parede, afastada de todos, com a perna esquerda esticada, a direita dobrada, a respectiva mão sobre ela e o olhar no nada. As lágrimas secaram em suas bochechas. O silêncio, durante horas, imperou entre eles. Cada enfermeiro que passava correndo pela porta era uma esperança — e um medo — de novidades. 

As novidades só vieram quando o sol raiou. Para a felicidade de todos os presentes na ala de espera, ele iria sobreviver. Sem sequelas. Já estava até consciente, embora extremamente fraco. O recebimento de visitas ainda era contraindicado, mas como Kin estava quase tendo uma crise de nervos, eles permitiram que ela fosse vê-lo. A retalhadora parou bem na porta do quarto dele, sentiu as lágrimas queimarem seus olhos quando o viu mudar a cabeça de lado e a fitar, pensou nas mil broncas que queria dar nele, mas, na hora de falar, tudo saiu mais confuso do que em sua cabeça:

— Olha, você foi muito idiota! Você é um estúpido! Proteger todo mundo mas...!! Você não pensou em nós?! Em como os seus amigos ficariam sem você?! Sabe como a sua irmã tá?! Você é um completo imbecil, tá me entendendo?! Isso não é nem metade do que eu tenho pra te dizer! Quando melhorar, eu vou te xingar muito!

Um sorriso fraco esticou os lábios pálidos do guerreiro glacial. Ele fez um gesto débil com a mão chamando-a para perto, apontou com os olhos a cadeira próxima do armário branco de madeira a esquerda de sua cama e, bem baixinho, o mais forte que pôde, pediu:

— Vem pra cá, vem. 

Chorando o percurso todo, Kin andou até lá com tanta pressa que parecia que ele ia fugir, virou a cadeira, sentou-se ao seu lado e segurou sua mão. Teve certeza ali mesmo que segurar a mão dele era o que queria fazer a vida inteirinha. Arashi teve a mesma intuição sobre ela. Foi notável o quanto o bronzeado natural de sua pele, o azul claro de seus olhos e o negro de seus cabelos ganharam vida depois que Kin chegou. O mesmo se podia dizer dela, que não sabia como viveria caso o perdesse.

Fim.


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